RELATÓRIO FINAL 0 EQUIPA DE PERITOS: Albino Mazembe André Cristiano José João Manuel Zamith Carrilho Luis Lage Salvador Jossias Taciana Peão Lopes Tomás Vieira Mário 1 2 ÍNDICE I. Sumário Executivo (4) II. Introdução Geral - Contexto e Evolução da Governação de Terras em Moçambique (29) III. Organização do processo de avaliação da governação – Edição 2015 (32) IV. Relatórios Temáticos (34) 1. Reconhecimento dos Direitos Fundiários (34) 2. Regulamentos sobre Uso de Direitos à Floresta e às Terras Comuns e Rurais (66) 3. Uso Planeamento e Desenvolvimento das Terras Urbanas (96) 4. Gestão de Terras Públicas (137) 5. Transferência de Grandes Extensões de Terras para Investidores (173) 6. Disponibilização Pública de Informação sobre Terras: Registo e Cadastro (202) 7. Valor da Terra e Cobrança de Taxas (237) 8. Resolução de Litígios (255) 9. Arranjos e Políticas Institucionais (273) V. Conclusões e Recomendações Gerais (297) VI. Anexos (308) A. Relatório Inicial (309) B. Aide Memoires (312) C. Resumo das Classificações (343) D. Matriz de Recomendações (349) E. Referências Bibliográficas (357) F. Referências legais (364) 3 I. SUMÁRIO EXECUTIVO Antecedentes e evolução da governação de terras em Moçambique Moçambique é considerado um dos países mais pobres do mundo. O Relatório do Desenvolvimento Humano do PNUD, referente ao ano de 2015, colocava-o no 180º lugar entre 188 países, com um IDH de 0,416. A esperança de vida à nascença era, em 2014, de 53,46 anos. Cerca de 45% da população moçambicana continua a viver com menos de USD 1 por dia e não tem acesso a serviços básicos, como água potável, escolas e serviços de saúde. É, pois, inegável que, mais de quarenta anos depois da proclamação da independência, o objectivo último da luta contra o sistema de dominação e exploração colonial, está ainda muito longe de ser atingido. Nos termos da primeira Constituição do país, adoptada pelo Comité Central da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) em Junho de 1975, “... a terra e os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas territoriais e na plataforma continental de Moçambique são propriedade do Estado... [o qual] determina as condições do seu aproveitamento e do seu uso” (artigo 8). Tomando a agricultura como base e a indústria como factor dinamizador e decisivo, o Governo procurou orientar a sua política económica no sentido da liquidação do subdesenvolvimento e da criação de condições para a elevação do nível de vida da população. Fê-lo, porém, segundo alguns autores, sem nunca ter encetado uma verdadeira redistribuição da terra, mas, tão somente, a transformação das propriedades agrícolas privadas em machambas estatais. Em 1979 é publicada a primeira Lei de Terras (a Lei nº 6/79, de 3 de Julho), que consagrava a propriedade estatal e as formas de exploração empresarial de tipo socialista. Às famílias eram limitadas as áreas de cultivo, como forma de as orientar para a produção em cooperativas agrícolas e de usar a sua força de trabalho nas empresas estatais. Aos indivíduos o Estado passou a conceder direitos de uso e aproveitamento da terra através de um título (o DUAT). Para José Negrão, tratava-se de um modelo que visava incorporar o dualismo sectorial estruturalista no modelo de desenvolvimento rural, o que acabava por validar o antigo sistema de dualismo, que havia caracterizado a política fundiária colonial, no novo contexto sobre a posse da terra. Por outras palavras, pretendia-se, em última instância, a socialização do meio rural através de um processo radicalizado, onde a estatização do sector privado constituía um dos eixos do processo de desenvolvimento. A partir da segunda metade da década de oitenta, por efeito da conjugação de factores externos e internos altamente desfavoráveis – como a guerra, a seca prolongada, a agudização da crise económica internacional, decorrente da chamada crise do petróleo e da especulação financeira a ela associada -, a liderança política começou a confrontar-se com a necessidade de imprimir outra orientação à estratégia 4 global de desenvolvimento. Parte integrante desse reposicionamento do país foi a decisão de aderir aos Acordos multilaterais estabelecidos com as agências de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial). Com as subsequentes medidas de liberalização dos preços, de redução do défice orçamental, de privatização das empresas estatais, de contracção monetária, de elevação das taxas de juro e de corte drástico nas despesas sociais, o país entrava definitivamente na senda de uma economia de mercado capitalista. Isso mesmo vem reflectido na fundamentação da Política Nacional de Terras, aprovada pela Resolução nº 10/95, de 17 de Outubro, do Conselho de Ministros, onde se pode ler: “Moçambique atravessa uma nova fase de desenvolvimento económico e social caracterizada por uma economia de mercado. É, pois, justificada a concepção de uma nova política de terras, diferente daquela que orientou a elaboração da actual legislação. Esta Política de Terras parte do simples princípio de que a terra é um dos mais importantes recursos naturais de que o país dispõe, merecendo, por isso, ser valorizada”. A Política Nacional de Terras passou a assentar nos seguintes princípios fundamentais: - A manutenção da terra como propriedade do Estado, princípio actualmente consagrado na Constituição da República; - Garantia de acesso e uso da terra à população, bem como aos investidores. Neste contexto, reconhecem-se os direitos costumeiros de acesso e gestão das terras das populações rurais residentes, promovendo justiça social e económica no campo; - Garantia do direito de acesso e uso da terra pela mulher; - Promoção do investimento privado nacional e estrangeiro, sem prejudicar a população residente e assegurando benefícios esta e para o erário público nacional; - Participação activa dos nacionais com parceiros em empreendimentos privados; - Definição e regulamentação de princípios básicos orientadores para a transferência dos direitos de uso e aproveitamento da terra, entre cidadãos ou empresas nacionais, sempre que tiverem sido feitos investimentos no terreno; - Uso sustentável dos recursos naturais de forma a garantir a qualidade de vida para as presentes e futuras gerações, assegurando que as zonas de protecção total e parcial mantenham a qualidade ambiental e os fins especiais para que foram constituídas. Incluem-se aqui zonas costeiras, zonas de alta biodiversidade e faixas de terrenos ao longo das águas interiores. Contexto do Quadro de Avaliação da Governação de Terras (LGAF) 5 O Quadro de Avaliação da Governação de Terras (LGAF) é um instrumento de diagnóstico participativo que, segundo os propósitos do Banco Mundial, visa permitir aos países em desenvolvimento identificar prioridades estratégicas do sector de gestão e administração de terras e monitorar o seu progresso, com vista à promoção do seu desenvolvimento sustentável. A realização da avaliação em Moçambique em 2015/2016 (LGAF-MZ) acontece num momento crucial da vida do país, caracterizado por uma pressão sem precedentes sobre a terra, decorrente da expansão dos centros urbanos, da construção de infra-estruturas públicas de diversa ordem, da implantação no meio rural de projectos de larga escala baseados na terra, da necessidade premente de fazer face aos impactos das mudanças climáticas, entre outros factores. Todas estas realidades destacam a complexidade e o carácter vital do sector de terras, especialmente no que concerne à necessidade de proteger os direitos e interesses legítimos dos cidadãos, ao mesmo tempo que se criam condições apropriadas para que o país se desenvolva social e economicamente de forma sustentável. Na última década foram dados passos importantes, em várias vertentes, para a organização e monitoria do sector de terras, motivados, sobretudo, pelo interesse de se melhorar o uso e a produtividade da terra, acomodando iniciativas de investimento económico, mas assegurando também a protecção dos direitos legítimos dos cidadãos e comunidades nacionais. Dentre os desenvolvimentos mais importantes na perspectiva de uma gestão de terras virada para o reforço da segurança de direitos de posse da terra, para a melhoria do seu uso, para a atracção de investimentos e para a promoção do desenvolvimento rural, podem destacar-se a Iniciativa para Terras Comunitárias-iTC (2006), o Forum de Consultas sobre a Terra-FCT (2010) e, mais recentemente, a Campanha Terra Segura-CTS(2015). Perante este cenário, o propósito do LGAF-MZ foi também o de oferecer subsídios para uma melhor compreensão da dinâmica da gestão e administração de terras no país, e recomendações concretas para que as diferentes iniciativas em curso ou projectadas para o sector de terras, concorram para um movimento de consolidação da organização e capacidade da administração pública para o desempenho correcto das suas funções nesta área, para o enquadramento correcto, social e ambientalmente responsável, das iniciativas de investimentos sobre a terra, tanto no meio rural como no meio urbano, e, ainda, para a consolidação da participação informada dos cidadãos em assuntos ligados à terra, com vista ao seu maior e melhor uso e aproveitamento. Organização do processo de avaliação da governação sobre terras – questões metodológicas As áreas temáticas propostas na metodologia do LGAF foram consideradas essenciais também para Moçambique, sem prejuizo da indicação, onde se entendeu aplicável, das questões específicas do país que implicam adaptações em relação aos indicadores e respectivas dimensões. Um aspecto de grande importância para a avaliação e que teve de ser contornado foi a inexistência, em muitos casos, de dados estatísticos fiáveis, como acontece com os dados sobre a totalidade do território nacional ocupado por zonas urbanas, comunidades rurais, áreas de domínio público do Estado, percentagem de ocupações 6 tituladas, percentagem de ocupações rurais tituladas/certificadas e registadas, número de processos judicias sobre terras, etc. A avaliação foi conduzida por uma equipa de coordenação técnica, orientada pelo Coordenador Nacional (CN), coadjuvado por uma Investigadora Sénior (IS). O CN e o IS foram responsáveis pela compilação da documentação relevante existente sobre o sector de gestão e administração de terras, sobretudo relatórios de avaliação produzidos por instituições dos diferentes sectores (Governo, parceiros de cooperação, instituições de pesquisa, sector privado e organizações não governamentais) e, também, pela produção do Relatório Inicial e do plano esquemático para os relatórios temáticos de base (RTB). A seu cargo esteve, igualmente, a identificação dos Peritos para cada tema, bem como a produção do Relatório Final. A equipa integrou também especialistas identificados para a abordagem dos diferentes temas (os Peritos), os quais procederam à revisão documental e à produção dos relatórios temáticos de base, (background reports), produziram as respectivas notas explicativas, conceberam e facilitaram os painéis e produziram os Aid Memoires de cada painel. Por contigências de última hora, o IS assumiu a responsabilidade de produzir os RTB’s e facilitar os Paineis 4 e 5, ficando a cargo do CN a facilitação do Painel 9, sobre arranjos e politicas institucionais. Relatórios temáticos e organização dos Painéis: principais conclusões Seguindo os termos previstos no Manual de Implementação do LGAF, produziram-se nove RTB’s e organizaram-se os respectivos Painéis de discussão, abordando os seguintes temas: 1. Reconhecimento de Direitos Fundiários 2. Regulamentos sobre Uso de Direitos à Floresta e às Terras Comuns e Rurais 3. Uso Planeamento e Desenvolvimento de Terras Urbanas 4. Gestão de Terras Públicas 5. Transferência de Grandes Extensões de Terras para Investidores 6. Disponibilização Pública de Informação sobre Terras: Registo e Cadastro 7. Valor da Terra e Cobrança de Taxas 8. Resolução de Litígios 9. Arranjos e Políticas Institucionais A seguir se indicam, resumidamente, as principais questões colocadas e as conclusões dos participantes nos Painéis, de acordo com os indicadores e dimensões previamente definidos: Painel 1 – Reconhecimento de direitos fundiários 7 A regulação dos direitos fundiários e/ou dos direitos sobre a terra sofreu várias vicissitudes ao longo do tempo, com a sucessão de regimes políticos e ideológicos: (a) desde a Lei de Terras de 1979 e respectivo Regulamento de 1987, cujo regime foi questionado por apresentar um carácter “excessivamente estatal” ineficaz, pouco flexível e gerador de situações de insegurança no acesso e posse de terra; (b) passando pelo processo inovador do ponto de vista social, económico e político, no contexto da aprovação da Política Nacional de Terras (PNT), em 1995, e da Lei de Terras (LT), em 1997; e, (c) até à consagração do pluralismo jurídico na Constituição da República de 2004, que reafirmou a propriedade do Estado sobre a Terra e todos os recursos naturais do solo e do subsolo, e os direitos de uso e aproveitamento sobre a terra. Para este Painel foram definidos dois indicadores: o primeiro refere-se ao reconhecimento de um continuum de direitos, nos termos do qual se pretende averiguar da existência do reconhecimento de direitos rurais e de posse, bem como se a legislação valoriza e protege os direitos de posse consuetudinários e de grupo (incluindo direitos secundários e direitos por parte das minorias e das mulheres); o segundo indicador refere-se ao cumprimento e ao respeito pelos direitos adquiridos. Principais conclusões:  A Lei de Terras e o respectivo Regulamento preconizam a proteção de direitos das comunidades legais, a posse de boa-fé, e estabelecem os meios e de protecção e titulação de tais direitos. Porém, por força da conjuntura social moçambicana, aliada à fragilidade institucional, tais prerrogativas não são devidamente asseguradas.  Não obstante, a procura já elevada de terra tem vindo a aumentar com o crescimento da economia. E muito embora os direitos locais gozem de protecção legal, a maior parte permanece por registar e está “fora do cadastro”, encontrando-se ainda vulnerável e exposta a ser capturada por grupos mais poderosos. A abordagem adoptada pela PNT de 1995 e pela Lei de Terras de 1997 – acesso participativo e negociado à terra local que gere benefícios em termos de alívio da pobreza para os titulares de direitos existentes que cedam esses direitos – ainda aparenta ser a melhor maneira de conciliar as necessidades, muitas vezes divergentes, dos diferentes utilizadores. Por outras palavras, os seus objectivos sociais ainda são válidos.  Em relação à questão das “consultas comunitárias”, que é uma das características fundamentais da Lei de Terras de 1997 e a principal garantia de cariz prático dos direitos locais à terra (DUAT’s) adquiridos por ocupação costumeira, os críticos alegam, e com razão, que a Lei e o Regulamento são muito parcos em detalhes sobre como devem ser realizadas as consultas, quem representa a comunidade e quais os respectivos efeitos legais.  No que toca ao processo de delimitação de terras, importante instrumento de titulação de posse das comunidades locais, este encontra ainda grandes desafios: devido (i) à falta de provedores de 8 serviços qualificados e com capacidade para conduzir a delimitação dentro das regras estabelecidas; (ii) à necessidade de apropriação do processo pelas comunidades; e (iii) à falta de sinergias entre os processos de delimitação e os representantes dos governos distritais e à necessidade de incluir a delimitação nos planos de orçamento de desenvolvimento dos distritos.  Com a criação do MITADER, Moçambique tem finalmente o potencial para implementar cabalmente a progressista e altamente conceituada Lei de Terras de 1997. Com a elevação das suas credenciais económicas, deixando o seu propósito social intacto, e com um quadro institucional novo, beneficiando de forte apoio de doadores (ao nível nacional e distrital), a implementação cabal do quadro pode agora ser possível. Painel 2 – Regulamentos do uso de direitos à floresta e às terras comuns e rurais Na sequência da Constituição de 1990, das primeiras eleições multipartidárias e da aprovação de políticas específicas para os sectores de terras, florestas e fauna bravia, deu-se início a um processo legislativo que culminou com a aprovação da Lei de Terras (Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro) bem como da Lei de Florestas e Fauna Bravia (Lei n.º 10/99, de 10 de Novembro). Estas Leis possuem semelhanças dignas de referência, não apenas por terem sido elaboradas durante o mesmo ciclo de governação, mas também porque foram objecto do mesmo apoio técnico e financeiro, durante a fase de desenho no Ministério que então superintendia a Agricultura. Uma das características comuns prende-se com o facto de resultarem de um esforço de produção de uma composição de interesses. No caso da Lei de Terras procurou-se, por um lado, proteger os direitos da grande maioria deos ocupantes da terra e, por outro lado, criar as condições para a valorização da terra através de fortalecimento do papel do sector privado. Esta composição está igualmente presente na Lei de Florestas e Fauna Bravia, através da protecção dos direitos dos principais utilizadores da floresta – os camponeses – por via do reconhecimento da dispensa de licença em caso de consumo próprio e da possibilidade de as comunidades locais serem operadoras florestais; da regulação do licenciamento florestal, projectando o sector privado madeireiro; e, ainda, da preocupação com as necessidades de conservação. Porém, esta composição não logrou atingir o necessário equilíbrio e, nessa medida, a Lei de Florestas e Fauna Bravia veio a assumir-se como uma lei de pendor extractivista, em detrimento de interesses de cariz ambiental, visando um desenvolvimento socioeconómico sustentável. Da análise efectuada depreende-se, como principais conclusões, a necessidade de regularização e harmonização do quadro legal de terras e florestas, não só no que concerne aos direitos de uso e aproveitamento da terra, mas também relativamente às formas de ocupação da terra, aos direitos dos ocupantes e à indicação clara das formas de resolução dos conflitos. 9 No concernente à Lei de Terras, face à pouca clareza que revela, sobretudo em relação aos vários procedimentos atinentes à ocupação do solo, verifica-se a necessidade de melhor regulamentar a ocupação nas áreas urbana e rural, por forma a esclarecer o âmbito de aplicação tanto da Lei de Terras como do Regulamento do Solo Urbano. No campo das florestas torna-se necessário delimitar as áreas florestais, indicar com maior clareza as responsabilidades e as sanções contra os infractores, sendo que, com a introdução das novas medidas governamentais, se prevê melhorias neste sector. Persiste, no entanto, a necessidade da capacitação dos agentes, melhoria e aplicação eficiente das sanções, e principalmente o reajuste da legislação ao contexto actual do país. Painel 3 – Uso, planeamento e desenvolvimento das terras urbanas Se a gestão da ocupação e do uso da terra reflecte a forma como a racionalidade homogeneizadora do Estado regula, numa escala ampla, a relação entre os indivíduos e o espaço onde se desenrolam as suas vidas, o planeamento e a gestão urbana espelham o modo como essa mesma racionalidade preconiza e regulamenta o desenvolvimento das cidades, o que se procura compreender através da análise das principais práticas e dos principais instrumentos jurídico-urbanísticos concebidos para tal. No caso da gestão da ocupação e do uso da terra, a melhor compreensão dos impactos da legislação sobre o espaço urbano requer uma identificação sumária das práticas dominantes nesse âmbito a todos os níveis. No que se refere ao planeamento e gestão urbana, bem como às políticas e programas habitacionais para os menos desfavorecidos, o seu entendimento deverá cingir-se aos discursos em si, confrontando-os com os principais tipos de intervenção urbana. Para compreender a dinâmica e os impactos resultantes das intervenções ao nível de políticas, estratégias, cobertura legal e desenvolvimento espacial urbano procedeu-se à análise de alguns parâmetros que constituíram indicadores susceptíveis de ajudar a compreender a dimensão do desenvolvimento urbano no país, sobretudo quando comparado com outras realidades pelo mundo fora. Dos indicadores avaliados destacam-se: (i) as restrições sobre os direitos do uso de terras; (ii) a eficiência no processo de planeamento do uso de terras urbanas; (iii) a velocidade e previsibilidade da execução do uso de terras restringidas e, (iv) os procedimentos para a regularização de propriedades em áreas urbanas. As principais conclusões extraídas podem resumir-se do seguinte modo:  Moçambique caminha a passos largos para uma rápida urbanização. O fenómeno da urbanização não tem estado a ser acompanhado por estratégias e programas específicos de desenvolvimento urbano. O país ainda não colocou a questão urbana na agenda prioritária da governação. Entretanto, os centros urbanos vão crescendo como podem e, cada vez mais os assentamentos 10 informais tomam forma, estimando-se que até 2015 cerca de 70% dos habitantes dos centros urbanos do país residam na parte informal.  É reconhecido o grande desenvolvimento de instrumentos jurídico-legais para o planeamento, gestão e administracção do solo urbano. Todavia, há que considerar que subsistem alguns desafios. Os actuais sistemas de administração de terras e direitos de propriedade de bens sobre a terra gerem apenas uma proporção pequena das actuais necessidades da população. Os procedimentos existentes são basicamente concebidos para atender aos requerentes de terras pela primeira vez – maioritariamente investidores. A procura, em comparação com a população e o número de agregados familiares, é muito baixa, quer pela aparente dificuldade em obter um DUAT, quer porque o título em si e as leis subjacentes a ele não são adequadamente entendidos pelos ocupantes de terra. Números exactos são difíceis de obter mas não devem passar dos 2 a 3 % de cidadãos nacionais que têm títulos formais de DUAT’s, a maior parte dos quais provisórios.  O actual sistema de pedido de novos DUAT’s – de facto, o primeiro registo do direito de um dado titular – é precário. Os direitos dos ocupantes, se não têm um DUAT formal, não são documentados e registados. Isto quer dizer que, esporadicamente, pedidos de DUAT possam ser feitos sobre terras onde recaiam outros direitos de uso e aproveitamento. Não há nenhum sistema formal de registo de direitos de uso da terra para a maioria que já ocupa a terra e nenhuma previsão de registo sistemático.  A jusante dos problemas do DUAT situam-se as questões do licenciamento da construção e do registo de propriedade. É sabida a independência das instituições tutelares, mas é preciso reconhecer que esta separação torna os processos ainda mais complexos. Esta é uma componente importante da administração de terras em Moçambique e é a fonte de vários dos seus problemas.  A necessidade de encorajar todos os utilizadores da terra a obterem o título de posse, face a um pano de fundo de uma população crescente, de procura crescente de terras para investimento e do grande crescimento do mercado informal de terras, mostra-se cada vez mais urgente.  Propostas de solução devem ser feitas tendo em conta a grande questão sobre que tipo de administração de terras e de prestação de serviços ao público Moçambique precisa, face à actual situação sócio-económica e que torne possível a implementação dos dispositivos legais existentes de igual modo para todos os ocupantes da terra.  Há um pressuposto implícito, segundo o qual racionalizar e melhorar os sistemas de acesso, registo e documentação, bem como a prestação de serviços na administração e gestão de terras, em todos os aspectos, irá trazer maior procura desses serviços. Uma maior oferta irá, por sua vez, desencadear o aumento da procura, gerando postos de prestação de serviço melhorados e mudanças proporcionais nos diversos níveis institucionais. Isto iria clarificar os direitos 11 existentes sobre a terra, através de um sistema de registo de direitos mais exacto e claro e reduzir os conflitos de terras e outros afins.  Um dos grandes objectivos a atingir, partindo-se das capacidades de intervenção e iniciativas identificadas, é o de que se enverede por um processo gradual de regularização e ordenamento da ocupação do solo, mais sustentável, mais seguro e com perspectivas de maiores ganhos na melhoria das condições de vida da população no futuro. Painel 4 – Gestão de terras públicas Constituíu objectivo central deste Painel avaliar as formas de administração e gestão da terra à luz dos dispositivos legais vigentes no País, particularmente os aspectos ligados à: (i) identificação e gestão de terras públicas; (ii) justificação e eficiência do tempo dos processos de expropriação; e (iii) transparência e justiça dos procedimentos de expropriação. Importa notar, desde logo, que, como resultado da nacionalização da terra e da reversão de todo o património natural do país para a propriedade do Estado, toda a terra da República de Moçambique é propriedade do Estado, sendo toda ela, por isso, terra pública. Neste contexto, e tal como o fez a Lei de Terras de 1979, no seu artigo 2, a nova Lei de Terras de 1997, no seu artigo 4, cria o Fundo Estatal de Terras, determinando que “Em Moçambique, toda a terra constitui o Fundo Estatal de Terras”. No entanto, e para uma melhor compreensão, contextualização e avaliação dos indicadores e dimensões definidos para este tema, foram listados alguns dos factores caracterizadores da natureza jurídica da propriedade do Estado sobre a terra no contexto moçambicano, tentando aferir das suas implicações para o relacionamento do Estado com os cidadãos e com outras entidades públicas e privadas: - Terras públicas v. Domínio público do Estado - Domínio público das autarquias - Domínio público comunitário - Domínio privado de cidadãos e entidades nacionais e estrangeiras Principais conclusões:  O Painel destacou a necessidade de distinção clara, em termos de responsabilidades institucionais e procedimentos de gestão, entre as terras sob o domínio público, tanto do Estado, como das Autarquias e Comunidades Locais, e as terras passíveis de ocupação e uso por via de DUAT’s. A coexistência do pluralismo jurídico impõe que o regime jurídico do domínio público comunitário sobre a terra e recursos naturais seja adoptado com urgência, processo no qual se deverá prestar atenção à necessidade de identificação e preparação de mecanismos de transição gradual da oralidade para a escrita na gestão e administração de terras no meio rural. 12  Foi igualmente demostrada a necessidade de o Estado se organizar de modo a que o sector de gestão e administração de terras mantenha uma base da dados completa e actualizada sobre as diferentes categorias territoriais, e que sejam adoptados e usados de forma permanente e rigorosa instrumentos essenciais de apoio ao processo de tomada de decisões, com destaque para os planos de zoneamento e planeamento territorial, e para o sistema de informação sobre gestão de terras, especialmente ao nível dos distritos. A descentralização e desconcentração administrativa precisa de prosseguir num sentido que permita uma maior e melhor intervenção dos governos distritais e das autoridades comunitárias na gestão de terras, com clareza de mandatos e competências, com a disponibilização de técnicos qualificados e suficientes para responder à demanda do sector, e com a disponibilização dos recursos materiais indispensáveis para a gestão eficaz e eficiente do cadastro nacional de terras.  As mudanças na ocupação de terras para dar espaço a investimentos públicos ou privados, em muitos casos com consequências sociais e ambientais nefastas, impõe a ponderação dos critérios que objectivamente devem determinar a existência de utilidade, necessidade e interesse público. Onde não seja possível evitar situações de expropriação de direitos e reassentamentos involuntários, o Estado tem a responsabilidade legal e social de assegurar sempre condições melhores para as pessoas afectadas. Pela sua importância, e sobretudo pelo alto potencial de serem focos de instabilidade social, os projectos de investimentos que impliquem expropriação de direitos e reassentamentos involuntários, e sobre os quais se deva declarar a existência de necessidade, utilidade e interesse públicos, deveriam obter o parecer prévio de comissões relevantes da Assembleia da República. Painel 5 – Transferência de terras públicas para investidores Os indicadores pré-definidos para este tema tinham em vista determinar: (a) se a transferência de terras públicas para uso privado segue um processo claro e competitivo e se os pagamentos são recebidos; (b) se existe uma estratégia de investimento privado; (c) se a implementação de políticas é eficaz, consistente e transparente; e (d) se os contratos que envolvem terras públicas são públicos e acessíveis. Como introdução à análise das dimensões incluídas sob cada indicador, foram abordados previamente alguns aspectos estruturantes, como a incomercialidade da terra, as políticas, estratégias e directrizes para investimentos privados baseados na terra, a transparência e consistência na implementação de políticas de investimento e a acessibilidade dos contratos de investimento. Da abordagem realizada conclui-se que, tal como foi recomendado pelas avaliações mais recentes ao sector de terras, a avaliação do quadro político-legal para investimentos deve ser seja feita num contexto mais alargado de análise de outros constrangimentos que transcendem aspectos meramente legais. 13 Assim, não pode deixar de sublinhar-se que:  Existe uma grande falta de confiança no Estado de Direito em Moçambique, sentimento partilhado por todos os investidores e pelos que os apoiariam;  O desafio de “fazer negócio” em Moçambique é muito complexo e ainda muito arriscado;  A capacidade extremamente fraca da administração pública de terras para implementar eficazmente qualquer quadro jurídico, inviabiliza os esforços de melhoria do ambiente de negócios, bem como mina todo o empenho para que os mesmos sejam implementados de maneira social, ambiental e economicamente sustentável. Painel 6 – Disponibilização pública de informação sobre terras: registo e cadastro Neste tema o objectivo central foi o de avaliar os sistemas existentes de acesso à informação fiável e consistente sobre a gestão da terra, nomeadamente relativamente ao registo e ao cadastro. A relevância desta matéria é evidente, pois uma boa governação da terra implica a existência de sistemas de disponibilização de informação sobre a gestão deste recurso natural estratégico, que seja relevante, fiável e acessível, do ponto de vista técnico e financeiro, para o público. A administração e gestão da terra têm em vista orientar a alocação da terra do modo mais eficiente para o benefício da economia e da sociedade. A gestão da terra tem três dimensões: (a) o registo de direitos sobre a terra; (b) a avaliação económica da terra; (c) o uso da terra. A informação sobre o registo e cadastro da terra tem características de um bem público, providenciando uma base de racionalidade para o envolvimento do governo no registo, e permitindo acesso a informação fiável e em tempo útil às partes interessadas, sobre a terra. Este é o fundamento em que se baseia a problemática do registo e cadastro da terra, cuja discussão é realizada considerando os seguintes indicadores: - Mecanismos para o reconhecimento de direitos - Integridade do registo de terras - Fiabilidade da informação do registo - Efectividade do custo e sustentabilidade dos serviços de Administração de Terras - Forma transparente de determinação das tarifas As principais conclusões do Painel foram as que se seguem:  O estabelecimento de sistemas eficazes e consistentes de recolha, sistematização e disponibilização de informação sobre a gestão da terra constitui um dos principais desafios a que Moçambique deve responder, rumo à boa governação fundiária. A forte pressão sobre a terra, nomeadamente por parte de investidores estrangeiros, esbate-se com uma alta fragilidade institucional do Estado, a qual, vezes sem conta, resulta em situações de incumprimento ou 14 mesmo de clara violação da lei, geralmente em prejuízo das comunidades locais, detentoras de direitos sobre a terra não formalizados. Uma das consequências mais imediatas desta realidade é a irrupção de conflitos de terras.  Neste contexto, um esforço mais robusto, para o alargamento da delimitação de terras comunitárias, com a subsequente atribuição de DUAT’s, mostra-se como uma das vias mais rápidas e eficientes de construir um registo e cadastro de terras mais consistente, para garantir, quer os interesses do Estado, quer o dos investidores privados e do sector familiar e comunitário.  A publicação de atribuição de DUAT’s no Boletim da República deve ser retomada com carácter urgente, como um dos mecanismos de transparência da administração pública e de disponibilização da informação ao público.  De igual modo, o MITADER deve adoptar um mecanismo prático que permita maior acesso público à informação sobre a terra, implementando a Lei do Direito à Informação, em particular no que se refere ao princípio da máxima divulgação de informação (artigo 6°), que determina: 1. As entidades públicas e privadas abrangidas pela presente Lei (do Direito à Informação) têm o dever de disponibilizar a informação de interesse público em seu poder, publicando através dos diversos meios legalmente permitidos, que possam torna-la cada vez mais acessível ao cidadão, sem prejuízo das excepções expressamente previstas na presente Lei e demais legislação aplicável. 2. Para efeitos do disposto no número anterior, as entidades abrangidas pela presente Lei devem proceder à ampla divulgação da informação seguinte: a) organização e funcionamento dos serviços e conteúdos de decisões passíveis de interferir na esfera dos direitos e liberdades do cidadão b) plano de actividades e orçamentos anuais, bem como os respectivos relatórios de execução; c) relatórios de auditoria, inquéritos inspecção e sindicância às suas actividades; d) relatórios de avaliação ambiental; e) actas de adjudicação de quaisquer concursos públicos; f) contratos celebrados, incluindo a receita e despesa neles envolvidas. 3. Os meios de divulgação a que se refere o n°1 do presente artigo incluem, nomeadamente, o Boletim da República, os meios de comunicação social impressos, radiofónicos e televisivos, página da Internet e afixação em lugares de estilo. 15  Os mecanismos e processos ora exigidos para a formalização de ocupação legítima, reconhecida pela lei, ou para a regularização de ocupação informal de terrenos nos meios urbanos, devem ser simplificados e disseminados junto das populações do meio rural e das zonas suburbanas.  A disponibilidade pública de informação sobre o registo e cadastro da terra constitui um dos factores estratégicos de primeira linha, indispensáveis para uma boa governação fundiária. Este factor torna-se tanto mais relevante, quanto é forte a pressão sobre este recurso estratégico, qualificado pela Constituição da República como o “meio universal de criação da riqueza e do bem- estar social”. Uma garantia de acesso à informação segura sobre o cadastro de terras implica a existência de sistemas de recolha, processamento e gestão de dados, com base em métodos fiáveis e com apoio de sistemas tecnológicos adequados. Na posse de um sistema eficiente de registo e cadastro de terra, o Estado fica habilitado a tomar decisões sobre o uso deste recurso, numa base de racionalidade, ao mesmo tempo que habilita todas as partes interessadas a prosseguir os seus interesses com maior segurança e racionalidade económica.  Nesse sentido parece indicar a introdução recente do SiGIT, visando permitir a disponibilização de informação fiável e em tempo útil sobre terras, para o uso por instituições públicas e privadas na prossecução dos seus objectivos. Porem, constrangimentos importantes ao pleno funcionamento do SIGIT – como a fiabilidade da energia e a conectividade – aconselham a quem de direito a tomar as devidas precauções, sob o risco da nova tecnologia não responder ao correspondente custo de investimento.  Em conclusão: a qualidade das instituições existentes; o seu funcionamento e as normas ou práticas através das quais recolhem, processam e disponibilizam informação sobre a gestão da terra são ainda inadequadas para: (a) garantir que o governo tome decisões informadas e seguras; (b) que o sector privado tome decisões de investimento de forma célere e economicamente viável; (c) que as comunidades e os indivíduos garantam seus direitos de posse de terra, de forma transparente e economicamente acessível. Painel 7 – Valor da terra e cobrança de taxas Tem-se como objectivo, neste tema, avaliar o nível de governação da terra no que respeita à transparência da avaliação (do valor) da terra e à capacidade e eficiência da cobrança de taxas sobre a terra. Ora, como é sabido, em Moçambique, a terra é propriedade do Estado e “não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada”, nem se prevê a possibilidade de arrendamento ou outras típicas acções de transacção, excepto a cessão de exploração não regulamentada, ao contrário de outros países onde a terra é propriedade do Estado, como é o caso do Vietname. 16 Perante os debates em curso sobre a questão da propriedade da terra em Moçambique, a posição do Estado e dos seus agentes tem sido variável. Ao mesmo tempo que a Lei de Terras de 1997 estipula que a terra “…não pode ser vendida ou, por qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada” (art. 3), a Constituição da República, de 2004, isto é sete anos depois, estabelece (art. 109) que “[a] terra não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada”. Este artigo tem sido erradamente citado até por especialistas. Em alguns momentos dá-se sinal de tolerância, noutros de intransigência. Por exemplo, recentemente, entre rever o quadro legal fundiário ou tolerar, regulamentando, retomou-se, na revisão do Código Penal, uma atitude de criminalização da venda de terras, punida com pena de prisão maior de dois a oito anos, sem abrir vias para uma regulamentação mais compreensiva. Do ponto de vista legal, as questões de governação que impliquem um mercado de terras não se põem, dado que é o investimento que estabelece o valor da terra, ao contrário das benfeitorias nela erguidas, registadas no Registo Predial. Tendo em conta os objectivos da avaliação do quadro, a governação da terra no que tange à propriedade e impostos sobre a propriedade, realiza-se, pois, por enquanto, de acordo com a legislação e as normas vigentes. Principais conclusões:  A discussão levada a cabo no Painel veio enfatizar a fraqueza do sistema de recolha, tratamento, actualização e manutenção de informações relativas ao uso e aproveitamento da terra e à avaliação e cobrança de taxas. O registo dos titulares de DUAT tem passado por várias fases, em várias bases de dados, em particular daqueles que o obtêm por autorização, que, salvo as isenções estabelecidas, são passíveis de taxas. Muito embora esteja em desenvolvimento um sistema de gestão de informação que permita calcular com confiança as taxas devidas, ainda se está a proceder à actualização, a partir de várias bases de dados. As perspectivas não parecem negativas, mas, naturalmente, verifica-se a necessidade de reforço do sistema de informação, especialmente no que respeita à velocidade com que se procede à migração de dados, assim como à sua eventual abertura ao público e ao reforço da capacidade de processamento mais rápido dos pedidos de registo.  A observação desapaixonada do contexto social, político e ambiental conduz ao entendimento de que o desenvolvimento do sistema de gestão e administração de terras em Moçambique é uma prioridade menor, embora mereça atenção. Na realidade, o quadro jurídico e a realidade actual não apontam para uma necessidade urgente de reforma. Existem problemas maiores: o estabelecimento e manutenção de um clima de paz, o ajuste das condições económicas de aproveitamento e uso da terra, em particular da gestão macroeconómica do país no que se refere à política fiscal ou, mais especificamente, à relação entre o orçamento, a dívida pública e a 17 capacidade de geração de receitas, em que a receita proveniente das taxas de terras tem um peso reduzido.  Essa pode ser uma vantagem, porque permite uma revisão mais cuidadosa de conjunto do quadro jurídico e legal mencionado, para tratar de questões que podem vir a ter um impacto significativo na valorização e cobrança de taxas de terras: revisão do quadro de isenções, ligação entre o Cadastro e o Registo Predial, ligação entre os sistemas de cobrança relacionados com o uso da terra e o sistema nacional de tributação, resolução de dúvidas sobre a possibilidade ou não de arrendamento, etc. Os resultados da avaliação podem mudar este cenário, especialmente se forem capazes de suscitar o debate sobre as melhores formas de gestão participativa e de aumento das receitas públicas a partir do recurso terra. Painel 8 – Resolução de litígios A crescente demanda pela terra é uma realidade social e económica de Moçambique contemporâneo. A mobilidade populacional, a corrida aos recursos minerais, florestais e faunísticos, os novos projectos de investimento agrícola, e um conjunto de iniciativas privadas e comunitárias estão em curso nas zonas rurais, proporcionando um contexto complexo de competição pelo acesso e gestão dos recursos naturais, entre os quais a terra. Reconhecendo a importância da segurança dos direitos sobre a terra, o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) lançou o “Projecto Terra Segura”, uma das componentes do “Projecto Estrela”, que está estruturado em cinco pilares, nomeadamente “Quinta da Energia”, “Mais Saber”, “Via Rural”, “Água Viva” e “Um Distrito, Um Banco”. O objectivo do “Projecto Terra Segura” é reforçar o sistema de administração e gestão de terras, com ênfase para o acesso, registo e gestão da informação. Através deste projecto, o MITADER implementará as seguintes acções estratégicas: (i) o registo e certificação do direito de uso e aproveitamento da terra, (ii) o mapeamento do território em escala de 1:50.000 e 1:25.000 do território nacional, (iii) a construção de um cadastro nacional actualizado, fiável e transparente, (iv) mecanismos eficientes de emissão de DUAT’s, (v) descentralização da capacidade técnica de gestão e administração de terras nos distritos, (v) divulgação dos direitos e obrigações de uso e aproveitamento nas comunidades (Lei de Terras), (vi) optimização do uso da terra através da transferência de técnicas de cultivo que permita aumentar os níveis de produtividade, (vii) democratização do acesso à terra respeitando a igualdade de género (viii) segurança de posse de terra. Não obstante existirem expectativas de que as novas dinâmicas económicas e sociais contribuam para o desenvolvimento do país, em torno da “questão terra” registam-se conflitos de diversa ordem. Em 2006, o Banco Mundial fazia o seguinte diagnóstico sobre a questão do acesso à terra em Moçambique: i) a lei não resolveu os conflitos recorrentes entre pequenos agricultores (que praticam a agricultura extensiva, itinerante) e agricultores comerciais; ii) falta de incentivo para as parcerias entre pequenos e grandes agricultores comerciais; iii) as ONGs alegam que os mecanismos de consulta são uma farsa, 18 porque os pequenos agricultores têm sido afastados das suas terras sem que haja consulta ou o pagamento de compensações; iv) os agricultores comerciais (fazendeiros com mais de 50 hectares) que desejam investir queixam-se de que os procedimentos de garantia dos créditos são complicados e onerosos porque dependentes de decisões administrativas sobre a viabilidade do plano de desenvolvimento; v) o processo de aprovação das concessões não é transparente, promovendo a corrupção; vi) tanto para os pequenos, como para os grandes agricultores, a terra ainda não serve de garantia para empréstimos. Para além de outros factores, isto faz com que os pequenos agricultores não sejam dignos de aceder ao crédito junto dos bancos comerciais. Conclui o estudo afirmando que – como acontecera em 2002 – por um lado, a Lei de Terras não promoveu investimentos de longo prazo na agricultura. Por outro lado, não há nenhuma evidência de que a Lei de Terras tenha proporcionado uma distribuição equitativa da terra. O presente tema baseia-se na análise de dois indicadores relacionados com a resolução de conflitos: a “atribuição de responsabilidades” e “a proporção de terras afectadas por conflitos”. O primeiro remete para a descrição dos sistemas de justiça moçambicanos (formal e informal). Partindo do princípio constitucional do pluralismo jurídico, são descritas as instâncias e mecanismos de resolução de conflitos disponíveis aos cidadãos, respectiva distribuição de competências, formas de acesso, procedimentos e conteúdo das resoluções em torno de conflitos de terra. Através do segundo indicador procede-se à avaliação de dados quantitativos sobre os conflitos de terra processados nas instâncias formais de resolução de litígios, tecendo opiniões sobre o peso relativo dos conflitos de terra e a duração dos processos. A discussão levada a cabo no Painel permitiu que se chegasse a um conjunto de conclusões que a seguir se sumarizam:  Vigorando sociologicamente uma pluralidade de instâncias de resolução de conflitos e/ou ordenamentos jurídicos, o Estado não tem o monopólio da resolução de conflitos. Antes partilha essa função com outras instâncias (comunitárias), enraizadas em historicidades e identidades locais, cuja legitimidade não deriva necessariamente da lei escrita. No entanto, assumimos o pluralismo jurídico apenas como um ponto de partida para analisar as complexidades normativas e cognitivas vigentes e a forma como as mesmas são manipuladas nas interacções sociais. A fragmentação das instâncias comunitárias e o facto de não ser regulada a sua relação com a justiça formal, contribui para a que não seja clara a distribuição de responsabilidades na função de resolução de conflitos de terra. As partes podem canalizar os litígios paralelamente para várias instâncias, sendo que estas apenas de forma ad hoc partilham as evidências e as decisões. Significa que Moçambique não terá ainda um sistema integrado de administração da justiça;  As instancias informais tendem a proferir decisoes de acordo com a equidade, o bom senso e com justiça (nalguns casos alicerçadas nas normas costumeiras), assumindo-se a mediaçao como uma 19 tecnica privilegiada de resoluçao de conflitos. Apesar das características positivas e das potencialidades que se apontam as instancias informais, reconhece-se que sera muito difícil ou mesmo impossível traçar-lhes um perfil universal. Tambem se registam exemplos de instancias (ou simplesmente de casos) em que nao sao tomadas medidas equitativas, se privilegia a força de coaçao na regulaçao de conflitos e se desrespeita os direitos elementares dos cidadaos;  As instancias informais contribuem para o processo de titulaçao formal da terra, participando nos mecanismos de consulta comunitaria. Esta intervençao tem particular importancia para a prevençao de conflitos;  Em quase 40 anos de independência, não foi possível estender com eficácia a rede judiciária para todo o país, apesar dos avanços que se registam. Embora não seja determinante, potencia a intervenção de actores não-estatais na função de resolução. De qualquer modo, mesmo nos locais onde temos tribunais judiciais em funcionamento e uma oferta consistente de serviços jurídicos estatais, o protagonismo das instâncias comunitárias não se dissolve;  A organização judiciária é a pedra angular sobre a qual gravitam quase todas as questões relativas ao sistema de administração da justiça. A opção de fazer coincidir a divisão judicial com a divisão administrativa tem conduzido a um esforço gigantesco de extensão de tribunais judiciais em todos os distritos, independentemente das características de que disponham, da população habitante, do grau de desenvolvimento socioecónomico, das particularidades da procura sociojurídica. A par dos tribunais deverão ser implantados em todos os distritos outras instituições que desempenham papel relevante na administração da justiça. Esta ambição está longe de ser concretizada, desde logo porque os serviços de advocacia e de assistência jurídica concentram-se nas grandes capitais provinciais e são muito caros;  A actual estrutura da DINAT inclui um sector de resolução de conflitos. O principal desafio que decorre desta nova estruturação é a necessidade de dotar o sector de meios necessários para funcionar de forma eficaz, assim como assegurar a sua articulação com as instituições locais de resolução de conflitos;  Mesmo nos casos onde existem tribunais, estes estão instalados nas capitais distritais. No que respeita à jurisdição administrativa, apenas recentemente foram instalados tribunais nas capitais provinciais. Estes factores, entre outros, contribuem para que o acesso à justiça formal seja muito selectivo em Moçambique;  Os custos dos processos judiciais são elevados, embora os cidadãos que não tenham condições para os suportar possam beneficiar de isenções. Contudo, sendo nalguns casos (sobretudo no contencioso administrativo) obrigatória a constituição de advogados, os custos tornam-se proibitivos para a maior parte dos moçambicanos; 20  Relacionado com a questão da precariedade do acesso e dos custos, não obstante a abundância de relatos de litígios relacionados com a terra em Moçambique, trata-se de uma conflitualidade praticamente ausente nas instâncias formais de resolução de conflitos. Por outro lado, a duração dos processos é muito elevada. Painel 9 – Arranjos e políticas institucionais Um breve olhar sobre a história recente do país mostra que, embora sujeita à intervenção específica de outros departamentos governamentais, a gestão e administração de terras, a nível central, esteve sempre sob a alçada do Ministério da Agricultura (MINAG), nos quarenta anos que se seguiram à independência de Moçambique. Começou por integrar a Direcção Nacional de Geografia e Cadastro e, mais tarde, a Direcção Nacional de Terras e Florestas. Com o advento da actual legislatura, em Janeiro de 2015, produziu-se a mais profunda reforma institucional nas áreas da governação da terra e das florestas, do ambiente e do desenvolvimento rural, consubstanciada nas seguintes medidas: 1. Extinção do MICOA e integração de todos os seus departamentos num novo Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) 2. Transferência do sector de terras e cartografia, do MINAG para o MITADER 3. Transferência do sector de desenvolvimento rural, do MAE para o MITADER 4. Transferência da gestão das áreas de conservação, do MITUR para o MITADER Nos termos do Estatuto Orgânico, aprovado pela Resolução nº 6/2015, de 26 de Junho, da Comissão Interministerial da Administração Pública, ao MITADER são conferidas as seguintes atribuições: a) Planeamento e ordenamento territorial para o desenvolvimento sustentável do País; b) Formulação de propostas de implementação de políticas e estratégias de desenvolvimento integrado da terra, ambiente, áreas de conservação, florestas, fauna bravia e desenvolvimento rural; c) Administração e gestão da terra; d) Administração, gestão e uso sustentável das florestas e da fauna bravia; e) Administração e gestão da rede nacional das áreas de conservação; f) Planeamento, promoção e coordenação do desenvolvimento rural integrado e sustentável; g) Promoção do desenvolvimento do conhecimento no domínio da terra, ambiente, desenvolvimento rural e áreas afins; 21 h) Garantia, manutenção e desenvolvimento de cooperação na área do ambiente; i) Definição e implementação de estratégia de educação, consciencialização e divulgação; j) Coordenação intersectorial e uso sustentável dos recursos disponíveis em prol do desenvolvimento sustentável. Todas estas competências são exercidas, a nível central, por uma estrutura que integra uma Inspecção geral, cinco Direcções Nacionais, uma Direcção de Planificação e Cooperação, quatro Departamentos, um Gabinete Jurídico, o Gabinete do ministro e diversas instituições tuteladas e subordinadas. Ao nível provincial, a gestão da terra foi assegurada, até à legislatura anterior, pelos governadores provinciais e pelas instituições que representavam o MINAG a esse nível, nomeadamente as direcções provinciais de agricultura (DPA’s) e os serviços provinciais de geografia e cadastro (SPGC’s). A partir de Janeiro de 2015, o MITADER herdou os SPGC’s, tendo as DPA’s permanecido no agora designado Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA). Os governadores provinciais mantêm a sua função nesta área, sendo responsáveis pela atribuição de DUAT’s para parcelas de 0 a 1000ha de terra, nos termos do Artigo 22 da Lei de Terras. No escalão distrital, o papel dos governos locais foi de algum modo impulsionado pela aprovação da Lei que estabelece os princípios e as normas de organização dos órgãos locais do Estado (Lei nº 8/2003, de 19 de Maio). A aprovação da legislação sobre o ordenamento e planeamento territorial em 2007, veio reforçar o papel reservado a estas entidades relativamente à gestão da terra e de outros recursos naturais ao nível local, destacando a importância crucial da aprovação de planos distritais de uso da terra. Note-se que, por força da Lei de Terras, a falta de planos distritais de uso da terra e de serviços distritais de cadastro impede que os governos distritais tomem decisões sobre o uso da terra na sua área de jurisdição. Com a aprovação a Lei das Autarquias Locais em 1997 (Lei nº 2/97, de 18 de Fevereiro), e a subsequente criação de novas autarquias a partir de 1998, o solo urbano passou a ser gerido por estas entidades, nas respectivas áreas de jurisdição. Uma vez que se optou por uma abordagem gradual na criação das autarquias, em 1998 apenas 33 cidades e vilas foram abrangidas por este processo. A partir das segundas eleições autárquicas (2003), a criação de novas autarquias tem vindo crescer a um ritmo de mais 10 novos municípios por cada ciclo eleitoral. O número total é, actualmente, de 53. Quanto ao nível comunitário, a legislação sobre terras e florestas já continha disposições específicas reconhecendo a importância da participação das comunidades locais e suas instituições na gestão dos recursos naturais, com base no direito costumeiro e dentro dos limites legais. Todavia, o papel e a intervenção das autoridades comunitárias foram formalizados e reforçados através da aprovação de legislação que veio estabelecer as formas de articulação dos órgãos locais do Estado com as autoridades comunitárias e dos órgãos autárquicos com as comunidades locais e as suas estruturas. Como corolário 22 dessa evolução, a revisão constitucional de 2004 não apenas viria a consagrar o reconhecimento do pluralismo jurídico (artigo 4) e a valorização da autoridade tradicional legitimada pelas populações (artigo 118), como o domínio público comunitário sobre os recursos naturais (artigo 98, nº 3). Principais conclusões: A principal conclusão que se pode tirar da avaliação dos indicadores incluídos no tema deste Painel é a de que a eficiência e eficácia do quadro institucional passa pela observância de princípios de boa governação, a começar pelo respeito pelo Estado de Direito e pela necessária separação de poderes entre os diferentes órgãos do Estado. O rigor no cumprimento da legislação por parte da administração pública, para além de proteger o Estado de situações de ilegalidade, poderá ajudar a reduzir as deficiências do sector em termos de recursos humanos e financeiros, ao maximizar as oportunidades de redução de custos, de organização institucional e de aprendizagem e até de captação de receitas. Paulatinamente, num cenário de observância legal rigorosa, serão igualmente colmatadas as deficiências no âmbito da consulta e coordenação multissectorial, bem como no âmbito das consultas públicas e comunitárias, criando-se assim um ambiente propício para uma governação efectivamente participativa. A importância e necessidade de intervenção dos distintos órgãos do Estado é notória no sector de gestão e administração de terras, onde se impõe uma melhor distinção e distribuição de funções de formulação, de implementação e de arbitragem, para a redução de situações de conflitos de interesse que prejudicam a implementação correcta da PNT, através da necessária prestação de contas e responsabilização. Conclusões gerais e desafios para o futuro 1. Os imperativos sociais ditam que a abordagem e a estratégia subjacentes ao actual quadro legal estão ainda, em grande medida, alinhadas com o que Moçambique precisa hoje. O desafio, então, é como fazer face às necessidades económicas sem lesar as realizações, muito reais, da PNT e da Lei de Terras de 1997 na área da protecção de direitos, e criar um quadro para o acesso negociado à terra e ao seu subsequente uso “sustentável e equitativo”. 2. É necessário manter o importante e inovador instrumento das “consultas comunitárias”, devendo clarificar-se os aspectos relacionados com a “representação e actuação” da comunidade, formalmente prevista no artigo 30 da Lei de Terras de 1997, com recurso às experiências de quem tenha feito consultas comunitárias nos últimos anos, em especial as organizações da sociedade civil que apoiam as comunidades neste processo, aparentemente simples mas, na realidade, complexo. 3. Muitos dos aspectos que hoje se apresentam como dificuldades poderiam ficar solucionados se houvesse um trabalho exaustivo de mapeamento do quadro jurídico-legal da legislação de terras e do ordenamento territorial, parte integrante de um Plano de Implementação do novo quadro legal, bem como a clarificação ‘definitiva’ das competências e poderes dos Governos Provinciais/Distritais e das 23 Autarquias no que diz respeito à matéria da gestão fundiária e do ordenamento e clarificação de alguns aspectos da legislação actual, com especial enfoque, designadamente, nas seguintes matérias:  conferir maior força legal aos títulos do DUAT e licenças especiais, destacando-se a necessidade reformar e operacionalizar de forma eficiente o relacionamento entre o Cadastro e a Conservatória do Registo Predial;  harmonizar conceitos e definições em todo o regime de terras;  melhorar os critérios para determinação de quando os títulos podem ser transmitidos, designadamente e tendo em conta a distinção entre prédios rústicos e urbanos e o planeamento/zoneamento territorial, reduzindo desta forma a discricionariedade e a corrupção;  compatibilizar o regime de transferência de DUAT’s no caso de prédios rústicos e urbanos;  articular a transmissão de DUAT’s relativos a prédios rústicos com as Leis do Ordenamento Territorial e reduzir ao máximo a incerteza jurídica nos processos de transmissão;  clarificar o conceito de benfeitorias;  conferir maior segurança e interesse na detenção dos títulos, designadamente pela clarificação perante investidores nacionais e estrangeiros de que o regime jurídico dos DUAT é um regime seguro;  tornar mais fácil o acesso ao crédito bancário por parte de titulares de DUAT;  permitir maior angariação de receitas pelo Estado resultantes da aplicação de taxas/impostos devidos ligados a estas transacções, clarificando os poderes das entidades com poder jurídico para efectivamente cobrar impostos e/ou taxas (por exemplo, evitando a cobrança ilegal por parte das Autarquias de taxas de ocupação inconstitucionais);  articular melhor a legislação de terras com a legislação sobre o reassentamento populacional, ambiente e ordenamento territorial e ainda com a legislação geral e sectorial relevante;  clarificar os mecanismos de parcerias entre as comunidades locais e investidores, bem como mecanismos mais eficazes para uma boa, transparente e informada participação das comunidades nas negociações com os investidores;  clarificar a dinâmica das diferentes transacções que poderiam ter lugar com a detenção do título do DUAT;  melhorar, dinamizar e tornar mais seguro o mercado de acesso à terra no país, sem se descurar das garantias legais para as questões sociais ligadas ao uso da terra no país;  garantir maior rentabilidade da terra; 24  melhorar a relaçãonencoordenação institucional entre os diversos órgãos públicos envolvidos em matérias conexas com os direitos e registo de terras. 4. Na área das florestas, a recomendação vai no sentido da delimitação das áreas florestais, da indicação clara de responsabilidades e de sancionamento dos infractores, o que, no quadro da reforma institucional recente do sector, pressupõe a capacitação dos agentes, a melhoria e aplicação eficiente das sanções, e, principalmente, o reajuste da legislação ao contexto actual do país. 5. A necessidade de encorajar todos os utilizadores da terra a obterem o título de posse, face a um pano de fundo de uma população crescente, de procura crescente de terras para investimento e do grande crescimento do mercado informal de terras, mostra-se cada vez mais urgente. 6. Propostas de solução devem ser feitas tendo em conta a grande questão sobre que tipo de administração de terras e de prestação de serviços ao público Moçambique precisa, face à actual situação sócio-económica e que torne possível a implementação dos dispositivos legais existentes de igual modo para todos os ocupantes da terra. 7. Há um pressuposto implícito, segundo o qual racionalizar e melhorar os sistemas de acesso, registo e documentação, bem como a prestação de serviços na administração e gestão de terras, em todos os aspectos, irá trazer maior procura desses serviços. Uma maior oferta irá, por sua vez, desencadear o aumento da procura, gerando postos de prestação de serviço melhorados e mudanças proporcionais nos diversos níveis institucionais. Isto iria clarificar os direitos existentes sobre a terra, através de um sistema de registo de direitos mais exacto e claro e reduzir os conflitos de terras e outros afins. 8. Propõe-se igualmente, como um dos grandes objectivos a atingir, partindo-se das capacidades de intervenção e iniciativas identificadas, que se enverede por um processo gradual de regularização e ordenamento da ocupação do solo, mais sustentável, mais seguro e com perspectivas de maiores ganhos na melhoria das condições de vida da população no futuro. 9. No presente relatório destacámos a necessidade de distinção clara, em termos de responsabilidades institucionais e procedimentos de gestão, entre as terras sob o domínio público, tanto do Estado, como das Autarquias e Comunidades Locais, e as terras passíveis de ocupação e uso por via de DUAT’s. A coexistência do pluralismo jurídico impõe que o regime jurídico do domínio público comunitário sobre a terra e os recursos naturais seja adoptado com urgência, processo no qual se deverá dar atenção à necessidade de identificação e preparação de mecanismos de transição gradual da oralidade para a escrita na gestão e administração de terras no meio rural. 10. Referimos igualmente a necessidade de o Estado se organizar de modo a que o sector de gestão e administração de terras mantenha uma base da dados completa e actualizada sobre as diferentes categorias territoriais, e que sejam adoptados e usados de forma permanente e rigorosa instrumentos essenciais de apoio ao processo de tomada de decisões, com destaque para os planos de zoneamento e 25 planeamento territorial, e para o sistema de informação sobre gestão de terras, especialmente ao nível dos distritos. A descentralização e desconcentração administrativa precisa de prosseguir num sentido que permita uma maior e melhor intervenção dos governos distritais e das autoridades comunitárias na gestão de terras, com clareza de mandatos e competências, com a disponibilização de técnicos qualificados e suficientes para responder à demanda do sector, e com a disponibilização dos recursos materiais indispensáveis para a gestão eficaz e eficiente do cadastro nacional de terras. 11. As mudanças na ocupação de terras para dar espaço a investimentos públicos ou privados, em muitos casos com consequências sociais e ambientais nefastas, impõem a ponderação dos critérios que objectivamente devem determinar a existência de utilidade, necessidade e interesse público. Onde não seja possível evitar situações de expropriação de direitos e reassentamentos involuntários, o Estado tem a responsabilidade legal e social de assegurar sempre condições melhores para as pessoas afectadas. Pela sua importância, e sobretudo pelo alto potencial de serem focos de instabilidade social, os projectos de investimento que impliquem expropriação de direitos e reassentamentos involuntários, e sobre os quais se deva declarar a existência de necessidade, utilidade e interesse públicos, deveriam obter o parecer prévio de comissões relevantes da Assembleia da República. 12. Tal como foi recomendado pelas avaliações mais recentes ao sector de terras, a avaliação do quadro político-legal para investimentos deve ser feita num contexto mais alargado de análise de outros constrangimentos que transcendem aspectos meramente legais. 13. Um esforço mais robusto para o alargamento da delimitação de terras comunitárias, com a subsequente atribuição de DUATs, mostra-se como uma das vias mais rápidas e eficientes de construir um registo e cadastro de terras mais consistente, para garantir, quer os interesses do Estado, quer o dos investidores privados e do sector familiar e comunitário. 14. A publicação da atribuição de DUAT’s no Boletim da República deve ser retomada com carácter urgente, como um dos mecanismos de transparência da administração pública e de disponibilização da informação ao público. 15. O MITADER deve adoptar um mecanismo prático que permita maior acesso público à informação sobre a terra, implementando a Lei do Direito à Informação, em particular no que se refere ao princípio da máxima divulgação de informação (artigo 6°). 16. Os mecanismos e processos actualmente exigidos para a formalização da ocupação legítima, reconhecida pela lei, ou para a regularização de ocupação informal de terrenos nos meios urbanos devem ser mais simplificados e disseminados junto das populações do meio rural e das zonas suburbanas. 26 17. O MITADER deverá prestar uma atenção particular sobre um conjunto de factores determinantes para a alteração do cenário prevalecente na actualidade, visando alcançar os seguintes objectivos fundamentais:  Capacidade institucional reforçada, nomeadamente no sentido de uma maior harmonização e entrosamento entre os diferentes serviços da instituição lidando com a gestão da terra;  Maior harmonização e intercomunicação entre os diferentes sistemas de recolha, processamento e disponibilização de informação sobre a gestão da terra;  Introdução de reformas nas condições de acesso público ao registo e cadastro de terra a vários níveis, tendo em linha de conta os princípios de uma administração pública aberta, tal como regulada pela Lei do Direito à Informação e demais legislação relevante. 18. Sugere-se a adopção de um sistema uniformizado de gestão de informação sobre terras, seguindo o modelo do Portal do Cadastro Mineiro, adoptado pelo Ministério dos Recursos Minerais e Energia. 19. Impõe-se realizar uma revisão do direito fundiário moçambicano no que respeita à valorização da terra, eventualmente visando a abertura ao mercado de títulos e/ou à locação por parte do proprietário (Estado) e sublocação pelos titulares de direitos definitivos de DUAT, sob condições (por exemplo, a limitação do direito de sublocação a não mais de 1/3 da área adjudicada). Seriam incluídas, ainda outras questões: revisão do quadro de isenções, ligação entre o Cadastro e o Registo Predial, ligação entre os sistemas de cobrança relacionados com o uso da terra e o sistema nacional de tributação, resolução de dúvidas sobre a possibilidade ou não de arrendamento. 20. Há também a necessidade de reforçar a capacidade das instituições públicas de administração de terras, com recursos dedicados à avaliação do valor das terras e com autoridade para acompanhar e realizar estudos sobre o mercado ilegal de terra. 21. Igualmente se recomenda o reforço e a generalização da implementação e utilização dos sistemas de informação existentes, considerando a convergência de vários sistemas municipais actuais e o SIGIT, para a exaustiva identificação do potencial de receitas provenientes das taxas de DUAT. 22. Devem testar-se e implementar-se meios de cobrança e de pagamento electrónico, a partir da infraestrutura já existente (ATM’s, pagamentos através das redes de telefonia móvel, descontos automáticos a partir dos registos de contribuinte (NUIT), entre outros, já sugeridos – FCT, 2013), com participação da Autoridade Tributária e o e-Sistafe. 23. Sugere-se, de igual modo, o aumento das percentagens de consignação destinadas aos órgãos que realizam as cobranças. Em particular, deve rever-se a percentagem que é actualmente atribuída ao Fundo de Desenvolvimento Agrário, orientando-a (a) para os serviços de cadastro, e (b) em particular, para os órgãos locais encarregados da cobrança. 27 24. Urge aprofundar os estudos e a monitoria do sistema de administração da justiça, incluindo a sua relação com a governação fundiária. 25. Deve prosseguir o debate sobre a reforma judiciária e a busca por caminhos que permitam responder da melhor forma à diversidade de procura jurídica. 26. Moçambique conta com alguns tribunais de competência especializada em funcionamento, nomeadamente o Tribunal de Menores da Cidade de Maputo e o Tribunal de Polícia (que julga fundamentalmente transgressões ao Código de Estrada). Existem também secções de competência especializada para as áreas cível, comercial, laboral e penal. Será, por certo, oportuno estudar a viabilidade de criação e instalação de tribunais/secções especializados na resolução de conflitos de terras/ambientais. 27. A conflitualidade latente relacionada com o exercício de direitos sobre a terra e os recursos naturais reforça a necessidade de revitalizar os tribunais comunitários e de regulamentar adequadamente o seu funcionamento. 28. Também nesta área específica da conflitualidade social se justifica uma regulamentação apropriada das formas de articulação entre a justiça formal e a informal. 29. Um factor importante de prevenção de conflitos e de melhoria da qualidade da administração da justiça é a promoção da informação jurídica aos cidadãos. 30. Na mesma linha de pensamento, é de recomendar a promoção da distribuição de legislação relevante às instituições e agentes públicos, com vista à melhoria da sua implementação. 31. De vital importância se mostra, igualmente, a disseminação dos serviços de informação e assistência jurídica às populações mais desfavorecidas, especialmente às mulheres. 32. Uma maior eficácia na implementação e execução do “Projecto Terra Segura” contribuirá, certamente, para uma melhor gestão dos recursos, para a segurança da posse e a prevenção de litígios. 28 http://www.miramar.co.mz/layout/set/print/Jornalismo/Balanco-Geral/Destaques-18-de-Novembro-de-2016/KaMavota-dezenas-de- hectares-de-terra-aravel-subaproveitadas I. INTRODUÇÃO GERAL (CONTEXTO E EVOLUÇÃO DA GOVERNAÇÃO DE TERRAS EM MOÇAMBIQUE) “A Luta Armada de Libertação Nacional, respondendo aos anseios seculares do nosso Povo, aglutinou todas as camadas patrióticas da sociedade moçambicana num mesmo ideal de liberdade, unidade, justiça e progresso, cujo escopo era libertar a terra e o Homem.” Constituição da República de Moçambique, Preâmbulo Moçambique é considerado um dos países mais pobres do mundo. O Relatório do Desenvolvimento Humano do PNUD, referente ao ano de 2015, colocava-o no 180º lugar entre 188 países, com um IDH de 0,4161. A esperança de vida à nascença era, em 2014, de 53,46 anos2. Cerca de 45% da população moçambicana continua a viver com menos de USD 1 por dia e não tem acesso a serviços básicos, como água potável, escolas e serviços de saúde. Estes dados mostram que, mais de quarenta anos depois da proclamação da independência nacional, o objectivo último do combate libertador contra o sistema de dominação e exploração colonial, não se encontra ainda plenamente alcançado. A primeira Constituição do país, adoptada pelo Comité Central da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) em Junho de 1975, decretou que “a terra e os recursos naturais situados no solo e no 1 Ver http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr15_overview_pt.pdf (consultado em 27.05.2016) 2 Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), pesquisável em http://www.ine.gov.mz/ 29 subsolo, nas águas territoriais e na plataforma continental de Moçambique são propriedade do Estado... [o qual] determina as condições do seu aproveitamento e do seu uso” (artigo 8). A agricultura foi considerada a base do desenvolvimento, pelo que se definiu como prioritária a produção de bens alimentares pelos camponeses, e se concentrou esforços em grandes projectos de investimentos públicos realizados para esse fim. Apesar desta “nacionalização”, vários autores3 sublinham que nunca se verificou uma redistribuição de terras, tão somente a transformação das propriedades agrícolas privadas em machambas estatais. Segundo João Mosca4, as empresas estatais demonstraram, deste modo, que não eram apenas uma forma de organização económica, mas, ideologicamente, a forma superior de produção, por serem propriedade de todo o povo. As empresas estatais tinham, além disso, uma função fundamental e primeira: a defesa e afirmação do poder e a distribuição de recursos às elites burocráticas. Elas eram o instrumento de aplicação da política económica, para exercer o controlo da economia, para concentrar a acumulação e, em muitos casos, um meio de facilitar a acessibilidade e a distribuição da riqueza pelas elites aquando das privatizações. É neste contexto que, em 1979, surge a Lei nº 6/79, de 3 de Julho, a primeira Lei de Terras, que consagrava a propriedade estatal e as formas de exploração empresarial de tipo socialista. Às famílias eram limitadas as áreas de cultivo, como forma de as orientar para a produção em cooperativas agrícolas e de usar a sua força de trabalho nas empresas estatais. Aos indivíduos o Estado passou a conceder direitos de uso e aproveitamento da terra através de um título (o DUAT). Esta nova política representava a materialização da teoria do desenvolvimento rural integrado, que defendia a complementaridade entre a agricultura e a agro-indústria e que devia, para tal, utilizar formas de trabalho intensivo nas grandes machambas, fossem elas propriedade do Estado ou privadas. De acordo com Negrão5 tratava- se de um modelo que visava incorporar o dualismo sectorial estruturalista no modelo de desenvolvimento rural, o que acabava por validar o antigo sistema de dualismo, que havia caracterizado a política fundiária colonial, no novo contexto sobre a posse da terra. Por outras palavras, pretendia-se, em última instância, a socialização do meio rural através de um processo radicalizado, onde a estatização do sector privado constituía um dos eixos do processo de desenvolvimento. A partir da segunda metade da década de oitenta, por efeito da conjugação de factores externos e internos altamente desfavoráveis6, a liderança política começou a confrontar-se com a necessidade de 3 Ver, por todos, José Negrão, Terra e Desenvolvimento Rural em Moçambique, in Memórias do V Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, CEA, Maputo, 1998. 4 João Mosca, Economia de Moçambique, Século XX, Lisboa, Editora Instituto Piaget, 2005. 5 José Negrão, op. cit, pág. 15. 6 Dos quais se podem destacar o agravamento do conflito armado entre as forças governamentais e a Renamo; a longa e persistente seca que assolou a região, afectando irremediavelmente toda a produção agrícola, em especial a do sector familiar, e criando uma crónica dependência alimentar do exterior; o fracasso das políticas de desenvolvimento rural adoptadas; a agudização da crise económica internacional, cujos reflexos sobre o continente se fizeram sentir de forma particularmente 30 imprimir outra orientação à estratégia global de desenvolvimento7. Parte integrante desse reposicionamento do país foi a decisão de aderir aos Acordos estabelecidos na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizada em Bretton Woods (BWs), New Hampshire, em 22 de Julho de 1944 e, consequentemente, cumprir os programas de ajustamento estrutural definidos pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional8. O lançamento, em Janeiro de 1987, do Programa de Reabilitação Económica (PRE), serviu de contrapartida para a obtenção dos créditos necessários à recuperação de uma economia devastada pela guerra e pelos outros factores já referidos. Com as subsequentes medidas de liberalização dos preços, de redução do défice orçamental, de privatização das empresas estatais, de contracção monetária e de elevação das taxas de juro e de corte drástico nas despesas sociais, o país entrava definitivamente na senda de uma economia de mercado capitalista. Isso mesmo vem reflectido na fundamentação da Política Nacional de Terras, aprovada pela Resolução nº 10/95, de 17 de Outubro, do Conselho de Ministros, onde se pode ler: “Moçambique atravessa uma nova fase de desenvolvimento económico e social caracterizada por uma economia de mercado. É, pois, justificada a concepção de uma nova política de terras, diferente daquela que orientou a elaboração da actual legislação. Esta Política de Terras parte do simples princípio de que a terra é um dos mais importantes recursos naturais de que o país dispõe, merecendo, por isso, ser valorizada”. E, para que essa valorização possa ser concretizada, apontam-se os seguintes princípios fundamentais da Política Nacional de Terras: - A manutenção da terra como propriedade do Estado, princípio actualmente consagrado na Constituição da República; - Garantia de acesso e uso da terra à população, bem como aos investidores. Neste contexto, reconhecem-se os direitos costumeiros de acesso e gestão das terras das populações rurais residentes, promovendo justiça social e económica no campo; dramática, de tal modo que há quem considere os anos oitenta como uma “década perdida para África” (veja -se, por exemplo, Kankwenda M’baya, Crise économique, ajustement et démocratie en Afrique, em Eshetu Chole & Ibrahim Jibrin, (orgs.), “Processus de Démocratization en Afrique: problémes et perspectives”, CODESRIA, Dakar, 1995) 7 É vasta a literatura sobre as causas do colapso do socialismo em Moçambique. De entre os analistas que colocam o acento tónico nos factores externos (desestabilização sul-africana e difícil conjuntura internacional) podem referir-se nomes como os de Joseph Hanlon (Who calls the Shots?. James Currey. London, 1991), John Saul (Socialist ideology in the struggle for Southern Africa. Africa World Press, Trenton, NJ, 1990), Bridget O’Laughlin (A base social da guerra em Moçambique, Estudos Moçambicanos, nº 10, CEA, Maputo, 1992, pp. 107-142), Abrahamsson & Nilsson (Mozambique: the troubled transition. Zed Books, London, 1995); preferem acentuar os factores internos (negação étnica, modelo tecnocrático de desenvolvimento, etc.) autores como Clarence-Smith (The roots of the Mozambican Counter-Revolution, “South African Review of Books”, April-May, 1989), Peter Fry (Between two terrors, Times Literary Supplement, 9/15, November, 1990), Michel Cahen ( Unicidade, unidade ou pluralismo do Estado?, em José Magode (org.), Moçambique: Etnicidades, Nacionalismo e o Estado. Transição Inacabada . Maputo, CEEI, ISRI, 1996, 18-39), entre outros. 8 Ver o Decreto nº 6/84, de 19 de Setembro. 31 - Garantia do direito de acesso e uso da terra pela mulher; - Promoção do investimento privado nacional e estrangeiro, sem prejudicar a população residente e assegurando benefícios esta e para o erário público nacional; - Participação activa dos nacionais com parceiros em empreendimentos privados; - Definição e regulamentação de princípios básicos orientadores para a transferência dos direitos de uso e aproveitamento da terra, entre cidadãos ou empresas nacionais, sempre que tiverem sido feitos investimentos no terreno; - Uso sustentável dos recursos naturais de forma a garantir a qualidade de vida para as presentes e futuras gerações, assegurando que as zonas de protecção total e parcial mantenham a qualidade ambiental e os fins especiais para que foram constituídas. Incluem-se aqui zonas costeiras, zonas de alta biodiversidade e faixas de terrenos ao longo das águas interiores. Resumindo numa simples declaração estes princípios norteadores e os objectivos gerais a alcançar, a PNT propõe-se: Assegurar os direitos do povo moçambicano sobre a terra e outros recursos naturais, assim como promover o investimento e o uso sustentável e equitativo deste recursos Como veremos a seguir, o quadro político legal mantém-se, no geral, ainda adequado para o contexto socioeconómico do país. Do ponto de vista institucional, considerando a remodelação institucional recentemente realizada, mostra-se ainda demasiado prematuro avançar qualquer conclusão sobre a sua eficácia, tendo sido, no entanto, avançados várias recomendações relevantes para a melhoria do funcionamento das várias instituições que, directa ou indirectamente, intervêm no sector de terras. O presente relatório conclui e deixa enfatizada a ideia de que os maiores constrangimentos no processo de administração e gestão fundiária em Moçambique não se situam no plano da definição dos princípios ou da elaboração legislativa, mas no da execução das políticas e das estratégias de forma que seja adequada para as operacionalizar. II. ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DA GOVERNAÇÃO – EDIÇÃO 2015 1. O exercício de avaliação da governação da terra em Moçambique foi conduzido por uma equipa de coordenação técnica, constituída pelo Coordenador Nacional (CN), após prévia assinatura do respectivo contrato, em conformidade com os respectivos Termos de Referência, e por um Investigador Sénior (IS), que o coadjuvou permanentemente. Ambos foram responsáveis pela compilação da documentação relevante existente sobre o sector de gestão e administração de terras, constituída, sobretudo, por relatórios de avaliação produzidos por 32 instituições de diferentes sectores (Governo, parceiros de cooperação, instituições de pesquisa, sector privado e organizações não governamentais). Foi também esta equipa de coordenação que produziu o Relatório Inicial (Inception Report) e definiu a estrutura dos relatórios temáticos de base (RTB), identificou os Peritos para cada tema e produziu e compilou o Relatório Final. 2. Coube à Coordenação Nacional seleccionar e contratar os especialistas de cada um dos temas previstos no Manual de Implementação, os quais procederam à revisão documental e à produção dos relatórios temáticos de base (background reports), produziram as respectivas notas explicativas, conceberam e facilitaram os Painéis e produziram os Aid Memoires dos respectivos painéis. O CN e o IS assumiram a responsabilidade de produzir e facilitar o RTB do Painel 9, versando sobre os Arranjos e Políticas Institucionais. Como inicialmente previsto, foram contratados seis peritos, mas verificou-se a necessidade de substituir dois deles, devido a impedimentos ocorridos a posteriori. Dada a dificuldade de encontrar, em tempo útil, especialistas disponíveis para assegurar os temas dos Painéis 4 e 5, estes acabaram por ficar a cargo do IS. 3. Antes da realização dos Painéis, os RTB’s foram submetidos a uma revisão interna (DINAT) e da Coordenação Geral. Os comentários preliminares recebidos foram, na medida do possível, incorporados na versão apresentada a debate. Os Painéis decorreram a partir do mês de Março do ano corrente, em sessões espaçadas e de acordo com a conveniência dos respectivos peritos e dos convidados. Neles participaram especialistas e profissionais com experiência acumulada em cada um dos temas, provenientes das instituições públicas relacionadas (MITADER, Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar, Ministério das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, Conselho Municipal da Cidade de Maputo), das organizações da sociedade civil que trabalham sobre os assuntos (CTV, OMR, UNAC, ORAM, IESE, CIP, LIVANINGO), da Academia (Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da UEM, CFJJ), de empresas de auditoria e consultoria (EXI, SAL&CALDEIRA), da actividade privada (advogados, arquitectos). 4. Por força dos constrangimentos de ordem financeira e dificuldades de concertação da agenda dos participantes, não chegaram a realizar-se os Seminários Provinciais da Zambézia, Niassa e Inhambane, conforme previsto no cronograma de actividades (ver Relatório Inicial). Na sequência da concertação feita com a DINAT e a Coordenação Geral, ficou assente que, após a entrega do Relatório Final, e inseridas no âmbito do processo de revisão a que o mesmo vai ser submetido, irão ter lugar, a partir do mês de Julho, diversas apresentações em fóruns diferenciados, como o Conselho Consultivo do MITADER, os fóruns regionais sobre terras, incluindo a IX sessão ordinária do Fórum de Consultas sobre a Terra, a ser realizada em Setembro do ano corrente. 33 5. Não obstante as dificuldades enfrentadas ao longo do exercício LGAF, em quase todos os Painéis foram salientados os aspectos positivos da sua realização e a necessidade de se dar prosseguimento, de forma regular, à actividade de monitoria e avaliação da governação da terra no país. Para o efeito, necessário se torna “domesticar” a metodologia, rever a selecção dos indicadores e das dimensões, aproximando - os mais à realidade do nosso quadro legal, institucional e social. Tendo em conta a profundidade das análises que se pretendem realizar num processo desta natureza, necessário se torna igualmente rever os cronogramas de trabalho (parece-nos praticamente impossível concluir a avaliação em menos de seis meses, sobretudo não dispondo de uma equipa de trabalho dedicada a tempo inteiro a esta exigente tarefa) e os orçamentos disponibilizados. Uma das principais constatações feitas neste processo, a par da gritante falta de informação e dados organizados, sistematizados e facilmente acessíveis, tem a ver com a falta de especialistas nos diferentes temas e subtemas do sector, o que denota a necessidade de um investimento urgente na formação de quadros de alto nível, que possam contribuir para o aprofundamento do conhecimento técnico-científico sobre as diferentes dimensões da gestão e administração de terras. Os relatórios das avaliações efectuadas ao sector nos últimos anos, e que serviram de base para o presente relatório, embora constituam uma boa base de apoio documental, não contêm, em muitos casos, a profundidade analítica necessária para permitir uma compreensão detalhada dos assuntos e das suas variadas correlações. III. RELATÓRIOS TEMÁTICOS TEMA 1. RECONHECIMENTO DE DIREITOS FUNDIÁRIOS Por: Taciana Peão Lopes I. Introdução O presente documento é elaborado num contexto em que a discussão em torno da demanda e acesso à terra, enquanto recurso natural, é crescente e transversal a pessoas colectivas de direito privado nacionais e estrangeiras, indivíduos e comunidades locais o que exige do Estado, constitucionalmente proclamado como seu proprietário, uma maior vigilância e flexibilidade na gestão e protecção da terra. A regulação dos direitos fundiários e/ou dos direitos sobre a terra sofreu várias vicissitudes ao longo do tempo com a sucessão de regimes políticos e ideológicos: (a) desde a Lei de Terras de 1979 e respectivo Regulamento de 1987, cujo regime foi questionado por apresentar um carácter “excessivamente estatal” 34 ineficaz, pouco flexível e gerador de situações de insegurança no acesso e posse de terra9; (b) passando pelo processo inovador de natureza social, económico e político, no contexto da aprovação da Política Nacional de Terras (PNT), em 1995, e da Lei de Terras (LT)10, em 1997; e, (c) a consagração do pluralismo jurídico na Constituição da República de 2004 que reafirmou a propriedade do Estado sobre a Terra e todos os recursos naturais do solo e do subsolo, e os direitos de uso e aproveitamento sobre a terra. O presente capítulo tem por base a análise de dois indicadores relacionados com o reconhecimento de direitos sobre a terra. O primeiro indicador refere-se ao reconhecimento de um continuum de direitos, nos termos do qual, se procurará averiguar a existência do reconhecimento de direitos rurais e de posse bem como se a legislação reconhece e protege os direitos de posse consuetudinários e de grupos (incluindo direitos secundários e direitos por parte das minorias e das mulheres). O segundo indicador refere-se ao cumprimento e ao respeito pelos direitos adquiridos. II. Actualidade e Relevância do Tema para Moçambique O debate em torno dos direitos sobre a terra, em Moçambique, não pode ignorar não apenas as profundas transformações sociais, políticas e económicas, que têm vindo a ocorrer desde a aprovação da primeira Lei de Terras em 1979, como ainda o facto de a posse sobre a terra se encontrar numa dicotomia de, por um lado, ser garante do direito de acesso e uso da terra pelas populações e, por outro, ser um factor de desenvolvimento económico. O relacionamento entre estes interesses, muitas vezes discrepante, tem pautado a implementação do quadro constitucional e jurídico-regulatório dos direitos sobre a terra em Moçambique. Neste contexto, podemos afirmar que a filosofia que está por detrás do quadro jurídico-regulatório da terra (e dos recursos naturais11) em Moçambique, se fundamenta em alguns mandamentos constitucionais fundamentais, designadamente: (a) os recursos naturais12 situados no solo e no subsolo, nas águas interiores no mar territorial, na plataforma continental e na zona económica exclusiva são propriedade do Estado (artigo 98, n. 1 da Constituição da República de Moçambique (CRM) de 2004) e (b) a terra, propriedade do Estado, é o meio universal de criação da riqueza e do bem-estar social, sendo 9 CARRILHO, João (1992): “O Debate Actual sobre a Questão das Terras Rurais em Moçambique”, EXTRA – Revista para o Desenvolvimento e Extensão Rural, Edição Especial, Maputo, Ministério da Agricultura, Centro de Formação Agrária e de Desenvolvimento Rural, p. 32 10 No entanto, mantiveram-se em vigor algumas normas da era colonial que não contrariavam as ideias independentistas para regular situações da vida social moçambicana, como foi o caso do Código Civil português de 1966 que contém normas que regulam os direitos reais, assim como o seu modo de aquisição, protecção e transmissão. 11 André Calengo avançou com o conceito de “Direitos dos Recursos Naturais em Moçambique” ao CFJJ em 2006/2007 tendo sido aceite e consagrado com o objectivo de estruturar os cursos de formação de paralegais em Terras e Recursos Naturais e no respectivo Manual, conceito que engloba os recursos naturais em geral, a saber: terra, carvão, petroleo, gás, água, fauna, floresta e energia. 12 Entendidos como: terra, carvão, petroleo, gás, água, fauna, floresta e energia. Alguns destes recursos estão sujeitos ao regime jurídico do domínio público, do qual se excepciona a terra. 35 o uso e aproveitamento da terra um direito de todo o povo moçambicano (artigo 110, n. 2 da CRM). Segundo Calengo (2014)13, daqui resultam um conjunto de “princípios fundamentais do acesso e uso da terra e dos recursos naturais” que devem nortear o Estado e o legislador na discussão sobre os regimes de posse e acesso à terra, bem como da sua administração e gestão. O mesmo autor, afirma que os referidos princípios fundamentais se subdividem em duas categorias: a dos princípios estruturantes e a dos princípios específicos. Os princípios estruturantes dizem respeito: (i) à garantia do bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos; (ii) ao Estado de Direito e respeito pelos Direitos Adquiridos; (iii) ao pluralismo jurídico; e, (iv) à igualdade de género e respeito pelos direitos da mulher. Os princípios específicos versam sobre: (i) o acesso e uso dos recursos naturais pelos cidadãos para sua realização individual; (ii) a propriedade do Estado sobre a terra e outros recursos naturais; (iii) os Fundos ou Reservas Estatais de terras ou recursos naturais; (iv) a mínima submissão dos recursos naturais ao regime do domínio público; (v) a intransmissibilidade relativa da terra e de muitos de outros recursos naturais; (vi) o acesso universal e igual à terra e aos demais recursos naturais pelos cidadãos moçambicanos; (vii) a participação das comunidades locais na administração da gestão da terra e demais recursos naturais; e, (viii) a harmonização dos direitos e interesses das comunidades locais com os do sector privado. Parece-nos pois que são bastante claros os princípios de política subjacentes ao quadro jurídico- regulatório dos direitos sobre a terra e que os mesmos estão alinhados com os objectivos sociais e estruturais da Política de Terras de 199514 e da Lei de Terras de 199715, assim como se encontram bastante alinhados com as boas práticas internacionais, como manifestado nas Directrizes Voluntárias para Governação da Posse da Terra, Pescas e Florestas no Contexto da Segurança Alimentar Nacional (DVGT) de 2012, da FAO, e nos Princípios para o Investimento Responsável na Agricultura (PIRA) de 2014. Moçambique é também membro da Nova Aliança para a Nutrição e Segurança Alimentar, apoiada pelo G8, no âmbito da qual se compromete a melhorar a governação de terras e a criar um ambiente propício ao investimento responsável, em troca do financiamento por doadores de novos investimentos agrícolas de escala comercial por empresas nacionais e estrangeiras. De entre as práticas internacionais acima mencionadas, os PIRA (em grande medida gerados a partir dos princípios abrangentes das DVGT) são o centro da atenção. Os dez princípios a que se espera que os investidores responsáveis adiram são os seguintes: (i) contribuir para a segurança alimentar e nutrição; (ii) contribuir para o desenvolvimento económico sustentável e inclusivo e para a erradicação da pobreza; (iii) fomentar a equidade de géneros e a habilitação das mulheres; (iv) envolver e habilitar a 13 Calengo, André, “A classificação das terras em Moçambique”, in Direito da Terra e Questões Agrárias: uma aproximação entre Espanha e Moçambique. Maputo, Escolar Editora (2014). 14 Aprovada através da Resolução n.º 10/95, de 17 de Outubro. 15 Aprovada pela Lei 1/97, de1 de Outubro. 36 juventude; (v) respeitar os direitos de uso da terra, pescas e florestas, e o acesso à água; (vi) conservar e gerir os recursos naturais de forma sustentável, aumentar a resiliência, e reduzir o risco de calamidades naturais; (vii) respeitar a herança cultural e os conhecimentos tradicional e local, e apoiar a diversidade e a inovação; (viii) promover sistemas agrícolas e alimentares seguros e sadios; (ix) incorporar estruturas de governação, processos e mecanismos de reclamação inclusivos e transparentes; (x) avaliar e abordar os impactos e promover a responsabilização16. Os princípios constitucionais mencionados em conjunto com o disposto na PNT, na LT e nos seus regulamentos, designadamente no Regulamento da Lei de Terras (“RLT”)17 e respectivo Anexo Técnico18, o Diploma Ministerial n.º 158/2011 de 15 de Junho, que aprovou as regras da consulta às comunidades locais no âmbito da titulação do direito de uso e aproveitamento da terra19, o Regulamento do Solo Urbano (RSU)20, a Resolução n.º 70/2008, de 30 de Dezembro, que aprovou os procedimentos para apresentação e apreciação de propostas de investimento privado envolvendo extensões de terra superior a 10 000 hectares em conjunto com o Código Civil Moçambicano21 constituem a coluna vertebral do quadro jurídico-regulatório dos direitos sobre a terra. A legislação que versa sobre os direitos da terra deve ser analisada em estreita articulação com a Lei do Ordenamento do Território, aprovada pela Lei n.º 19/2007, de 18 de Julho, e respectivo Regulamento, aprovado pelo Decreto n.º 23/2008, de 1 de Julho. De facto, Segundo Serra, (Pluralismo Jurídico), esta articulação é particularmente importante sob o ponto de vista do princípio da segurança jurídica, segundo o qual, na elaboração, alteração e execução dos instrumentos de ordenamento e gestão territorial devem ser sempre respeitados os direitos fundamentais dos cidadãos e as relações jurídicas validamente constituídas, promovendo-se a estabilidade e a observância dos regimes legais instituídos; bem como o objectivo específico de “garantir o direito à ocupação actual do espaço físico nacional pelas pessoas e comunidades locais, que são sempre consideradas como o elemento mais importante em qualquer intervenção de ordenamento e planeamento do uso da terra, dos recursos naturais ou do património construído”. O presente relatório surge numa altura de mudanças institucionais sem precedentes no sector das terras. O surgimento do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) é a 16 Os Estados Unidos da América são um dos principais parceiros doadores do programa da Nova Aliança, e as recém-publicadas directrizes da USAID vão claramente ao encontro da estratégia geral contida na abordagem dos PIRA: USAID (2015): Operational Guidelines for Responsible Land-based Investment. 17 Aprovado pelo Decreto n.º 66/98, de 8 de Dezembro, conforme alterado pelo Decreto 1/2003, de 18 de Fevereiro, e pelo Decreto 50/2007, de 16 de Outubro. 18 Aprovado pelo Diploma Ministerial n.º 29 – A/2000, de 17 de Março. 19 Este Diploma materializa o n.º 3, do artigo 13 da LT, conjugado com a alínea e), do n.º 1, do artigo 24 do RLT. 20 Aprovado através do Decreto n.º 60/2006, de 26 de Dezembro. 21 Aprovado pelo Decreto-Lei n. º 47.611, de 28 de Março de 1967, tornado extensivo a Moçambique pela Portaria nº 23.088, de 26 de Dezembro de 1967. 37 primeira grande mudança institucional desde que a Política Nacional de Terras de 1995 (PNT) fez apelo à reforma institucional como parte da estratégia de implementação da PNT22. O “Projecto Terra Segura” é um dos projectos recentemente criados pelo MITADER, cujo objectivo consiste em reforçar o sistema de administração e gestão de terras, com ênfase para o acesso, o registo e a gestão da informação, mediante as seguintes acções estratégicas: (i) o registo e a certificação do direito de uso e o aproveitamento da terra, (ii) o mapeamento do território à escala de 1:50.000 e de 1:25.000 do território nacional, (iii) a construção de um cadastro nacional actualizado, fiável e transparente, (iv) mecanismos eficientes de emissão de DUAT (Direito de Uso e Aproveitamento de Terra), (v) descentralização da capacidade técnica de gestão e administração das terras para os distritos, (v) divulgação dos direitos e obrigações de uso e aproveitamento nas comunidades (Lei de Terras), (vi) optimização do uso da terra através da transferência de técnicas de cultivo que permitam aumentar os níveis de produtividade, (vii) democratização do acesso à terra respeitando a igualdade de género (viii) segurança de posse de terra. Neste contexto, o “Projecto Terra Segura” prevê registar de 5 milhões de parcelas (DUAT’s), concluir o processo de instalação do sistema integrado de gestão de terras, elaborar quatro campanhas de divulgação de direitos e obrigações de uso, capacitar 800 agentes de fiscalização das normas de uso de terra, e ainda quatro capacitações dos administradores sobre a gestão da terra. É, pois, no âmbito da coexistência de várias políticas e normas jurídicas e princípios sócio-jurídicos a respeito da posse, acesso e uso e aproveitamento da terra que se pretende fazer uma análise tendente a demonstrar a se, de facto, os direitos fundiários se encontram devidamente reconhecidos e protegidos. III. Principais constrangimentos e oportunidades Neste trabalho enfrentamos dois constrangimentos de natureza metodológica. O primeiro relaciona-se com a indisponibilidade de dados quantitativos, especialmente no que diz respeito a cotejar os dados referentes ao número de títulos de uso e aproveitamento emitidos, o que não nos permite aferir com exactidão as respostas a todas as dimensões. Para o efeito, recorremos a estudos existentes e publicados sobre a matéria e a um trabalho de investigação de natureza qualitativa. Apesar das dificuldades metodológicas apontadas, o presente trabalho constitui uma excelente oportunidade para identificar potenciais áreas de estudo, com vista a aprofundar o conhecimento da realidade dos sistemas de justiça e aprimorar as ferramentas para uma melhor monitoria dos processos de governação da terra. Além do mais, é uma oportunidade para despistar algumas áreas para intervenção. Já a nível do eixo da implementação, considera-se que o sentido de Governo presente na administração e gestão de terras, consiste na inexistência de uma abordagem que, de facto, realize o que foi definido 22 Política Nacional de Terras, Parte B. 38 pelo Estado relativamente a este recurso base do desenvolvimento económico do país e de combate a pobreza, seja na perspectiva colectivista, seja em termos individuais dos cidadãos. Observa-se, na prática, a inexistência de um mecanismo eficaz de controlo de conflitos de interesses, questão fundamental para o combate contra a corrupção e promoção da transparência dos actos públicos e regista-se, ainda, uma forte escassez de recursos materiais e de recursos humanos devidamente capacitados para o efeito. Esta situação fragiliza acentuadamente a correcta implementação dos quadros legal, normativo e orientadores do próprio Estado na administração e gestão de terras. V. Análise de Indicadores e Dimensões O Tema 1 tem em vista medir dois indicadores, nomeadamente sobre reconhecimento de um continuum de direitos, (se a legislação reconhece uma gama de direitos dos indivíduos e dos grupos (incluindo direitos secundários e direitos por parte das minorias e mulheres) e sobre o respeito e cumprimento dos direitos. 1. Indicador 1. Reconhecimento de um continuum de direitos Neste indicador estão incluídas 4 Dimensões, cuja análise e classificação se segue: 1.1. Dimensão 1: Os direitos rurais e de posse da terra pelos indivíduos estão (a) legalmente reconhecidos e (b) protegidos na prática Painel Ind. Dim. Reconhecimento de um continuum de direitos Os direitos rurais e de posse dos indivíduos estão (a) legalmente 1 1 1 reconhecidos e (b) protegidos na prática A: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de mais de 90% da população rural, tanto por meio de sistemas consuetudinários ou A: A estrutura estatutários de posse de terra jurídica existente reconhece direitos B: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de 70%-90% da de mais de 90% da população rural, tanto por meio de sistemas consuetudinários ou população rural, estatutários de posse de terra. tanto por meio de C: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de 50%-70% da sistemas população rural, tanto por meio de sistemas consuetudinários ou consuetudinários estatutários de posse de terra. ou estatutários de posse de terra. D: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de menos de 50% da população rural, tanto por meio de sistemas consuetudinários ou estatutários de posse de terra Análise: O direito de uso e aproveitamento é um direito de natureza real. O sistema de direitos reais de Moçambique encontra-se essencialmente consagrado na Constituição da República de Moçambique, na 39 Lei de Terras e Regulamento da Lei de Terras e, subsidiariamente, no disposto no Código Civil que não contrarie o regime jurídico consagrado pelos anteriores diplomas. A Constituição da República de Moçambique é a Lei máxima do Estado e, no âmbito dessa função suprema, consagra os direitos fundamentais dos cidadãos, os princípios essenciais por que se rege o Estado moçambicano, as orientações políticas, económicas e sociais, e as regras de organização do poder político. Assumem especial relevância para o efeito de aferir em que termos os direitos rurais e de posse dos indivíduos estão legalmente reconhecidos e protegidos, na prática, os seguintes direitos, obrigações, regras e princípios consagrados constitucionalmente: 1) O Estado reconhece e garante o direito de propriedade (Artigo 82º, n.º1); 2) A expropriação só pode ter lugar por causa de necessidade, utilidade ou interesses públicos, definidos nos termos da Lei, e dá lugar a justa indemnização (Artigo 82º, n.º2); 3) Os recursos naturais situados no solo e subsolo, nas águas interiores, no mar territorial, na plataforma continental e na zona económica exclusiva são da propriedade do Estado (Artigo 98º, n.º 1); 4) Constituem domínio público do Estado (Artigo 98º, n.º 2): i. a zona marítima; ii. o espaço aéreo; iii. o património arqueológico; iv. as zonas de protecção da natureza; v. o potencial hidráulico; vi. o potencial energético; vii. estradas e linhas férreas; viii. as jazidas minerais; e ix. os demais bens como tal classificados por Lei. 5) A economia nacional garante a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção (Artigo 99º, n.º 1); 6) O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertencem a pessoas singulares ou colectivas privadas (Artigo 99º, n.º 3); 40 7) O Estado promove, coordena e fiscaliza a actividade económica agindo directa ou indirectamente para a solução dos problemas fundamentais do povo e para a redução das desigualdades sociais e regionais (Artigo 101º, n.º 1); 8) O Estado promove o conhecimento, a inventariação e a valorização dos recursos naturais e determina as condições do seu uso e aproveitamento com salvaguarda dos interesses nacionais (Artigo 102º); 9) Na República de Moçambique, a indústria é o factor impulsionador da economia nacional (Artigo 104º); 10) O Estado garante o investimento estrangeiro, o qual opera no quadro da sua política económica. Os empreendimentos estrangeiros são autorizados em todo o território nacional e em todos os sectores económicos, excepto aqueles que estejam reservados à propriedade ou exploração exclusiva do Estado (Artigo 108º); 11) A terra é propriedade do Estado. A terra não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada (Artigo 109º); 12) O Estado determina as condições de uso e aproveitamento da terra. O direito de uso e aproveitamento da terra é conferido a pessoas singulares ou colectivas (independentemente da nacionalidade) tendo em conta o seu fim social ou económico (Artigo 110º). 13) Nas zonas de protecção total e parcial não podem ser adquiridos direitos de uso e aproveitamento da terra, podendo, no entanto, ser emitidas licenças especiais para o exercício de actividades determinadas (Artigo 9º da Lei de Terras); 14) As pessoas colectivas estrangeiras podem ser titulares de direito de uso e aproveitamento da terra, desde que tenham um projecto de investimento devidamente aprovado e estejam constituídas ou registadas na República de Moçambique (Artigo 11º da Lei de Terras); 15) O direito de uso e aproveitamento da terra pode ser adquirido mediante: i. Ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo normas e práticas costumeiras que não contrariem a Constituição da República; ii. Ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, estejam a utilizar terra há pelo menos 10 anos (Artigo 12.º da Lei de Terras). Pretende-se, deste modo, proteger as camadas populacionais mais desfavorecidas – nem sempre possuidoras de recursos para adquirir uma titularização formal – contra eventuais açambarcamentos de terra. O reconhecimento do direito sobre a terra com base na ocupação ou através das normas e práticas costumeiras que não contrariem a Lei é uma solução inovadora da legislação fundiária moçambicana, contribuindo 41 para evitar que os cidadãos sejam privados do exercício de direitos pelo simples facto de não possuírem um título escrito. iii. Autorização de pedido apresentado por pessoas singulares ou colectivas na forma estabelecida na Lei (Artigo 12º, alínea c)); 16) A competência para atribuição do DUAT é conferida da seguinte forma: i. Nas áreas não cobertas por Planos de Urbanização, caberá aos Governadores Provinciais, ao Ministro de Agricultura e Segurança Alimentar e ao Ministério do Mar Águas Interiores e Pescas, e ao Conselho de Ministros conceder o DUAT; ii. Nas áreas cobertas por Planos de Urbanização, compete ao Presidente do Conselho Municipal, aos Conselhos de Povoação e aos Administradores do Distrito onde não existam órgãos municipais e desde que tenham serviços de cadastro, autorizar o DUAT. 17) O direito de uso e aproveitamento da terra para fins de actividades económicas está sujeito a um prazo máximo de 50 anos, renovável por igual período a pedido do interessado (Artigo 17º, n.º 1 da Lei de Terras); 18) O direito de uso e aproveitamento da terra extingue-se (Artigo 18º, n.º 1 da Lei de Terras): i. pelo não cumprimento do plano de exploração ou do projecto de investimento, sem motivo justificado, no calendário estabelecido na aprovação do pedido, mesmo que as obrigações fiscais estejam a ser cumpridas; ii. por revogação do direito de uso e aproveitamento da terra por motivos de interesse público, precedida do pagamento de justa indemnização e/ou compensação; iii. no termo do prazo ou da sua renovação; iv. pela renúncia do titular. 19) No caso de extinção do direito de uso e aproveitamento da terra, as benfeitorias não removíveis revertem a favor do Estado (Artigo 19º, n.º 1 da Lei de Terras); 20) São deveres dos titulares de direito de uso e aproveitamento da terra, seja adquirido por ocupação seja autorizado por um pedido, utilizar a terra respeitando os princípios definidos na Constituição e demais legislação em vigor e, no caso do exercício de actividades económicas, em conformidade com o plano de exploração e de acordo com o definido na legislação relativa ao exercício da respectiva actividade (Artigo 14º, alínea a) do Regulamento da Lei de Terras); 21) O direito do uso e aproveitamento da terra pode ser transmitido por herança, sem distinção de sexo (Artigo 16º, n.º 1 da Lei de Terras); 42 22) Os titulares do direito de uso e aproveitamento da terra podem transmitir, entre vivos, as infra- estruturas, construções e benfeitorias nela existentes, mediante escritura pública precedida de autorização da entidade estatal competente, sendo a transmissão averbada no respectivo título (Artigo 16º, n.os 2 e 3 da Lei de Terras). 23) No caso de prédios urbanos, com a transmissão do imóvel transmite-se o direito do uso e aproveitamento do respectivo terreno (Artigo 16º, n.º 4 da Lei de Terras); 24) O titular do direito de uso aproveitamento da terra pode constituir hipoteca sobre os bens imóveis e as benfeitorias que, devidamente autorizado, edificou no terreno ou sobre os quais legalmente tenha adquirido o direito de propriedade (Artigo 16º, n.º 5 da Lei de Terras); 25) A compra e venda de infra-estruturas, construções e benfeitorias existentes em prédios rústicos não implica a transmissão automática de direito de uso e aproveitamento da terra, a qual está dependente da autorização dada pela mesma entidade que tiver autorizado o pedido. O pedido de transmissão será previamente apresentado nos serviços de cadastro, acompanhado de comprovativo do pagamento das taxas anuais, bem como do cumprimento do plano de exploração, nos casos aplicáveis (Artigo 15º, n.º 2 do Regulamento da Lei de Terras); 26) A escritura pública de compra e venda é celebrada após apresentação da certidão relativa à aprovação do pedido, emitida pelos Serviços de Cadastro (Artigo 15º, n.º 3 do Regulamento da Lei de Terras); 27) A celebração do contrato de cessão de exploração está igualmente sujeita à aprovação prévia da entidade que autorizou o pedido de aquisição ou de reconhecimento do direito de uso e aproveitamento da terra e, no caso das comunidades locais, depende do consentimento dos seus membros (Artigo 15º, n.º 4 do Regulamento da Lei de Terras); 28) A transmissão de prédios urbanos propriedade de pessoas singulares ou colectivas não carece de prévia autorização do Estado (Artigo 16º, n.º 1 do Regulamento da Lei de Terras); 29) Com a transmissão de prédios urbanos, transmite-se o direito de uso e aproveitamento da terra (Artigo 16º, n.º 2 do Regulamento da Lei de Terras). 30) Os titulares do direito de uso e aproveitamento da terra devem solicitar aos Serviços de Cadastro que procedam ao registo (Artigo n.º 20, n.º 2 do Regulamento da Lei de Terras): i. da compra e venda e oneração de infra-estruturas, construções e benfeitorias existentes em prédios rústicos; ii. da compra e venda e oneração de prédios urbanos; iii. das servidões a que se referem os artigos 13 e 14 do presente Regulamento; 43 iv. dos contratos de cessão de exploração celebrados para a exploração parcial ou total de prédios rústicos ou urbanos; v. dos restantes factos previstos na legislação aplicável. 31) O título conterá os seguintes elementos (Artigo 36º, n.º 1 do Regulamento da Lei de Terras): i. Identificação da entidade que autorizou o pedido de emissão de título e data do despacho de autorização; ii. Número do título; iii. Identificação do titular; iv. Área e sua definição geométrica, com as respectivas coordenadas, localização número de identificação da parcela no registo cadastral, bem como os números de identificação das parcelas confrontantes; v. Prazo a que estiver sujeito o direito de uso e aproveitamento da terra; vi. Tipo ou tipos de exploração para que foi adquirido o direito de uso e aproveitamento da terra; vii. Descrição das benfeitorias existentes; viii. Taxas devidas; ix. Data e local da emissão; e x. Assinatura do responsável pelos Serviços que emitem o título e respectiva chancela. 32) A transmissão de infra-estruturas, construções e benfeitorias existentes em prédios rústicos, a tramitação de prédios urbanos, co-titularidade, renovação do prazo, encargos ou ónus e outras operações legalmente realizadas, serão averbadas no título (Artigo 36º, n.º 2 do Regulamento da Lei de Terras). Face ao exposto, somos da opinião que o quadro jurídico-regulatório existente estabelece, de forma clara e taxativa, os factos jurídicos de constituição, transmissão e extinção deste direito. Cumpre também destacar que o regime jurídico do direito de uso e aproveitamento da terra consagra um regime próprio, mas não exclusivo, de registo nos Serviços de Cadastro, o qual estabelece a obrigação para o respectivo titular de registo i) da compra e venda e oneração de infra-estruturas, construções e benfeitorias existentes em prédios rústicos, ii) da compra e venda e oneração de prédios urbanos, iii) de servidões, iv) dos contratos de cessão de exploração celebrados para a exploração parcial ou total de prédios rústicos ou urbanos e v) dos restantes factos previstos na legislação aplicável, bem como a obrigação de averbamento nos títulos de direitos de uso e aproveitamento da terra em caso de transmissão de infra-estruturas, construções e benfeitorias existentes em prédios rústicos, a tramitação 44 de prédios urbanos, co-titularidade, renovação do prazo, encargos ou ónus e outras operações legalmente realizadas. Acresce ainda que, nos termos do Artigos 1º e 2º do Código do Registo Predial, a publicidade dos direitos inerentes às coisas imóveis é ainda assegurada pelo registo predial, encontrando-se sujeitos a registo os seguintes factos relevantes: a) Os factos jurídicos que importem reconhecimento, aquisição ou divisão do direito de propriedade; b) Os factos jurídicos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação ou extinção dos direitos de usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e de servidão; c) A hipoteca, sua modificação e extinção e a cessão dela ou do grau de prioridade do respectivo registo; d) Quaisquer outras restrições ao direito de propriedade ou outros encargos que, por Lei especial, sejam expressamente declarados sujeitos ao regime especial; e e) Na hipoteca de fábricas, além dos edifícios, logradouros e pertenças, compreender-se-ão os maquinismos e móveis destinados à respectiva exploração que hajam sido inventariados no título constitutivo da hipoteca. Nestes termos, a tipicidade reforçada do direito de uso e aproveitamento da terra encontra-se aliada a um duplo sistema de registo (Cadastro e Registo) das vicissitudes do direito de uso e aproveitamento da terra, em que o seu titular é, por força de actos e negócios jurídicos, obrigado a registar determinadas vicissitudes nos Serviços de Cadastro e na competente Conservatória do Registo Predial em relação a um determinado prédio. Por outras palavras, a perfeição do registo de prédios construídos no âmbito de um direito de uso e aproveitamento de terras é apenas alcançada mediante o registo. Ao exposto acresce que, em caso de dúvida da existência do direito de uso e aproveitamento a Lei estatui meios de prova de existência desse direito, mediante: a) a apresentação do título, b) a prova testemunhal, e c) a peritagem e outros meios legais. A posse confere ao possuidor a presunção de titularidade do direito, e dessa presunção resultam meios de defesa da posse nomeadamente: - A acção de prevenção, que deve ser baseada no justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, ser o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimidado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causa. 45 - Acção directa e defesa judicial, pela qual o possuidor perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse. Os meios acima mencionados podem ser usados pelo possuidor perturbado ou pelos seus herdeiros. A proteção do direito não se baseia apenas no que estabelece a Lei sendo necessário que a entidade que superintenda a área de terras seja dotada de capacidade real de fazer cumprir a Lei e impor o respeito pelos direitos dos titulares. Foi constatado (MITADER, 2013) que os órgãos de fiscalização e cadastro de terras não possuem ainda capacidade para fiscalizar as áreas mais remotas e por conseguinte de as cadastrar, sendo assim a efectivação da protecção legítima do direito adquirido é frágil. A legislação em vigor prevê um processo de fiscalização de cumprimento das regras estabelecidas que indica os Serviços de Cadastro como o órgão responsável pela fiscalização e constatação de infracções e pelo levantamento do respectivo auto de notícia. Pelo que foi acima exposto, resulta claro que em Moçambique o direito de uso e aproveitamento de terras e a posse de indivíduos são regulados por Lei e a mesma estabelece meios legais de proteção desses direitos, sendo por isso possível concluir que a estrutura jurídica existente reconhece direitos a mais de 90% da população rural, tanto por meio de sistemas consuetudinários quanto por estatutários de posse de terra. Tendo presente que as dimensões aglutinam mais do que um tema na mesma dimensão, optou-se pela Opção A, com a ressalva de que na prática não se verifica a cabal protecção dos direitos. A justificação da escolha feita é muito importante. A opção A pode ser a escolhida com a ressalva de que na prática os direitos não estão assim tão protegidos. 1.2. Dimensão 2: Os direitos de posse consuetudinários são reconhecidos legalmente e são protegidos na prática Painel Ind. Dim. Reconhecimento de um continuum de direitos Os direitos de posse consuetudinários são reconhecidos legalmente e 1 1 2 são protegidos na prática B: Existe A: Há um reconhecimento legal e protecção efectiva de todos os direitos reconhecimento consuetudinários legal de todos os direitos B: Existe reconhecimento legal de todos os direitos consuetudinários, consuetudinários, porém estes são apenas parcialmente protegidos na prática porém estes são C: Existe reconhecimento parcial e protecção efectiva dos direitos apenas consuetudinários parcialmente protegidos na D: Os direitos consuetudinários não são reconhecidos legalmente e não prática são protegidos na prática 46 Análise: A revisão constitucional de 2004 reitera o princípio estabelecido na Constituição de 1990 segundo o qual “na titularização do direito de uso e aproveitamento da terra, o Estado reconhece e protege os direitos adquiridos por herança ou ocupação, salvo havendo reserva legal ou se a terra tiver sido legalmente atribuída a outra pessoa ou entidade”. Uma das condições para o bem-estar social é, sem margem para dúvida, o reconhecimento e o respeito pelo direito de acesso à terra enquanto meio universal de geração de riqueza, e do qual depende a grande maioria dos cidadãos moçambicanos23. Como diz Gregory Myers, “se os direitos à terra não forem seguros (por exemplo, se a terra puder ser tirada ao seu legítimo proprietário ou utilizador sem recursos judiciais nem compensação, se o processo de aquisição de terra não for transparente nem considerado legítimo, e se não existir um sistema legal em que todos tenham o direito de defender os seus interesses), os investimentos não terão lugar e a insegurança enraizar-se-á”24. Neste contexto, a Lei de Terras reforçou o regime constitucional relativo às modalidades de aquisição do DUAT, consagrando, para além da modalidade assente na autorização formal do acesso, a ocupação por pessoas singulares que, de boa-fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos dez anos25. Pretende-se, deste modo e como acima referido, proteger as camadas populacionais mais desfavorecidas – nem sempre possuidoras de recursos para adquirir uma titularização formal – contra eventuais açambarcamentos de terra. O reconhecimento do direito sobre a terra com base na ocupação ou através das normas e práticas costumeiras que não contrariem a Lei é uma solução inovadora da legislação fundiária moçambicana, contribuindo para evitar que os cidadãos sejam privados de exercício de direitos pelo simples facto de não possuírem um título escrito26. No entanto a aquisição do DUAT por ocupação não é absoluta, sendo limitada aos casos em que recaia sobre áreas reservadas legalmente para qualquer outro fim ou seja exercida nas zonas de protecção parcial. Contudo, e apesar do reconhecimento constitucional e legal dos direitos costumeiros, com especial relevância para a gestão e administração de terras em Moçambique, parece persistir uma cultura de resistência por parte dos funcionários das instituições governamentais e estatais, bem como de alguns 23 SERRA, Carlos, Tese de Doutoramento: “ Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais – Avanços e Recuos na Construção do Direito Moçambicano”. P. 564 24 Citado por MERRY, Sally Engle (1992): Anthropology, Law and Transnational Process, Annual Review of Anthropology, Annual Reviews, Vol. 21, p. 6 25 Artigo 12.º da Lei de Terras (1997) 26 Artigo 12.º a) da Lei de Terras (1997). 47 operadores privados, que não permite o pleno exercício de direitos por parte dos cidadãos. Como observa Sérgio Baleira, “o domínio do direito estatutário sobre o imaginário social dos agentes das entidades estatais competentes na gestão e administração de terras, e a cultura jurídica formal dos investidores privados e seus advogados, têm constituído um factor de secundarização e inobservância do direito costumeiro, sobretudo nas disputas pela terra e outros recursos naturais”27. Por este motivo, e ainda que se constate um reconhecimento ao nível jurídico-formal dos direitos costumeiros, somos da opinião que em Moçambique existe apenas um reconhecimento parcial e de protecção efetiva dos direitos consuetudinários. 1.3. Dimensão 3: Os direitos dos indígenas à terra e à floresta são reconhecidos legalmente e são protegidos na prática Painel Ind. Dim. Reconhecimento de um continuum de direitos Os direitos indígenas à terra e à floresta são reconhecidos legalmente e 1 1 3 são protegidos na prática A: Reconhecimento e protecção efectiva de todos os direitos indígenas B: Reconhecimento de todos os direitos B: Reconhecimento de todos os direitos indígenas porém protegidos indígenas porém somente parcialmente protegidos somente C: Reconhecimento parcial dos direitos indígenas, os quais são protegidos parcialmente D: Os direitos indígenas não são reconhecidos nem protegidos Análise: Uma questão incontornável da Lei de Terras – e que representa um marco importante no direito moçambicano – é o facto de reconhecer personalidade jurídica às comunidades locais. Óscar Monteiro28 sustenta que o reconhecimento de direitos às comunidades locais faz com que estas entrem para o ordenamento jurídico como parte constitutiva do ente político nacional, retomando-se as experiências de participação popular verificadas no período posterior à proclamação da independência nacional. Por esta via, confere-se às comunidades o direito de falar por si e de participar nos processos de tomada de decisão. Assim, dever-se-á ter presente que o reconhecimento da personalidade jurídica das comunidades locais possui contornos muito especiais, desde logo porque o acesso e exercício do DUAT não estão vinculados nem à prévia constituição, nem ao reconhecimento nos termos da legislação civil (Código Civil e Lei das Associações). 27 BALEIRA, Sérgio (2012): “Como Usar a Gestão e Administração de Terras para a Promoção do Desenvolvimento Sustentável” . Sociedade e Justiça, n.º 3, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p. 13. 28 MONTEIRO, Óscar (2006): O Estado Moçambicano – Entre o Modelo e a Realidade Social, p. 5 48 É importante notar que a definição de comunidade local contém um elemento humano (agrupamento de famílias e indivíduos), um elemento territorial (a localidade ou nível inferior àquela) e um elemento teleológico ou finalístico (salvaguarda de interesses comuns)29. Assim, qualquer análise do conceito deve ter em conta estes elementos, sendo que se trata de uma formulação aberta, dinâmica e flexível que procura abranger a complexidade e diversidade política, organizativa, económica, social e cultural das comunidades. A comunidade local detém não somente as terras necessárias para a construção das suas habitações e para a prática da agricultura, como também as terras em pousio, as florestas de onde extrai os recursos naturais necessários para o seu sustento, os lugares de importância cultural, as áreas necessárias para a pastagem do gado, e, fundamentalmente, as áreas imperiosas para a própria expansão da comunidade30. A consagração da noção de comunidade local foi, efectivamente, um verdadeiro marco histórico no processo de construção do Direito moçambicano a partir de uma realidade plural, heterogénea, diversificada e fortemente enraizada nas normas e práticas costumeiras. Tratou-se de um esforço de democratização de um quadro legal demasiado distante, pesado e desajustado no que à dinâmica das realidades locais diz respeito, e que pode ser visto, em termos muito resumidos, sob três perspectivas fundamentais: (i) a terra comunitária não se confina à terra que a comunidade precisa para viver ou para praticar agricultura, implica muito mais do que isto, integrando o domínio público comunitário, o que pode variar de comunidade para comunidade, de local para local, de distrito para distrito, de província para província, de região para região; (ii) os direitos de uso e aproveitamento da terra das comunidades locais existem através do reconhecimento da ocupação, independentemente do reconhecimento oficial por parte do Estado, da existência de documentos comprovativos, incluindo títulos, ou do registo dos mesmos nas Conservatórias; (iii) no processo de autorização de pedidos de direitos de uso e aproveitamento de terra é atribuído à comunidade local um papel decisório e condicionador da titulação de novos direitos31. Neste contexto, da análise das formas de aquisição do DUAT depreende-se claramente que o Governo priorizou, em primeira instância, as comunidades ou pessoas singulares, atribuindo-lhes a possibilidade de aquisição do DUAT através das formas acima identificadas. É importante sublinhar o mais que uma vez supra referido: que a constituição, modificação, transmissão e extinção do direito de uso e aproveitamento da terra estão sujeitas a registo32, mas a ausência de 29 CALENGO, André (2005): Lei de Terras Comentada e Anotada. Maputo, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p. 32 30 TANNER, Christopher (2004): A Relação entre a Posse de Terra e os Recursos Naturais , documento apresentado na 3.ª Conferência Nacional sobre o Maneio Comunitário dos Recursos Naturais, Maputo, 21 de Julho de 2004 31 SERRA, Carlos (2007): Domínio Público do Estado, Autárquico e Comunitário – Essência, Constrangimentos e Desafios. Documento apresentado na Conferência sobre os 10 Anos da Lei de Terras, Maputo. 32 Artigo 14, n.º 1 da Lei de Terras 49 registo não prejudica o direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação pelas pessoas singulares e pelas comunidades locais, nem o adquirido pelas pessoas singulares que ocupem a terra há pelo menos, dez anos33. Do mesmo modo, o direito de uso e aproveitamento da terra é confirmado por um título34. Também neste caso, a ausência de título escrito não prejudica o direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação pelas pessoas singulares e pelas comunidades locais, nem o adquirido pelas pessoas singulares que ocupem a terra há pelo menos, dez anos35. Para salvaguardar o direito das comunidades, por Lei, estas participam na gestão de recursos naturais, na resolução de conflitos, no processo de titulação de terras e na identificação dos limites das terras que as mesmas ocupam. De facto, outro marco do novo quadro jurídico-legal de terras e recursos naturais foi a consagração da consulta comunitária, tornando-se esta num mecanismo de salvaguarda, de respeito e de materialização dos direitos das comunidades. Para Christopher Tanner, a previsão da consulta comunitária é uma prática forte de afirmação dos poderes de gestão devolvidos às comunidades locais ao abrigo do artigo 24.º da Lei de Terras (1997)36. Simon Norfolk, na mesma linha, entende que a exigência da consulta comunitária cria condições para que o poder de decisão sobre o estatuto do uso e aproveitamento dos recursos naturais transite do Estado para os reais usuários destes mesmos recursos.37 O objectivo da consulta é precisamente confirmar se a área pretendida se encontra livre e não tem ocupantes. Esta formalidade está sob responsabilidade das autoridades administrativas locais, que devem organizar e implementar o processo de consulta (embora normalmente seja o investidor quem assume os respectivos custos). O processo de consulta foi concebido primariamente para assegurar os direitos do povo no contexto da PNT e, assim, evitar conflitos entre os actuais ocupantes da terra pretendida – pessoas singulares ou comunidades locais – e investidores. Tem sido sobejamente demonstrado que as consultas não têm sido eficientes, muitas vezes não chegando a ser verdadeiras consultas, dado que é quase exclusivamente privilegiada a atribuição de incentivos aos líderes comunitários ou aos chefes dos bairros. Em muitos casos, não há uma discussão interna adequada do objecto de consulta ao nível da comunidade e o acordo final – com a respectiva 33 Artigo 14, n.º 2 da Lei de Terras 34 Artigo 13, n.º 1 da Lei de Terras 35 Artigo 13, n.º 2 da Lei de Terras 36 TANNER, Christopher (2011): “Chapter 4 – Mozambique”, Decentralized Land Governance: Case studies and local voices form Botswana, Madagascar and Mozambique, Cape Town, University of the Western Cape, EMS Faculty, School of Government, Institute for Poverty, Land and Agrarian Studies, p. 86 37 NORFOLK, Simon (2004): “Examining access to natural resources and linkages to sustainable livelihoods – A case study of Mozambique”, LEP Working Paper n. º 17, FAO, p. 16. 50 “Acta da Consulta” – na maior parte dos casos reflecte a discussão apenas entre os líderes e o investidor, estando excluídos os demais membros da comunidade. Neste contexto, é essencial reconhecer o carácter colectivo do DUAT das comunidades, regido pelo conceito de co-titularidade, como expressamente é mencionado na Lei de Terras e no Regulamento. Aos membros da comunidade, co-titulares do DUAT, deve aplicar-se o regime da compropriedade previsto no Código Civil (artigos 1403º e seguintes). Este princípio, correctamente aplicado, exige que todos os co-titulares devem participar nas discussões de qualquer proposta que preveja a utilização do bem comum, ou seja, da terra da comunidade. É do interesse nacional que as consultas sejam conduzidas de forma eficiente e participativa. Foi por isso aprovado o Diploma Ministerial n.º 158/2011 de 15 de Junho, que estabeleceu as regras de consulta às comunidades locais no âmbito da titulação do direito de uso e aproveitamento da terra. Este Diploma materializa o n.º 3, do artigo 13 da Lei de Terras, conjugado com a alínea e), do n.º 1, do artigo 24 do RLT, reforçando a obrigatoriedade de consulta à comunidade, como forma de confirmar se o espaço pretendido se encontra livre e sem ocupantes. Nos termos do Diploma supracitado, a consulta à comunidade local compreende duas fases: a) A primeira consiste numa reunião pública com vista à prestação de informação à comunidade local sobre o pedido de aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra e a identificação dos limites da parcela; b) A segunda, a ter lugar no mínimo até trinta dias após a primeira reunião, tem como objectivo o pronunciamento da comunidade local sobre a disponibilidade de área para a realização do empreendimento ou plano de exploração. Devem estar obrigatoriamente presentes nas consultas: a) O Administrador do Distrito ou seu representante; b) O representante dos Serviços de Cadastro; c) Os membros dos Conselhos Consultivos de Povoação e de Localidade; d) Os membros da comunidade local e os titulares ou ocupantes dos terrenos limítrofes; e, e) O requerente ou seu representante. O resultado do processo é registado em acta, que deverá ser assinada por três a nove representantes da comunidade local, bem como pelos titulares ou ocupantes dos terrenos limítrofes. Em termos práticos, este documento é a base do contrato entre a comunidade local e o investidor, embora até agora sejam poucos os casos em que, de facto, se pode falar de um contrato detalhado e rigorosamente discutido e elaborado. De qualquer modo, a ideia das “parcerias comunidade-investidor” é cada vez mais aceite, reflectindo tanto o espírito da PNT, da Lei de Terras, como o dos princípios internacionais, actualmente estabelecidos nos DVGT da FAO e nos PIRA. Se a consulta for correctamente realizada do ponto de vista formal e material – garantindo-se a efectiva auscultação da comunidade visada através do pronunciamento das sensibilidades e contrariedades, da 51 apresentação de sugestões e condições, da anunciação de normas e práticas costumeiras, etc. – haverá fortes probabilidades de uma maior segurança jurídica para as comunidades, assim como uma maior oportunidade para a obtenção de benefícios no contexto do desenvolvimento local. Por essa via também os investidores poderiam ter maior segurança jurídica, implementando projectos de investimento com bases mais estáveis. Paralelamente aos procedimentos mencionados nos termos do RLT, o processo de pedido de DUAT deverá ser instruído pela junção de um conjunto de documentos, em triplicado, entre os quais se destaca o parecer do Administrador do Distrito, precedido de consulta às comunidades locais38. Para o efeito, os Serviços de Cadastro deverão, previamente, enviar ao Administrador de Distrito uma cópia do pedido de DUAT, com o objectivo de se afixar um edital na sede do distrito e no próprio local requerido por um prazo de 30 dias39. Segue-se a mencionada fase da consulta às comunidades locais, da qual, como foi dito, será lavrada uma acta40. Entendemos, assim, que a consagração da consulta comunitária consiste, de facto, num mecanismo de salvaguarda, de respeito e de materialização dos direitos das comunidades, com maior concretização da justiça social. No entanto, e como já referido para a Dimensão 2, ainda que se constate um reconhecimento ao nível jurídico-formal dos direitos indígenas, somos da opinião que em Moçambique os direitos indígenas à terra e à floresta embora tenham protecção legal, são apenas parcialmente reconhecidos, sendo por isso a opção B a escolhida. 1.4. Dimensão 4: Os direitos de posse de terras urbanas são reconhecidos legalmente e são protegidos na prática Painel Ind. Dim. Reconhecimento de um continuum de direitos Os direitos de posse de terras urbanas são reconhecidos legalmente 1 1 4 e são protegidos na prática A/B A: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de mais de 90% da população urbana, tanto por meio de sistemas consuetudinários A: A estrutura ou estatutários de posse de terra. jurídica existente reconhece direitos B: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de 70%-90% da de mais de 90% da população urbana, tanto por meio de sistemas consuetudinários ou população urbana, estatutários de posse de terra. 38 Cf. Artigo 24.º do Regulamento da Lei de Terras (1998). 39 Conforme a conjugação da alínea f) do n.º 1 do artigo 24.º e n.º 1 do artigo 27.º, ambos do Regulamento da Lei de Terras (1998). 40 Idem. 52 tanto por meio de C: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de 50%-70% da sistemas população urbana, tanto por meio de sistemas consuetudinários ou consuetudinários ou estatutários de posse de terra. estatutários de posse de terra. D: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de menos de 50% da população urbana, tanto por meio de sistemas consuetudinários ou estatutários de posse de terra. Análise: Por via do Decreto n.º 60/2006, de 26 de Dezembro, foi aprovado o Regulamento do Solo Urbano (RSU) que “visa regulamentar a LT” relativamente ao regime de uso e aproveitamento da terra nas áreas de cidades e vilas ou nos assentamentos humanos ou aglomerados populacionais organizados por um plano de urbanização (artigo 2° do RSU). No âmbito deste regulamento, estamos perante um regime de acesso à terra em áreas sobre as quais incide um Plano de Urbanização. Os pedidos devem, em princípio, ser dirigidos ao Presidente do Conselho Municipal ou, consoante a localização da terra, aos Chefes de Povoação ou Administradores do Distrito. Contudo, o RSU criou um regime excepcional e paralelo para as áreas urbanas onde, para além das formas gerais de acesso à terra previstas na Lei de Terras, são consagradas outras formas de acesso, sendo ainda detectadas importantes omissões quanto aos sujeitos titulares de direitos sobre a terra. No âmbito do artigo 31º do RSU, podem ser titulares do direito de uso e aproveitamento da terra as pessoas nacionais ou estrangeiras, nos mesmos termos previstos na Lei de Terras (artigos 10º e 11º)41. Ora, se tivermos como referência o artigo 12.º da Lei de Terras, verificamos que no RSU desapareceu completamente a alusão às comunidades locais como sujeitos de direitos. Nesse sentido, o legislador não apenas desrespeitou a Lei de Terras, como ignorou o facto de existirem imensas comunidades locais nas zonas urbanas de Moçambique. Desconhecemos se houve aqui tão-somente um lapso ou, pelo contrário, uma clara intenção de fugir às regras definidas na Lei no que diz respeito, entre outros aspectos, às consultas comunitárias. Quanto à questão das novas modalidades de aquisição de DUAT, associada à desconsideração das modalidades de aquisição do DUAT, o Regulamento prevê como modalidades42 o deferimento da 41 Cf. Artigo 31.º do Regulamento do Solo Urbano (2006). 42 Cf. Artigo 24.º do Regulamento do Solo Urbano (2006). 53 atribuição, o sorteio43, a hasta pública44, a negociação particular45 e a ocupação de boa-fé. Trata-se de modalidades que não encontram enquadramento na Constituição e na Lei de Terras, indiciando uma posição a favor de uma ampla e livre transmissibilidade do DUAT, incluindo a compra e venda de terra. Ademais, o legislador fixou uma regra de comprovação de DUAT em solo urbano que assenta na apresentação do respectivo título46, ignorando totalmente qualquer outro meio de comprovação de direitos previstos na Lei de Terras (1997), incluindo a prova testemunhal, a peritagem e outros meios previstos na Lei47. Recorde-se ainda que, nos termos da mesma Lei, “a ausência de título não prejudica o direito adquirido por ocupação”48. Um elemento de contexto a ter em conta é o facto do RSU (2006) ter sido aprovado poucos meses antes da aprovação da Lei do Ordenamento do Território49, e não ter sido conseguida uma boa articulação entre os dois processos legislativos. O Regulamento do Solo Urbano ficou desajustado tanto em relação à Lei de Terras, como no que diz respeito às regras do Ordenamento do Território50. O facto de termos um Regulamento aprovado pelo Conselho de Ministros em desconformidade com instrumentos legais hierarquicamente superiores, aprovados pela Assembleia da República, conduz-nos, desde logo, ao questionamento da legalidade e até da constitucionalidade do mesmo. Para além das questões de legalidade (e constitucionalidade) do RSU, existe uma certa percepção, que em zonas urbanas os direitos de posse sobre a terra são passíveis de ser reconhecidos legalmente e protegidos na prática. Para esta percepção contribui grandemente o registo predial que, nas jurisdições urbanas, tende a funcionar de forma bastante eficaz dando assim bastante segurança jurídica ao registo de alguns prédios urbanos. Sem ser possível aferir com precisão em termos percentuais a dimensão do reconhecimento dos direitos da população urbana, por falta de dados quantitativos, com a ressalva na análise de que na prática temos situações de um certo nível de protecção, mas que será não total, corresponde às opções A/B. 43 Nos termos do artigo 26.º do Regulamento do Solo Urbano (2006), o sorteio tem como objecto talhões ou parcelas localizas em zonas de urbanização básica, devendo ser exclusivamente direccionado a cidadãos nacionais, e estando condicionado ao respeito de 20% para cidadãos de baixa renda. 44 Segundo o artigo 27.º do Regulamento do Solo Urbano (2006), a hasta pública dirige-se à atribuição de DUAT em talhões ou parcelas localizadas em zonas de urbanização completa ou intermédia destinadas à construção de edifícios de habitação, comércio e serviços. 45 À luz do artigo 28.º do Regulamento do Solo Urbano (2006), a negociação particular realizar-se-á entre os órgãos locais do Estado e Autárquicos e os proponentes de projectos, para atribuição de DUAT em talhões ou parcelas destinadas a projectos de habitação, indústria, agro-pecuária e de comércio de grande dimensão. 46 Cf. Artigo 40 e 41.º, n.º 1, do Regulamento do Solo Urbano (2006). 47 Cf. Artigo 15.º da Lei de Terras (1997). 48 Cf. Artigo 13.º da Lei de Terras (1997). 49 Lei n.º 19/2007, de 18 de Julho. 50 Serra, op. cit., p. 632 54 2. Indicador 2: Respeito e cumprimento dos direitos Neste indicador estão incluídas 6 Dimensões. 2.1. Dimensão 1: Existem oportunidades acessíveis para a individualização da posse Painel Ind. Dim. Respeito e cumprimento dos direitos 1 2 1 Existem oportunidades acessíveis para a individualização da posse B: Quando A: Quando conveniente, a legislação fornece oportunidades para as pessoas conveniente, a que detêm a posse de terra em sistema consuetudinário, em grupo ou legislação fornece colectivo para individualizar total ou parcialmente a propriedade/o uso da oportunidades para terra. Os procedimentos para isso têm um custo acessível e são claramente as pessoas que especificados, salvaguardados e seguidos na prática. detêm a posse de terra em sistema B: Quando conveniente, a legislação fornece oportunidades para as consuetudinário, pessoas que detêm a posse de terra em sistema consuetudinário, em em grupo ou grupo ou colectivo para individualizar total ou parcialmente a colectivo para propriedade/o uso da terra. Os procedimentos para isso têm um custo individualizar total acessível e incluem salvaguardas básicas contra o abuso, mas nem ou parcialmente a sempre são seguidos na prática e são geralmente aplicados de modo propriedade/o uso arbitrário. da terra. Os C: Quando conveniente, a legislação fornece oportunidades para as pessoas procedimentos para que detêm a posse de terra em sistema consuetudinário, em grupo ou isso têm um custo colectivo para individualizar total ou parcialmente a propriedade/o uso da acessível e incluem terra. Os procedimentos não têm um custo acessível e não são claramente salvaguardas especificados, levando a uma arbitrariedade ou a uma falha generalizada de básicas contra o aplicação, mesmo nos casos onde as pessoas afectadas desejam segui-los. abuso, mas nem sempre são D: Apesar de conveniente, a legislação não fornece oportunidades para as seguidos na prática pessoas que detêm a posse de terra em sistema consuetudinário, em grupo e são geralmente ou colectivo para individualizar total ou parcialmente a propriedade/o uso aplicados de modo da terra. arbitrário. Análise: Como acima mencionado na Dimensão 1, a Lei de Terras oferece oportunidades significativas de individualização da posse (Urban LandMark, 2013): - O título (DUAT) pode ser obtido individualmente ou em conjunto com outras pessoas singulares; - No caso de cotitularidade, as pessoas singulares podem obter um título individual; - A Lei de Terras permite o testemunho verbal e outros meios técnicos para provar o direito à terra e estabelecer os seus limites. 55 Neste contexto, a delimitação de terras assume especial importância no contexto dos direitos costumeiros. A delimitação de terras é um meio de prova e de identificação da existência de DUAT, ao abrigo do Diploma Ministerial n.º 29 – A/2000, de 17 de Março, que aprovou o Anexo Técnico do Regulamento da Lei de Terras (1998). A delimitação tem também como objectivo a sistematização e integração dos limites entre as comunidades no sistema de informação oficial sobre os direitos à terra51. Como referido, a delimitação tem vindo igualmente a ser perspectivada como instrumento de empoderamento jurídico das comunidades com vista à realização de negociações com os investidores privados que tenham requerido DUAT.52 Uma nota importante é o facto de a delimitação dever ser, à partida, um processo mais simples e menos oneroso, não exigindo a colocação de marcos georreferenciados nos limites territoriais. No entanto, esse processo implica a participação activa dos membros da comunidade a delimitar, bem como das comunidades vizinhas, de modo a validar as informações obtidas. A importância da delimitação de terras, segundo Joseph Hanlon reside em a delimitação alterar dramaticamente a posição da comunidade, dado que a Lei lhes confere o direito de demarcarem e registarem as suas terras, não só as suas actuais propriedades agrícolas, mas também terras de pousio e de reserva. Nestes termos, e quando registadas, os potenciais investidores devem negociar com as comunidades, não se limitando a consultá-las. A delimitação dá poder às comunidades mas o processo pode trazer problemas, criando expectativas e, por vezes, desenterrando velhas disputas. Embora o processo seja dispendioso e consuma muito tempo, poderá ser a única maneira de proteger os direitos dos camponeses53. Teoricamente, a posse de um certificado aumenta consideravelmente o poder de negociação da comunidade, abrindo caminhos para que haja verdadeiras parcerias. Nos termos do Anexo Técnico ao RLT54, a delimitação de áreas ocupadas pelas comunidades locais foi estruturada em cinco etapas fundamentais: (i) a informação e divulgação; (ii) o diagnóstico participativo; (iii) o esboço e a sua memória; (iv) a devolução; e, (v) o lançamento no Cadastro Nacional de Terras. 51 QUADROS, Maria da Conceição et al. (2004): op. Cit., p. 62. 52 TANNER, Christopher (2005): op. Cit., p. 58; 53 HANLON, Joseph (2002): Debate sobre a Terra em Moçambique: Irá o desenvolvimento rural ser movido pelos investidores estrangeiros, pela elite urbana, pelos camponeses mais avançados ou pelos agricultores familiares? Trabalho de investigação encomendado por Oxfam GB - Regional Management, Centre for Southern Africa, pp. 26-27 54 Artigos 5º a 13 º do Anexo Técnico do Regulamento da Lei de Terras (1998) 56 No final do processo de delimitação é emitida uma certidão incluindo os dados que tiverem sido lançados no Cadastro Nacional de Terras, que será de seguida entregue à comunidade local55. No entanto, realçamos que a ausência de título ou de registo não prejudica a existência de DUAT56. Segundo o Anexo Técnico do Regulamento da Lei de Terras (1998), a delimitação das áreas das comunidades locais é realizada prioritariamente em três casos: (i) onde haja conflitos de terras e/ou sobre demais recursos naturais; (ii) quando o Estado e/ou investidores pretendam levar a cabo novas actividades económicas e/ou projectos e planos de desenvolvimento; (iii) e quando a comunidade local o solicite57. A Iniciativa para Terras Comunitárias (ITC) tem tido um papel fundamental na questão do reconhecimento e efectivação da delimitação de terras em Moçambique, contribuindo assim para um maior reconhecimento dos direitos costumeiros das comunidades locais sobre a terra58. Um relatório da Direcção Nacional de Terras e Florestas (DNTF) de 2012, regista, até 2011, o número de 104 áreas comunitárias delimitadas como apoio da ITC, o que corresponde a 2.067.854,41 hectares. Da actividade realizada pela ITC entre os anos de 2006 a 2014, resultaram: (i) 427 delimitações comunitárias correspondentes a 3,428,529 hectares de terra; (ii) 316 processos de demarcação de terra correspondentes a 24,170 hectares de terra; (iii) apoio a 1,259,490 membros de comunidades locais, de entre os quais 52% mulheres. Pelo acima exposto, com as ressalvas de que os custos são elevados, da burocracia e do tempo elevado na resolução e encaminhamento do processo, é possível concluir que a opção B parece a mais adequada à situação, na medida em que a legislação fornece oportunidades para as pessoas que detenham a posse de terra no contexto de um sistema consuetudinário, em grupo ou coletivo, possam individualizar total ou parcialmente a propriedade e/o uso da terra, da prática resulta que, para além dos procedimentos nem sempre serem seguidos e geralmente aplicados de modo arbitrário, apresentam custos não tendo um valor acessível. 2.2. Dimensão 2: Os terrenos individuais nas áreas rurais estão registados e cartografados Painel Ind. Dim. Respeito e cumprimento dos direitos 55 Artigo 13º, n.º 4 e n.º 5, do Anexo Técnico do Regulamento da Lei de Terras (1998) 56 Artigo 13º, n.º 2, da Lei de Terras (1997). 57 Artigo 7º, n.º 1, do Anexo Técnico do Regulamento da Lei de Terras (1998). 58 A ITC é um projecto com o objectivo principal de fortalecer a capacidade e direitos legais de uso de terra a nível das comunidades, com vista a promover o uso sustentável de recursos naturais, como contribuição para redução da pobreza e promoção de desenvolvimento rural, financiado por um grupo de seis doadores europeus, Reino Unido, Holanda, Suíça, Suécia, Dinamarca e Irlanda e pelo Millennium Challenge Corporation (entre 2009 e 2013) em colaboração com o Instituto de Recursos Naturais do Reino Unido (“NRI”) e mais recenteme nte com o Centro Terra Viva (“CTV”). Para mais informações consultar http://www.itc.co.mz/. 57 Os terrenos individuais nas áreas rurais estão registados e 1 2 2 cartografados A – Mais de 90% das terras privadas em áreas rurais são formalmente registadas D – Menos de 50% B – Entre 70% e 90% das terras privadas em áreas rurais são formalmente das terras privadas registadas em áreas rurais são formalmente C – Entre 50% e 70% das terras privadas em áreas rurais são formalmente registadas. registadas D – Menos de 50% das terras privadas em áreas rurais são formalmente registadas Análise: O Cadastro de terras em Moçambique não é público o que se apresenta como um constrangimento no que concerne ao levantamento das áreas rurais privadas registadas. Algumas iniciativas privadas como a Tenure Security Facility Southern Africa, a Urban LandMark, a ANAMM, para elucidar as comunidades locais e indivíduos sobre a necessidade de registar e ou adquirir formalmente o DUAT. No entanto nenhum dos referidos estudos apresenta resultados relativos à percentagem de registos de terra em Moçambique, exactamente pelo facto de o acesso ao Cadastro não ser público. Pelo constrangimento acima indicado, não nos é permitido ter informação sobre o percentual de terra registada nas zonas rurais. A revisão constitucional de 2004 reitera o princípio estabelecido na Constituição de 1990 segundo o qual “na titularização do direito de uso e aproveitamento da terra, o Estado reconhece e protege os direitos adquiridos por herança ou ocupação, salvo havendo reserva legal ou se a terra tiver sido legalmente atribuída a outra pessoa ou entidade”. Uma das condições para o bem-estar social é, sem margem para dúvida, o reconhecimento e respeito pelo direito de acesso à terra enquanto meio universal de geração de riqueza, e do qual depende a grande maioria dos cidadãos moçambicanos59. Como diz Gregory Myers, “se os direitos à terra não forem seguros (por exemplo, se a terra puder ser tirada ao seu legítimo proprietário ou utilizador sem recursos judiciais nem compensação, se o processo de aquisição de terra não for transparente nem considerado legítimo, e 59SERRA, Carlos, Tese de Doutoramento: “ Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais – Avanços e Recuos na Construção do Direito Moçambicano”. P. 564 58 se não existir um sistema legal em que todos tenham o direito de defender os seus interesses), os investimentos não terão lugar e a insegurança enraizar-se-á”60. Também neste contexto, a Lei de Terras reforçou o regime constitucional relativo às modalidades de aquisição do DUAT, ao consagrar, como já referido, para além da modalidade assente na autorização formal do acesso, a ocupação por pessoas singulares que, de boa-fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos dez anos61. Pretende-se, deste modo, proteger as camadas populacionais mais desfavorecidas – nem sempre possuidoras de recursos para adquirir uma titularização formal – contra eventuais açambarcamentos de terra. O reconhecimento do direito sobre a terra com base na ocupação ou através das normas e práticas costumeiras que não contrariem a Lei é uma solução inovadora da legislação fundiária moçambicana, contribuindo para evitar que os cidadãos sejam privados de exercício de direitos pelo simples facto de não possuírem um título escrito62. Contudo, apesar do reconhecimento constitucional e legal dos direitos costumeiros, com especial relevância para a gestão e administração de terras em Moçambique, parece persistir uma cultura de resistência por parte dos funcionários das instituições governamentais e estatais, bem como de alguns operadores privados, que não permite o pleno exercício de direitos por parte dos cidadãos. Como observa Sérgio Baleira, “o domínio do direito estatutário sobre o imaginário social dos agentes das entidades estatais competentes na gestão e administração de terras, e a cultura jurídica formal dos investidores privados e seus advogados, têm constituído um factor de secundarização e inobservância do direito costumeiro, sobretudo nas disputas pela terra e outros recursos naturais”63. Estes os motivos pelos quais se justifica a escolha pela opção D. 2.3. Dimensão 3: Os terrenos individuais nas áreas urbanas estão registados e cartografados Painel Ind. Dim. Respeito e cumprimento dos direitos Os terrenos individuais nas áreas urbanas estão registados e 1 2 3 cartografados. D: Menos de 50% A: Mais de 90% das terras privadas em áreas urbanas são formalmente das terras privadas registadas 60 Citado por MERRY, Sally Engle (1992): Anthropology, Law and Transnational Process, Annual Review of Anthropology, AnnuQWal Reviews, Vol. 21, p. 6 61 Artigo 12.º da Lei de Terras (1997) 62 Artigo 12.º a) da Lei de Terras (1997). 63 BALEIRA, Sérgio (2012): “Como Usar a Gestão e Administração de Terras para a Promoção do Desenvolvimento Sustentável” . Sociedade e Justiça, n.º 3, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p. 13. 59 em áreas urbanas B: Entre 70% e 90% das terras privadas em áreas urbanas são formalmente são formalmente registadas registadas C: Entre 50% e 70% das terras privadas em áreas urbanas são formalmente registadas D: Menos de 50% das terras privadas em áreas urbanas são formalmente registadas Análise: Apesar do constrangimento acima indicado no ponto 2.2., segundo o qual o acesso ao cadastro de terras não é público, um estudo efectuado, por meio de inquéritos à população de alguns bairros urbanos e peri urbanos de Maputo, Tete e Nampula, demonstrou que poucos são os possuidores de terras urbanas, nos bairros onde ocorreu o estudo, que tenham o registo de terras. (Urban Landmark, 2013). Não podemos esquecer que nas zonas urbanas vivem também comunidades locais. De acordo com um estudo levado a cabo pelo projecto Tenure Security Facility Southern Africa64, em Tete (2011-2013), concluiu-se que nas zonas urbanas as pessoas singulares vivem em reassentamentos informais devido ao alto custo da titulação, pela morosidade do processo, o que deriva da aplicação prática dos princípios da Lei. Por outro lado, nos casos em que é atribuído um título (DUAT), as pessoas sentem que os seus direitos são mais fortes e sentem-se por esse motivo mais seguras (aproximadamente 74% dos inquiridos sentem-se mais seguros). No entanto, a informação colhida através do estudo não é conclusiva, e não se encontraram quaisquer outros dados fornecidos por outro estudo ou por uma entidade estatal que permitissem confirmar ou infirmar estes dados, de modo a chegar-se a um resultado conclusivo, razão pela qual se optou pela opção D. 2.4. Dimensão 4: O número de vendas ilegais de terras é baixo Painel Ind. Dim. Respeito e cumprimento dos direitos 1 2 4 O número de vendas ilegais de terras é baixo A: Na prática ocorrem poucas (se houver) transacções ilegais e existem D: O número de mecanismos para identificar sem ambiguidade as vendas ilegais e são transacções ilegais aplicadas de maneira rotineira. de terras é alto e nenhuma é B: O número de transacções ilegais de terras é baixo e algumas são identifica sem identificadas sem ambiguidade de maneira rotineira. ambiguidade de maneira rotineira C: O número de transacções ilegais de terras é alto e algumas são identificadas sem ambiguidade de maneira rotineira. 64 http://www.urbanlandmark.org.za 60 D: O número de transacções ilegais de terras é alto e nenhuma é identifica sem ambiguidade de maneira rotineira. Análise: A terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida, alienada ou hipotecada. No entanto, as benfeitorias, os prédios urbanos ou qualquer outra construção instalada sobre o terreno são passíveis de ser transacionáveis. Muitos são os relatórios não oficiais segundo os quais uma mesma terra foi transmitida por negócio inter vivos, através da venda de uma construção ali existente, porém, por não gozarem de idoneidade científica para fazer parte corpo do presente texto, não podemos fazer uso dessa informação, no entanto, não se pode negar a existência deste facto social. Na prática ocorrem várias vendas ilegais as mesmas que estão na origem de vários conflitos de terra nas zonas rurais, urbanas e de expansão. A identificação desse esbulho é deficiente pois, segundo o estudo feito pela Urban LandMark, os serviços de cadastro apresentam fragilidades no que respeita aos quadros superiores e à cobertura a nível local, e as abordagens relativas à administração da terra ainda são muito convencionais e pouco adaptadas aos desafios inovadores da Lei de Terras. Segundo a mesma fonte, as Conservatórias do Registo Predial, sob a tutela do Ministério da Justiça, apresentam ainda mais fragilidades que os serviços públicos de cadastro, com representações apenas nas capitais provinciais e muito poucos municípios, o que prejudica a segurança, e a capacidade para aceder a crédito bancário e para celebrar contratos. Desta forma mesmo sem ter obtido dados mais concretos, pensamos que a opção é a D. 2.5. Dimensão 5: O número de transacções de arrendamento ilegal é baixo Painel Ind. Dim. Respeito e cumprimento dos direitos 1 2 5 O número de transacções de arrendamento ilegal é baixo A: Existem restrições legais sobre o arrendamento de terras (se houver) e estão claramente identificadas, amplamente aceitas e executadas D: As restrições integralmente legais existentes B: Existem restrições legais sobre o arrendamento de terras (se houver) e sobre o estão claramente identificadas, justificadas e aceitas por todas as partes da arrendamento de sociedade porém não plenamente compreendidas pelos usuários de terras, terras são de modo que a execução é parcial rotineiramente negligenciadas. C: Existem restrições legais sobre o arrendamento de terras e estão claramente identificadas porém não plenamente justificadas ou aceitas pelos usuários de terras, de modo que a execução é parcial 61 D: As restrições legais existentes sobre o arrendamento de terras são rotineiramente negligenciadas Análise: A questão da segurança da posse como condição de certeza e de segurança está adequadamente disposta: embora a terra não possa ser propriedade privada, o “título de arrendamento” do Estado “direito de uso e aproveitamento da terra” (ou DUAT), proporciona um horizonte temporal seguro de 50 anos, com direito a renovação. Mas, em termos gerais, o quadro jurídico, se devidamente aplicado, oferece aos investidores segurança e tempo bastante para investir, recuperar os custos e realizar lucros. A questão do arrendamento da terra tem sempre sido sujeita, na prática, a um veto político. Com raízes no medo pós-independência que reemergisse uma nova classe capitalista mais rica, a ideia dos arrendamentos tem estado fora de questão, mesmo no momento em que a actual Lei estava a ser desenvolvida. A Lei de Terras de 1997 e o seu regulamento inclui, todavia, a possibilidade de “cessão de exploração” a terceiros mantendo o DUAT. Nos últimos 2 ou 3 anos, esta questão tem sido alvo de debate ao nível do Fórum Consultivo da Terra e, de facto, foi redigido um novo Decreto para regular como este tipo de transferência de uso para terceiros é feito e cujo draft se encontra presentemente em discussão no MITADER. Trata-se de uma questão que suscita alguma polémica, particularmente em torno do objecto do contrato, dos sujeitos do contrato, e dos objectivos que pretendem ser alcançados com aquela figura jurídica. Quanto ao objecto, a primeira pergunta que se coloca é a de saber se a cessão de exploração deverá incidir sobre a actividade desenvolvida ou sobre a terra em si, isto é, sobre o DUAT propriamente dito. Um parecer jurídico recente veio esclarecer que “a referência aos contratos de cessão de exploração imediatamente após a referência à compra e venda de infra-estruturas, construções e benfeitorias […] tem que ser interpretada e entendida como significando que os contratos de cessão de exploração previstos no artigo 15 do Regulamento da Lei de Terras dizem respeito às infra-estruturas, construções e benfeitorias existentes na terra, e não à terra propriamente dita”65. Trata-se de uma interpretação mais consentânea não só com a figura da cessão de exploração – tal como é concebida na legislação civil moçambicana – com as regras constitucionais que proíbem a venda, alienação, hipoteca ou penhor da terra, bem como com a filosofia subjacente à legislação sobre terra: a terra, sendo propriedade do Estado, deve ser ocupada por quem a trabalha. Ademais, repare-se que, nos termos do Regulamento da Lei de Terras, o que está sujeito a registo são contratos de cessão de exploração celebrados para a exploração parcial ou total de prédios rústicos, não havendo, como é óbvio, 65 Serra, op. cit., p. 632 62 qualquer referência à terra em si. No entanto, parece claro que o “decreto” em discussão propõe que a cessão de exploração incida sobre o DUAT, isto é, sobre a terra. A segunda pergunta que se impõe diz respeito aos sujeitos da cessão de exploração, particularmente do lado do cedente. Quem pode ceder temporariamente a exploração? As comunidades? As pessoas singulares e colectivas? De acordo com a proposta de regulamentação em discussão, parece que todos os titulares de DUAT podem ceder temporariamente o seu direito, o que nos levanta algumas dúvidas quanto ao alinhamento dessa proposta com os fundamentos que têm sido invocados para a regulamentação da cessão de exploração, nos termos em que nos foram apresentados até agora. Afirma- se que o objectivo da cessão de exploração é combater a existência de “terra ociosa” em Moçambique, promovendo parcerias entre as comunidades e investidores privados. Com este argumento, fica de lado toda a discussão que tem sido feita em torno do desenvolvimento rural, nomeadamente o problema do acesso ao crédito e ao mercado, os incentivos à agricultura, a valorização da força de trabalho rural, a disponibilidade de meios de trabalho, a existência de vias de comunicação e de informação eficazes, etc. A cessão de exploração transforma-se na panaceia de todos os males. Ademais, se o objectivo é proteger as comunidades, porque não se equaciona a adopção de um regime específico para as comunidades? Além do mais, há que ter presente que o cessionário, caso implante imóveis ou outro tipo de benfeitorias sobre o terreno cujo DUAT não lhe pertence, não as poderá registar em nome próprio. Significa que nem o hipotético objectivo de facilitar o acesso ao crédito – oferendo como garantia os imóveis – seria alcançado através do regime que se propõe no “decreto”. A última questão conduz-nos à terceira pergunta: que mecanismos legais e institucionais existem hoje que permitem que haja parcerias entre as comunidades e investidores privados, com vantagens mútuas? Como têm sido utilizados e que resultados são alcançados? Entendemos que a resposta a todas estas questões poderá ajudar-nos a perceber melhor o que efectivamente se pretende atingir com a cessão de exploração, e em que medida a proposta de regulamentação responde aos problemas das comunidades. A proposta de regulamentação da cessão de exploração, presentemente em discussão, está alinhada com a Constituição da República e aos princípios orientadores da legislação sobre a terra, nomeadamente a promoção da justiça social, do desenvolvimento e do investimento privado. 2.6. Dimensão 6: Os direitos de propriedade das mulheres às terras, estão registados segundo as leis relevantes. Painel Ind. Dim. Respeito e cumprimento dos direitos Os direitos de propriedade das mulheres às terras, estão registados 1 2 6 segundo a leis relevantes 63 A: Mais de 90% dos casos estão efectivamente registados. D: Menos de 50% B: Entre 75% e 90% dos casos estão efectivamente registados. dos casos estão efectivamente C: Entre 50% e 75% dos casos estão efectivamente registados. registados D: Menos de 50% dos casos estão efectivamente registados Análise Com a Constituição de 2004 o princípio da igualdade de género ganhou dignidade constitucional e, segundo este, o homem e a mulher são iguais perante a Lei e perante toda a esfera da vida social. Assim, decorre deste princípio constitucional que os direitos de uso e aproveitamento da terra das mulheres devem por Lei ser, à partida, atribuídos às mulheres na mesma proporção que aos homens, assim como, devem, por isso, ser devidamente registados. Ainda, pelo texto constitucional qualquer prática costumeira que proíba a mulher de beneficiar desta prerrogativa é contra a Lei, não podendo por isso ser considerada no ordenamento jurídico moçambicano. Segundo um estudo feito pelo MITADER em 2003, apesar de o Governo possuir uma política de equidade de género e empoderamento de género, as estatísticas sociais relativas a educação, emprego formal, alfabetização e escolaridade primária e outros colhidas em 2009, indicam que os homens estão muito avançados, o emprego formal por exemplo é quatro vezes maior, sendo 19,00% contra 3,9 das mulheres. Única exceção a este fenómeno é o emprego na agricultura em que segundo o estudo existe um percentual de 89,3 mulheres contra os 67,5 de homens no sector. Segundo o MITADER (2013), as desigualdades de género estendem-se ao acesso de recursos financeiros e à posse de terra, no entanto os dados do TIA, mostram que famílias chefiadas por mulheres possuem menor acesso aos serviços de crédito, e cultivam menores parcelas de terra. Sabe-se, como foi aqui demonstrado no painel 1, dimensão 3, que o registo de direitos de uso e aproveitamento da terra são de alto custo, logo, a mulher que cultiva menores porções de terra, é menos educada, possui menos recursos para ter a sua posse assegurada pelo registo. Ainda, importa referir, mais uma vez, que o acesso ao cadastro de terras não é público sendo difícil, deste modo, aferir o percentual de mulheres com o seu direito registado. Não obstante, presentemente, tal como em meados da década de 90, a maior parte dos direitos sobre a terra não estão cadastrados e o direito local continua vulnerável à “captura pela elite” ou a outras formas de espoliação. Isto é ainda mais patente no caso das mulheres rurais, cujos direitos tendem a existir através dos maridos, pais ou tios, e que têm pouca consciência sobre como exercer, na prática, os seus direitos legais. 64 VI. Conclusões e Recomendações 1. Conclusões Da análise dos indicadores e dimensões acima, podemos concluir que:  A Lei de Terras e respectivo Regulamento preconiza a proteção de direitos das comunidades legais, a posse de boa-fé, e estabelece os meios e de protecção e titulação de tais direitos, porém, a conjuntura social moçambicana aliada à fragilidade institucional, tais prerrogativas não são devidamente asseguradas.  Não obstante, a procura já elevada de terra tem vindo a aumentar com o crescimento da economia. E muito embora os direitos locais gozem de protecção legal, a maior parte permanecem por registar e estão “fora do cadastro”, encontrando-se ainda vulneráveis e expostos a serem capturados por grupos mais poderosos. A abordagem adoptada pela PNT de 1995 e pela Lei de Terras de 1997 – acesso participativo e negociado à terra local que gere benefícios em termos de alívio da pobreza para os titulares de direitos existentes que cedam esses direitos – ainda aparenta ser a melhor maneira de conciliar as necessidades, muitas vezes divergentes, de diferentes utilizadores. Por outras palavras, os seus objectivos sociais ainda são válidos.  Em relação à questão das “consultas comunitárias”, que é uma das características fundamentais da Lei de Terras de 1997 e a principal garantia de cariz prático dos direitos locais à terra (DUAT) adquiridos por ocupação costumeira, os críticos alegam, e com razão, que a Lei e o Regulamento são muito parcos em detalhes sobre como devem ser realizadas as consultas, quem representa a comunidade, e quais os efeitos legais.  No que toca ao processo de delimitação de terras, importante instrumento de titulação de posse das comunidades locais, este encontra ainda grandes desafios: devido (i) à falta de provedores de serviços qualificados e com capacidade para conduzir a delimitação dentro das regras estabelecidas; (ii) à necessidade de apropriação do processo pelas comunidades; (iii) falta de sinergias entre os processos de delimitação e os representantes dos governos distritais e necessidade de incluir a delimitação nos planos de orçamento de desenvolvimento dos distritos.  Com a criação do MITADER, Moçambique tem finalmente o potencial para implementar cabalmente a progressista e altamente conceituada Lei de Terras de 1997. Com as mudanças acima propostas de elevação das suas credenciais económicas deixando o seu propósito social intacto, e com um quadro institucional novo beneficiando de forte apoio de doadores (ao nível nacional e distrital), a implementação cabal do quadro pode agora ser possível. 2. Recomendações 65  Os imperativos sociais ditam que a estratégia e abordagem subjacentes ao actual quadro legal estão ainda, em grande medida, alinhadas com o que Moçambique precisa hoje. O desafio, então, é como fazer face as estas necessidades económicas sem lesar as realizações, muito reais, da PNT e da Lei de Terras de 1997 na área da protecção de direitos, e criar um quadro para o acesso negociado à terra e aos seus subsequente uso “sustentável e equitativo”.  Necessidade de manter o importante e inovador instrumento das “consultas comunitárias, devendo clarificarem-se os aspectos relacionados com a “representação e actuação” da comunidade, formalmente previsto no Artigo 30 da Lei de Terras de 1997, com recurso às experiências de quem tenha feito consultas comunitárias nos últimos anos, em especial organizações da sociedade civil que apoiem as comunidades neste processo, aparentemente simples mas, na realidade, complexo.  Muitos dos aspectos hoje dificultados poderiam ficar solucionados se houvesse um trabalho exaustivo de mapeamento do quadro jurídico-legal da legislação de terras e do ordenamento territorial, parte íntegra de um Plano de Implementação do novo quadro legal, bem como a clarificação ‘definitiva’ das competências e poderes dos Governos Provinciais/Distritos e Autarquias no que diz respeito à matéria da gestão fundiária e do ordenamento e clarificação de alguns aspectos da legislação actual com especial enfoque, designadamente, nas seguintes matérias:  conferir maior força legal aos títulos do DUAT e licenças especiais, destacando-se a necessidade reformar e operacionalizar de forma eficiente o relacionamento entre o Cadastro e a Conservatória do Registo Predial;  harmonizar conceitos e definições em todo o regime de terras;  melhorar os critérios para determinação de quando os títulos podem ser transmitidos, designadamente e tendo em conta a distinção entre prédios rústicos e urbanos e o planeamento/zoneamento territorial, reduzindo desta forma a discricionariedade e a corrupção;  compatibilizar o regime de transferência de DUAT no caso de prédios rústicos e urbanos;  articular a transmissão de DUAT relativos a prédios rústicos com as Leis do Ordenamento Territorial e reduzir ao máximo a incerteza jurídica nos processos de transmissão;  clarificar o conceito de benfeitorias  conferir maior segurança e interesse na detenção dos títulos, designadamente pela clarificação perante investidores nacionais e estrangeiros de que o regime jurídico dos DUAT é um regime seguro;  tornar mais fácil o acesso ao crédito bancário por parte de titulares de DUAT;  permitir maior angariação de receitas pelo Estado resultantes da aplicação de taxas/impostos devidos ligados a estas transacções, clarificando os poderes das entidades com poder jurídico para efectivamente cobrar impostos e/ou taxas (por exemplo, evitando a cobrança ilegal por parte das Autarquias de taxas de ocupação inconstitucionais); 66  articular melhor a legislação de terras com a legislação sobre o reassentamento populacional, ambiente e ordenamento territorial e ainda com a legislação geral e sectorial relevante;  clarificar os mecanismos de parcerias entre as comunidades locais e investidores, bem como mecanismos mais eficazes para uma boa, transparente e informada participação das comunidades nas negociações com os investidores;  clarificar a dinâmica das diferentes transacções que poderiam ter lugar com a detenção do título do DUAT;  melhorar, dinamizar e tornar mais seguro o mercado de acesso à terra no país, sem se descurar das garantias legais para as questões sociais ligadas ao uso da terra no país;  garantir maior rentabilidade da terra;  melhorar a relação e coordenação institucional entre os diversos órgãos públicos envolvidos em matérias conexas com os direitos e registo de terras. TEMA 2. REGULAMENTOS DO USO DE DIREITOS À FLORESTA E ÀS TERRAS COMUNS E RURAIS Autor: Taciana Peão Lopes (apoio de Sheila de Menezes) I. Introdução Na sequência da Constituição de 1990, das primeiras eleições multipartidárias e da aprovação de políticas específicas para o sector de terras, bem como de florestas e fauna bravia, deu-se início a um processo legislativo que culminou na aprovação da Lei de Terras (Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro) bem como da Lei de Florestas e Fauna Bravia (Lei n.º 10/99, de 10 de Novembro). Estas Leis possuem semelhanças dignas de referência não apenas por terem sido elaboradas durante o mesmo ciclo de governação, como também porque foram objecto do mesmo apoio técnico e financeiro, durante a fase de desenho no Ministério que então superintendia a Agricultura. Uma das características comuns prende-se com o facto de resultaram de um esforço de produção de uma composição de interesses. No caso da Lei de Terras, procurou-se por um lado proteger os direitos da grande maioria de ocupantes da terra e, por outro lado, criar as condições para a valorização da terra através de fortalecimento do papel do sector privado. Esta composição está igualmente patente na Lei de Florestas e Fauna Bravia, através da protecção dos direitos dos principais utilizadores da floresta - os camponeses - por via do reconhecimento da dispensa de licença em caso de consumo próprio e da possibilidade de as comunidades locais serem operadoras florestais; da regulação do licenciamento florestal, projectando o sector privado madeireiro; e ainda da preocupação com as necessidades de conservação. Porém, esta composição não logrou atingir o necessário equilíbrio e, nessa medida, a Lei de Florestas e Fauna Bravia veio a assumir-se como uma lei de pendor extractivista em detrimento de interesses de 67 cariz ambiental visando um desenvolvimento sócio-económico sustentável. II. Quadro legal sobre terras e respectivas implicações A Lei de Terras (LT) aprovada a 1 de Outubro de 1997, surge no contexto de melhorar e enquadrar a Política Nacional de Terras (PNT) a dinâmica social e económica que o país vinha a desenvolver. Esta Lei foi criada, segundo a visão de Christopher Tanner66, essencialmente para proteger os direitos dos ocupantes e criar condições seguras para novos investimentos que possam beneficiar a comunidade e os investidores. Permitindo assim, o desenvolvimento e a sustentabilidade do recurso (terra) principalmente por parte da comunidade local67 e dos investidores. É importante notar que, a definição de comunidade local68 contém um elemento humano (agrupamento de famílias e indivíduos), um elemento territorial (a localidade ou nível inferior àquela) e um elemento teleológico ou finalístico (salvaguarda de interesses comuns, pelo que, qualquer análise ao conceito deve ter em conta estes elementos, por tratar-se de um conceito aberto, dinâmico e flexível que procura abranger a complexidade e diversidade política, organizacional, económica, social e cultural das comunidades. Para Tanner69, o conceito de “Comunidade Local” foi uma “grande” valia na nova LT. Segundo este autor, o legislador ao trazer este conceito a terreiro, tinha como objectivo atribuir personalidade jurídica à comunidade local, para que os direitos de ocupação lhe fossem reconhecidos. Assim, a comunidade local70 detém não somente as terras necessárias à construção das suas habitações e à prática da agricultura, como também as terras em pousio, as florestas de onde extrai os recursos naturais necessários para o seu sustento, os lugares de importância cultural, as áreas necessárias para a pastagem do gado, e, fundamentalmente, as áreas imperiosas para a sustentabilidade do próprio desenvolvimento da comunidade. Por outro lado, Serra71, entende que, a consagração da noção de comunidade local foi efectivamente um verdadeiro marco histórico no processo de construção do Direito moçambicano, a partir de uma realidade plural, heterogénea, diversificada e fortemente enraizada nas normas e práticas costumeiras. Tratou-se de um verdadeiro esforço de democratização de um quadro legal demasiado distante, pesado 66 TANNER, Christopher (2002);Law Making in an African context: The 1997 Mozambican Land Law, FAO Legal paper; p.5 67 Nos termos do n.º 1, do artigo 1 da LT “ Comunidade Local é o agrupamento de famílias e indivíduos, vivendo numa circunscrição territorial de nível de localidade ou inferior, que visa a salvaguarda de interesses comuns através da protecção de áreas habitacionais, áreas agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios de importância cultural, pastagens, fontes de água e áreas de expansão. 68 CALENGO, André (2005), Lei de Terras Comentada e Anotada, Maputo, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p.32 69 TANNER, Christopher (2002);Law Making in an African contexto: The 1997 Mozambican Land Law, FAO Legal paper; p.32 70 TANNER, Christopher (2004), A Relação entre a Posse de Terra e os Recursos Naturais, documento apresentado na 3.ª Conferência Nacional sobre o Maneio Comunitário dos Recursos Naturais, Maputo, 21 de Julho de 2004 71 SERRA, Carlos (2007), Domínio Público do Estado, Autárquico e Comunitário – Essência, Constrangimentos e Desafios, Documento apresentado na Conferência sobre os 10 Anos da Lei de Terras, Maputo. 68 e desajustado à dinâmica das realidades locais, e que pode ser visto, em termos muito resumidos, sob três perspectivas fundamentais: (i) a terra comunitária não se confina à terra que a comunidade precisa para viver ou para praticar agricultura, implica muito mais do que isto, integrando o domínio público comunitário, o que varia de comunidade para comunidade, de local para local, de distrito para distrito, de província para província, de região para região; (ii) os direitos de uso e aproveitamento da terra das comunidades locais existem através do reconhecimento da ocupação, independentemente do reconhecimento oficial por parte do Estado, da existência de documentos comprovativos, incluindo títulos, ou do registo dos mesmos nas Conservatórias; (iii) no processo de autorização de pedidos de direitos de uso e aproveitamento de terra é atribuído à comunidade local um papel decisório e condicionador da titulação de novos direitos. Um aspecto importante que deve ser abordado é a questão da Personalidade Jurídica das Comunidades Locais. Para Óscar Monteiro72, “por essa via, as comunidades fizeram a sua entrada no ordenamento jurídico como parte constitutiva do ente político nacional”, e que retoma-se assim de algum modo a experiência de participação que tivera lugar logo após a proclamação da Independência, tirando lições das suas limitantes, nomeadamente que ao atribuir às populações o mero direito de falar e de participar, sem poder de decisão, o sistema anterior acabou por se esgotar. Ivon Pires73 reitera a atribuição personalidade jurídica às comunidades locais, fazendo uso do artigo 10.º da Lei de Terras (1997), segundo o qual estas poderão ser sujeitos de DUAT, a par das pessoas nacionais, colectivas e singulares, homens e mulheres, o que elimina a necessidade de haver lugar à constituição de associações, cooperativas ou qualquer outra modalidade de pessoa jurídica. O reconhecimento de personalidade jurídica às comunidades locais possui contornos muito especiais74, conforme nos diz André Calengo75, desde logo porque o acesso e exercício do DUAT não estão vinculados nem a prévia constituição nem a reconhecimento nos termos da legislação civil (Código Civil e Lei das Associações), sendo que os seus mecanismos de actuação e de representação são os que decorrem das normas e práticas costumeiras, ou outras, próprias da comunidade em causa. 72 MONTEIRO, Óscar (2006), O Estado Moçambicano – Entre o Modelo e a Realidade Social, p.5 73 PIRES, Ivon (2004), “O Caso da comunidade de Goba”, Manual de Direito da Terra, Maputo, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p. 71. 74 SERRA, Carlos, Tese de Doutoramento “ Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais – Avanços e Recuos na Construção do Direito Moçambicano”p.560 75 CALENGO, André (2005), ob. cit., p. 105. 69 Contudo, alguns autores chamam a atenção para o facto de a nova Lei de Terras (1997) ser o resultado de um compromisso instável e precário, produto de lógicas diferentes – mercado versus subsistência – bem como devido aos interesses dominantes76. Por outro lado, é importante notar que “a nova Lei não privatiza a terra mas dá garantias totais para a segurança do investimento, não demarca o sector familiar mas permite que venha a acontecer ao abrigo das chamadas terras comunitárias, não restringe os direitos de acesso ao sector familiar mas centraliza a definição das finalidades da exploração, não permite a venda mas dá espaços suficientes para a integração no mercado regional via sociedades mistas; não ignora as sustentabilidades do uso dos recursos mas permite a sua hipoteca a capitais internacionais, enfim, a nova Lei foi concebida como o homem, à imagem e semelhança da complexidade do poder”77. O legislador atribui a titularidade da terra ao Estado78, obstando deste modo que a mesma seja vendida, alienada, hipotecada ou penhorada, permitindo assim que a terra seja ocupada por todos, sem distinção de nacionalidade, origem étnica, género, etc. Nestes termos, no âmbito da lei existem três formas de atribuição da terra, nomeadamente:  Ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo normas e práticas costumeiras que não contrariem a Constituição da República (CR);  Ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, estejam a utilizar terra há pelo menos 10anos; e  Autorização de pedido apresentado por pessoas singulares ou colectivas na forma estabelecida pela lei. Sendo que, a competência para atribuição do DUAT é feita da seguinte forma:  Nas áreas não cobertas por Planos de Urbanização caberá aos Governadores Provinciais; ao Ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural e ao Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas; e ao Conselho de Ministros conceder o DUAT; e  Nas áreas cobertas por Planos de Urbanização compete ao Presidente do Conselho Municipal, aos de Povoação e aos Administradores do Distrito onde não existam órgãos municipais e desde que tenham serviços de cadastro, autorizar o DUAT. 76 RIBEIRO, Fernando Bessa (2006), A questão fundiária em Moçambique – Dinâmicas globais, actores e interesses locais, Congresso africanista na Covilhã, Maio,p.9 77 NEGRÃO, José (1996), Que Política de Terras para Moçambique – A propósito da Conferência Nacional de Terras, Maputo, Núcleo de Estudos da Terra 78 Artigo 109.° da Constituição da República conjugado com o artigo 3° da Lei de Terras. 70 Neste contexto, da análise das formas de aquisição do DUAT, depreende-se claramente que o Governo priorizou em primeira instância a comunidades ou a pessoas singulares, atribuindo-lhes a possibilidade de aquisição do DUAT por duas formas. Porém um dos aspectos mais importantes da nova Lei de Terras (1997) foi a previsão de que a atribuição de DUAT’s ao abrigo de autorização, enquanto uma das formas legais de aquisição legalmente reconhecidas, deverá obrigatoriamente implicar um momento de consulta às comunidades locais com o objectivo de confirmar se a área pretendida se encontra livre e não tem ocupantes, formalidade que está sob responsabilidade das autoridades administrativas locais, ao abrigo do processo de titulação79. Conforme nos demonstra José Negrão80, a consagração da consulta comunitária decorreu da constatação da falta de transparência na concessão de terras e demais recursos naturais, associada ao crescente foco de casos de corrupção, principalmente porque o quadro até então vigente concedia ao Estado o monopólio de tomada de decisões sobre a adjudicação de recursos. Daí que, nos trabalhos preparatórios, se tenha proposto que “no processo de concessão de títulos sejam obrigatoriamente consultadas as comunidades rurais residentes no local” e que “haja a concordância entre os envolvidos sobre os limites que estão a ser definidos”81. Sendo um aspecto importante outros autores apresentaram outros posicionamentos nomeadamente: Para Tanner82 a previsão da consulta comunitária como uma forte e prática afirmação dos poderes de gestão devolvidos às comunidades locais ao abrigo do artigo 24.º da Lei de Terras (1997). Simon Norfolk83, na mesma linha, entende que, ao se exigir aos requerentes e instituições governamentais a consulta às comunidades locais que poderão ser potencialmente afectadas pelos pedidos de uso e aproveitamento da terra e demais recursos naturais, são criadas condições para que o poder de decisão sobre o estatuto do uso e aproveitamento dos recursos naturais transite do Estado para os reais usuários destes mesmos recursos. 79 No domínio das florestas e fauna bravia, veja-se que “a atribuição da área de concessão florestal é sempre precedida de uma auscultação ou renegociação junto das comunidades locais abrangidas na respectiva área, através dos órgãos da administração local do Estado” (Cfr. Artigo 17.º, n.º 2, da Lei de Florestas e Fauna Bravia). 80 NEGRÃO, José (1996), Que Política de Terras para Moçambique – A propósito da Conferência Nacional de Terras, Maputo, Núcleo de Estudos da Terra,p.4 81 Idem, p. 4. 82 TANNER, Christopher (2011), “Chapter 4 – Mozambique”, Decentralized Land Governance: Case studies and local voices form Botswana, Madagascar and Mozambique, Cape Town, University of the Western Cape, EMS Faculty, School of Government,Institute for Poverty, Land and Agrarian Studies, p.86 83 NORFOLK, Simon (2004), “Examining access to natural resources and linkages to sustainable livelihoods – A case study of Mozambique”, LEP Working Paper n. º 17, FAO, p. 16. 71 Em termos práticos, a consulta comunitária abre caminho a uma etapa de negociação entre a comunidade local e o investidor, que pode culminar na celebração de um contrato de parceria, prevendo responsabilidades e benefícios mútuos, conforme veremos adiante84. Pelo que, entendemos que, no caso de a consulta se realizar em termos formais e materialmente correctos, garantindo-se a real auscultação da comunidade visada (e não, por exemplo, apenas dos seus supostos representantes), através do pronunciamento das sensibilidades e contrariedades, da apresentação de sugestões e condições, da anunciação de normas e práticas costumeiras e da definição dos horizontes geográficos e respectivos componentes das terras comunitárias, há fortes probabilidades de uma maior segurança jurídica para as comunidades, mas também, fundamentalmente, uma maior oportunidade para a obtenção de eventuais benefícios no contexto do desenvolvimento local. Segundo Serra85 a consulta pública, no contexto da legislação de terras e recursos naturais, permite assim aferir não só a existência de formas de pensar e de viver fora dos horizontes temporais e geográficos do Estado moderno, e de inúmeros direitos adquiridos e transmitidos pela via costumeira e, indiscutivelmente, merecedores de consideração para efeitos de tomada de decisão sobre determinada actividade, como também atribui às comunidades uma importante base negocial para efeitos de desenvolvimento local e de prevenção de eventual litigiosidade. Um aspecto que não ficou claro na legislação prende-se com o valor de um eventual não, decidido pelas comunidades locais, no culminar da consulta comunitária. Para Christopher Tanner, a decisão da comunidade local não tem carácter vinculativo, mas caso esta venha a emitir uma resposta negativa, a mesma deverá ser respeitada, principalmente porque o DUAT constitui um direito privado e exclusivo, o que confere à comunidade o direito de dizer não a determinado projecto ou investidor86. Para este autor, “as consultas – seja em relação ao acesso à terra de uma comunidade, ou em relação ao uso de recursos naturais – constituem um momento crítico quando a comunidade, bem informada dos seus direitos, também pode obstruir (lado negativo) ou pelo menos condicionar (lado positivo) o processo de exploração dos recursos do Estado, garantindo deste modo alguns benefícios concretos para estimular o desenvolvimento local e aliviar a pobreza”87. Quer-se crer que o legislador, ao instituir obrigatoriedade da consulta as comunidades, na aprovação da actual LT, tinha como objectivo dinamizar e evitar os conflitos existentes primeiramente entre pessoas singulares (resultante da duplicação na transmissão da terra nas zonas rurais) e por pessoas colectivas (resultante de possíveis conflitos com a comunidade no processo de transmissão da terra). 84 TANNER, Christopher (2013), “Valorizar a terra em Moçambique: um processo inclusivo ou divisivo?”, Dinâmicas da Ocupação e Uso da Terra em Moçambique, Maputo, Observatório do Meio Rural, Escolar Editora, p. 144 – 145 85 SERRA, Carlos, Tese de Doutoramento “ Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais – Avanços e Recuos na Construção do Direito Moçambicano”p.573 86 TANNER, Christopher (2011), ob. cit. p. 86. 87 Idem,p.86 72 Foi no culminar deste princípio que foi aprovado o Diploma Ministerial n.º 158/2011 de 15 de Junho, que adequou as regras para a consulta às comunidades locais no âmbito da titulação do direito de uso e aproveitamento da terra. Entendemos, assim, que um dos maiores marcos do novo quadro jurídico-legal de terras e recursos naturais foi a consagração da consulta comunitária, e que se tornou uma espécie de mecanismo de salvaguarda, de respeito e de materialização dos direitos comunitários e, consequentemente, de atribuição de um maior espaço para a realização de uma justiça mais plural, num factor de realização do princípio de pluralismo jurídico constitucionalmente consagrado. III. Quadro legal sobre florestas e respectivas implicações Pouco tempo depois da Lei de Terras, foi aprovada a Lei de Florestas e Fauna Bravia – LFFB, Lei n.º 10/97, de 7 de Julho, e o respectivo Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 12/2002, de 6 de Junho. O resultado alcançado com estes últimos instrumentos não foi o melhor, indiciando não apenas a falta de harmonização com o disposto na Lei de Terras, mas também um consenso imperfeito que resultou da forte pressão de alguns blocos de interesse, não devidamente balançados, tendo o uso e aproveitamento recebido uma atenção/enfoque privilegiado em relação à protecção e conservação das florestas. A LFFB estabelece os princípios e normas básicas para a protecção, conservação e utilização sustentável dos recursos florestais e faunísticos, no quadro de uma gestão integrada, para a sustentabilidade do desenvolvimento económico e social do país. Note-se que, a análise destes recursos naturais é integrada no desenvolvimento económico e social do país, razão pela qual, deve ser considerado tendo como base os três pilares da sustentabilidade do desenvolvimento, nomeadamente o ambiental, o económico e o social. A LFFB trouxe a obrigatoriedade de observância dos princípios inerentes à mesma para o desenvolvimento de qualquer actividade que seja implementada.88 Os princípios mencionados no parágrafo anterior baseiam-se essencialmente em: 1º Todos recursos florestais e faunísticos são propriedade do Estado; 2º Cabe ao Estado desenvolver políticas para protecção, conservação e preservação desses recursos para todas as gerações, devendo por isso neste processo serem efectuados estudos de avaliação dos impactos; 3º No desenvolvimento destas medidas, deve o Estado interagir com a comunidade local, e com o sector privado. Estabelecendo sempre que necessário, uma cooperação internacional; e 88 Artigo 3 da LFFB. 73 4º Sendo que, ocorrerá a responsabilização pelos danos causados, a quem danificar estes recursos. Pelo que, atendendo ao potencial89, a localização e forma de utilização do património florestal, este foi classificado em: (i) florestas de conservação; (ii) produtivas; e (iii) de utilização múltipla. A Lei permite que todos os titulares de direitos de uso e aproveitamento da terra90, independentemente da forma de aquisição deste direito possam exercer a actividade florestal mediante a obtenção de uma licença para exploração dos recursos florestais e faunísticos naturais existentes na respectiva área. Nos termos da LFFB foram consagrados dois regimes de exploração florestal91: i) Licença Simples; e ii) Contrato de Concessão Florestal. Devendo contudo, no desenvolvimento dessas acções observar os principios básicos da Lei nomeadamente proteger92, conservar, desenvolver e utilizar de uma forma racional e sustentável os recursos florestais e fauníticos para o benefício económico, social e ecológico. O Regulamento da LFFB surge no sentido de regulamentar a efectivação dos princípios e normas básicas referente às protecção, conservação e utilização sustentável dos recursos florestais estabelecidos na Lei de Floresta e Fauna Bravia. Sendo que, o presente regulamento aplica-se93 às actividades de conservação, protecção, utilização, exploração e produção de recursos florestais e faunísticos, abrangendo a comercialização, transporte, armazenamento e transformação primária, artesanal ou industrial destes recursos. Com vista a alcançar o objectivo, toda actividade que envolva os recursos florestais deve ser realizada mediante o devido licenciamento florestal, segundo duas modalidades principais – a licença simples (artigos 15 a 24 do Regulamento) e a concessão florestal (artigos 25 a 36 do Regulamento). Nos anos subsequentes à aprovação do Regulamento, o regime de licença simples foi predominante, tendo, com o agravamento da situação florestal, sido objecto de muitas críticas, principalmente porque foi considerado pouco exigente em termos de obrigações para com a floresta. A partir de determinada altura as orientações emanadas a nível central foram no sentido de dar preferência ao estabelecimento de concessões florestais. Ainda assim, o número de licenças simples permaneceu alto. Nesse sentido, criaram-se as condições para uma revisão pontual do Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia. Foi no culminar deste princípio que foi criado o Decreto n.º 30/2012 de 1 de Agosto, que aprova os requisitos para a exploração florestal em regime de licença simples e os termos, condições e incentivos para o estabelecimento de plantações florestais. 89 Artigo 5 da LFFB. 90 Cfr. Artigo 9 da LFFB. 91 Artigo 15 e 16 da LFFB. 92 Cfr. Artigo 4 da LFFB. 93 Artigo 1 do RLFFB. 74 O Decreto n.º 30/2012 de 1 de Agosto introduziu, portanto, alterações significativas ao regime de licença simples, previsto na Lei de Florestas e Fauna Bravia e detalhado no respectivo Regulamento. Constituiu assim a resposta às críticas vindas dos mais diversos quadrantes relativamente à falta de requisitos que garantissem a exploração sustentável dos recursos florestais. Nos termos do presente instrumento legal, a exploração florestal em regime de licença simples será feita com observância do plano de maneio aprovado, correspondendo a uma área contígua não superior a 10 000 hectares, sujeita ao pagamento da taxa anual de ocupação da área e observando a quota anual de exploração de madeira de 500 metros cúbicos ou o equivalente94. Com as alterações introduzidas ao regime de licença simples, a exploração passou a ser feita mediante contrato de exploração95, celebrado entre o Estado, representado pelo Governador Provincial, e o operador florestal, por um período não superior a cinco anos, renováveis96. Constituem elementos do contrato: (i) os volumes por espécie objecto da exploração; (ii) os comprovativos da propriedade do operador sobre os meios de abate, arraste e transporte; (iii) a duração do contrato; (iv) a comparticipação e benefícios para as comunidades locais; (v) os mecanismos de controlo e fiscalização das actividades da área objecto da licença; (vi) e a quota anual de exploração por espécie97. O pedido de exploração em regime de licença simples deverá ser dirigido ao Governador Provincial, incluindo os seguintes elementos: requerimento acompanhado de identificação comprovativa de cidadania nacional ou estatutos constitutivos publicados no Boletim da República e registo comercial válido: carta topográfica à escala 1 250 000, contendo os elementos cartográficos; memória descritiva da área requerida; acta de consulta comunitária com parecer do Administrador do Distrito; declaração do requerente de não ter formulado qualquer outro pedido de licença simples, em todo território nacional, para o período requerido, quer pessoa singular ou colectiva; e comprovativo de capacidade técnica para a implementação do plano de maneio e meios de abate, arraste e transporte de produtos florestais, através de contratos de trabalho celebrados com técnicos e do título de registo de propriedade dos respectivos meios98. Por sua vez, o regime de contrato de concessão florestal, é valido por um período até 50 anos, é exercido nas florestas produtivas e nas de utilização múltipla, com vista ao abastecimento à indústria de processamento ou energética, mediante observância do plano de maneio previamente aprovado pelo sector, pressupondo, do lado do operador, a garantia de processamento dos produtos florestais obtidos99. Por concessão florestal entendeu-se “a área do domínio público delimitada, concedida a um 94 Cfr. Artigo 1.º do Decreto n.º 30/2012, de 1 de Agosto. 95 Anteriormente só se exigia celebração de contrato no caso do regime de concessão florestal. 96 Cfr. Artigo 2.º, n. º 1 do Decreto n.º 30/2012, de 1 de Agosto. Anteriormente, o regime de licença simples era válido por apenas um ano, renovável (Cfr. Artigo 16.º, n.º 2, do Regulamento da LFFB). 97 Cfr. Artigo 2.º, n.º 2, do Decreto n.º 30/2012, de 1 de Agosto. 98 Cfr. Artigo 3.º, do Decreto n.º 30/2012, de 1 de Agosto. 99 Cfr. Artigo 16.º, n.ºs 1 e 2, da LFFB. 75 determinado operador, através do contrato de concessão florestal, destinada à exploração florestal para o abastecimento da indústria, mediante um plano de maneio previamente aprovado”100. Nos termos do Regulamento da LFFB, os pedidos de concessão florestal são dirigidos a entidades distintas em função da extensão da área objecto do pedido: até 20 000 hectares – Governador provincial; de 20 000 a 100 000 hectares – Ministro da Agricultura; acima de 100 hectares – Conselho de Ministros101. Resumidamente, devem constar do pedido de concessão florestal os seguintes elementos: requerimento acompanhado de fotocópia de identificação (pessoas singulares) ou estatutos constitutivos (pessoas colectiva); carta topográfica, em sextuplicado, onde constem todos os elementos indicativos do terreno; memória contendo a descrição geral das áreas florestais, a indicação das principais espécies existentes, objectos da exploração, inventário florestal preliminar, média anual de exploração, grau de industrialização, mercados de abastecimento, meios industriais e mecânicos a serem utilizados no ciclo completo de exploração, projecções de instalações sociais; meios de garantia da transformação dos produtos e a capacidade técnica e industrial de processamento; declaração da administração local, acompanhado de parecer favorável das comunidades locais, ou acta da negociação com o titular da área quando se trate de áreas tituladas para o uso e aproveitamento da terra; levantamento de todos os direitos de terceiros existentes na área pedida e proposta da sua harmoniosa integração com a exploração requerida; e referência da intenção do requerente de aproveitamento dos desperdícios da exploração para fins energéticos102. Adicionalmente, o operador deverá observar o disposto na legislação ambiental, sobre o licenciamento ambiental e a avaliação do impacto ambiental103. Segundo o Regulamento da LFFB, “Vinte por cento de qualquer taxa de exploração florestal ou faunística destina-se ao benefício das comunidades locais da área onde foram extraídos os recursos, nos termos do n º 5 do artigo 35 da Lei n.º 10/99, de 7 de Julho”104. Nesse sentido, foi aprovado o Diploma Ministerial n.º 93/05, de 4 de Maio, emitido em conjunto pelos Ministérios da Agricultura, do Turismo e das Finanças, com o objectivo de definir os mecanismos de canalização e utilização dos 20% do valor das taxas consignadas a favor das comunidades locais, cobradas ao abrigo da legislação de florestas e fauna. Segundo este Diploma, os fundos serão distribuídos às comunidades residentes nas áreas onde se localizam os recursos naturais que tenham sido objecto do licenciamento, devendo serem criados comités de gestão. O artigo 4.° do referido instrumento legal estabelece que a entidade licenciadora deve proceder à requisição das receitas 100 Cfr. Artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento da LFFB. 101 Cfr. Artigo 26.º, n.º 1, do Regulamento da LFFB. 102 Cfr. Artigo 26.º, n.º 2, do Regulamento da LFFB. 103 Cfr. Artigos 15.º e 16.º da Lei do Ambiente , bem como Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental . 104 Cfr. Artigo 102.° do RLFFB. 76 consignadas a favor das comunidades locais, onde os recursos foram explorados, as quais serão depositadas numa conta bancária aberta para o efeito. Contudo, para uma comunidade receber os seus 20%, deve estar representada por um Comité de Gestão de Recursos Naturais, que deve estar registado na Administração Distrital responsável pela área onde o comité foi criado, contando maioritariamente com o apoio de muitas ONG’s que actuam nas áreas dos recursos naturais e promoção do associativismo. IV. Actualidade e Relevância do Tema para Moçambique Os sectores fundiários e florestas no âmbito da nova estrutura governamental ganharam uma importância vital no que concerne ao respectivo papel na construção de um desenvolvimento que se pretende sustentável. Através do Decreto Presidencial n.º 1/2015, de 16 de Janeiro, foi extinto, entre outros, o Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental e criado, em seu lugar, o Ministério da Terra, do Ambiente e do Desenvolvimento Rural (MITADER)105. O Decreto Presidencial n.º 13/2015, de 16 de Março, definiu as atribuições e competências do Ministério da Terra, do Ambiente e do Desenvolvimento Rural, órgão central do aparelho de Estado que, de acordo com os princípios, objectivos e tarefas definidos pelo Governo, dirige, planifica coordena, controla e assegura a execução das políticas nos domínios de administração e gestão de Terra e Geomática, Florestas e Fauna Bravia, Ambiente, Áreas de Conservação e Desenvolvimento Rural. O MITADER tem, entre outras, a atribuição de promover a “Administração, gestão e uso sustentável das florestas”. Para o efeito foram definidas como competências: i. Propor a aprovação de legislação, políticas e estratégias de desenvolvimento na área das florestas; ii. Estabelecer normas para o licenciamento, maneio protecção, conservação fiscalização e monitoria do uso sustentável dos recursos florestais; iii. Elaborar e implementar normas e procedimentos sobre uso e gestão sustentável dos recursos florestais; iv. Avaliar quantitativa e qualitativamente os recursos florestais bem como a redução de emissões por desmatamento e degradação florestal; v. Estabelecer medidas de prevenção e controlo de queimadas descontroladas; vi. Garantir a utilização sustentável da biomassa lenhosa; 105 Cfr. Artigos 1 e 2 do Decreto Presidencial n.º 1/2015, de 16 de Janeiro. 77 vii. Promover a utilização racional de espécies florestais secundarizadas e de produtos florestais não madeireiros; viii. Promover o processamento dos recursos florestais e assegurar a utilização de tecnologias apropriadas; ix. Promover a participação comunitária na gestão da sustentabilidade dos recursos florestais. Pela Resolução n.º 6/2015, de 26 de Junho, foi aprovado o respectivo Estatuto Orgânico, que estrutura o MITADER na Inspecção-Geral, cinco direcções nacionais (Desenvolvimento Rural, Florestas, Ambiente, Terras, Ordenamento Territorial e Reassentamentos), uma Direcção (Planificação e Cooperação), dois Gabinetes (Jurídico e do Ministro) e quatro Departamentos (Administração e Finanças, Aquisições, Recursos Humanos e Comunicação e Imagem)106. Se no subsector de terras, a prioridade consistiu no programa Terra Segura, caracterizado pela entrega de DUAT's aos ocupantes, foi no subsector de florestas que se lançaram as bases de uma autêntica Reforma. Esta reforma teve medidas de cariz preparatório, designadamente: i) Defeso especial do Pau-ferro - Através do Diploma Ministerial n.° 10/2016, de 7 de Janeiro, o Ministro da Terra, do Ambiente e do Desenvolvimento Rural, nos termos do artigo 13, n.º 2, do Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia, decretou o defeso especial na exploração do Pau- Ferro, Swartzia madagascariensis, espécie produtora de madeira de 1ª classe, por um período de 5 anos, a partir do dia 1 de Janeiro de 2016; ii) Suspensão de novos pedidos - Havendo necessidade de proceder à reorganização do processo de atribuição de áreas para exploração florestal e consequentemente garantir a sustentabilidade da utilização dos recursos florestais, foi preparada e aprovada a proposta de Decreto determinando a suspensão imediata, por um período de 2 anos, da autorização de novos pedidos de áreas de exploração de madeira em regime de licença simples, estabelecido no n.º 1 do artigo 1, e artigo 3 do Decreto n.º 30/2012, de 1 de Agosto, bem como em regime de concessões florestais, estabelecidos nos artigos 26 e 27 do Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia, aprovado pelo Decreto n.º 12/2002, de 6 de Junho; iii) O MITADER preparou uma proposta de revisão quadro legal da Lei que cria a taxa de sobrevalorização, de modo a proibir a exportação de madeira em toros e promover a exportação de produtos semi-acabados e acabados. Esta proposta incide fundamentalmente na revogação do artigo 6 da Lei n.º 7/2010, de 13 de Agosto, que permite a exportação de madeira em toros de espécies preciosas, de segunda, terceira e quarta classes, obtida em regime de licença simples ou de concessão florestal, determinando ainda que só será permitida a exportação de madeira das espécies de 106 Cfr. Artigo 4 do Estatuto Orgânico do MITADER. 78 primeira classe após o seu processamento. Esta proposta foi aprovada pelo Conselho de Ministros e posteriormente canalizada para a Assembleia da República; iv) O MITADER realizou, de 25 de Novembro a 15 de Dezembro de 2015, um exercício de avaliação dos Operadores em todo o País, excepto as Províncias de Gaza, Maputo – Província e Cidade de Maputo. Gaza por motivo de chuvas e as duas últimas Províncias por não possuírem operadores florestais. Contou com o apoio financeiro do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e do Banco Mundial. A elaboração dos critérios de avaliação ficou a cargo da Faculdade de Agronomia a Engenharia Florestal da Universidade Eduardo Mondlane. Constituiu objectivo geral da presente iniciativa Avaliar os operadores florestais madeireiros e propor medidas concretas para garantir a exploração racional e sustentável dos recursos florestais madeireiros. Na presente avaliação foram apurados 1081 operadores florestais madeireiros, dos quais 883 a operar em regime de licenças simples e 198 concessões florestais. O processo de avaliação dos operadores florestais madeireiros, abrangeu 881 operadores florestais, ou seja 81% do total dos operadores existentes no país; destes, 727 operadores são de licenças simples, que corresponde a 82.5% e 154 operadores a operar em regime de concessão florestal (17.5%). O processo de avaliação dos operadores florestais madeireiros baseou-se em 30 critérios previamente elaborados, destes critérios, foram seleccionados para análise 8 para o regime de licenças e 11 para concessões florestais, respectivamente, cujo de maior impacto na sustentabilidade da exploração dos recursos florestais. O grau de cumprimento das normas de exploração florestal situa-se na ordem dos 45% para licença simples e 57% para concessões florestais. Segue-se agora a fase de tomada de medidas em relação aos incumprimentos da legislação. Posto isto, está em curso a elaboração de uma nova Política e Estratégia de Florestas, na qual se promove a mudança de paradigma – enfoque na conservação em detrimento da exploração de recursos florestais, bem como de uma nova Lei – a Lei de Florestas. Para que a nova Lei reflicta fielmente a nova conjuntura, na sua complexidade e diversidade, bem como as projecções no campo das mudanças climáticas, importa que haja espaço para a participação ampla dos principais actores com interesse, intervenção ou conhecimento nos assuntos florestais, com destaque para as comunidades locais, organizações não-governamentais nacionais e internacionais, sector privado e instituições do ensino superior e investigação. Paralelamente, há necessidade de iniciar um processo de elaboração da regulamentação necessária para a implementação plena e efectiva da nova Lei de Florestas, procurando preencher eventuais lacunas que caracterizam o processo regulamentar anterior. Entre os aspectos a incluir na nova Lei está o enfoque na conservação e valorização da floresta; uma abordagem de construção de resiliência às mudanças climáticas; o condicionamento da exploração florestal madeireira ao regime de concessão, deixando o regime de licença simples de existir; a previsão 79 de um regime adequado para a produção de carvão vegetal; a consolidação dos direitos comunitários; o reforço do modelo de fiscalização; o melhoramento dos procedimentos para a atribuição de direitos florestais; e a aprovação de um novo quadro institucional à altura dos enormes e complexos desafios do sector florestal. O MITADER optou ainda, no quadro do processo de reforma legal, por criar um mecanismo de operacionalização dos objectivos de desenvolvimento sustentável propondo a transformação do actual Fundo do Ambiente (FUNAB) em Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS), com os seguintes objectivos principais:  Estabelecer uma instituição para mobilizar e gerir recursos financeiros para investir eficazmente em Programas e Projectos de gestão e administração de terras, florestas, fauna bravia, áreas de conservação que resultem na melhoria das condições de vida da população, da qualidade ambiental e promovam a sustentabilidade de um desenvolvimento rural integrado;  Promover a inclusão, a criação de sinergias para o investimento em iniciativas viáveis da sustentabilidade do desenvolvimento do Governo, da sociedade civil, do sector privado, das comunidades e de outros intervenientes-chave neste sector;  Flexibilizar as acções de mercado, proporcionando maior disponibilidade de recursos financeiros e maior capacidade para mobilizar recursos de terceiros. Mais ainda, com a sua criação pretendeu-se evitar a dispersão dos recursos financeiros provenientes de diversas fontes nacionais e internacionais, imprimir uma planificação estratégica que responda aos principais desafios do sector, permitir uma gestão mais transparente, participativa, bem como promover maior dinâmica no processo da sustentabilidade do desenvolvimento rural integrado. Fora ainda a intenção de operacionalizar o Plano Económico e Social (PES 2016) que prevê a criação do Fundo de Investimento do Ambiente. Pelo Decreto n.º 6/2016, de 24 de Fevereiro, foi criado o Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável “de forma a adequá-lo ao novo contexto e paradigma de desenvolvimento sustentável que o país persegue e que assenta em três pilares, designadamente o ambiental, o económico e o social, ajustando a sua intervenção às novas atribuições e competências do sector de Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, de modo a assegurar uma planificação estratégica que responda aos principais desafios do sector, bem como promover uma maior dinâmica no processo de desenvolvimento rural integrado e sustentável” (Vide Preâmbulo do Decreto n.º 6/2016, de 24 de Fevereiro). V. Principais constrangimentos e oportunidades 80 1.1. A questão dos Direitos A Lei de Terras reconhece o DUAT adquirido por ocupação, segundo as normas e práticas costumeiras, com as características especiais que vimos acima107. Tal correspondência não se encontra na legislação de florestas e fauna bravia, visto que não são reconhecidos quaisquer direitos adquiridos por ocupação sobre os recursos florestais e faunísticos, entendidos em absoluto como propriedade do Estado108. Como resultado, as comunidades não têm sobre as florestas e fauna e demais recursos naturais existentes nas suas áreas qualquer autoridade, apenas lhes sendo permitido explorar os recursos necessários à sua subsistência (utilizando o conceito de “consumo próprio”, entendido como “exploração florestal e faunística exercida pelas comunidades locais sem fins lucrativos para a satisfação das suas necessidades de consumo e artesanato, com base nas respectivas práticas costumeiras”), mas sempre em concorrência com os operadores privados109. Trata-se de um entendimento demasiado redutor e minimalista, que retira às comunidades a possibilidade de realizarem a exploração comercial dos recursos florestais e faunísticos existentes nas áreas ocupadas pelas mesmas, impondo-se, em caso de haver intenção, uma formalização através do processo de licenciamento, que requer formalidades e custos demasiado exigentes e excessivos para as comunidades locais. A necessidade de o Direito estadual reconhecer e respeitar os direitos costumeiros no acesso e uso de recursos florestais constituiu hoje um dos grandes desafios nos debates em torno da governação florestal a nível internacional, contribuindo tal reconhecimento para maximizar e reforçar a gestão local dos recursos florestais, na esteira de um processo de descentralização e devolução de poderes às comunidades locais. Estes direitos constituem uma realidade independentemente do posicionamento por parte do Estado, caracterizando-se pela sua riqueza, diversidade, complexidade e dinamismo, combinando ainda direitos de ordem individual bem como de natureza colectiva110. David Takacs 107 Trata-se de uma previsão formal de segurança jurídica às comunidades locais, sabendo contudo que, na prática, persistem atropelos à lei, registando-se inúmeras situações de açambarcamento de terras comunitárias. 108 Veja-se, nesse sentido, VHUGEN, Darryl, MINER, Jonathan, Carbon Rights Case Study – Mozambique (Draft) Landesa, July, 2011, p. 8; DE WIT, Paul, NORFOLK, Simon, Reconhecer Direitos sobre Recursos Naturais em Moçambique, Documento de trabalho para Rights and Resources Iniciative, Janeiro de 2010, p. 5; SALOMÃO, Alda, MATOSE, Frank, Towards community- based forest management of miombo woodlands in Mozambique, May, 2007, pp. 13 – 15; SITOE, A. Almeida/GUEDES, Benard S. Guedes/SITOE, Sílvia, N. D. Maússe, Avaliação dos modelos de maneio comunitário de recursos naturais em Moçambique, Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal, FAO e Ministério da Agricultura, Maputo, 2007, p. 36; KLOECK-JENSON, Scott, Locating the Community Administration of Natural Resources in Mozambique, Mozambique Series, Working Paper, n.° 32, Land Tenure Center, University of Wisconsin - Madison, February, 2000, p. 4. 109 Paul de Wit e Simon Norfolk chamam precisamente atenção para o facto de a Lei de Florestas e Fauna Bravia determinar que os recursos florestais e faunísticos constituem propriedade do Estado, “que não reconhece nenhum direito consuetudinário ao inerente ao mesmo, excepto sob certas formas limitas (por exemplo, o direito à utilização ao nível de subsistência”. DE WIT, Paul, NORFOLK, Simon, ob. cit., p. 5. 110 Veja-se, em relação a este assunto, FAO, Reforming forest tenure – Issues, principles and process, Forestry Paper, n. º 165, Rome, 2011, pp. 5-6, 23 – 26; COTULA, Lourenzo, MAYERS, James, Tenure in REDD – Start-point or afterthought? Natural Resource Issues No. 15. International Institute for Environment and Development, London, UK, 2009, pp. 5 – 8, pp. 15 – 18; STRECK, Charlotte, ob. cit., p. 155. 81 defende uma abordagem de pluralismo jurídico por parte dos legisladores e dos proponentes de projectos de investimento, tendo presente que os sistemas de direito consuetudinário operam a nível local para regular as relações entre seres humanos e entre estes e a natureza, devendo tais sistemas ser integrados para garantir a sustentabilidade dos projectos e dos recursos de carbono florestal111. Scott Kloeck-Jenson chama-nos a atenção para o facto de que a Lei de Florestas e Fauna Bravia deveria ser supostamente mais um tijolo no edifício jurídico-legal emergente em que, juntos, os pequenos utilizadores e outros investidores, gozariam de direitos claros e seguros sobre a terra e demais recursos naturais. Assim, a Lei de Terras seria a base deste edifício, porém, a Lei de Florestas e Fauna Bravia falhou por conferir às comunidades locais apenas direitos muito limitados de uso de recursos florestais, entrando em contradição com o avanço definido pela Lei de Terras112. A Associação Rural de Ajuda Mútua (ORAM), quando da comemoração dos 10 Anos da Lei de Terras, posicionou-se no sentido de que, sendo a terra um recurso fundamental para o desenvolvimento país, no geral, e das comunidades, em especial, poderá perder valor se não se encontrar associada a outros recursos naturais, bem como a outros factores de produção, destacando a importância de reforçar a segurança de posse não apenas de terras produtivas, como ainda a outros recursos naturais, com destaque para os cursos de água e para as florestas e fauna bravia113. Segundo esta importante organização não-governamental moçambicana, com enfoque no desenvolvimento comunitário e rural, a situação de desajustamento entre as duas leis pode contribuir para gerar confusão, “principalmente em algumas comunidades, que vêem os seus direitos sobre os recursos, por elas conservados, a serem restringidos e transmitidos a terceiros que em pouco ou nada beneficiam as comunidades que vivem com os recursos. O resultado é o surgimento de um conflito de direitos que coloca em causa a sustentabilidade das comunidades locais e o uso sustentável dos recursos naturais cuja garantia de posse e uso não é, em termos legais, directamente assegurada às comunidades que com eles e deles vivem”114. Adolfo Bila defendeu, a este respeito, a necessidade de estabelecer “direitos de propriedade florestal claros, incluindo o reconhecimento dos direitos das comunidades locais ao acesso e uso dos recursos florestais e faunísticos115”. Este desajustamento cria, em termos práticos, poucos incentivos à promoção da protecção e da conservação comunitárias, sabendo que, a qualquer momento, o Estado poderá licenciar terceiros para operar nas áreas sobre as quais as comunidades possuem DUAT’s. A experiência comparada revela, 111 TAKACS, David, Forest Carbon – Law and Property Rights, Conservation International, Arlington VA, USA, 2009, p. 6. 112 KLOECK-JENSON, Scott, ob. ct., p. 4. 113 ORAM, Comunicação da ORAM por ocasião da passagem dos 10 Anos da Lei de Terras, Maputo, 2007, p. 12. 114 Idem, p. 13. 115 BILA, Adolfo, Estratégia para a Fiscalização Participativa de Florestas e Fauna Bravia em Moçambique, DNFFB/FAO, Maputo, 2005, p. 33. 82 aliás, que as florestas melhor conservadas são aquelas em que os principais utilizadores e beneficiários gozam de direitos sobre os recursos florestais. 1.2. Desafio da boa governação A realidade mostra que quer no sector de terras quer de florestas urge fortalecer os aspectos relacionados com a boa governação. Importa referir os constrangimentos existentes no campo da transparência e participação pública, tendo presente as dificuldades no acesso à informação que se registam no sector, traduzidas na publicação/divulgação de informação básica, incluindo informações referentes aos operadores licenciados, aos contratos e licenças e respectivos conteúdos, às receitas geradas e respectiva aplicação, etc. Segundo diversos estudos publicados, os sectores no campo da Eficácia enfrentam imensas dificuldades, desde logo tendo em mente as actuais condições de fiscalização, altamente deficitárias e inadequadas ao objectivo de garantir a administração e gestão sustentáveis dos recursos fundiários e florestais. O conceito de Boa Governação define-se através da participação, transparência e responsabilização no exercício da autoridade política, económica e administrativa, devendo ter como fim a promoção do Estado de Direito116. Na Declaração de Joanesburgo, saída da Cimeira das Nações sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada na África do Sul, entre 2 e 4 de Setembro de 2002, os Estados participantes assumiram, no ponto 30, “o compromisso de reforçar e aperfeiçoar a Governação em todos os níveis, para a efectiva implementação da Agenda 21, das Metas de Desenvolvimento do Milénio e do Plano de Implementação de Joanesburgo”. Um dos maiores desafios dos sectores de terras e florestas é a boa governação, entendido como o sistema de liderança assenta num modelo institucional responsável e responsivo, que integra os cidadãos no processo de tomada de decisões nas questões de terras e florestais, que assegure a precaução de impactos susceptíveis de causar danos ambientais e sociais, que privilegie a feitura e correspondente implementação plena de um quadro jurídico-legal bom, adequado, justo e eficaz, dirigido a garantir a a sustentabilidade na gestão dos recursos fundiários e florestais, e o acesso à justiça e à equidade na partilha dos benefícios decorrentes do uso de tais recursos117. UNDP, Poverty Alleviation and Sustainable Development: Goals in Conflict, 1992. 116 117SERRA, Carlos Manuel et al (2012), 1.º Relatório de Boa Governação na Gestão Ambiental e dos Recursos Naturais em Moçambique 2010 - 2011 (coordenação de Alda Salomão e Carlos Serra), Maputo, Centro Terra Viva, p. 30. 83 Recorrendo a um trabalho publicado pelo Centro Terra Viva, com as devidas adaptações, constituem indicadores para aferir a boa governação florestais os seguintes118: i. Qualidade do quadro político-estratégico – Visa aferir se o actual quadro político-estratégico sobre florestas é suficiente e possui a qualidade necessária para nortear a acção dos órgãos competentes na gestão ambiental, bem como alimentar o processo legislativo; ii. Qualidade do quadro jurídico fundiário e florestal – Visa aferir se o actual quadro jurídico-legal é suficiente e possui a qualidade necessária que permita uma efectiva tutela; iii. Precaução de Impactes – Visa aferir até que ponto o Governo tem privilegiado o estabelecimento de sistemas de prevenção de actos lesivos ao ambiente, de modo a evitar a ocorrência de impactes ambientais negativos significativos ou irreversíveis, independentemente da existência de certeza científica sobre a ocorrência de tais impactes; iv. Transparência e participação pública – Visa aferir até que ponto o Governo tem promovido políticas, estratégias e procedimentos que permitam a participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisões, dotando-os de todas as informações necessárias para coadjuvar o processo de governação. v. Eficácia do Governo – Visa aferir a capacidade e desempenho do actual quadro institucional em termos de materialização das atribuições e competências no domínio fundiário e florestal (um olhar especial para os sistemas de controlo e fiscalização); vi. Estado de Direito – Visa aferir o grau de observância da legislação fundiária e florestal por parte do Governo, das entidades privadas e dos próprios cidadãos e, consequentemente, monitorar o índice de implementação do quadro jurídico-legal aprovado. Procurar-se-á atender às principais dificuldades que se levantam à sua integral implementação, com prejuízo para o pleno exercício dos direitos reconhecidos; vii. Justiça e Equidade – Visa aferir a igualdade de direitos e oportunidades no acesso dos mais pobres (e das mulheres ?) aos recursos fundiários e florestais, no acesso a processos decisórios e à partilha de benefícios, como imperativos para o sucesso no combate à pobreza. VI. Análise dos Indicadores e Dimensões Este tema é avaliado com base em dois indicadores, sendo um sobre direitos à floresta e às terras comuns e o outro sobre a eficácia e equidade dos regulamentos sobre o uso de terras rurais. 1. Indicador 1: Direitos à Floresta e às Terras Comuns 118 Idem, pp. 30 – 31. 84 1.1. Dimensão 1: As florestas estão claramente identificadas na lei e a responsabilidade de uso está claramente designada Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns As florestas estão claramente identificadas na lei e a responsabilidade 2 1 1 de uso está claramente designada D: As florestas não A: As florestas estão claramente identificadas e a responsabilidade de uso estão claramente da terra está designada sem ambiguidade identificadas e a B: As florestas estão claramente identificadas e a responsabilidade do uso responsabilidade do da terra está claramente identificada, porém a implementação é ambígua uso da terra não está definida C: As florestas não estão claramente identificadas, porém a responsabilidade pelo uso da terra está claramente designada D: As florestas não estão claramente identificadas e a responsabilidade do uso da terra não está definida Análise: A Lei de Floresta e Fauna Bravia apresenta uma definição ampla de floresta, como “cobertura vegetal capaz de fornecer madeira ou produtos vegetais, albergar a fauna e exercer um efeito directo ou indirecto sobre o solo, clima, ou regime hídrico” (Vide. Artigo 1, n.° 22 da LFFB). E estabelece igualmente, no artigo 5, a classificação de Património Florestal, categorizado em: a) florestas de conservação: constituídas por formações vegetais localizadas nas zonas de protecção e sujeitas a um regime de maneio especial; b) florestas produtivas: constituídas por formações vegetais de elevado potencial florestal, localizadas fora das zonas de protecção; c) florestas de utilização múltipla: constituídas por formações vegetais localizadas fora das zonas de protecção e com baixo potencial florestal. Ora, segundo o artigo 9 da LFFB, ao titular do direito de uso e aproveitamento da terra, quer adquirido por ocupação, quer por autorização de um pedido, carece de licença para, exploração dos recursos florestais e faunísticos naturais existentes na sua respectiva área, salvo quando for para consumo próprio. 1.2. Dimensão 2: As terras comuns estão claramente identificadas na lei e a responsabilidade de uso está claramente designada Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns As terras comuns estão claramente identificadas na lei e a 2 1 2 responsabilidade de uso está claramente designada 85 A: As terras comuns A: As terras comuns estão claramente identificadas e a estão claramente responsabilidade do uso da terra é designada sem ambiguidade identificadas e a B: As terras comuns estão claramente identificadas e a responsabilidade de responsabilidade do uso da terra está identificada claramente, porém a implementação é uso da terra é ambígua designada sem ambiguidade C: As terras comuns não estão claramente identificadas, porém, a responsabilidade do uso da terra está claramente designada D: As terras comuns não estão claramente identificadas e a responsabilidade de uso da terra não está definida Análise: A Lei de Terras identifica, na esteira do princípio constitucional, e consagra o entendimento de que a terra é propriedade do Estado e de que não pode ser vendida ou, por qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada. Porém, prevê a existência do direito de uso e aproveitamento da terra, direito que as pessoas singulares ou colectivas e as comunidades locais adquirem sobre a terra, com as exigências e limitações da presente Lei (Vide. Artigo 1, n.° 2 da Lei de Terras). A Lei de Terras consagra o conceito de comunidade local como “agrupamento de famílias e indivíduos, vivendo numa circunscrição territorial de nível de localidade ou inferior, que visa a salvaguarda de interesses comuns através da protecção de áreas habitacionais, áreas agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios de importância cultural, pastagens, fontes de água e áreas de expansão” ( Vide. Artigo 1, n.° 1, da Lei de Terras). Este conceito foi igualmente consagrado na LFFB (Vide. Artigo 1, n.° 5, da LFFB). A Lei de Terras determina, conforme anteriormente referido, poderem ser sujeitos do DUAT as pessoas nacionais, colectivas e singulares, homens e mulheres, bem como as comunidades locais, sendo que o DUAT destas últimas obedece aos princípios da co-titularidade, para todos os efeitos desta Lei (Vide. Artigo 12 da Lei de Terras). Segundo o artigo 12 do Regulamento da Lei de Terras, “À co-titularidade do direito de uso e aproveitamento da terra entre pessoas singulares e/ou colectivas nacionais ou das comunidades locais aplicam-se as regras da compropriedade, fixadas nos artigos 1403 e seguintes do Código Civil”. Atento à salvaguarda prevista pela Lei de Terras, de as pessoas singulares, homens e mulheres, membros de uma comunidade local poderem solicitar títulos individualizados, após desmembramento do respectivo terreno das áreas da comunidade (Vide. Artigo 13, n.° 5 da Lei de Terras). 86 1.3. Dimensão 3: Os direitos de grupos rurais são reconhecidos formalmente e podem ser cumpridos. A posse grupal em áreas rurais é formalmente reconhecida e existem claras regulações sobre sua organização interna e representação legal Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns Os direitos de grupos rurais são reconhecidos formalmente e podem ser cumpridos. A posse grupal em áreas rurais é formalmente reconhecida 2 1 3 e existem claras regulações sobre sua organização interna e representação legal A: A posse da maioria dos grupos em áreas rurais está formalmente reconhecida e existem regulações claras a respeito da organização interna e C: A posse da da representação legal dos grupos e podem ser executadas maioria de grupos em áreas rurais está B: A posse da maioria de grupos nas áreas rurais não está formalmente formalmente reconhecida porém os grupos podem adquirir representação legal de reconhecida, porém acordo a outras leis (por exemplo direitos das empresas) a maneira para se C: A posse da maioria de grupos em áreas rurais está formalmente obter a reconhecida, porém a maneira para se obter a representação legal não representação legal está regulada não está regulada D: A posse de terra da maioria dos grupos em áreas rurais não é formalmente reconhecida Análise: A Lei de Terras alude à aquisição do direito de uso da terra pelas comunidades locais, não se referindo necessariamente a grupos rurais. No âmbito desse direito as comunidades gozam de todos direitos atribuídos por esta lei relativamente às outras formas de aquisição. Para acautelar a questão da segurança da posse da terra por parte das comunidades, prevê o artgio 9, n.° 3, do Regulamento da Lei de Terras “Quando necessário ou a pedido das comunidades locais, as áreas onde recaia o direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação segundo as práticas costumeiras, poderão ser identificadas e lançadas no Cadastro Nacional de Terras, de acordo com os requisitos a serem definidos num Anexo Técnico”. Pelo Diploma Ministerial n.º 29-A/2000 de 17 de Março foi aprovado o Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras. O maior desafio continuado prende-se precisamente com o processo de delimitação de terras comunitárias, que tem vindo a enfrentar diversas dificuldades ao longo dos anos. 1.4. Dimensão 4: Os direitos dos usuários aos recursos naturais fundamentais (incluindo a pesca) estão reconhecidos legalmente e são protegidos na prática 87 Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns Os direitos dos usuários aos recursos naturais fundamentais (incluindo 2 1 4 a pesca) estão reconhecidos legalmente e são protegidos na prática A: Os direitos dos usuários aos recursos naturais chave estão legalmente B: Os direitos dos reconhecidos e protegidos de maneira consistente e efectiva na prática por usuários a recursos completo naturais fundamentais estão B: Os direitos dos usuários a recursos naturais fundamentais estão reconhecidos reconhecidos legalmente, porém somente alguns estão protegidos legalmente, porém efectivamente na prática ou sua execução é difícil e leva muito tempo somente alguns estão protegidos C: Os direitos dos usuários aos recursos naturais fundamentais não estão efectivamente na legalmente reconhecidos, porém gozam de uma protecção de facto em prática ou sua praticamente todos os casos execução é difícil e D: Os direitos dos usuários a recursos naturais chave não estão legalmente leva muito tempo reconhecidos e muitas vezes não estão protegidos na prática Análise: O acesso aos recursos naturais está assegurado a todos nos termos da Lei, com destaque para as Lei de Terras e das Florestas e Fauna Bravia, bem como a respectiva regulamentação. Como já por várias vezes referido, a Lei de Terras prevê que podem ser sujeitos do direito de uso e aproveitamento da terra as pessoas nacionais, colectivas e singulares, homens e mulheres, bem como as comunidades locais (Vide. Artigo 10, n.° 1 da Lei de Terras). Por sua vez a LFFB prevê que “A exploração sob o regime de licença simples é sujeita a quantidades e prazos limitados e é exercida, exclusivamente, por operadores nacionais e pelas comunidades locais nas florestas produtivas e nas de utilização múltipla, para fins comerciais, industriais e energéticos, com observância do plano de maneio previamente aprovado” (Vide. Artigo 15, n.° 1 da LFFB). A realidade tem revelado que a previsão legal não encontra por vezes correspondência, prejudicando e limitando direitos das comunidades em detrimento dos operadores privados. 1.5. Dimensão 5: Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre as terras comuns e os recursos naturais nas terras em questão Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre as terras comuns e 2 1 5 os recursos naturais nas terras em questão B: É possível a A: É possível por lei a coexistência de direitos múltiplos, respeitados na coexistência por lei e prática e qualquer conflito que possa surgir é rapidamente resolvido é respeitada na B: É possível a coexistência por lei e é respeitada na prática, porém os prática, porém os mecanismos para resolver conflitos muitas vezes são inadequados mecanismos para 88 resolver conflitos C: É possível a coexistência por lei porém raramente respeitada na prática muitas vezes são inadequados D: Não é possível a coexistência por lei Análise: A Lei permite o direito de uso e aproveitamento da terra e dos recursos naturais nela existentes, em regime de coexistência. Veja-se o disposto no artigo 18 da LFFB, segundo o qual: “A exploração florestal e faunística para fins comerciais, industriais ou energéticos deve salvaguardar todos os direitos de terceiros existentes dentro da área de exploração, bem como o livre acesso das comunidades locais dentro da mesma, incluindo os direitos de utilização dos recursos naturais de que estes necessitam para a sua subsistência”. Veja-se ainda o artigo 20 da Lei de Terras, que estipula que “ A aprovação do pedido do direito de uso e aproveitamento da terra não dispensa a obtenção de licenças ou outras autorizações exigidas por (…) legislação aplicável ao exercício das actividades económicas pretendidas, nomeadamente agro- pecuárias ou agro-industriais, industriais, turísticas, comerciais, pesqueiras e mineiras e à protecção do meio ambiente”. Contudo no caso de conflitos a lei não apresenta os critérios e os mecanismos para a sua resolução no caso de terras comuns, isto é, se considerarmos que ao falar de terras comuns estamos a considerar o direito de uso e aproveitamento de terra atribuído às comunidades locais. 1.6. Dimensão 6: Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre a mesma parcela de terra e seus recursos (por exemplo, árvores). Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre a mesma parcela de 2 1 6 terra e seus recursos (por exemplo, árvores) A: A coexistência é legalmente possível e é amplamente respeitada na prática, porém os mecanismos para resolver litígios muitas vezes são inadequados C: A coexistência é legalmente possível, B: A coexistência é legalmente possível e é amplamente respeitada na porém raramente prática, porém os mecanismos de resolução de conflitos são muitas vezes respeitada na inadequados prática C: A coexistência é legalmente possível, porém raramente respeitada na prática D: A coexistência não é legalmente possível Análise: Nos termos do quadro jurídico-legal moçambicano, verifica-se a coexistência de direitos sobre a mesma 89 parcela de terra e seus recursos, entre os quais os florestais, faunísticos, pesqueiros, hídricos, energéticos, minerais e petrolíferos. Contudo há que conciliar os diferentes usos e aproveitamentos da terra. Um assunto é o direito de uso e aproveitamento da terra, outro assunto são os diversos direitos de uso e aproveitamentos dos recursos naturais existentes sobre a terra. Exceptuando-se os casos em que se dispensa a obtenção de uma licença, como, por exemplo, estando em causa o consumo próprio de recursos florestais, as demais situações implicam necessariamente a obtenção de uma licença, a celebração de um contrato de concessão ou ainda outras modalidades previstas na Lei. A opção que os participantes do Painel acharam mais adequada foi a C. 1.7 Dimensão 7: Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre a terra e a exploração de outros recursos subterrâneos localizados na mesma parcela Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre a terra e a 2 1 7 exploração de outros recursos subterrâneos localizados na mesma parcela A: É possível por lei a coexistência de direitos fundiários e minerais, são respeitados na prática e qualquer conflito que surge é rapidamente resolvido D: Não é possível a B: É possível por lei a coexistência de direitos fundiários e minerais que são coexistência por lei, respeitados na prática, porém os mecanismos para resolver os conflitos os direitos minerais muitas vezes são inadequados anulam os direitos fundiários C: É possível a coexistência por lei, porém raramente são respeitados na prática D: Não é possível a coexistência por lei, os direitos minerais anulam os direitos fundiários Análise: Nos termos do quadro jurídico-legal moçambicano, a coexistência direitos sobre a mesma parcela de terra e seus recursos subterrâneos, como os energéticos, hídricos, minerais e petrolíferos, é possível, pois estes recursos quer sejam minerais, hídricos e petrolíferos, se localizados no solo ou no subsolo, em águas interiores, etc., são propriedade do Estado, nos termos do artigo 98 da Constituição da República conjugado com o artigo 109 da Lei Fundamental. Os instrumentos legais que regulam estes recursos garante claramente o direito de ocupação da terra, porém, no caso de possíveis conflitos com as comunidades ou com outros titulares do Direito de Uso da Terra, a Lei não apresenta claramente os mecanismos de resolução. 90 A título de exemplo o uso da terra para operações mineiras apresentava prioridade sobre outros usos de terra quando o benefício económico e social relativo das operações mineiras fosse superior (Vide o n.º 2, do artigo 43 da Lei n.º 14/2002 de 26 Junho (Lei de Minas). Com a alteração da Lei de Minas em 2014119, este princípio ficou de certa forma esbatido, ficando claro que os direitos de uso e aproveitamento pré-existentes apenas se extinguem após o pagamento de uma indemnização justa aos utentes e revogação dos seus direitos. Continua contudo, a questão de avaliar qual o direito que deve prevalecer numa situação em que exista dualidade de direitos sobre a terra?. 1.8. Dimensão 8: Existem oportunidades acessíveis para mapear e registar os direitos de grupos Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns Existem oportunidades acessíveis para mapear e registar os 2 1 8 direitos de grupos A: A lei prevê oportunidades para aqueles que possuem terras sob posse consuetudinária, de grupo ou coletiva para registrar e mapear B: A lei prevê estes direitos, se eles assim o desejarem. Os procedimentos para fazê- oportunidades para lo são acessíveis economicamente, estão claramente especificados, aqueles que possuem salvaguardados e são observados na prática. terras grupais sob posse B: A lei prevê oportunidades para aqueles que possuem terras consuetudinária, de grupais sob posse consuetudinária, de grupo ou colectiva para grupo ou colectiva para registar e mapear estes direitos, se eles assim o desejarem. Os registar e mapear estes procedimentos para fazê-lo são acessíveis economicamente e direitos, se eles assim o incluem salvaguardas básicas contra o abuso. desejarem. Os procedimentos para fazê- C: A lei prevê oportunidades para aqueles que possuem terras grupais lo são acessíveis sob posse consuetudinária, de grupo ou colectiva para registar e economicamente e mapear estes direitos, se eles assim o desejarem. Os procedimentos incluem salvaguardas não são economicamente acessíveis nem claros e são discretos em sua básicas contra o abuso. aplicação. D: Embora exista demanda, a lei não fornece oportunidades para aqueles que possuem terras grupais sob posse consuetudinária, de grupo ou colectiva para registar e mapear os direitos à terra. Análise: Segundo o artigo 9, n.° 3, do Regulamento da Lei de Terras “Quando necessário ou a pedido das comunidades locais, as áreas onde recaia o direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação segundo as práticas costumeiras, poderão ser identificadas e lançadas no Cadastro Nacional de Terras, de acordo com os requisitos a serem definidos num Anexo Técnico”. 119 Lei 20/2104, de 18 de Agosto. 91 Ora, pelo Diploma Ministerial n.º 29-A/2000 de 17 de Março foi aprovado o Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras. A delimitação de terras comunitárias constitui assim uma forma de garantir a segurança na posse de terra ocupada segundo as normas costumeiras. Se a delimitação decorre com apoio dos técnicos da entidade que superintende o sector da terra ao nível da província, torna-se necessário ainda obter o registo junto das Conservatórias de Registo Predial, do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos. Estes procedimentos requerem custos que as comunidades poderão não ter como suportar, daí que o apoio que tem vindo a ser prestado por diversas instituições e organizações se torne fundamental. 1.9. Dimensão 9: Demarcação de limites de terras comuns. Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns 2 1 9 Demarcação de limites de terras comuns. A: Mais de 70% da área que se encontra em terras comuns e/ou indígenas tem seus limites demarcados com levantamento e as reivindicações D: Menos de 10% da associadas à demarcação estão registadas área que se encontra em terras comuns B: De 40% a 70% da área que se encontra em terras comuns e/ou indígenas e/ou indígenas tem tem limites demarcados com levantamento e as reivindicações associadas à limites demarcados demarcação estão registadas com levantamento e C: De 10% a 40% da área que se encontra em terras comuns e/ou indígenas as reivindicações tem limites demarcados com levantamento e as reivindicações associadas à associadas à demarcação estão registadas demarcação estão registadas D: Menos de 10% da área que se encontra em terras comuns e/ou indígenas tem limites demarcados com levantamento e as reivindicações associadas à demarcação estão registadas Análise: A Lei de Terras no seu artigo 5 estabelece as funções do Cadastro Nacional de Terras, que é a entidade responsável pelo armazenamento de dados relativos à situação económico- jurídica da terra; por conhecer os tipos de ocupação, uso e aproveitmento; por organizar a utilização da terra e por identificar as regiões próprias para produção especializada. Porém, a realidade demonstra que este cadastro pouco ou quase nada faz para cumprir o seu objectivo, razão pela qual, existem muitos conflitos de terras pois os dados relativos às mesmas não se encontram actualizados ou mesmos em alguns casos são inexistentes. 92 2. Indicador 2: Eficácia e equidade das normas sobre o uso de terras rurais 2.1. Dimensão 1: As restrições com respeito ao uso das terras rurais são justificadas e são executadas Painel Ind. Dim. Eficácia e equidade das normas sobre o uso de terras rurais As restrições com respeito ao uso das terras rurais são justificadas e são 2 2 1 executadas A: As normas respeitantes às restrições sobre o uso de terras rurais servem de maneira eficaz propósitos públicos e são executadas B: As restrições com respeito às normas B: As restrições com respeito às normas sobre o uso de terras rurais sobre o uso de terras servem efectivamente propósitos públicos, porém sua execução é rurais servem fraca efectivamente propósitos públicos, C: As normas muitas vezes não servem efectivamente propósitos públicos e porém a sua seu cumprimento é difícil execução é fraca D: As normas raramente servem efectivamente propósitos públicos, porém podem ser executadas Análise: A lei de Terras estabelece claramente as formas de ocupação e os direitos sobre a mesma. Contudo, esta Lei prevê o direito dos usos comunitários, através do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra por parte das Comunidades Locais. Porém, tratando-se de casos em que a ocupação recaia sobre áreas reservadas para qualquer fim ou em zonas de protecção parcial as comunidades não podem adquirir o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra. Mas, infelizmente por uma ineficácia na implementação da Lei, esta restrição acaba por não se verificar, pois em algumas situações encontram-se comunidades a ocupar áreas legalmente protegidas. 2.2 Dimensão 2: As restrições sobre a transferibilidade de direitos rurais servem efectivamente os objectivos de políticas públicas Eficácia e equidade das normas sobre o uso de terras Painel Ind. Dim. rurais As restrições sobre a transferibilidade de direitos rurais 2 2 2 servem efectivamente aos objectivos de políticas públicas B: Existem normas que A: Existem normas que geralmente servem propósitos públicos geralmente servem propósitos e são executadas públicos, porém não são B: Existem normas que geralmente servem propósitos executadas públicos, porém não são executadas 93 C: Existem normas que geralmente não servem um propósito público e são executadas D: Existem normas que geralmente não servem propósitos públicos e não são executadas Análise A Lei de Terras aborda a questão da transmissibilidade do DUAT no seu artigo 16, mas, infelizmente da letra da Lei e pela realidade do país depreende-se que, esta Lei se refere exclusivamente às zonas urbanas, onde a maior parte dos seus titulares são detentores do DUAT, adquirido por titularização. A realidade nas zonas rurais é diferente, sendo que a maior parte dos seus titulares adquirem o DUAT por via costumeira, isto é, por prática e usos costumeiros, e não por um título. Paralelamente, as infra estruturas existentes são basicamente precárias, não obedecem aos padrões de construção, isto é, são construções melhoradas, algumas feitas em caniço. Assim, no caso deste direito ser aplicável às comunidades locais rurais, como poderia o titular do DUAT na zona rural transmitir o seu DUAT (obedecendo aos requisitos estabelecidos na LT: infra estruturas, benfeitorias e construções existentes)? Qual seria o valor aplicado para as infra estruturas existentes? Seria esse valor justo? 2.3 Dimensão 3: São elaborados/alterados os planos de uso das terras rurais através de processo público e os encargos resultantes são compartilhados Eficácia e equidade das normas sobre o uso de terras Painel Ind. Dim. rurais São elaborados/alterados os planos de uso das terras rurais 2 2 3 através de processo público e os encargos resultantes são compartilhados A: É necessária e busca-se a contribuição pública na preparação e reforma dos planos de uso das terras rurais (incluindo o rezoneamento) e chega-se a decisões relevantes de modo transparente e em processo público B: É necessária e busca-se a contribuição pública na B: É necessária e busca-se a contribuição pública na preparação e reforma dos preparação e reforma dos planos de uso de terras rurais planos de uso de terras rurais (incluindo rezoneamento, mas as decisões são tomadas em (incluindo rezoneamento, mas processo não transparente as decisões são tomadas em C: É necessária e busca-se a contribuição pública na preparação processo não transparente e reforma de planos de uso da terra porém os comentários não se reflectem na finalização dos planos de uso da terra D: A contribuição do sector público não é solicitada na preparação e correcção dos planos de uso da terra 94 Análise A Lei de Ordenamento do Território (LOT), Lei n.º 19/2007, de 18 de Julho, e o seu Regulamento, aprovado pelo Decreto n.° 23/2008, de 1 de Julho, estabelecem como instrumento de ordenamento territorial, a nível distrital, a elaboração de Planos Distritais de Uso da Terra (PDUT), que visam reflectir as necessidades e aspirações das comunidades locais, através de processos de participação pública. Note-se que, segundo o artigo 9.°, n.° 3, da LOT: “Ao nível distrital elaboram-se os planos de ordenamento do território da área do distrito e os projectos para a sua implementação, reflectindo as necessidades e aspirações das comunidades locais, integrando-os com as políticas nacionais e de acordo com as directrizes de âmbito nacional e provincial”. Este quadro legal funda-se no princípio da participação pública e consciencialização dos cidadãos, através de acesso à informação, permitindo assim a sua intervenção nos procedimentos de elaboração, execução, avaliação. bem como na revisão dos instrumentos de ordenamento territorial (Vide. Artigo 4, b da LOT). Segundo o artigo 36 do Regulamento da LOT, 1. o processo de elaboração do PDUT deve incluir a realização de pelo menos duas audiências públicas, publicitadas nos principais meios de comunicação social existentes no Distrito; e a divulgação deste processo deverá realizar-se pelos meios que se mostrem adequados para garantir a participação pública, com vista a recolher observações, sugestões ou recomendações em relação à proposta do referido instrumento de ordenamento territorial, constitui garantia do direito à informação por parte dos cidadãos, em particular das pessoas afectadas ou interessadas. 2.4. Dimensão 4: As terras rurais, cujo uso é alterado, são rapidamente transferidas para o uso destinado. Painel Ind. Dim. Eficácia e equidade das regulações do uso de terras rurais As terras rurais, cujo uso é alterado, são rapidamente transferidas para o 2 2 4 uso destinado D : Menos de 30% A: Mais de 70% da terra que teve uma alteração na designação do uso da das terras que teve terra nos últimos 3 anos tendo mudado para o uso destinado (por uma alteração na exemplo floresta, pastagens, áreas húmidas, parques nacionais, etc.) designação do uso da B: Entre 50% e 70% das terras que teve uma alteração na designação do uso terra nos últimos 3 da terra nos últimos 3 anos tendo mudado para o uso destinado (por exemplo anos tendo mudado floresta, pastagens, áreas húmidas, parques nacionais, etc.) para o uso destinado (por exemplo C: Entre 30% e 50% das terras que teve uma alteração na designação do uso floresta, pastagens, da terra nos últimos 3 anos tendo mudado para o uso destinado (por exemplo áreas húmidas, floresta, pastagens, áreas húmidas, parques nacionais, etc.) 95 parques nacionais, D: Menos de 30% das terras que teve uma alteração na designação do uso da etc.). terra nos últimos 3 anos tendo mudado para o uso destinado (por exemplo floresta, pastagens, áreas húmidas, parques nacionais, etc.) Análise: A Lei de Terras prevê um prazo para o Direito de Uso e Aproveitamento no caso de aquisição deste direito para a realização de projectos de investimento, sendo que, o caso de incumprimento do projecto (pelo plano de exploração) sem motivo justificado, implica a extinção deste direito, Vide n.º 1, do artigo 19 da Lei de Terras. Paralelamente, esta extinção é aplicada aos casos em que a terra não se destina a actividades económicas, e a não realização do empreendimento proposto sem motivo justificado, Vide n.º2, do artigo 19 da Lei de Terras. 2.5 Dimensão 5: O rezoneamento do uso da terra rural segue um processo público que salvaguarda os direitos existentes Painel Ind. Dim. Eficácia e equidade das normas sobre o uso de terras rurais O rezoneamento do uso da terra rural segue um processo público que 2 2 5 salvaguarda os direitos existentes A: Os processos para rezoneamento são públicos e transparentes com mecanismos efectivos de salvaguarda dos direitos existentes e a B: Os processos para compensação em caso de perda em áreas onde o uso da terra deve ser rezoneamento são restringido públicos e transparentes, B: Os processos para rezoneamento são públicos e transparentes, porém os porém os mecanismos de salvaguarda dos direitos existentes não estão mecanismos de em vigor plenamente salvaguarda dos C: Os processos de rezoneamento não são públicos, porém presta-se atenção direitos existentes à salvaguarda dos direitos existentes praticamente em todos os casos não estão em vigor plenamente. D: Os processos de rezoneamento não são processos públicos e os direitos são ignorados ou não são ressarcidos de forma apropriada e/ou célere na maioria dos casos Análise: No plano formal, para além do disposto na Lei de Terras, importa ter presente a LOT como instrumento legal com um forte cunho proteccionista em relação aos direitos da grande maioria de ocupantes da terra em Moçambique. Nesse sentido, foi consagrado, no artigo 4, f) da referida lei o princípio da segurança jurídica como garantia de que na elaboração, alteração e execução dos instrumentos de ordenamento e de gestão território sejam sempre respeitados os direitos fundamentais dos cidadãos e as relações jurídicas validamente constituídas, promovendo-se a estabilidade e a observância dos regimes legais instituídos. 96 Entre os objectivos específicos do ordenamento do território encontra-se o de "garantir o direito à ocupação actual do espaço físico nacional pelas pessoas e comunidades locais, que são sempre consideradas como o elemento mais importante em qualquer intervenção de ordenamento e planeamento do uso da terra, dos recursos naturais ou do património construído" (Vide. Artigo 5, n.º 2 a) (de que instrumento legal?) Veja-se igualmente o disposto no artigo 7, n.º 2 (de que instrumento legal?), segundo o qual “Ao intervirem no ordenamento do território, o Estado e as Autarquias Locais, fazem-no no sentido de garantir o interesse público, com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”. 2.6 Dimensão 6: Para o uso de terras rurais protegidas (florestas, pastagens, áreas húmidas, parques nacionais, etc.) os planos correspondem ao real. Painel Ind. Dim. Eficácia e equidade das normas sobre o uso de terras rurais Para o uso de terras rurais protegidas (florestas, pastagens, áreas 2 2 6 húmidas, parques nacionais, etc.) os planos correspondem ao real. A: A parcela de terras destinada a um uso específico que é utilizada para fins não especificados em contravenção às regulamentações existentes é menor D: A parcela de que 10% terras destinada a um uso específico B: A parcela de terras destinada a um uso específico que é utilizada para fins que é utilizada para não especificados em contravenção às regulamentações existentes varia fins não entre 10% e 30% especificados em C: A parcela de terras destinada a um uso específico que é utilizada para fins contravenção às não especificados em contravenção às regulamentações existentes varia regulamentações entre 30% e 50% existentes é maior que 50%. D: A parcela de terras destinada a um uso específico que é utilizada para fins não especificados em contravenção às regulamentações existentes é maior que 50% Análise A Lei de Terras, bem como toda legislação existente reltiva o uso dos recursos florestais, estabelece que os direitos adquiridos sobre estes recursos, mediante os planos ou a licenças concedidas devem ser executados mediante o plano apresentado pelo proponente, sendo que, no caso de não cumprimento do plano ou das licenças são aplicadas sanções. VII. Conclusões e recomendações Da presente análise depreende-se claramente uma necessidade de regularização e harmonização do quadro legal de terras e florestas, não só no que concerne aos direitos de uso e aproveitamento da terra, mas também relativamente às formas de ocupação da terra, aos direitos dos ocupantes e à indicação clara das formas de resolução dos conflitos. 97 No que concerne à Lei de Terras, esta infelizmente não é clara, tornando-se muitas vezes dúbia em relação aos vários procedimentos atinentes à sua ocupação. Assim, existe uma necessidade de regulamentar a ocupação nas áreas urbana e rural, por forma a esclarecer o âmbito de aplicação tanto da Lei de Terras como do Regulamento do Solo Urbano. Contudo, no campo das florestas torna-se necessário a delimitação das áreas florestais, a indicação das responsabilizações e sanções de forma clara pelos seus infractores, sendo que, com a introdução das novas medidas governamentais, se prevê melhorias neste sector, no entanto, ainda existe a necessidade da capacitação dos agentes, melhoria e aplicação eficiente das sanções, e principalmente o reajuste da legislação ao contexto actual do país. TEMA 3. USO, PLANEAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE TERRAS URBANAS Autores: Luís Lage e Albino Mazembe I. Introdução Se a gestão da ocupação e do uso da terra reflectem a forma como a racionalidade homogeneizadora do Estado regula, numa escala lata, a relação entre os indivíduos e o espaço onde se desenrolam as suas vidas, o planeamento e a gestão urbana espelham o modo como essa mesma racionalidade preconiza e regulamenta o desenvolvimento das cidades, o que se procura compreender através da análise das principais práticas e dos principais instrumentos jurídico-urbanísticos concebidos para tal. No caso da gestão da ocupação e do uso da terra, a melhor compreensão dos impactos da legislação sobre o espaço urbano requer uma identificação sumária das práticas dominantes nesse âmbito a todos os níveis. No que se refere ao planeamento e gestão urbana, bem como às políticas e programas habitacionais para os menos desfavorecidos, o seu entendimento deverá cingir-se aos discursos em si, confrontando-os com os principais tipos de intervenção urbana. Para compreender a dinâmica e os impactos resultantes das intervenções ao nível de políticas, estratégias, cobertura legal e desenvolvimento espacial urbano importa analisar alguns parâmetros que constituam indicadores que permitam compreender a dimensão do desenvolvimento urbano no país, sobretudo quando comparado com outras realidades pelo mundo fora. Dos indicadores a avaliar, neste trabalho destacam-se: (i) As Restrições sobre os Direitos do Uso de Terras; (ii) A Eficiência no Processo de Planeamento do Uso de Terras Urbanas; (iii) a Velocidade e Previsibilidade da Execução do Uso de Terras Restringidas e, (iv) Esquema de Regularização de Propriedades em Áreas Urbanas. II. Actualidade e Relevância do teme para Moçambique 98 Com a independência de Moçambique, os instrumentos de planeamento e gestão urbana herdados do período colonial foram colocados de lado. As limitações decorrentes desses primeiros anos de governação, centrados na reconstrução da nação e no controle da guerra civil que eclode em 1977 e só termina em 1992, condicionaram a elaboração de outros dispositivos alternativos que considerassem as cidades e os seus problemas num todo (Melo, 2014). Em 1977 foram identificados aspectos preponderantes a atender no que se refere ao planeamento e à habitação, tais como: a criação de legislação específica, a elaboração de estratégias de planeamento e de planos urbanísticos, a execução de estudos e projectos nestas áreas e o apoio à população na qualificação da sua área residencial (CEDH, 2006). Em 1979, a I Reunião Nacional sobre Cidades e Bairros Comunais proporcionou uma reflexão aprofundada sobre os problemas urbanos. O primeiro exercício de Planeamento ocorreu na Cidade de Maputo em 1979 com a elaboração do Plano de Estrutura Urbana. Com o novo contexto económico e político neoliberal que eclode desde meados da década de 1980, emergem a partir da década de 1990 vários instrumentos jurídico-urbanísticos através dos quais se começam a estruturar o planeamento e a gestão urbana, incluindo a Lei de Terras (1997) e os seus regulamentos. Esta estruturação dá-se em estreita associação com o processo de descentralização, o pacote legislativo que decorre do mesmo e os programas implementados com o apoio do Banco Mundial (BM ) nesse âmbito, como foi o caso do PROL (Programa de Reforma dos órgãos Locais) que financiou os Planos de Estrutura das Cidades de Nampula, Beira, Quelimane, e Pemba. Nas duas últimas décadas do século XX, surgem, ainda que de forma incipiente, vários planos parciais de parcelamento para a periferia dos centros urbanos e, em 1999, um Plano de Estrutura da Área Metropolitana de Maputo, financiado pelo BM, é executado de cima para baixo por duas empresas estrangeiras (Arcadis Euroconsult e JTK Associates). Este plano não viria a ser aprovado, após várias sessões de debates na Assembleia da Cidade (Melo, 2014). Somente em 2007, mais de 30 anos com o país a funcionar sem marcos legais no âmbito do planeamento e ordenamento do território, é publicada a Lei de Ordenamento do Território (Lei n.º 19/2007), que tinha como objectivos principais salvaguardar os direitos da população e legitimar as suas acções de auto produção, como: (i) garantir o direito à informação, à participação e à prévia apreciação pública de todos os instrumentos de ordenamento territorial (artigos 4 al. b e 22), em sintonia com o Regulamento do Solo Urbano (2006); (ii) propiciar a igualdade do acesso à terra, às infra-estruturas, aos equipamentos e aos serviços básicos (artigos 4 al. c); (iii) “garantir o direito à ocupação actual do espaço físico nacional pelas pessoas e comunidades locais” (artigo 5 n.º 2 al. a), reforçando a Lei de Terras (1997); e (iv) “requalificar as áreas urbanas de ocupação espontânea degradadas ou aquelas resultantes de ocupações de emergência” (artigo 5 n.º 2 al. b), preocupação expressa na maioria dos sequentes instrumentos de planeamento e gestão urbana desta capital. 99 Com o impetuoso desenvolvimento económico e social e com a rápida urbanização de Moçambique, tem estado a surgir no país uma vaga de instrumentos de ordenamento do território sobretudo para os diferentes centros urbanos que ascenderam à categoria de municípios. Este exercício de 2007 a 2014 resultou na elaboração de Planos de Estrutura Urbana para cerca de 90% dos municípios e de inúmeros Planos Gerais e Parciais de Urbanização, bem como de Planos de Pormenor. Todavia importa ressaltar a necessidade de se avaliar a eficácia e a eficiência deste processo. A prática da elaboração dos instrumentos de ordenamento do território tem enfrentado inúmeros desafios. Menos de 1% dos instrumentos de ordenamento do território elaborados foram ratificados e publicados no Boletim da República. Cerca 80% dos instrumentos de ordenamento do território produzidos foram elaborados por técnicos das instituições que superintendem o ordenamento do território, acabando por se confundir o papel de monitoria e controle do processo com o da própria execução. Constata-se, no terreno, o não cumprimento da maioria dos diferentes planos de ordenamento do território elaborados, tendo como justificação sobretudo a insuficiência de recursos financeiros e a ausência gritante de fiscalização para impor o conteúdo dos planos. Como maior desafio destaca-se a dificuldade de articulação da Lei do Ordenamento do Território e do seu Regulamento com outros dispositivos legais, nomeadamente a Lei de Terras e o Regulamento do Solo Urbano, no que respeita aos direitos dos afectados pelos processos de ordenamento do território. Torna-se imperioso analisar o impacto do pacote legal para o ordenamento do território nas actuais circunstâncias de crescimento acelerado dos centros urbanos, onde se vão multiplicando as disputas de direitos de uso e aproveitamento do solo nas novas áreas de expansão urbana. III . Principais constrangimentos e oportunidades a) Aspectos legais Existe um acervo considerável de instrumentos legais orientados para o planeamento, gestão e uso da Terra. O maior desafio é a sua correcta implementação. A Lei de Terras, e o seu Anexo Técnico, é um dos instrumentos que nem sempre acolhe consensos no âmbito da sua aplicação. O tratamento a destinar aos que ocupam a terra com base costumeira e ocupação de boa-fé possui diferentes interpretações e formas de implementação. A Lei reconhece três formas básicas de aquisição do DUAT, nomeadamente (i) Através de normas e práticas costumeiras (para as comunidades e seus membros individualmente considerados); (ii) Através de ocupação de boa- fé (ocupação livre da terra por mais de dez anos e que, entretanto, nunca tenha sido posta em causa por ninguém); (iii) Através de um pedido formal junto do Estado para um novo direito de uso e aproveitamento da terra. Ao abrigo do nº. 2 do Artigo 111 da CRM e do Artigo 12 da Lei de Terras, para qualquer destas vias usadas, o DUAT resultante deverá ser o mesmo e deverá ter o mesmo peso perante a Lei. Em 100 conformidade com a Lei, os direitos adquiridos através de ocupação, não são colocados em risco nos casos em que o titular dos direitos falha no registo do DUAT. Contudo, os que adquirem um DUAT através da autorização do Estado têm a obrigação, por Lei, de registar tal DUAT. Aos titulares privados de DUATs é dado um prazo de 50 anos, renovável por outros 50. Primeiramente, é-lhes concedido um direito provisório enquanto iniciam a implementação do seu projecto (uma proposta do projecto deverá ser apresentada como parte do pedido do DUAT). Enquanto algumas vozes argumentam que somente um Título de Propriedade da Terra poderia efectivamente oferecer a segurança necessária para se obter crédito bancário, outros argumentam que este direito quase perpétuo, o DUAT, se acompanhado de um sistema jurídico funcional e de fiscalização judicial, será suficiente para oferecer aos investidores a segurança e o tempo que requerem para a realização e retorno do investimento. b) Aspectos institucionais O actual figurino institucional para os serviços de gestão da terra está disperso entre entidades centralizadas (DNT - Direcção Nacional de Terras) e descentralizadas (SPGC –Serviços Provinciais de Geografia e Cadastro e Cadastros Municipais). A principal questão neste contexto é o equilíbrio entre a capacidade dos serviços descentralizados de gerir os seus serviços e registos efectivamente e a necessidade do órgão central de manter um arquivo e fornecer orientações em normas e padrões. O SPGC e o serviço de cadastro municipal têm linhas duplas de comunicação e responsabilidade. Por um lado são responsáveis e prestam contas perante o Governador Provincial, no caso dos serviços provinciais, ao Administrador do Distrito, no caso de distritos, e ao Presidente do Município, no caso de Municípios. Por outro lado, as normas e padrões do serviço são desenvolvidos e postos em prática pela DNT, que é responsável pelos aspectos técnicos dos serviços. A gestão do solo urbano tem sido preocupação, não somente por parte do sector público, mas também das Organizações Não Governamentais e de Cooperação Internacional. Cerca de 90 % dos 55 municípios do país beneficiam de acções de capacitação nas áreas de planeamento e gestão urbana, apoiadas pelo Banco Mundial, Governos Austríaco e Dinamarquês, bem como a GIZ. Tais intervenções visam capacitar os municípios em matérias de planeamento, registo e cadastro de terras. c) Aspectos sociais O crescimento acelerado dos grandes centros urbanos do país (Maputo, Matola, Nampula e Beira) segue a lógica do mercado, caracterizada pela intervenção de promotores privados que se dirigem geralmente aos grupos de menores recursos, tendendo a desenvolver certos sectores da cidade segundo padrões urbanos ocidentais e a configurar-se como condomínios fechados ou construções isoladas. No que se refere à produção habitacional, novas urbanizações e novas centralidades de iniciativa privada comandam o processo. O sector público está envolvido em iniciativas direccionadas a todos os 101 grupos sociais. As necessidades da população de menores recursos são significativamente maiores, sendo a capacidade económica e institucional para intervir reduzida. Neste processo de crescimento urbano é recorrente a negociação para a reversão do direito do uso do solo pelos habitantes nativos que os perdem a favor dos novos ocupantes. A partir do início do milénio tem estado a acentuar-se por esta via o “modelo da cidade liberal, competitivo e desigual”, com duas partes distintas das cidades: uma formal e outra informal. d) Aspectos ambientais A ocupação do solo urbano face à escassez crescente de áreas aptas para o desenvolvimento de assentamentos humanos tem estado a incrementar a apetência por terras marginais. Trata-se da ocupação, em todo o país, de áreas susceptíveis a cheias, inundações ou riscos de inundação. Esta ocupação espontânea agrava no geral a qualidade ambiental urbana, sobretudo quando combinada com a ausência de saneamento. Apesar da degradação crescente do ambiente urbano, em alguns centros urbanos é de assinalar a intervenção da UN-HABITAT. Efectivamente, esta organização das Nações Unidas está a trabalhar com um vasto leque de parceiros no sentido de melhorar a gestão da terra urbana. O trabalho inclui o melhoramento do acesso à água e saneamento nos meios urbanos de todo o país. A UN-HABITAT também está a trabalhar para a redução da degradação do meio ambiente nessas urbes, assim como para fortalecer a sua capacidade de evitar, reduzir e gerir os impactos dos desastres naturais, como inundações e aluimentos. IV. Análise de indicadores e dimensões A medição do desempenho do desenvolvimento urbano passa pela avaliação de alguns indicadores universais. O presente exercício debruça-se sobre a relevância e a adaptabilidade de alguns desses indicadores no país. Especificamente serão avaliados indicadores relativos a: (i) Restrições sobre os Direitos; (ii) Transparência das Restrições do Uso de Terras (iii) Eficiência no Processo de Planeamento do Uso de Terras Urbanas (iv) Velocidade e Previsibilidade da Execução do Uso de Terras Restringidas e, (v) Esquemas de Regularização de Propriedades em Áreas Urbanas. 1. Indicador 1: Restrições sobre os direitos 1.1. Dimensaão 1: As restrições relativas à transferência da propriedade das terras e os objetivos das políticas públicas Painel Ind. Dim. Restrições sobre os direitos As restrições relativas à transferência da propriedade das terras servem 3 1 1 efetivamente aos objetivos das políticas públicas B: Existe uma série A: Existe uma série de regulações que, na sua maioria, servem a propósitos de regulações que, públicos e são executadas 102 na sua maioria, B: Existe uma série de regulações que, na sua maioria, servem a servem a propósitos propósitos públicos, porém a execução é deficiente públicos, porém a execução é C: Existe uma série de regulações que geralmente não servem a propósitos deficiente públicos e que não são executadas D: Existe uma série de regulações que geralmente não servem a propósitos públicos e são executadas Análise: Constata-se existir uma série de disposições legais que, na sua maioria, servem os propósitos públicos e são satisfatoriamente executadas, exceptuando um ou outro dispositivo específico que é executado de forma deficiente. a) Mecanismos legais que, na sua maioria, servem propósitos públicos e são executadas Em matéria de direitos, no que tange ao usufruto do solo urbano, pontifica o DUAT (Direito de uso e aproveitamento da Terra). A Lei de Terras estabelece um Direito de Uso e Aproveitamento da Terra, que é largamente reconhecido pelas iniciais, DUAT. A matéria relativa ao uso primário e à transmissão de DUAT's é regulada por diferentes textos legais. Os instrumentos que abordam integralmente a questão de terras e que fixam o regime jurídico da transmissão de direitos sobre a terra são os seguintes: a) Constituição da República de Moçambique – 2004; b) Resolução do Conselho de Ministros nº 10/95, de 17 de Outubro, que aprova a Politica Nacional de Terras; c) Lei nº 19/97, de 1 de Outubro, que aprova a Lei de Terras (LT)120; d) Diploma Ministerial nº 29-A/2000, de 17 de Março, do Ministro da Agricultura e Pescas, que aprova o Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras; e) Decreto nº 66/98, de 8 de Dezembro, aprova o Regulamento da Lei de Terras; f) Decreto n°60/2006, de 26 de Dezembro, que aprova o Regulamento do Solo Urbano. A Constituição de Moçambique e a Lei de Terras (Lei nº19/97) têm a particularidade de definir direitos à terra e fundir direitos tradicionais com modernos direitos de propriedade, tendo ainda o objectivo social de evitar a privatização da terra. A Constituição especifica que a terra e recursos naturais são propriedade do Estado e que “A terra não pode ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem 120 A primeira Lei de Terras em vigor em Moçambique, após a sua independência nacional, foi a aprovada pela Lei n.º 6/79, de 3 de Julho. O respectivo regulamento foi aprovado pelo Decreto n.º 16/87, de 15 de Julho. Estes instrumentos para além de tratarem do novo regime de acesso à terra em Moçambique, dispuseram sobre o processo de validação dos direitos relativos à terra adquiridos no período anterior à independência nacional. 103 hipotecada ou penhorada.” ”O uso e aproveitamento da terra é direito de todo o povo moçambicano” (artigos 96 e 109). Um DUAT pode ser adquirido: a) por uma “comunidade” que ocupa a terra; b) por indivíduos moçambicanos que usam a terra de “boa fé” e durante, pelo menos, dez anos; c) ou em resultado de um requerimento. Os grupos a) e b) têm direitos permanentes, que podem ser herdados. O grupo c) efectivamente recebe uma concessão por 50 anos. Um DUAT é um direito que pode ser titulado através de um documento, o titulo do DUAT. A lei especifica que para os grupos a) e b), o DUAT é um direito automaticamente adquirido e o documento do título não é exigido. Efectivamente, a) reconhece os direitos das comunidades tradicionais e b) reconhece os direitos de ocupantes, o que foi muito importante por causa das movimentações das pessoas durante e depois da guerra. A categoria c) é destinada aos investidores (grandes e pequenos, nacionais e estrangeiros) que podem obter um título do DUAT. Mas mesmo para os primeiros dois grupos, o documento do título torna-se importante para indivíduos ou grupos que pretendam usar a terra para atividades comerciais ou peçam dinheiro emprestado para construir uma casa ou edifício. Importa referir que, desde a independência nacional, nunca existiu uma separação clara entre o meio urbano e o meio rural, em termos de instrumentos legais. O Regulamento do Solo Urbano apenas foi aprovado em 2006. A terra urbana está coberta pelas mesmas provisões constitucionais e da Lei de Terras, o que significa que os ocupantes adquirem os mesmos direitos permanentes (DUAT). b) Mecanismos legais que, na sua maioria, servem propósitos públicos, cuja execução é deficiente Dos mecanismos legais que, na sua maioria servem prpósitos públicos mas com uma execução deficiente destacam-se alguns dispositivos constantes na Lei de Terras, no seu Regulamento e, no Regulamento do Solo Urbano. i. Em relação à Lei de Terras Dentre os diferentes instrumentos que regulam o uso e aproveitamento da terra, a Lei de Terras é aquela que norteia todo o processo. A Lei de Terras de 1997 é um documento que foi formulado em termos muito concisos. No entanto, deixa espaços e áreas por cobrir ou preencher dando, por sua vez, lugar a várias interpretações que podem ou não ir ao encontro dos vários interesses e posições entre os diferentes utilizadores da terra. Tais espaços que podem influenciar a aplicação deficiente da Lei incluem, de entre outros: − O arrendamento de terras: Questiona-se se os titulares nacionais de direitos sobre a terra deveriam ou não ser autorizados a ceder os seus DUAT’s a investidores, através de um contrato de arrendamento ou contrato semelhante (desta forma providenciando-lhes uma forma flexível de geração de renda com recurso aos seus DUAT’s, e colocarem em uso efectivo parte de suas terras ora subaproveitadas); 104 − A renovação do DUAT: Questiona-se o que é que sucede com o direito sobre a terra no fim do segundo período de renovação do DUAT de um investidor privado ou, ainda, quando o projecto de investimento fracassar ou não for concretizado. Em princípio, o DUAT deverá ser revogado e a terra devolvida à comunidade local ou à autarquia a que pertencia; todavia, na prática esta é tratada como já tendo sido ‘subtraída’ definitivamente da comunidade e torna-se efectivamente um ‘terreno’ registado no cadastro e não alterável. - A questão da condução das Consultas Comunitárias: Apesar de os processos de consulta estarem a decorrer no país estes carecem de mais detalhes no que concerne ao processo da sua condução. Com efeito, muitos dos processos enfermam de vícios que distorcem o objectivo do exercício, apresentando no final resultados falseados, orientados para a vontade dos que pretendem ocupar as terras em vista. - A transmissão de direitos – O processo da transmissão de direitos, na impossibilidade da venda do solo, está sendo conseguido por meio da venda das benfeitorias, num processo que inclui objectivos escondidos. Em primeiro lugar, quando um prédio urbano é vendido, o DUAT é automaticamente transferido para o comprador. Esta situação tem estado a criar um grande mercado informal de terra urbana que também está a levantar importantes questões de classe – as pessoas mais pobres estão a “vender” a sua casa por um valor que lhes pode significar muito dinheiro, mas para o comprador é um investimento barato. Em segundo lugar, a casa é imediatamente demolida e substituída por uma muito maior. Isto significa,para quem vendeu a casa, que não foi valorizada a sua posição nas áreas mais apetecidas. - A transmissão de DUAT’s é fortemente restritiva do ponto de vista legal, a Lei de Terras de 1997 apenas permite a transmissão de DUAT em duas situações: - Por mortis causa (morte do titular) - artigo 16, n°1 da Lei de Terras de 1997 (“o DUAT pode ser transmitido por herança, sem distinção de sexo”); e - Por transmissão inter-vivos de prédios urbanos e rústicos de acordo com as condições estabelecidas no artigo 16, n°s 2, 3 e 4. No que diz respeito à transmissão mortis causa, faz-se referência à figura da herança. A este respeito, recorda-se que o principio geral vem estabelecido no artigo 111 da Constituição, onde se refere que “...o Estado reconhece e protege os direitos adquiridos por herança ou ocupação...”. A referência à herança ou ocupação parece indicar a aplicação dos sistemas costumeiros na transmissão de DUAT’s ou as regras da sucessão do Código Civil, de acordo com o caso. A Lei de Terras de 1997 estabelece um regime distinto de transmissão de DUAT para prédios urbanos e rústicos. No caso dos prédios urbanos não é exigida autorização prévia do Estado – artigo 16, n°4. Para a transmissão de prédios rusticos, é necessária uma escritura pública, precedida de uma autorização do Estado – artigo 16, n°2. 105 Para a compra e venda de prédios rústicos é necessária ainda a comprovação do pagamento das taxas e do cumprimento do plano de exploração, mas dispensa-se a exigência de o comprador requerer uma nova licença e é apenas feito o averbamento. Isto significa que o comprador fica vinculado às condições estabelecidas para o vendedor. (Quadros, M., 2004, p. 104). Nos termos do artigo 16, n°3 da LT, a transmissão é averbada no respectivo título. ii. Em relação ao Regulamento do Solo Urbano O Regulamento do Solo Urbano estabelece três níveis de planos de uso do solo: um plano de estrutura, um plano de urbanização e um plano de pormenor, e os três instrumentos têm de ser aprovados através de um processo de consultas. Pelo referido Regulamento não podem ser concedidos títulos de DUAT até que os planos sejam aprovados – o que, segundo alguns especialistas, viola a Lei de Terras, uma vez que o reconhecimento dos títulos de DUAT para as pessoas que ocupam a terra há dez anos ou mais deve ser automático. Em muitos Municípios do país considera-se impraticável a aplicação desta norma pelo facto de existirem vastas áreas urbanas sem instrumentos de ordenamento do território. Mesmo onde a terra está numa área formal de expansão, um título geralmente só é atribuído depois de ter sido construída uma casa, mesmo quando a terra for atribuída pelo Município. A cidade de Maputo iniciou em 2014 um processo de regularização massiva dos DUAT’s aliado a um processo de elaboração de Planos de Urbanização nos diferentes bairros periurbanos. O Regulamento do Solo Urbano estabelece ainda que a transmissão de prédios urbanos não carece de prévia autorização e obedece às regras fixadas na legislação em vigor, estando sujeita a averbamento nos termos do disposto no n°1, da alínea b) do artigo 43 do RSU – artigo 35, n°1. A transmissão de prédios urbanos implica também a transmissão do DUAT, contudo a transmissão de prédios urbanos está sujeita ao pagamento dos encargos fiscais determinados por lei – artigo 35, n°2, do RSU. iii. Em relação ao Regulamento da Lei de Terras O Regulamento da Lei de Terras de 1998 (RLT), em matéria de transmissão de prédios urbanos praticamente reproduz o que esta contido na Lei de Terras (artigo 16) não trazendo esclarecimentos para uma melhor implementação da Lei. c) Dispositivos que geralmente não servem propósitos públicos e que não são executados Do conjunto de dispositivos existentes para gestão do uso do solo urbano não existem mecanismos que prejudiquem interesses do Estado, apesar de se admitir que a impelentação de determinados comandos como a transmissibilidade de bens, consagrados na Constituição, não esteja a ser conseguida. A adesão do país a uma economia de mercado pressupõe a existência de transações de bens de modo a garantir a alocação eficiente dos meios de produção e promover investimento e acumulação de riqueza 106 (que poderá, daí, ser dividida com recurso a medidas progressivas e redistributivas). A procura de formas para permitir que isto aconteça, ao mesmo tempo que se preserva o respeito pelos objectivos legítimos, políticos e sociais da Constituição, constitui um grande desafio actual para o País. Pelos actuais dispositivos pode-se afirmar que estamos perante um princípio de não transmissibilidade. Neste contexto, é importante notar que o DUAT é, na prática, um direito de natureza privada que garante uma posse segura da terra às comunidades locais e investidores. A CRM também permite a existência de propriedade privada de bens, tais como casas e outros investimentos feitos sobre a terra. Semelhantemente, os recursos naturais existentes na terra poderão ser usados com a aprovação do Estado, através de licenças e concessões e, subsequentemente, vendidos directamente após alguma forma de transformação. Tais patrimónios privados podem ser vendidos, alugados, hipotecados e doados. Quando isso acontece, o comprador deverá requerer ao Estado a emissão de um novo DUAT em seu nome para a terra em questão. Assim, é o Estado e não o proprietário anterior que transfere o direito sobre a terra. Este processo, essencialmente administrativo, é sujeito a inúmeros controlos e a transação do investimento também requer uma autorização prévia da competente autoridade concessionária do direito de uso e aproveitamento da terra (artigo 16, nº 2 da Lei de Terras). Todavia, este dispositivo legal providencia uma medida de transmissibilidade. É possível procurar formas de tornar este processo mais fácil e mais em linha com as necessidades de uma economia de mercado moderna. Esta observação é fundamentada pelo facto de os direitos sobre a terra serem, de facto, livremente transmissíveis em algumas terras (os chamadas ‘prédios urbanos’) onde o direito conexo sobrea terra é automaticamente transferido para o novo proprietário do edifício quando este é vendido ou livremente transferido por algum outro mecanismo. d) Dispositivos legais que geralmente não servem propósitos públicos e são executados O principal dispositivo legal que não serve o propósito público, mas que aparentemente está sendo executado está relacionado com a Lei de Terras no que se refere ao seu grande grande principio. Embora a terra não deva ser comprada, vendida ou hipotecada, os melhoramentos ou investimentos feitos sobre ela (as benfeitorias121) são de propriedade privada e podem ser transmissíveis e usados para atrair créditos bancários. Actualmente, quando estes bens são vendidos nas áreas rurais, o comprador não tem garantia de que, com isso, pode ver o DUAT ligado ao bem comprado igualmente transferido para si. Por outro lado, a lei refere que quando um DUAT é revogado, seja por que motivo for, todos os investimentos fixos são revertidos a favor do Estado. 121O regulamento de 1998 define “benfeitorias” como sendo coisas “necessárias que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da terra” e “construções” como sendo edifícios, muros, canais e outras obras. A terra não pode ser vendida ou hipotecada, mas estas benfeitorias e construções vagamente definidas, podem ser vendidas. Nas áreas urbanas, se uma casa é vendida, a terra está incluída; nas áreas rurais isto é muito menos claro. 107 Este nível de discrição administrativa é um bloqueio no acesso ao crédito para financiamento de projectos e é também a fonte da maior parte de ansiedade verificada no sector financeiro sobre o financiamento de investimentos agrícolas. No entanto, existe na prática, no meio urbano, um florescente mercado de terras semi-legal à volta das transações das chamadas benfeitorias ou outro tipo de melhoramentos. 1.2. As restrições sobre o uso de terras urbanas (risco de desastres) servem efectivamente os objectivos das políticas públicas Painel Ind. Dim. Restrições sobre os direitos As restrições sobre o uso de terras urbanas (risco de desastres) servem 3 1 2 efetivamente aos objetivos das políticas públicas A: Existe uma série de regulações que, na sua maioria, servem a propósitos públicos e são executadas B: Existe uma série de regulações que, B: Existe uma série de regulações que, na sua maioria, servem a na sua maioria, propósitos públicos, porém que não são executadas servem a propósitos C: Existe uma série de regulações que geralmente não servem a propósitos públicos, porém que públicos e que não são executadas não são executadas D: Existe uma série de regulações que geralmente não servem a propósitos públicos e são executadas Análise: Existe uma série de dispostivos legais que, na sua maioria, servem os propósitos públicos e são executadas. Relevo vai para a Constituição da República no seu artigo 98, para a Lei de Terras, nos seus artigos 5, 6, 7 e 8 e para o Regulamento do Solo Urbano no seu artigo 4. Nas áreas de domínio público é permitido que o Estado aloque certas parcelas para o uso ou benefício comum de toda a comunidade ou de uma comunidade particular de nível municipal ou infra-distrital (Artigo 98 da CRM). Deste modo, uma pequena parte de toda a terra é considerada de “domínio público” e inclui as chamadas áreas de protecção total (para a conservação ou preservação da natureza e as áreas necessárias para a protecção e segurança do Estado). Existem também áreas de protecção parcial, tais como as áreas em volta das águas continentais e rios navegáveis, porções de terra perto das barragens ou linhas férias ou estradas; e terras ocupadas pelos aeroportos e outras infraestruturas (Artigo 8 da Lei de Terras). Nesse contexto, estas áreas específicas poderão ser consideradas como um subconjunto de terras à parte do conjunto da terra do País e reservadas para certos fins especiais, enquanto o resto de terras encontra- se disponível para ser alocado aos cidadãos e outros utentes.Nos termos da mesma disposição citada, os municípios também podem dispor de um ‘domínio público municipal’, o qual pode ser integrado pelas terras ocupadas pelos parques municipais, as infra-estruturas de água e saneamento, estradas 108 municipais, etc. Conclui-se que qualquer reforma ao sistema cadastral e futuros mecanismos de urbanização e planificação territorial deverão permitir a identificação, registo e mapeamento formais de tais áreas. As áreas referidas como de protecção parcial são, efectivamente, as mais apetecidas quer para o desenvolvimento de assentamentos humanos de forma singular ou orientada por planos de desenvolvimento e por instrumentos de ordenamento do território, quer para o desenvolvimento económico, designadamente o desenvolvimento turístico. O desenvolvimento dos assentamentos humanos em Moçambique assenta, sobretudo, em zonas junto à costa ou rios, nascentes de água, albufeiras ou estuários, pontos estratégicos para a exploração das potencialidades que ás aguas interiores e marinhas fornecem. É também marco forte a concentração de aglomerados humanos urbanos junto das grandes infra-estruturas, como estradas, vias-férreas e linhas de transmissão de energia eléctrica. Esta ocupação está relacionada com a preocupação de beneficiar directamente dos equipamentos colectivos de utilidade pública e das oportunidades de negócio. A Lei de Terras, no seu artigo 5, referente ao Cadastro Nacional de Terras, refere como objectivos principais do cadastro, para além do conhecimento da situação jurídica e económica das terras, o conhecimento dos tipos de ocupação, uso e aproveitamento, bem como a avaliação das potencialidades para cada um dos usos a destinar. O Cadastro de Terras visa de igual modo organizar eficazmente a utilização da terra, sua protecção e conservação. É no âmbito da protecção e conservação que o artigo 6 da Lei de Terras qualifica o uso da terra em dois domínios, nomeadamente o domínio público e o privado. As restrições sobre o uso da terra recaem sobre as terras de domínio público. São áreas de domínio público as zonas de protecção total e as zonas de protecção parcial. O artigo 7 da Lei de Terras considera zonas de protecção total todas aquelas destinadas a actividades de conservação ou preservação da natureza e de defesa e segurança do Estado. Nestas áreas é interdito qualquer pedido de uso e aproveitamento contrário aos objectivos prescritos. O Regulamento do Solo Urbano, no seu capítulo II – Domínio Público, Artigo 4, recupera o princípio enunciado pela Lei de Terras no que se refere ao desenvolvimento de actividades nas zonas de protecção parcial. Efectivamente, no seu ponto 1 refere expressamente que nas áreas de protecção parcial não pode ser adquirido o direito de uso e aproveitamento da terra. Todavia, o mesmo artigo, no seu ponto 2, ressalva que, nas mesmas áreas, poderão ser emitidas licenças especiais. A permissão para o desenvolvimento de actividades específicas em zonas de protecção parcial é da competência dos órgãos locais do Estado e das autarquias, que podem emitir licenças especiais para essas zonas, de acordo com as normas e regulamentos aplicáveis, estabelecendo para o efeito os respectivos prazos de validade. 109 A emissão das licenças referidas só pode ter lugar caso não haja objecção das entidades locais que superintendam tais áreas. No rol das entidades que fazem gestão das áreas de protecção incluem-se instituições de gestão das águas interiores e costeiras, estradas e linhas férreas nacionais, aviação civil, energia, defesa e ordem pública, que intervêm conforme a especificidade da solicitação. Os órgãos locais, para operacionalização do processo, deverão solicitar parecer às entidades de tutela. O referido parecer será respondido num prazo não superior a 30 dias. A prescrição para a restrição do uso da terra nas áreas de protecção parcial encontra fortes resistências por parte dos habitantes urbanos. São inúmeros os casos de ocupação de linhas de água, dunas costeiras primárias e secundárias, bem como as margens dos rios. Os casos mais gritantes são os de ocupações junto às estradas e a ocupação das áreas junto às linhas de transmissão de energia e áreas de inundação. As intervenções públicas nessas áreas têm resultado em operações de reassentamento voluntário ou involuntário, com todas as despesas da operação a recaíram para o Estado. 2. Indicador 2: Transparência das Restrições do Uso de Terras 2.1.Dimensão 1: O processo de expansão urbana e o decurso de desenvolvimento de infra- estruturas - transparência e respeito dos direitos existentes Painel Ind. Dim. Transparência das Restrições do Uso de Terras O processo de expansão urbana/o processo de desenvolvimento de 3 2 1 infraestrutura é transparente e respeita os direitos existentes. A: A informação sobre a expansão urbana planificada e o A: A informação desenvolvimento de infraestrutura está disponível ao público com sobre a expansão suficiente antecipação e existe um processo para que os afetados urbana planificada e possam lidar com os direitos fundiário que corresponde às normas o desenvolvimento internacionalmente reconhecidas de infraestrutura está disponível ao B:A informação sobre expansão urbana planificada e o desenvolvimento de público com infraestrutura está disponível ao público com suficiente antecipação e suficiente existe um processo sistemático para que os afetados possam lidar com os antecipação e existe direitos fundiários de um modo que não se encontra totalmente em sintonia um processo para com as normas internacionais. que os afetados possam lidar com os C: A informação sobre a expansão urbana planificada e o desenvolvimento direitos fundiário de infraestrutura está disponível ao público com antecipação suficiente, que corresponde às porém a maneira como os afetados tratam os direitos à terras é em grande normas medida ad hoc internacionalmente D: A informação sobre expansão urbana planificada e desenvolvimento da reconhecidas. infraestrutura não está disponível ao público Análise: A informação sobre os processos da expansão urbana planificada e o desenvolvimento de infra- estruturas está disponível ao público com suficiente antecipação e existe um processo para que os 110 afectados possam lidar com os direitos fundiários, que corresponde às normas internacionalmente reconhecidas. Os instrumentos que norteiam a transparência dos processos de expansão urbana são a Política de Ordenamento do Território, a Lei do Ordenamento do Teritório e o respectivo Regulamento, e o Decreto n ° 33/2006, de 30 de Agosto, que aprova o quadro legal de transferencia de funções e competencias dos órgãos do Estado para as autarquias locais. O principal instrumento que norteia o Planeamento e Ordenamento do Território é a Política de Ordenamento do Território (resolução nº 18/2007, de 30 de Maio) que conduz o ordenamento territorial através de um conjunto de directivas que permitem ao Governo, por processos de concertação, integração e participação a todos os níveis, definir os objectivos gerais a que devem obedecer os instrumentos de ordenamento territorial, para alcançar uma melhor distribuição das actividades humanas no território, a preservação de zonas de reservas naturais e de estatuto especial e assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento humano e o cumprimento dos tratados e acordos internacionais no âmbito territorial. Por sua vez, a Lei do Ordenamento do Território (Lei n° 19/2007, de 18 de Julho) estabelece o enquadramento jurídico da Política de Ordenamento do Território e define, no seu artigo 3º, a aplicação do dispositivo em todo o território nacional. Além disso, regula as relações entre os diversos níveis da administração pública, as relações desta com os sujeitos públicos e privados, os representantes dos diferentes interesses económicos, sociais e culturais, incluindo as comunidades locais, para que se alcancem, como objectivos essenciais, o aproveitamento racional e sustentável dos recursos naturais, a preservação do equilíbrio ambiental, a promoção da coesão nacional, a valorização das diversas potencialidades de cada região, a promoção da qualidade de vida dos cidadãos, o equilíbrio entre a qualidade de vida nas zonas rurais e nas zonas urbanas, o melhoramento das condições de habitação, das infra-estruturas e dos sistemas urbanos, a segurança das populações vulneráveis a calamidades naturais ou provocadas. As posições assumidas pelos instrumentos de ordenamento do território constituem um reforço das disposições da Lei nº 19/2007, que criou as autarquias. Este dispositivo refere que compete ao Estado e às autarquias locais, a promoção, orientação, coordenação e monitorização do ordenamento do território, cabendo a estas últimas o estabelecimento dos programas, planos, projectos e o regime de uso do solo. Nesta perspectiva os municípios são responsáveis pela provisão de serviços em toda a extensão do seu território, até mesmo em áreas formalmente sob controlo do Governo; concessão de DUAT’s em algumas áreas do seu território (terras cobertas pelos planos dentro das cidades); zonas verdes, mercados, serviços de bombeiros, sistemas de drenagem, lixo e limpeza pública, património cultural ou urbano, protecção ambiental, conservação de árvores e estabelecimento de reservas de territórios. Os municípios, para além das suas responsabilidades administrativas e de planeamento, devem apoiar 111 grupos vulneráveis na sociedade, promover o desenvolvimento socio-económico, a saúde, a educação, a cultura, o lazer e o desporto. No exercício de planeamento várias são as ingerências ou interferências de outros organismos centrais na gestão das cidades. Diferentes ministérios têm autoridade dentro do território municipal, a saber: a) Os Ministérios da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) e da Justiça intervêm nos direitos sobre a terra; b) O MITADER também é responsável pelo planeamento físico; c) O Ministério das Finanças é responsável pelo financiamento urbano; d) O Ministério das Obras Publicas e Habitação e recursos Hídricos é responsável pela infra-estrutura urbana e provisão de água. O Decreto nº 33/2006 prevê a intervenção do Estado nas áreas de jurisdição municipal, em estreita colaboração, pois o Estado mantém ainda atribuições e responsabilidades nas áreas das autarquias. Numa fase de transferência progressiva de competências do Estado para os municípios, prevista pela Lei das Autarquias, e regulada pelo referido Decreto, a coordenação e colaboração entre as autarquias e os órgãos do Estado tem-se vindo a implementar em muitos municípios. Constata-se, todavia, que em alguns municípios a sobreposição de responsabilidades é frequente e a coordenação é praticamente nula. Nos processos de planeamento recentemente efectuados, os municípios têm encontrado dificuldades na gestão de processos elaborados por outros organismos do Estado. A autarcização foi um passo importante no sentido da descentralização do poder em Moçambique, mas a dependência dos organismos locais em relação ao Estado ainda é muito grande. Todavia, os problemas urbanos nos distritos não são comparáveis aos problemas urbanos nos municípios e cidades. O Regulamento da Lei do Ordenamento do Território (aprovado pelo Decreto nº 23/2008, de 1 de Julho) estabelece as medidas e procedimentos regulamentares que asseguram a utilização racional e sustentável dos recursos naturais, a valorização das diversas potencialidades de cada região, das infra- estrutras, dos sistemas urbanos, a coesão nacional e a segurança das populações. O referido Regulamento, no seu artigo 9, nº 1, garante a participação pública dos cidadãos, comunidades locais e pessoas colectivas, públicas e privadas, ao longo de todo o processo de elaboração, execução, alteração e revisão dos instrumentos de ordenamento territorial. O nº 2 do mesmo artigo obriga à realização de consultas e audiências públicas para pedidos de esclarecimento, formulação de sugestões e recomendações, intervenções em reuniões públicas. O artigo 10 refere-se ao direito de informação que pressupõe o exercício do direito de consultar o respectivo processo; receber cópias e certidões de peças documentais; obter informações e esclarecimentos sobre o conteúdo, sentido e consequências dos referidos instrumentos. Refere-se ainda ao direito à informação, através de todos os meios que se revelarem necessários, sobre todas as etapas da elaboração dos instrumentos de ordenamento do território. 112 Ao quadro apresentado pode-se acrescentar que todo o plano urbano elaborado por órgãos de poder local deve ter a aprovação dos organismos centrais e provinciais e estar integrado nas políticas nacionais e sectoriais. Isto significa que qualquer intervenção a ser feita terá de ter o aval do governo central e dos órgãos provinciais, uma vez que a zona está integrada no plano nacional do governo. Actualmente o papel dos órgãos centrais do Estado na preparação e implementação dos planos é relevante, especialmente porque nem sempre há sensibilidade dos órgãos locais para os assuntos de gestão do solo, ou então, havendo sensibilidade, não existe na instituição pessoal capacitado para a elaboração e gestão dos planos e a sua aplicação prática. O Regulamento da Lei do Ordenamento do Território, no seu artigo 44, alínea f), estabelece para a zonas urbanas a requalificar o princípio do respeito pela ocupação existente e da sua progressiva integração no tecido urbano planificado com infra-estruturas e serviços urbanos essenciais. Exemplos poderão ser colhidos na generalidade da periferia da cidade de Maputo, onde as ocupações de boa-fé são anteriores à execução dos planos de urbanização. Nestes casos, na altura da execução dos mesmos, o Regulamento do Solo Urbano obriga ao inquérito dos ocupantes e à auscultação dos representantes da comunidade local para identificar e recensear os residentes, caracterizar a situação jurídica da ocupação e decidir sobre reclamações e conflitos existentes (artigos 10 e 16). Quando a ocupação se enquadra no plano, o ocupante tem de comprometer-se a respeitar as regras estabelecias (artigo 29) e pode candidatar-se à obtenção de título (artigo 11, alínea a)). Segundo Chiziane (2013), a emissão de título não requer nestes casos a conclusão do plano, basta que tenha sido realizada a etapa do inquérito e da auscultação. Quando a ocupação não se enquadra no plano, o ocupante tem preferência na atribuição de outro talhão e direito a receber uma indemnização, de valor correspondente às benfeitorias de sua propriedade, ou a uma justa indemnização quando a transferência não seja possível (artigo 11, alíneas b) e c); artigo 24, nºs 4 e 5). É prática comum nos processos de planeamento, quer de planos de estrutura urbana, quer de planos gerais ou parciais de urbanização, a comunicação prévia dos processos e a realização de, pelo menos, dois processos de consulta: o primeiro no acto do lançamento do processo de planeamento e o segundo no acto de aprovação do plano. Processos de grande envergadura, como foram os casos dos planos de estrutura urbana dos Municípios das Cidades de Maputo e da Matola, tiveram a necessidade de recorrer a consultas e audiências públicas em simultâneo. O direito à informação restringe-se, fundamentalmente, ao momento de comunicação dos eventos pelos meios de comunicação disponíveis. A comunicação tem uma antecedência de pelo menos quinze dias. A disponibilização de elementos técnicos específicos è feita apenas nos dias da realização das consultas ou das audiências. Apesar de estar plasmado no Regulamento da Lei do Ordenamento do Território, no artigo 73 (publicitação no Boletim da República) e no artigo 74 (outros meios de publicitação), a obrigatoriedade 113 de publicitação dos planos de estrutura urbana, dos planos gerais e parciais de urbanização e dos planos de pormenor nos jornais de âmbito local, se existirem, bem como num jornal de abrangência nacional e afixados nos lugares públicos, como as administrações de distrito e das autarquias, conforme os casos, este dispositivo nunca foi cumprido. Os objectivos dos planos são, assim, conhecidos na véspera e sobretudo no próprio dias das consultas e das audiências. Os produtos dos planos não são colocados à disposição dos cidadãos e também não figuram em registos dos sectores públicos. O processo de planeamento pode ser considerado transparente, todavia decorre com pouca profundidade no que se refere ao conhecimento dos objectivos do plano. A realização de consultas e de audiências públicas, por si só, pode não satisfazer os paradigmas da participação, uma vez que, nos encontros, a maior parte da comunidade urbana em causa não está presente, mas sim representada. Se em relação aos planos de estrutura urbana e aos planos parciais e gerais de urbanização decorrem processos de consulta e publicitação, o mesmo não se verifica em relação aos Planos de Pormenor122. Estes planos são, em regra, utilizados para o loteamento. È muito frequente o seu emprego nas pequenas cidades e vilas. Estes planos nem sempre são sancionados pelas respectivas assembleias de municípios. São igualmente focos de discórdia, sobretudo entre as entidades que elaboram os planos, geralmente funcionários dos municípios, e os habitantes das áreas visadas. Os principais conflitos têm a ver com a perda ou redução dos direitos de uso da terra, uma vez que, na maioria dos casos, os cidadãos que residem nas áreas de expansão, desconhecendo os instrumentos de ordenamento, acabam por ver o tamanho dos seus lotes reduzidos a favor do desenvolvimento urbano.No exercício referido a ausência de processos de cadastro de terras, que se verifica na maioria dos casos, dificulta todo o processo de formalização futura da ocupação. Reconhecendo esta fraqueza, o Governo tem estado há já algum tempo preocupado em melhorar a informação disponível acerca da actual ocupação e uso. Entre os anos 2009 e 2012 o Projecto do MCA na sua componente 5 desenvolveu o projecto de “melhoria do acesso à terra em certas áreas” nas províncias de Nampula, Niassa e Zambézia. O projecto consistiu no planeamento e desenvolvimento de actividades piloto de regularização de posse da terra, usando o Anexo Técnico da Lei de Terras, em contextos rurais e urbanos/periurbanos. O objectivo do Governo ao compilar inventários do uso de terra foi o de “identificar a real situação legal e económica da posse de terras”, um objectivo motivado pela necessidade de prestar informações claras acerca do estado e disponibilidade de terra para potenciais investidores. 122 Planos de Pormenor definem com detalhe a tipologia de ocupação de qualquer área específica do centro urbano, estabelecendo a concepção do espaço urbano dispondo sobre usos do solo e condições gerais de edificações, o traçado das vias de circulação, as características das redes de infra-estruturas e serviços, quer para novas áreas ou para áreas existentes caracterizando as fachadas dos edifícios e arranjos dos espaços livres… 114 Importa também referir que, apesar de os municípios requerem a necessidade de possuir planos de estrutura urbana – PEU e, presentemente, todos eles possuírem a maior parte destes instrumentos, quase nenhum plano foi implementado. De acordo com o Regulamento da Lei de Ordenamento do Território, este plano é um instrumento que define a organização espacial de todas as áreas urbanas (municípios), ilustrando a ocupação actual e as infraestruturas projectadas. Mostra como o espaço urbano tem sido usado e como ele irá expandir-se. A Lei de Terras (artigo 18, alínea b)) e o Regulamento do Solo Urbano (artigo 30) prevêem também uma justa indemnização ou compensação quando da expropriação por utilidade pública. Nos primeiros anos de independência, a incapacidade de dar resposta ao acentuado crescimento populacional por via da subdivisão e concessão oficial de talhões em Maputo resultou, segundo Jenkins (2004), na aceitação pelo Governo do sistema tradicional de atribuição de terra na periferia urbana. Para o mesmo autor, tal como no período colonial, esta forma de atribuição de terra não tinha uma base monetária. Todavia, com o fim da governação de inspiração socialista, o colapso das instituições responsáveis pela gestão da terra, as pressões exercidas sobre este bem e o clima generalizado de comercialização, conduziram à sua commodification (idem). Numa pesquisa efectuada em Maputo em 1998/99, Jenkins (2004) constata que, entre 1975 e 1999, se acentuaram as ocupações de terra urbana para habitação (directas, por troca, cedência ou herança) através de familiares, secretários de bairro, chefes de quarteirão, chefes tradicionais e famílias com direitos consuetudinários. A pesquisa revela que a maioria destas transações envolvia uma quantia monetária, bem como alguns processos tratados por via das instituições públicas competentes, sobretudo os relativos às áreas de ocupação mais recente. Muitos casos indicam que esta quantia pagava a atribuição e não a terra em si, seguindo processos costumeiros de acesso a este bem nas áreas rurais (idem). A revisão da Lei de Terras em 1997 e os seus subsequentes regulamentos incorporam a acção da população nos processos de ocupação e uso do solo urbano, ao reconhecerem a ocupação de boa-fé, ainda que subordinada às exigências apontadas, conferindo alguma protecção legal à maioria dos residentes das periferias semi-urbanizadas. Vários motivos contribuem para que os mecanismos disponíveis para a obtenção do título de DUAT não representem uma alternativa eficaz, sobretudo para a população de menores recursos. Oppenheimer e Raposo (2002) apontam a insuficiente disponibilização pública de solo para fins habitacionais deste estrato social e Tique, Jorge e Melo (2011) indicam a publicação tardia dos instrumentos jurídico- urbanísticos, as fragilidades do governo local, a reduzida sensibilização da população para o tema, o desconhecimento dos procedimentos regulamentares e a sua insuficiente divulgação, as situações de clientelismo e a crescente soberania dos interesses privados sobre os processos de ocupação e gestão do solo. 115 O Centro de Integridade Pública de Moçambique (2009) e Tique (2009) indicam que, nos actuais processos de acesso à terra, as autoridades locais (secretários de bairro e chefes de quarteirão) continuam a funcionar como distribuidores deste bem e, em muitos casos, também como corretores fundiários, juntando-se-lhes funcionários municipais, sobretudo da fiscalização, e indivíduos que transaccionam e intermedeiam a permuta de terra, muitas vezes com o conhecimento ou conivência de uns e de outros. Para os mesmos autores, entre estes agentes estabelecem-se regras e acordos que legitimam a ocupação do solo segundo as lógicas de oportunidade do momento e sem plano de urbanização orientador ou desrespeitando planos existentes. A UN-Habitat (cop. 2008) considera que a ocupação e uso da terra em Moçambique são geralmente tidos como seguros, em parte devido às garantias oferecidas pela lei e ao facto dos despejos forçados serem raros neste país. Mas há outros factores importantes, como a circunstância de os residentes serem reconhecidos pelas autoridades locais e registados nas sedes dos respectivos bairros ou, como refere Jenkins (2004) possuirem, principalmente nas áreas mais antigas, um comprovativo da atribuição da terra, geralmente uma declaração do Grupo Dinamizador. Verifica-se, pois, uma longa convivência, oficialmente reconhecida, entre práticas de natureza consuetudinária e as regidas pela jurisdição formal. Ainda assim, nos últimos anos, face à crescente pressão fundiária e imobiliária sobre algumas áreas semi-urbanizadas e autoproduzidas, esta relativa segurança de ocupação e uso tende a tornar-se mais instável. 2.2.Dimensão 2: As mudanças nos planos de uso de terras urbanas e o processo público para as contribuições de todos os interessados Painel Ind. Dim. Transparência das Restrições do Uso de Terras As mudanças nos planos de uso das terras urbanas estão baseadas em 3 2 2 um processo público claro e nas contribuições de todos os interessados. A: A contribuição do setor público é solicitada na preparação e correção A: A contribuição do dos planos de uso da terra e as respostas do público são mencionadas setor público é explicitamente no relatório preparado pelo organismo público solicitada na responsável pela preparação dos novos planos públicos. Esse relatório preparação e é acessível ao público. correção dos planos de uso da terra e as B: A contribuição do setor público é solicitada na preparação e correção dos respostas do planos de uso da terra e as respostas do setor público são utilizadas pelo público são organismo público responsável pela conclusão dos novos planos públicos, mencionadas mas o processo para fazê-lo não é claro ou o relatório não está disponível ao explicitamente no público. relatório preparado C: A contribuição do setor público é solicitada na preparação e correção dos pelo organismo planos de uso da terra, mas os comentários públicos são amplamente público responsável ignorados na finalização dos planos de uso da terra. pela preparação dos novos planos D: A contribuição do setor público não é solicitada na preparação e correção públicos. Esse dos planos de uso da terra. 116 relatório é acessível ao público. Análise: O pacote legal que orienta a elaboração de instrumentos de ordenamento do território no país inclui a Política do Ordenamento do Território, a Lei do Ordenamento do Território e o respectivo Regulamento. Estes instumentos orientam de forma clara o processo para a participação dos interessados na planificação e mudanças nos planos de uso de terras urbanas. Paulatinamente o processo público tem estado, não somente a ser implementado como tambem a ser melhorado e consolidado. O Regulamento da Lei do Ordenamento do Território no seu artigo 9 obriga à participação através de consultas ou audiências públicas, podendo nelas participar cidadãos, comunidades locais e pessoas colectivas, públicas e privadas. Esta participação é garantida ao longo de todo o processo de elaboração, execução, alteração e revisão dos instrumentos de ordenamento territorial. A comunicação destes eventos é de, no mínimo, 15 dias. Por força do regulamento da Lei do Ordenamento do Território, no seu artigo 9, nº 2, no processo de elaboração dos instrumentos de ordenamento territorial do país devem participar as instituições responsáveis por quaisquer intervenções no âmbito do território a ordenar. O artigo 39 reforça esta posição, ao afirmar que os instrumentos de ordenamento territorial a nível autárquico são elaborados por iniciativa do Presidente da Autarquia e aprovados pela respectiva Assembleia Autárquica. A contribuição do sector público é solicitada na preparação e correção dos planos de uso da terra e as respostas dos interessados são utilizadas pelo organismo público responsável para conclusão dos planos, mas o processo para fazê-lo não é claro e, muita das vezes, os relatórios do processo não estão disponíveis para todos os interessados. A contribuição dos cidadãos e das comunidades tem sido evidente aquando das audiências ou consultas públicas dos planos de estrutura urbana e dos planos parciais ou gerais de urbanização. Tem também expressão nos planos de reordenamento. Os planos de pormenor, que, na maioria dos casos, se resumem em processos de atalhonamentos não são objecto de processos de consulta. As contribuições dos interessados são registadas em actas e utilizadas posteriormente para o melhoramento dos planos ou como argumento para aprovação dos planos nas Assembleias Municipais ou para ratificação em órgãos tutelares. O exercício da disponibilização prévia dos instrumentos de ordenamento do território aos diferentes interessados é já uma prática no país. A elaboração de todos Planos de Estrutura Urbana e dos Planos Gerais e Parciais de Urbanização tem tido uma ampla divulgação, discussão em sessões públicas e sessões temáticas especializadas. O periodo minimo de divulgação é de 15 dias. As discussões são 117 desenvolvidas em dois momentos distintos sendo o primero na fase do diagnóstico da situação prsente e dos cenarios de desenvolvimento urbano sendo a segunda fase para validação das opçoes apresentadas. Se ao nível dos Planos de Estrutura Urbana e dos Planos Parciais de Urbanização o postulado legal é cumprido, o mesmo não sucede em relação aos Planos de Pormenor. Na maior parte dos casos os Planos de Pormenor apenas constam de uma única folha de papel contendo apenas as indicações do atalhonamento. Estes esboços não passam pelo crivo das Assembleias Municipais. 2.3.Dimensão 3: As solicitações aprovadas para mudança no uso das terras urbanas e o seu cumprimento Painel Ind. Dim. Transparência das Restrições do Uso de Terras As solicitações aprovadas para mudança no uso das terras urbanas são 3 2 3 prontamente seguidas pelo desenvolvimento destas parcelas de terra A: Mais de 70% das terras que tiveram uma mudança na designação do A: Mais de 70% das uso da terra nos últimos 3 anos foi desenvolvida para seu uso destinado terras que tiveram uma mudança na B: Entre 50% e 70% da terra que teve uma mudança na designação do uso da designação do uso terra nos últimos 3 anos foi desenvolvida para seu uso destinado da terra nos últimos C : Entre 30% e 50% da terra que teve uma mudança na designação do uso 3 anos foi da terra nos últimos 3 anos foi desenvolvida para seu uso destinado desenvolvida para seu uso destinado. D: Menos de 30% da terra que teve uma mudança na designação de uso da terra nos últimos 3 anos foi desenvolvida para seu uso destinado Análise: Não existem instrumentos legais para monitorar de forma abrangente o cumprimento da implementação dos intrumentos de ordenamento do território. A Lei do Ordenamento do Território obriga a apresentação do estado do ordenamento do território pelos diferentes escalões territoriais. Um dos momentos onde as mudanças de uso podem ser confirmadas é o período da actualizaçao do Plano respectivo. Nos últimos três anos, de acordo com os planos de ordenamento elaborados nas princnipais cidades do país, entre 50 e 70% da terra cujo uso sofreu uma mudança foi utilizada para o fim a que se destinava. As solicitações para as mudanças de uso das terras urbanas na sua maioria são de iniciativa do poder público representado pelos municipios. Outras iniciativas, mas com pouca expressão provem ou do sector privado ou de associaçoes comunitárias. Os planos de reordenamento ou de requalificação urbana têm sido os principais responsáveis pelas mudanças no uso do solo. Os planos parciais ou gerais de urbanização que, na maioria dos casos, recaem ou sobre áreas de expansão urbana ou sobre áreas de ocupação informal, têm pouca expressão sobre a 118 alteração do uso. Neste caso a maior mudança, sobretudo nas áreas de expansão, é a conversão de áreas de uso agrícola para o desenvolvimento da habitação, serviços ou áreas de lazer. As áreas sujeitas a alteração do uso carecem de um Plano de Ordenamento especifico cuja aprovação depende do executivo municipal. A mudança de uso acontece sobretudo em relação às áreas destinadas aos equipamentos públicos de utilidade colectiva e às áreas reservadas ao lúdico. Quando nessas áreas, que constituem cerca de 20 a 30% do espaço planificado, os projectos específicos não são materializados, essas áreas são literalmente assaltadas e transformadas para o uso habitacional. Quer na materialização dos PEU, quer na realização dos PPU, os processos de expansão urbana incidem em áreas maioritariamente não habitadas. No caso das Cidades de Maputo, Matola e Nampula esta situação é recorrente. O Municipio de Nampula com apoio da UNHABITAT elaborou em 2012 cerca de 10 Planos de Urbanização em ovas áreas de expansão urbana cuja actividade principal era a agrícola. O sector privado intervem sobretudo com a solicitação de areas para o desenvolvimento de condominios habitacionas sobretudo nas cidades de Maputo, Beira e Matola. Na Cidade de Maputo foram registados várias solicitaçoes de associações agrícolas (no Bairro da Costa do Sol), para a reversão das áreas agrícolas em sua posse para espaços de desenvolvimento habitacional. A principal mudança no uso da terra relaciona-se com a reversão das terras de uso agrícola para o desenvolvimento habitacional e respectivo equipamento público de utilidade colectiva. O desvio relacionado com a actividade inicial tem-se verificado na apropriação indevida das áreas reservadas ao equipamento público de utilidade colectiva. Estas áreas representam cerca de 20% do total planeado. A reversão do uso por iniciativa singular tem como alternativa o desenvolvimento habitacional. Desta forma os índices e parâmetros urbanísticos ficam adulterados. Os planos de reordenamento maioritariamente executados na cidade de Maputo (Bairro da Maxaquene) e, pontualmente, na Vila de Manica (Bairro Josina Machel), nas cidades de Nacala, Quelimane, Chókwè e Tete - estes três últimos no âmbito do aumento da resiliência face ao agravamento de eventos climáticos - tiveram a sua implementação imediata. Por se tratar de intervenções destinadas a prover infra- estruturas e equipamentos colectivos de utilidade pública, em pouco foram alterados. As maiores alterações estão relacionadas com o aumento das densidades. Alguns moradores optaram por subdividir o lote. 3. Indicador 3. Eficiência no Processo de Planeamento do Uso de Terras Urbanas 3.1. Dimensão 1: Existem políticas para garantir a entrega de moradias e serviços de baixo custo e foram implementados progressivamente Eficiência no Processo de Planeamento do Uso de Terras Painel Ind. Dim. Urbanas 119 Existem políticas para garantir a entrega de moradias e serviços 3 3 1 de baixo custo e foram implementados progressivamente A: Existe uma política para moradias e serviços de baixo custo e instrumentos efetivos para implementá-los de modo que exista uma trajetória clara para fornecer teto adequado para todos D: Não existe política para as moradias e B: Existe uma política para moradias e serviços de baixo custo, porém serviços de baixo a implementação nem sempre é efetiva. Como resultado, o número custo, também não das pessoas que vivem em moradias inadequadas declina, porém existem disposições continua sendo alto que exijam aos C: Existe uma política para as moradias e serviços de baixo custo empreendedores porém a implementação tem brechas importantes de modo que o privados atender ao número de pessoas com albergue inadequado em realidade se segmento mais baixo incrementa do mercado de vivendas D: Não existe política para as moradias e serviços de baixo custo, também não existem disposições que exijam aos empreendedores privados atender ao segmento mais baixo do mercado de vivendas Análise: O país possui um defice no que respeita a políticas ou estratégias para a provisão de habitação e de serviços a baixo custo para o desenvolvimento urbano. Foi aprovada e, 2011 a Política e Estratégia de Habitação. Esta exiguidade leva a que o país vá experimentando diversos programas ou projectos isolados. As dificuldades contextuais dos primeiros anos de independência em Moçambique fizeram-se também sentir sobre as políticas e os programas habitacionais, ressaltando neste âmbito as directrizes de actuação estabelecidas no III Congresso da Frelimo e na I Reunião Nacional sobre Cidades e Bairros Comunais, centrados em atender principalmente às necessidades da população de menores recursos. Algumas relacionavam-se especificamente com a habitação, tais como: (1) o apoio a programas de cooperativas habitacionais e de autoconstrução; (2) a intervenção da população na execução de infra- estruturas (dando prioridade ao abastecimento de água e ao saneamento); e (3) a criação de mecanismos de acesso ao crédito (CEDH, 2006). Segundo o CEDH (2006), estas directrizes tiveram repercussões sobre as iniciativas que surgem em meados dos anos 1980, com o despontar do novo contexto económico e político, geralmente envolvendo organizações multilaterais como as Nações Unidas e o BM. Todavia, se a emergência no mesmo período dos instrumentos jurídico-urbanísticos analisados no ponto anterior indicia a estruturação de um sistema de planeamento e gestão urbana, as iniciativas no âmbito da habitação surgem de forma dispersa. 120 Ligado à habitação por via das infra-estruturas, destaca-se o Programa Nacional de Saneamento a Baixo Custo, que decorreu entre 1985 e 1998 com o apoio do BM, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e de outras entidades estrangeiras. Este programa introduziu melhorias habitacionais pela difusão de métodos e componentes para a construção de latrinas melhoradas, com elevado sucesso em todo o país. O mesmo não sucedeu com o Programa de Promoção de Habitação Própria, cujas linhas gerais foram aprovadas em 1987, mas foi inviabilizado por dificuldades financeiras (CEDH, 2006). No mesmo ano iniciam ainda dois projectos com algum impacto: a assistência ao Governo na definição da Política Nacional de Habitação, financiada pelo PNUD e implementada pelo United Nations Centre for Human Settlements (UNCHS), que termina em 1991; e o Projecto de Reabilitação Urbana (PRU), financiado pelo BM (idem), que, segundo Tique (2007), também contribuiu para delinear a referida política. Esta Política Nacional de Habitação definida nos finais da década de 1980 denota uma abertura à economia de mercado, tendo como foco o futuro do parque habitacional do Estado, especificamente a sua privatização e o estímulo à construção de novas unidades, não promovendo na prática a resolução das necessidades da maioria da população menos favorecida. O projecto de assistência ao Governo na definição desta Política Nacional de Habitação teve continuação num novo apoio, entre 1993 e 1998, desta vez no âmbito da formulação do Programa Nacional de Desenvolvimento Urbano e Habitacional – financiado pelo Governo e com assistência técnica do PNUD e do UNCHS – especialmente centrado no reforço institucional e na capacitação de técnicos (CEDH, 2006). Quanto ao PRU, Tique (2007) refere que a sua componente habitacional (cerca de 6% do total do projecto, com as subcomponentes de urbanização básica e de construção de habitações evolutivas de baixo custo) integrou um programa do Governo em 1997. Em coordenação com o PNUD, o PRU promoveu, a fundo perdido: (1) a atribuição de talhões, uns para as vítimas de cheias na capital, outros para o desenvolvimento de urbanizações básicas que ilustrassem o tipo de intervenção do Estado na melhoria das condições habitacionais da população carenciada (idem); (2) a atribuição de habitações evolutivas e infra-estruturas básicas; e (3) a criação de linhas de crédito para aquisição de kits de materiais de construção. Sem aludir à data, o CEDH (2006) faz ainda referência à existência de um Programa Nacional de Habitação Social, formulado pelo Ministério da Construção e Águas, na linha das iniciativas anteriores, ou seja, focado na atribuição de talhões e na construção de habitações evolutivas. Em 1995, através do Decreto nº 24/95, de 6 de Junho, foi criado o Fundo para o Fomento de Habitação (FFH), cujos estatutos incumbiam o FFH de “assegurar o suporte financeiro aos programas de habitação do Governo especialmente dirigidos aos grupos populacionais de menor renda, à mão-de-obra qualificada e jovens casais”, pela promoção da construção de “habitação social” e acções de bonificação de taxas de juro, concessão de créditos e financiamento (artigo 3). Para o efeito, dispunha de recursos 121 provenientes da sua actividade, de fundos governamentais, das receitas de 50% da venda de imóveis do Estado (100% no caso dos imóveis em ruínas ou inacabados) e outros (artigo 11). O FFH tinha ainda prioridade na concessão de títulos de DUAT para os seus programas, estando isento de impostos, taxas e emolumentos a ela associados (artigos 14 e 15). Com a redução das receitas provenientes da venda de imóveis do Estado, o Decreto n.º 65/2010 alterou o regime jurídico desta instituição, perfilando uma política claramente neoliberal, sob justificação de melhor adequar esta instituição aos desafios impostos. Segundo o referido decreto, a atribuição geral do FFH deixa de estar focada nos grupos de menores recursos e passa a abranger “variados domínios da promoção da habitação”, devendo para tal: “coordenar os mecanismos de atrair financiamento interno e externo”, “negociar e outorgar acordos e parcerias” de financiamento e “desenvolver estudos e pesquisas regulares do mercado habitacional”, entre outros (artigo 2). O Programa Quinquenal do Governo para 2010-2014 (PQG 2010/14, 2010), na abordagem sumária que faz ao tema da habitação, junta a linha das primeiras directrizes formuladas no país independente – ao referir, por exemplo, a necessidade de apoiar a autoconstrução assistida, estimular a produção de materiais de construção com parâmetros de qualidade que contribuam para a redução dos custos e promover a construção habitacional a custos acessíveis – e a abordagem neoliberal – pela alusão à promoção de novas habitações, recorrendo a parcerias público-privadas, envolvendo outros agentes, o sector financeiro e incentivos fiscais. Já a Política e Estratégia de Habitação (Resolução nº 19/2011), publicada em 2011 – “um instrumento impulsionador da indústria de construção de habitação, com vista a responder ao défice de habitação adequada” e promover “um ambiente de vida são, a um custo acessível a todos os grupos sociais” (p. 263) –, é pouco específica quanto aos meios preconizados para o efeito, não indo além da enumeração de aspectos como: a participação de diferentes segmentos da sociedade; a articulação de políticas intersectoriais; a identificação e mobilização de recursos financeiros; e a promoção de materiais de construção local com tecnologias melhoradas. A sua implementação e financiamento ficaram ainda dependentes da organização da estrutura institucional a adoptar, que passa pela criação de um órgão de coordenação interministerial ainda por concretizar. No virar do novo milénio Jenkins (1998) refere que, apesar da motivação política e da considerável assistência técnica, houve pouco desenvolvimento das políticas habitacionais em Moçambique, situação que continua a verificar-se actualmente. 3.2. Dimensão 2: O planeamento do uso da terra orienta efectivamente a expansão espacial urbana na maior cidade Eficiência no Processo de Planeamento do Uso de Terras Painel Ind. Dim. Urbanas O planejamento do uso da terra orienta efetivamente a expansão 3 3 2 espacial urbana na maior cidade 122 A: Na maior cidade do país a expansão espacial urbana é controlada com eficácia por uma hierarquia de planos de uso da terra C: Na maior cidade do regionais/detalhados que são mantidos atualizados país, embora uma hierarquia de planos B: Na maior cidade do país, embora uma hierarquia de planos de uso de uso da terra da terra regionais/detalhados seja especificada por lei, na prática, a regionais/detalhados expansão espacial urbana é orientada pelo fornecimento de seja especificada por infraestrutura sem a total implementação de planos de uso da terra lei, na prática, a C: Na maior cidade do país, embora uma hierarquia de planos expansão espacial de uso da terra regionais/detalhados seja especificada por lei, urbana ocorre de na prática, a expansão espacial urbana ocorre de maneira ad maneira ad hoc, hoc, sendo a infraestrutura fornecida algum tempo depois da sendo a urbanização infraestrutura fornecida algum D: Na maior cidade do país, embora uma hierarquia de planos de uso tempo depois da da terra regionais/detalhados possa ou não ser especificada por lei, urbanização. na prática, a expansão espacial urbana ocorre de maneira ad hoc, com o fornecimento de pouca ou nenhuma infraestrutura na maioria das novas áreas em desenvolvimento Análise: A elaboração de Instrumentos de Ordenamento do Território ao nível mas abrangente (Planos de Estrutura Urbana) e a nível intermédio (Planos Gerais e Parciais de Urbanização), bem como Planos de Pormenor tem sido os elementos básicos para o planeamento e gestão urbana da maior cidade do país. A cidade de Maputo foi sempre o laboratório principal para o ensaio das diferentes politicas e estratégias de desenvolvimento urbano. Embora não aprovado, data de 1979 o primeiro exercício de planeamento urbano no período pós-independência. Tratou-se do primeiro Plano de Estrutura da Cidade de Maputo. Seguiu-se, em 1985, a elaboração de um novo Plano de Estrutura para a Cidade de Maputo executado pelo Instituto Nacional de Planeamento Físico, também não aprovado e ultrapassado pelas rápidas transformações sócio-económicas desta capital. Em 2000 foi elaborado o Plano de Estrutura da Àrea Metropolitana que incluía a Cidade da Matola e os distritos de Marracuene e Boane. O Plano não foi aprovado depois de debates acesos na Assembleia Municipal. Com a aprovação da Lei do Ordenamento do Território e o respectivo regulamento, a cidade embarcou na elaboração do Plano de Estrutura Urbana como forma de actualizar o Plano Director de Desenvolvimento da Cidade, elaborado ainda no período colonial, em 1967. Seguiu-se um processo de elaboração de planos parciais e gerais de urbanização em cerca de 14 Bairros (Zimpeto, Albazine, Laulane, Mahotas, Ferroviário, 3 de Fevereiro, 25 de Junho ‘‘A‘‘ Magoanine A, B e C, Costa do Sol, Malhazine e Luís Cabral). A partir daqui estão a ser elaborados diferentes planos de pormenor. Este exercício de planeamento enquadra-se nos esforços para estabelecer um território ordenado, sobretudo no momento em que a cidade de Maputo tem o seus limites de território complementarmente preenchidos. 123 Embora a estratégia de implementação da hierarquia dos planos tenha sido iniciada tardiamente (mais de 50% do território da cidade já estava ocupada), a expansão espacial urbana é controlada por uma hierarquia de planos de uso da terra que são mantidos actualizados. 3.3. Dimensão 3: O planeamento do uso da terra e o desenvolvimento urbano nas quatro maiores cidades, exceptuando Maputo Eficiência no Processo de Planeamento do Uso de Terras Painel Ind. Dim. Urbanas O planejamento do uso da terra orienta efetivamente o 3 3 3 desenvolvimento urbano nas seguintes quatro maiores cidades A: Nas quatro cidades mais importantes o desenvolvimento é efetivamente guiado por uma hierarquia de planos regionais/detalhados de uso da terra que são atualizados D: Nas quatro maiores regularmente e a intensidade do uso da terra corresponde à cidades do país, uma capacidade de suporte da infraestrutura hierarquia de planos de uso da terra B: Nas quatro cidades mais importantes do país, embora uma regionais/detalhados hierarquia de planos de uso da terra regionais/detalhados seja pode ou não ser especificada por lei, na prática, o desenvolvimento urbano é especificada por lei e, orientado pelo fornecimento de infraestrutura que implementa na prática, o apenas uma parte dos planos de uso da terra desenvolvimento C: Nas quatro maiores cidades do país, embora uma hierarquia de urbano ocorre de planos de uso da terra regionais/detalhados seja especificada por lei, maneira ad hoc, com o na prática, o desenvolvimento urbano ocorre de maneira ad hoc, fornecimento de sendo a infraestrutura fornecida algum tempo depois da pouca ou nenhuma urbanização infraestrutura na maioria das novas D: Nas quatro maiores cidades do país, uma hierarquia de áreas em planos de uso da terra regionais/detalhados pode ou não ser desenvolvimento especificada por lei e, na prática, o desenvolvimento urbano ocorre de maneira ad hoc, com o fornecimento de pouca ou nenhuma infraestrutura na maioria das novas áreas em desenvolvimento Análise: Embora o país não possua uma estratégia para o desenvolvimento urbano, logo após a independência nacional foi dada atenção particular às cidades capitais de província. O Programa de Reforma dos Órgãos Locais, em 1983, elegeu as cidades da Beira, Nampula, Quelimane e Pemba como objecto para a elaboração de Planos de Estrutura Urbana. O exercício em referência não surtiu o efeito desejado. Os planos não foram implementados. Presentemente, todas as quatro maiores cidades do país a seguir à cidade de Maputo (Matola, Nampula, Beira e Quelimane) possuem planos de estrutura urbana. Simultaneamente são elaborados planos parciais e gerais de urbanização, bem como planos de pormenor subsequentes, que são actualizados regularmente. 124 Os planos de estrutura urbana em elaboração visam estabelecer a organização espacial da totalidade do território do município, os parâmetros e as normas para a sua utilização, tendo em conta a ocupação actual, as infra-estruturas e os equipamentos sociais existentes e a implantar e a sua integração na estrutura espacial regional. 3.4. Dimensão 4: Os processos de planeamento devem enfrentar o crescimento urbano Eficiência no Processo de Planeamento do Uso de Terras Painel Ind. Dim. Urbanas Os processos de planejamento devem enfrentar o crescimento 3 3 4 urbano A: Na maior cidade do país o processo/autoridade de planejamento urbano tem capacidade para fazer frente à crescente demanda de unidades/terras atendidas, conforme comprovado pelo fato de que C: Na maior cidade do quase todas as novas moradias são formais país o processo/autoridade B: Na maior cidade do país o processo/autoridade de planejamento de planejamento urbano tem capacidade para enfrentar de certa forma a crescente urbano está se demanda de unidades/terras atendidas, conforme comprovado esforçando para fazer pelo fato de que as novas moradias são, em sua maioria, formais frente à crescente demanda de C: Na maior cidade do país o processo/autoridade de unidades/terras planejamento urbano está se esforçando para fazer frente à atendidas, conforme crescente demanda de unidades/terras atendidas, conforme comprovado pelo fato comprovado pelo fato de que as novas moradias são, em sua de que as novas maioria, informais moradias são, em sua D: Na maior cidade do país o processo/autoridade de planejamento maioria, informais. urbano não tem capacidade para fazer frente à crescente demanda de unidades/terras atendidas, conforme comprovado pelo fato de que quase todas as novas moradias são informais Análise: A necessidade de um planeamento permanente dos centros urbanos resulta da grande pressão existente sobre o solo urbano. Todas as cidades moçambicanas têm sofrido grande pressão, sobretudo com novos pedidos formais e com a ocupação espontânea. As cidades crescem rapidamente à custa da ocupação informal. Estima-se que, em média, os assentamentos informais constituem 70% das cidades. Importa ressaltar que a velocidade com que os fenomenos territoriais ocorre é muito superior à capacidade de intervenção das entidades responsáveis pelo desenvolvimento urbano. O crescimento planificado dos centros urbanos (cerca de 30%) é muito infeiror ao crecimento natural (cerca de 70%). O crescimento planificado é orientado pelo poder público através de planos de expansão urbana ou de reordenamento. Estes exercícios são caros e morosos. Por conta disso entidades paralelas como as dos lideres comunitários ou secretários de bairros são os actores activos na ocupação de espaços onde o poder público não tem capacidade de intervir. 125 Parte significativa das cidades capitais de província (Quelimane, Inhambane, Beira), incluindo a Cidade de Maputo, têm o seu perímetro totalmente preenchido, não podendo esboçar nenhum plano de expansão. De todos os centros urbanos, a Cidade de Maputo é a que regista, a partir da ocupação espontânea, a mais forte densificação das áreas consolidadas. Trata-se de edifícios em altura que estão, ou preenchendo vazios urbanos ou substituindo outros de menor capacidade. Indicador 4. Velocidade e previsibilidade da execução do uso de terras restringidas 4.1. Dimensão 1: As disposições legais para a obtenção das licenças de construções residenciais – implementação e acessibilidade Velocidade e previsibilidade da execução do uso de terras Painel Ind. Dim. restringidas As disposições para as licenças de construções residenciais são 3 4 1 apropriadas, acessíveis economicamente e são executadas. A: Os requisitos para obter um permissão de construção estão justificados tecnicamente, são acessíveis economicamente e são D: Os requisitos para executadas obter uma licença de construção são B: Os requisitos para obter uma licença de construção estão excessivamente justificados tecnicamente e são acessíveis economicamente porém, complicados desde o são executadas somente parcialmente ponto de vista C: Os requisitos para obter uma licença de construção estão técnico e de justificados tecnicamente, porém não são acessíveis economicamente engenharia e não são para a maioria dos afetados (e não são executadas) acessíveis economicamente D: Os requisitos para obter uma licença de construção são excessivamente complicados desde o ponto de vista técnico e de engenharia e não são acessíveis economicamente Análise: Os requisitos para obter uma licença de construção são excessivamente complicados do ponto de vista técnico e não são acessíveis economicamente para a maioria dos habitantes dos centros urbanos. Em Moçambique, os cinco principais elementos que compõem um processo de licença de construção incluem: (i) propriedade do terreno e/ou direitos de aproveitamento, (ii) o regulamento de uso da terra e de construção, (iii) garantia de cumprimento da construção, (iv) emissão de licenças de construção e (v) emissão de aprovação de conclusão da ocupação. O licenciamento cumpre oito diferentes etapas que envolvem, dependendo do tipo e complexidade do projecto, lidar com não menos de três e às vezes mais departamentos municipais, e entre três a seis instituições adicionais e/ou empresas de serviços públicos. 126 Por causa do acesso à terra e dos regulamentos de aproveitamento existentes, o cidadão que pretenda obter uma licença de construção deve visitar alguns desses serviços e instituições mais de uma vez e em diferentes fases do processo, o que cria um quadro do fluxo de trabalho inter-institucional muito complexo que raramente segue o mesmo caminho. No município de Maputo o processo de licenciamento de construção chegava, até 2011, a pelo menos 20 diferentes unidades do organograma, envolvendo nada menos do que 42 especialistas e 20 funcionários de apoio. De acordo com o Relatório Doing Business de 2012, 370 dias era o tempo que demorava, em 2011123, para se obter uma licença de construção. O Governo de Moçambique, bem como a Cidade de Maputo (CdM) deram início a uma série de reformas que incluem o Programa de Desenvolvimento do Município de Maputo (PROMAPUTO), um programa para a modernização do cadastro nacional e para a implementação progressiva de soluções de janela única para prestação de serviços a nível nacional, provincial e municipal, e, mais importante, a emissão do Regulamento do Solo Urbano¸ no qual foram incluídas várias reformas fundamentais sobre o desenvolvimento do solo urbano. Os oito passos em que se pode estruturar o licenciamento da construção são os seguintes: 1. O acesso formal à terra. Refere-se: (i) a uma parcela que esteja devidamente cadastrada, e (ii) a uma concessão feita pelo Estado do direito de usar e explorar essa terra (DUAT). Esta fase é gerida pelo Departamento de Cadastro (DC), que pertence à Direcção de Serviço Municipal de Planeamento Urbano e Ambiente (DMPUA). 2. Conformidade com o uso da terra, servidões, códigos de construção e outras limitações e especificações sobre a actividade específica que será realizada na parcela. Isso é gerenciado pelo Departamento de Planeamento Urbano pertencente à DMPUA. 3. Avaliação das plantas e estudos do projecto. Estes devem ser preparados por arquitectos, engenheiros e outros especialistas devidamente licenciados e registados para a prática da actividade. Esta fase é administrada pelo Departamento de Urbanização e Construção (DUC), pertencente à Direção de Serviço Municipal de Infra-estruturas (DMI). 4. A aprovação das plantas e estudos do projecto, pagamento de taxas e emissão de uma licença de construção é administrado pelo DUC . 5. O DUC administra e realiza as inspecções ao local de construção em várias fases da construção, o que resulta na emissão de uma licença de ocupação. 123A partir de 2012, o Município iniciou um processo de redução da complexidade do processo. Os resultados estão ainda por avaliar. 127 6. A emissão de um “certificado de benfeitorias”, que é um documento que certifica a conclusão satisfatória do edifício no que diz respeito às normas e códigos técnicos é administrado pelo DUC. 7. A emissão do título de propriedade para a construção com base no certificado de benfeitorias, é gerido pelo DC. 8. Registo do imóvel é efectuado na Conservatória de Registo Predial (CRP). O Processo de Licenciamento Todos os projectos devem passar pelo mesmo processo nas fases iniciais (1 e 2), bem como nas fases finais (7 e 8). No entanto, existem requisitos diferentes para as fases intermédias (3-6), em função da natureza e complexidade do projecto: os projectos “mais complexos” devem passar por diversas instituições, tanto a nível nacional como local; outros projectos “menos complexos” podem ser tratados principalmente a nível local; os outros projectos que são suficientemente simples e não apresentam riscos significativos estão isentos do processo. a) Fases Um e Dois – Identidade e Título de Propriedade Em Moçambique, a terra é pública. Portanto, o que pode ser objecto de transações de mercado é o direito de desenvolver qualquer actividade construtiva em determinada parcela de terra, de acordo com as regras e regulamentos que o regem. Consequentemente, a terra, por si só, não tem valor; o que tem valor são as estruturas e as construções que são erguidas sobre uma parcela de terra; estas são conhecidas como benfeitorias. O processo da aquisição do título de propriedade tem início com uma concessão feita pelo Estado, através do Presidente Municipal, que é conhecida como o de Direito Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT). Esta é uma concessão que é feita a qualquer cidadão mediante pedido às autoridades. O DUAT é concedido por um período de tempo específico, durante o qual o beneficiário deve desenvolver a parcela para o uso a que se destina, ou esta irá reverter ao Estado. Assim que a construção estiver em curso ou feitas as benfeitorias, o cidadão pode solicitar ao Município o registo para posterior emissão do título de propriedade. Nesse momento, o indivíduo deve requerer ao Município a Certidão de Benfeitorias, a qual constitui a base para a emissão do título de propriedade. Este último pode ser negociado no mercado, usado como suporte para a obtenção de créditos e registado na Conservatória do Registo Predial. b) Fases Três a Seis – Obtenção da Licença, Construção e Ocupação do Edifício As fases 3 a 6 podem ter lugar no município (no caso de projectos simples) ou perante este e outras instituições nacionais (para projectos complexos). Em qualquer caso, o departamento municipal responsável por estas fases é a Direcção de Serviço Municipal de Infra-Estruturas, através de um de seus seis departamentos, o Departamento de Urbanização e Construção. Mais especificamente, existem 128 quatro categorias de projectos que necessitam de aprovação a diferentes níveis dentro da administração municipal: 1. Projectos simples, tais como vedação, alterações internas, alterações da fachada, construção de anexos e similares. O Chefe da Repartição de Licenciamento da DUC faz a aprovação das mesmas. 2. Projectos intermédios, tais como habitações, edifícios até 10 andares e similares. Estes são aprovados pelo Director Adjunto da DUC; 3. Projectos de grande impacto com mais de 10 casas, edifícios acima de 10 andares, instituições públicas e escolas, ajustamentos das construções ilegais, bombas de combustível, hoteis e semelhantes. Estes são aprovados ao nível do Director do Serviço Municipal de Infra-estruturas e poderá ir ao Vereador Municipal de Infra-estruturas. 4. Projectos complexos que têm “conotação política”, estando localizados em áreas que não tenham sido objecto de planificação, exigem a mudança de plano, corredores e servidões, e/ou exigem a participação de outras instituições de administração. Os exemplos incluem fábricas, armazéns, centros comerciais, edifícios acima de 25 andares, hospitais, universidades, ordens de demolição de construções ilegais e similares. Estas são aprovadas pelo Presidente do Conselho Municipal e pode- se em alguns casos, também, exigir a aprovação do Conselho Municipal no seu todo. c) Fases 7 e 8 – Legalização da Propriedade As duas últimas fases do processo de licenciamento da construção confluem na emissão do Título de Propriedade pelo município e o seu subsequente registo na Conservatória de Registo de Propriedade (CRP). A emissão do Título de Propriedade envolve a submissão da Certidão de Benfeitorias à Repartição de Administração, Recursos Humanos e Finanças do DMPUA, que encaminha o pedido ao Departamento de Cadastro Legal. O registo cadastral original é tirado do arquivo e preenche-se um pró-forma com a informação contida na Certidão de Benfeitorias. O documento é enviado para o gabinete do Director Geral do DMPUA, que assina e o encaminha para o gabinete do Presidente do Município. Depois de assinado, é devolvido ao DMPUA para comunicação e requisição. O Título de Propriedade é levado para a Conservatória de Registo de Propriedade (CRP), que é uma instituição nacional tutelada pelo Ministério da Justiça. Neste departamento, o documento original emitido pelo município é entregue e registado nos livros oficiais. 4.2. Dimensão 2: Uma licença de construção para uma moradia residencial pode ser obtida de forma rápida e a baixo custo Painel Ind. Dim. Velocidade e previsibilidade da execução do uso de terras restringidas 129 Uma licença de construção para uma moradia residencial pode ser 3 4 2 obtida de maneira rápida e a baixo custo A: Todos os pedidos de alvarás de construção recebem uma decisão dentro de 3 meses B: Todos os pedidos B: Todos os pedidos de alvarás de construção recebem uma decisão de alvarás de dentro de 6 meses construção recebem uma decisão dentro C: Todos os pedidos de alvarás de construção recebem uma decisão dentro de 6 meses de 12 meses D: Todos os pedidos de alvarás de construção recebem uma decisão após um período de 12 meses Análise: Embora não haja um dado definitivo sobre o tempo associado ao processo de licença de construção, conforme ocorre em Moçambique, parece haver aceitação pelos diferentes especialistas locais de que possa demorar entre 350 e 460 dias. Estes estão distribuídos nos processos e nas despesas diárias que aparecem ilustradas na Tabela 1. Tabela 1: Gastos de tempo associados ao processo de licença de construção em Moçambique N/O Etapas par a obtenção da Licença de Nº de Construção dias 1 Pedido do DUAT 45 2 Pedido do mapa topográfico 120 3 Pedido da licença de construção 60 4 Inspecção para o início da construção 1 5 Segunda inspecção 1 6 Pedido da licença de ocupação 95 7 Inspecção final 1 8 Inspecção de água, saneamento e 1 eléctrica 9 Ligaão às redes de água, esgotos e 43 eléctrica 10 Pedido de linha telefónica 2 11 Pedido de Certificado de benfeitorias 30 12 Pedido de título de propriedade 30 13 Registo de propriedade 30 Total 459 130 Figura 1: Ilustração do Processo de Licenciamento da Construção 4.5. Esquemas de regularização de propriedades em áreas urbanas 5.1. Dimensão 1: A formalização de moradias urbanas – viabilidade e acessibilidade Painel Ind. Dim. Esquemas de regularização de propriedades em áreas urbanas 3 5 1 A formalização de moradias urbanas é viável e acessível. A – Os requisitos para a formalização de moradias em áreas urbanas são C – Os requisitos claros, objetivos, acessíveis e implementados consistentemente de maneira para a formalização transparente de moradias em áreas urbanas não B – Os requisitos para a formalização de moradias em áreas urbanas são são claros, objetivos claros, objetivos e acessíveis, mas não são implementados consistentemente nem acessíveis, mas de maneira transparente muitos candidatos C – Os requisitos para a formalização de moradias em áreas urbanas de áreas informais não são claros, objetivos nem acessíveis, mas muitos candidatos de estão conseguindo áreas informais estão conseguindo preencher esses requisitos preencher esses requisitos. D – Os requisitos para a formalização de moradias em áreas urbanas são tantos que a formalização é considerada muito difícil Análise: Os requisitos para a formalização de moradias em áreas urbanas são claros, objectivos, acessíveis e implementados consistentemente de maneira transparente, todavia sem ainda serem abrangentes. As autoridades das áreas urbanas e as do registo predial, no que se refere à formalização de moradias urbanas, actuam de forma independente. A capacidade técnica quer em relação às autoridades das áreas urbanas quer em relação as entidades de registo predial e de cadastro são deficientes. Não existe uma ligação entre o sistema de cadastro e registo de ocupações de áreas urbanas e o Cadastro Nacional de Terras. Há, no entanto, em várias cidades formas de registo e formalização da habitação em construção requerendo melhorias para aumentar a sua eficácia. Os actuais sistemas de administração de terras e de direitos sobre a terra em Moçambique gerem apenas uma proporção pequena das actuais necessidades da população. Os procedimentos existentes são 131 basicamente concebidos para atender os requerentes de terras pela primeira vez - maioritariamente investidores. A procura, em comparação com a população e número de agregados familiares, é muito baixa, quer pela aparente dificuldade em obter um DUAT, quer porque o título em si e as leis subjacentes não são adequadamente entendidas pelos ocupantes da terra. Números exactos são difíceis de obter mas não devem passar dos 2 a 3 % de cidadãos nacionais que têm títulos formais de DUAT’s, a maioria dos quais são provisórios. Não há nenhum sistema formal de registo de direitos de uso de terra para a maioria que já ocupa a terra e nenhuma previsão de registro sistemático. Os registos são efectuados isoladamente por cada centro urbano, sendo que alguns têm os processos melhor estruturados do que outros. Esta é uma componente importante da administração de terras em Moçambique e é a fonte de vários dos seus problemas. Não existe capacidade técnica humana e material para a impelmentaçãao de um sistema eficiente de registo das ocupaçoes, cadastro e formalização das moradias em áreas urbanas Apenas a Cidade de Maputo possui um sistema evoluido de registo das ocupações, cadastro e resgisto predial. Ao nível do país, contando com o apoio de agencias de desenvolvimento internacional, os municipios tem estado a beneficiar de capacitação institucional para introdução de sistemas, mesmo que simplificados, posibilitem o registo das ocupações, cadastro e registo predial. 4.5.2. Os requisitos para a formalização de moradias em áreas urbanas – objectivos, acessibilidade e implementação Um dos principais requisitos para a formalização de residências é a posse do DUAT. A este requisito junta-se o título de propriedade para se formalizar o registo de propriedade. A primeira grande dificuldade do processo é a posse do DUAT. A Lei reconhece três formas básicas de aquisição do DUAT: (i) Através de normas e práticas costumeiras (para as comunidades e seus membros individualmente considerados); (ii) − Através de ocupação de boa-fé (ocupação livre da terra por mais de dez anos e que, entretanto, nunca tenha sido posta em causa por ninguém); (iii) − Através de um pedido formal junto do Estado para um novo direito de uso e aproveitamento da terra. Ao abrigo do nº 2 do artigo 111 da CRM e do artigo 12 da Lei de Terras, para qualquer destas vias usadas, o DUAT resultante deverá ser o mesmo e deverá ter o mesmo peso perante a Lei. Em conformidade com a Lei, os direitos adquiridos através de ocupação não são colocados em risco nos casos em que o titular dos direitos falha no registo do DUAT. Contudo, os que adquirem um DUAT através da autorização do Estado têm a obrigação, por Lei, de registar tal DUAT. Aos titulares privados de DUAT’s é concedido um prazo de 50 anos, renovável por outros 50. Numa primeira fase é-lhes somente atribuído um direito provisório, enquanto iniciam com a implementação do seu projecto (uma proposta do projecto deverá ser apresentada como parte do pedido do DUAT). 132 No que tange à titulação e registo, a maioria (cerca de 98%) dos ocupantes possui a terra através de ocupação de boa-fé ou costumeira. A lei protege os ocupantes de boa fé e os costumeiros sem um título escrito ou um registo formal, embora a estes possam requerer um título escrito se quiserem. O acesso formal à terra está, assim, fora do alcance da maioria, que é forçada a continuar a sua existência em habitações informais. A segunda dificuldade está relacionada com a complexidade da atribuição da licença de construção e dos requistos inerentes. A obrigatoriedade da conclusão da construção em dois anos é uma barreira para muitos cidadãos, sobretudo os detentores de menos recursos. Assim, a formalização das habitações no meio urbano não é acessível a todos e está dependente de processos autónomos rodeados de complexidade. 5.2. Dimensão: 2. Nas cidades com a propriedade informal existe uma estratégia viável para a segurança da propriedade, da infra-estrutura e da habitação Painel Ind. Dim. Esquemas de regularização de propriedades em áreas urbanas Nas cidades com a propriedade informal existe uma estratégia 3 5 2 viável para a segurança da propriedade, da infraestrutura e da habitação. B: Existe uma A: Os regulamentos existentes não oferecem incentivos para novas estratégia para ocupações informais e existe uma estratégia para regularizar o direito regularizar os à terra e prestar serviços aos ocupantes informais existentes direitos de terras e fornecer serviços B: Existe uma estratégia para regularizar os direitos de terras e aos ocupantes fornecer serviços aos ocupantes informais existentes, porém as informais regulações existentes proporcionam incentivos para novas existentes, porém ocupações informais as regulações C: Existem estratégias para lidar com a informalidade urbana porém se existentes concentram apenas em terra ou serviços, mas não em ambos proporcionam incentivos para novas ocupações D: Não existe nem processo nem estratégia para implementá-lo informais. Análise: Presentemente, em Moçambique não existem nem processos nem estratégias para implementar o registo da propriedade informal. A maior parte das cidades africanas é marcada por uma situação dualista e que não pode ser ignorada, havendo uma zona formal (planificada) que é regrada por dispositivos normativos específicos e outra informal (não planificada) onde não se aplicam aquelas normas e para a qual não se têm destinado procedimentos adequados, visando a sua integração gradual no todo urbano do qual é parte integrante. 133 Assim sendo, e considerando que o crescimento das zonas informais é muito mais intenso do que o das zonas formais, esta dualidade não apenas se reforçará no futuro, como também contribuirá para a marginalização de cada vez maiores franjas da população urbana, reduzindo-se progressivamente as perspectivas de ordenamento e regulação da ocupação e gestão do território urbano. A ausência de um processo de regularização da ocupação do solo, considerando as especificidades das áreas informais, ou mesmo a adopção de iniciativas individuais e isoladas que não sejam apropriadas à inserção dos talhões e das habitações construídas nestas áreas, no contexto normal da vida da cidade, têm vindo a aumentar a distância (psicológica e física) entre a administração municipal e os habitantes dessas zonas periféricas. No caso da cidade de Maputo estima-se que não menos de setenta por cento da população vive na cintura informal, o que pode significar cerca de 200 mil lotes ocupados espontâneamente. Uma hipotética regularização da ocupação das zonas informais - com a consequente integração urbana e melhoria previsível das condições de vida da sua população, tendo em consideração um número equivalente de famílias e um padrão de qualidade equivalente ao actual padrão médio de qualidade das casas por elas construídas, só poderia ser alcançada com uma operação clássica de realojamento e construção de casas. Num simples cálculo expedito, isso resultaria na necessidade de um investimento não inferior a 500 milhões de dólares, apenas na componente de construção e sem se incluírem os custos de planificação, projecto, infra-estruturação e gestão da operação. A insustentabilidade de uma tal opção, associada à experiência já testada de uma não garantia da manutenção da ordem territorial que tivesse sido implantada, desaconselharia qualquer abordagem deste tipo. Acresce ainda que, para além desta grande área informal e envolvente da cidade ser caracterizada, principalmente, por uma ocupação espontânea e um nível muito baixo de infra-estruturação, os seus habitantes encontram-se ainda arredados de um processo instituído e apropriado de gestão. Isto contribui, de algum modo, para a sua não completa qualificação como cidadãos de pleno direito, com a agravante de, em termos de instrumentos normativos e de actuação institucional, não se vislumbrar ainda uma perspectiva intencionalmente estabelecida e programada de ordenamento que permita a inclusão destas grandes áreas no contexto institucional de gestão normal da cidade. Isto não exclui que, para tal, se tenham de aplicar procedimentos que se adequem às suas especificidades, até que se atinja o patamar de formalização completa da sua integração institucional, no quadro de uma prática comum e unitária de gestão para toda a cidade. É também pertinente referir, neste contexto, que a experiência demonstrou a impossibilidade, ou pelo menos a extrema dificuldade de se ter planos de urbanização da maioria dos bairros da cidade aprovados como elemento de legitimação de um processo de regularização da ocupação do solo urbano nas zonas informais de Maputo. Este facto não resulta apenas da necessidade de grandes recursos 134 financeiros e técnicos para a sua elaboração, recursos esses de que o Município não dispõe, também a experiência actual de planificação tem mostrado, tanto em Maputo como noutras realidades urbanas do país, e muito particularmente nos países em processo acelerado de urbanização, a ineficácia da metodologia clássica do plano de urbanização como factor prévio para a gestão das transformações territoriais em meio urbano, tanto do ponto de vista temporal, como do ponto de vista do nível (que a experiência mostrou igualmente ser bastante elevado) de imprevisibiladade das transformações. Para a maioria dos habitantes da parte informal das cidades não existem ameaças à propriedade do solo nem da habitação. Nos municípios, se a parcela já foi identificada e demarcada, por exemplo como parte de um processo de reassentamento ou de desenvolvimento de expansão da zona de habitação, então o pedido de terras pode ser ligado a um mapa já indexado. Contudo, é comum não existir um mapa indexado de parcelas que seja considerado como o mapa de cadastramento de índice e nenhuma forma de unir os DUAT’s existentes com as parcelas a que se relacionam, fora inquirir os ocupantes de todas as parcelas em qualquer área. Isto faz com que a localização de parcelas e DUATs relativos se torne difícil. As autoridades dependem da boa vontade dos cidadãos e do conhecimento e memória dos membros seniores das comunidades para saber quem tem direito ao uso e beneficio a qual dos pedaços de terra. Com isto em mente, até nas áreas urbanas, prática e costume entram em jogo, com muitos DUAT’s em uso tendo sido adquiridos por ocupação, quer por estruturas formais ou informais ou por via da “boa - fé”. A Lei de Terras (artigo 14) autoriza de facto “testemunhos dos membros das comunidades locais” como uma prova aceitável de que alguém detém um DUAT por ocupação. Em Moçambique, a nacionalização da terra confere aos seus governos um poder maior sobre a gestão deste recurso e uma oportunidade para a canalizar para a redução das disparidades existentes. Todavia, actualmente na cidade de Maputo esta gestão tem funcionado mais como um estímulo ao investimento de agentes privados – pela maior atribuição de solo para intervenções que os envolvem – e menos como um meio promotor de equidade – uma vez que a disponibilização de solo para iniciativas acessíveis à população de menores recursos é reduzida comparativamente às necessidades reais. Em Maputo, no início do milénio, Jenkins e Smith (2003) referem que o Estado esperava melhorar a sua capacidade de gestão, pelo reforço das relações entre o Conselho Municipal de Maputo e as administrações de bairro, e continuar a distribuição de solo nos locais disponíveis. Contudo, o desequilíbrio prevaleceu, embora atenuado pela Lei de Terras (1997), que confere alguma protecção e margem de manobra à população mais carenciada no acesso à terra. Qualquer opção de planificação ou de ordenamento territorial exige uma clara definição da ocupação do território pelos seus habitantes, realizada simultânea ou previamente. Isto quer dizer que um dos elementos fundamentais de gestão do território urbano é a regularização do uso e aproveitamento da terra urbana pelos seus habitantes. Se nas zonas formais este elemento resulta, em grande parte, da sua 135 ordenação através de um plano de urbanização prévio, e com alcance territorial e temporal muito bem definido, que serve de base a tal processo, o mesmo não acontece nas zonas informais. Pelas suas características, e por não ser possível adoptar o mesmo critério de estabelecimento de uma ordem espacial e cadastramento legalmente caucionados com base num acto de planificação pontual geral, previamente desenhado e aprovado, é necessário estabelecer um processo apropriado e contínuo de regularização da ocupação do solo realizado a par de um processo também contínuo e adequado de ordenamento territorial. Presentemente, apenas existem pressupostos básicos do processo de regularização que são: o reconhecimento da existência de uma situação dualista de ocupação do solo na cidade; o reconhecimento da ocupação de boa-fé; a conformidade da sua aplicação sem que colida com exigências de carácter legal, ambiental, de serventia técnica e outros interesses necessárias à satisfação de necessidades colectivas, o que significa que nem todas parcelas ocupadas são automaticamente objecto de regularização. 5.3. Dimensão 3: Um regime de condomínio permite uma gestão efectiva e o registo da propriedade urbana Painel Ind. Dim. Esquemas de regularização de propriedades em áreas urbanas Um regime de condomínio permite uma gestão efetiva e o registo da 3 5 3 propriedade urbana. A: A propriedade comum nos condomínios está reconhecida e a lei tem C: A propriedade disposições claras para o manejo e a publicidade de registros relevantes que comum nos são seguidos na prática. condomínios está reconhecida porém B: A propriedade comum em condomínios está reconhecida e a lei tem a lei (ou as disposições claras para a gestão e a publicidade de registros relevantes que regulações) nem sempre são seguidos na prática. carecem de clareza C: A propriedade comum nos condomínios está reconhecida porém a para o manejo e a lei (ou as regulações) carecem de clareza para o manejo e a publicidade publicidade dos dos registros relevantes. registros relevantes D : A propriedade comum em sistema de condomínio não é reconhecida. Análise: Moçambique possui dois tipos de condomínios: (i) condomínios fechados; e (ii) condomínios abertos. A Cidade de Maputo, no actual contexto neoliberal de crescimento económico e maior fluxo de capital, regista uma tendência para o aumento de condomínios fechados, embora a sua presença seja ainda pontual. Estes concentram-se geralmente em áreas valorizadas, mais próximas do centro e junto à costa, como no bairro da Costa do Sol e, dirigem-se a grupos de maiores rendimentos, onde coexistem com 136 pequenos conjuntos habitacionais não fechados. Aqui, estas intervenções surgem intercaladas com áreas co- e autoproduzidas de vários tipos e extensas áreas de mangal, configurando um tecido urbano variado e descontínuo. Os condomínios fechados surgem também na nova centralidade do Zimpeto, mas neste caso a sua construção foi incentivada pelos governos central e local e o acesso às habitações nem sempre é através do mercado livre. Esta centralidade em formação, circundada por extensas áreas co- e autoproduzidas, às quais está ligada por várias vias, diferencia-se das mesmas pela presença destes condomínios que se isolam da envolvente e também por dispor de áreas livres expectantes, destinadas a futuras intervenções a desenvolver de cima para baixo. Tanto na Costa do Sol como no Zimpeto, os condomínios constituem produtos acabados devidamente infra-estruturados, formados por edifícios plurifamiliares de poucos andares e habitações unifamiliares. Os conjuntos habitacionais não fechados são em menor número e escala. As poucas intervenções desenvolvidas na lógica do mercado localizam-se em áreas valorizadas, como a Costa do Sol junto aos novos condomínios fechados e áreas co- e autoproduzidas – sendo compostas por habitações unifamiliares devidamente infra-estruturadas para grupos de maiores rendimentos que têm pouca expressão no tecido urbano, dada a sua reduzida dimensão. Este tipo de produção habitacional em conjuntos não fechados é mais preponderante em realojamentos, que surgem nos bairros junto ao limite norte da cidade, inseridos no tecido contínuo das áreas co- e autoproduzidas. A maior parte das habitações atribuídas é de baixo custo e evolutiva – não é entendida como um produto acabado, mas sujeito a melhorias progressivas pelos residentes – geralmente isolada no talhão, por vezes geminada, apresentando níveis variáveis de infra-estruturação. As áreas de realojamento caracterizam-se por um traçado viário ortogonal que configura blocos geralmente rectangulares, cujo comprimento varia consoante o número de talhões que os compõem, localizando-se as habitações atribuídas na parte frontal. Nestes conjuntos, surgem ainda áreas afectas a outras funções, como equipamentos sociais, áreas de lazer, espaços religiosos e mercados. À luz do Decreto nº 17/2013, de 26 de Abril124, o condomínio traduz-se num conjunto de fracções autónomas que constituem um edifício ou num conjunto de edificações funcionalmente contíguas e que pertencem a diferentes condóminos. O regime de condomínio revela-se pertinente por conter normas de organização, gestão e manutenção do condomínio cujo cumprimento impõe aos condóminos e, igualmente, as sanções aplicáveis aos prevaricadores. O Governo pretende, com o novo regulamento, minimizar, senão resolver, a anarquia e os problemas a que se assiste um pouco por todos os centros urbanos (mas com particular destaque para as grandes capitais provinciais) no que à organização, gestão e manutenção dos condomínios diz respeito. O 124 Este Decreto revoga o anterior Decreto nº 53/99, de 8 de Setembro. 137 referido Decreto estabelece um sistema de normas de convivência entre os proprietários e inquilinos das fracções autónomas dos condomínios e define as regras inerentes à utilização dos espaços comuns, cada vez mais rigorosas e claras quanto às responsabilidades e deveres dos condóminos no geral e de cada condómino em particular, conferindo maior autoridade aos órgãos dos condomínios (caso da comissão de moradores, por exemplo) e prevendo as sanções aplicáveis aos condóminos incumpridores. Uma das inovações trazidas pelo novo regulamento prende-se com a responsabilidade que é conferida às autarquias locais e aos orgãos locais do Estado no processo de organização e manutenção dos condomínios, como se pode inferir do artigo 14º, alineas b) e c), que estabelece que, "são da responsabilidade das autarquias locais e órgãos locais do Estado: b) Prestar assistência técnica aos proprietários e inquilinos no estabelecimento e funcionamento dos condomínios; c) Criar um cadastro de condomínios a nível da sua área de jurisdição”. Outra não menos importante inovação trazida pelo novo regime jurídico dos condomínios é a obrigação que impende sobre as partes num contrato de arrendamento (senhorio e inquilino), de nele definirem a parte que deve pagar a quota do condomínio. Esta norma é de enorme importância e vem clarificar um aspecto que sempre criou desavenças entre os diversos intervenientes da situação jurídica do condomínio, por quase sempre as partes deixarem na incerteza e sem determinação o sujeito passivo desta obrigação de pagamento da quota de condomínio. Todavia, apesar de já terem sido promulgados dois decretos, não existem registos de adesão dos moradores a este tipo de organização de habitação. 5. Conclusões e Recomendações Moçambique caminha a passos largos para uma rápida urbanização. O fenómeno da urbanização não tem estado a ser acompanhado por estratégias e programas específicos de desenvolvimento urbano. O país ainda não colocou a questão urbana na agenda prioritária da governação. Entretanto, os centros urbanos vão crescendo como podem e, cada vez mais os assentamentos informais tomam forma, estimando-se que até 2015 cerca de 70% dos habitantes dos centros urbanos do país residam na parte informal. É reconhecido o grande desenvolvimento de instrumentos jurídico-legais para o planeamento, gestão e administracção do solo urbano. Todavia, há que considerar que subsistem alguns desafios. Os actuais sistemas de administração de terras e direitos de propriedade de bens sobre a terra gerem apenas uma proporção pequena das actuais necessidades da população. Os procedimentos existentes são basicamente concebidos para atender aos requerentes de terras pela primeira vez - maioritariamente investidores. A procura, em comparação com a população e o número de agregados familiares, é muito baixa, quer pela aparente dificuldade em obter um DUAT, quer porque o título em si e as leis subjacentes 138 a ele não são adequadamente entendidos pelos ocupantes de terra. Números exactos são difíceis de obter mas não devem passar dos 2 a 3 % de cidadãos nacionais que têm títulos formais de DUAT’s, a maior parte dos quais provisórios. O actual sistema de pedido de novos DUAT’s – de facto, o primeiro registro do direito de um dado titular – é precário. Os direitos dos ocupantes, se não têm um DUAT formal, não são documentados e registados. Isto quer dizer que, esporadicamente, pedidos de DUAT possam ser feitos sobre terras onde recaiam outros direitos de uso e aproveitamento. Não há nenhum sistema formal de registo de direitos de uso da terra para a maioria que já ocupa a terra e nenhuma previsão de registo sistemático. A jusante dos problemas do DUAT situam-se as questões do licenciamento da construção e do registo de propriedade. É sabida a independência das instituições tutelares, mas é preciso reconhecer que esta separação torna os processos ainda mais complexos. Esta é uma componente importante da administração de terras em Moçambique e é a fonte de vários dos seus problemas. A necessidade de encorajar todos os utilizadores da terra a obterem o título de posse, face a um pano de fundo de uma população crescente, de procura crescente de terras para investimento e do grande crescimento do mercado informal de terras, mostra-se cada vez mais urgente. Propostas de solução devem ser feitas tendo em conta a grande questão sobre que tipo de administração de terras e de prestação de serviços ao público Moçambique precisa, face à actual situação sócio- económica e que torne possível a implementação dos dispositivos legais existentes de igual modo para todos os ocupantes da terra. Há um pressuposto implícito, segundo o qual racionalizar e melhorar os sistemas de acesso, registo e documentação, bem como a prestação de serviços na administração e gestão de terras, em todos os aspectos, irá trazer maior procura desses serviços. Uma maior oferta irá, por sua vez, desencadear o aumento da procura, gerando postos de prestação de serviço melhorados e mudanças proporcionais nos diversos níveis institucionais. Isto iria clarificar os direitos existentes sobre a terra, através de um sistema de registo de direitos mais exacto e claro e reduzir os conflitos de terras e outros afins. Propõe-se igualmente, como um dos grandes objectivos a atingir, partindo-se das capacidades de intervenção e iniciativas identificadas, que se enverede por um processo gradual de regularização e ordenamento da ocupação do solo, mais sustentável, mais seguro e com perspectivas de maiores ganhos na melhoria das condições de vida da população no futuro. TEMA 4. GESTÃO DAS TERRAS PÚBLICAS Autora: Alda Salomão I. Introdução 139 No âmbito do processo de avaliação da governação de terras em Moçambique, constitui objectivo deste relatório temático avaliar as formas de administração e gestão da terra à luz dos dispositivos legais vigentes no País, particularmente os aspectos ligados à: (i) Identificação e Gestão de Terras Públicas; (ii) Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação; e (iii) Transparência e Justiça dos Procedimentos de Expropriação. A principal base documental para este relatório foram os relatórios de avaliação do sector de terras produzidos nos últimos dez anos e disponibilizados tanto pela Direcção Nacional de Terras (ex-Direcção Nacional de Terras e Florestas), como pelos parceiros de apoio ao sector, com destaque para o DFID, o MCA, o Banco Mundial, a USAID/SPEED e a FAO. Foram igualmente usados relatórios representativos produzidos por algumas organizações da sociedade civil que intervêm no sector, com destaque para a ORAM125 e para o CTV126. Em dimensão muito menor, recorreu-se também a relatórios de investigação de especialistas nacionais da área de terras. Importa notar, desde logo, que, como resultado da nacionalização da terra e da reversão de todo o património natural do país para a propriedade do Estado, toda a terra da República de Moçambique é propriedade do Estado, sendo toda ela, por isso, terra pública. Neste contexto, e tal como o fez a Lei de Terras de 1979, no seu artigo 2, a nova Lei de Terras de 1997, no seu artigo 4, cria o Fundo Estatal de Terras, determinando que “Em Moçambique, toda a terra constitui o Fundo Estatal de Terras127”. No entanto, e para uma melhor compreensão, contextualização e avaliação dos indicadores e dimensões para o tema deste relatório, listamos a seguir alguns factores caracterizadores da natureza jurídica da propriedade do Estado sobre a terra no contexto moçambicano, tentando aferir s suas implicações para o relacionamento do Estado com os cidadãos e com outras entidades públicas e privadas. a) Terras Públicas versus Domínio Público do Estado Apesar de todos os recursos naturais, incluindo a terra, serem propriedade do Estado e, por isso, serem bens públicos128, nem toda a terra pública está sob o domínio público do Estado. Isto quer dizer, por outras palavras, que o Estado não tem a prerrogativa de exercer, a seu bel-prazer, o seu poder de proprietário em todas as parcelas do território nacional, como o faria o proprietário tradicional. De facto, o Estado auto impôs-se limitações nas suas prerrogativas de proprietário, ao distinguir a existência de diferentes entidades com o poder de exercer domínio/controle sobre terras públicas. Consequentemente, a distinção entre o domínio público do Estado, o domínio público das autarquias, o domínio público comunitário e o domínio privado dos cidadãos e entidades, este último exercitado essencialmente através do chamado “Direito de Uso e Aproveitamento da Terra” (DUAT), determina a 125 ORAM – Organização Rural de Ajuda Mútua 126 CTV – Centro Terra Viva-Estudos e Advocacia Ambiental 127 Artigo 4 128 Cynthia Burlamaque (2010) entende que são bens públicos todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, móveis ou imóveis, semoventes, créditos, que pertençam a entidades estatais, autárquicas ou para-estatais. 140 existência de diferentes categorias territoriais com regimes jurídicos diferenciados como se poderá perceber ao longo deste relatório. Ana Prata (1997) define o Domínio Público como o poder que o Estado e outras pessoas colectivas de direito público têm sobre certas categorias de bens, submetidos ao direito público, acrescentando que as coisas que se encontram no domínio público são coisas fora do comércio. No mesmo sentido, Alves (2009) reproduz a definição de bens de domínio publico proposta por Fernandes (1991:166), segundo a qual são bens de domínio público: “O conjunto das coisas que, pertencendo a uma pessoa colectiva de direito público de população e território, são submetidas por lei, dado o fim de utilidade pública a que se encontram afectadas, a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela sua incomerciabilidade, em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública (acepção objectiva), e o conjunto de normas que definem e regulam os direitos que se exercem sobre as coisas públicas (acepção institucional)” Neste contexto, a Lei de Terras de 1997 determina que todas as zonas de protecção total e parcial são do domínio público129. Dadas as implicações legais desta prescrição para o tema em apreço, abaixo transcrevemos o texto das disposições relativas à matéria constantes desta lei: Artigo 7: Zonas de Protecção Total: “Consideram-se zonas de protecção total as áreas destinadas a actividades de conservação ou preservação da natureza e de defesa e segurança do Estado.” Artigo 8: Zonas de Protecção Parcial “Consideram-se zonas de protecção parcial: a) o leito das águas interiores, do mar territorial e da zona económica exclusiva; b) a plataforma continental; c) a faixa da orla marítima e no contorno de ilhas, baías e estuários, medida da linha das máximas preia-mares até 100 metros para o interior do território; d) a faixa de terreno até 100 metros confinante com as nascentes de água; e) a faixa de terreno no contorno de barragens e albufeiras até 250 metros; f) os terrenos ocupados pelas linhas férreas de interesse público e pelas respectivas estações, com uma faixa confinante de 50 metros de cada lado do eixo da via; 129 Artigo 6 141 g) os terrenos ocupados pelas auto-estradas e estradas de quatro faixas, instalações e condutores aéreos, superficiais, subterrâneos e submarinos de electricidade, de telecomunicações, petróleo, gás e água, com uma faixa confinante de 50 metros de cada lado, bem como os terrenos ocupados pelas estradas, com uma faixa confinante de 30 metros para as estradas primárias e de 15 metros para as estradas secundárias e terciárias; h) a faixa de dois quilómetros ao longo da fronteira terrestre; i) os terrenos ocupados por aeroportos e aeródromos, com uma faixa confinante de 100 metros; j) a faixa de terreno de 100 metros confinante com instalações militares e outras instalações de defesa e segurança do Estado.” Por seu turno, o Artigo 9 da Lei de Terras, relativo ao exercício de actividades nas zonas de protecção total e parcial, prescreve que: “Nas zonas de protecção total e parcial não podem ser adquiridos direitos de uso e aproveitamento da terra, podendo, no entanto, ser emitidas licenças especiais para o exercício de actividades determinadas.” As disposições da Lei de Terras acima transcritas são complementados por disposições dispersas por vários instrumentos legais, com destaque para a legislação sobre gestão de florestas e fauna bravia, sobre turismo, sobre conservação da biodiversidade, sobre protecção do património cultural e arqueológico, sobre águas e sobre ordenamento do território. b) Domínio Público das Autarquias O artigo 98, nº 3, da Constituição da República (2004) introduziu a distinção entre o domínio público do Estado e o domínio público de outras entidades, nomeadamente das autarquias e das comunidades locais. Segundo Almeida & Lopes (1998: 6), citado também por Alves (2009), o domínio público autárquico pode ser definido como: “O conjunto das coisas públicas pertencentes às autarquias locais submetidas a um regime jurídico específico que visa garantir a sua utilidade pública.” Alves acrescenta ainda que, à semelhança do domínio público do Estado, o domínio público das autarquias, também se pode subdividir em várias categorias que incluem o domínio hídrico, domínio sobre as vias de circulação, parques, jardins, zonas de protecção ambiental e de protecção parcial, cemitérios públicos. Nos termos da Lei do Ordenamento do Território130, caberá ao Plano de Estrutura 130 Lei nº 19/2007, de 18 de Julho. 142 das diferentes autarquias determinar os bens móveis e imóveis, patrimoniais e não patrimoniais, que constituem o acervo de bens sob o domínio público autárquico. A criação e funcionamento das autarquias locais são regulados pela Lei nº 2/97, de 18 de Fevereiro, a qual aprova o quadro jurídico para a implementação das autarquias locais. Este quadro jurídico é silencioso em relação aos bens e ao regime jurídico do domínio público das autarquias131. No entanto, infere-se do referido artigo 98 da CRM, conjugado com o artigo 109, nº 2, também da CRM, e ainda os artigos 6 e 9 da Lei de Terras, que se aplicará às autarquias o mesmo princípio constitucional da incomerciabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade132, bem assim a proibição de atribuição de DUATs em zonas de domínio público autárquico. c) Domínio Público Comunitário A CRM de 2004, no já citado artigo 98, nº 3, introduziu também a figura do domínio público comunitário, remetendo, no entanto, para legislação ordinária, a responsabilidade de definir o respectivo regime jurídico, coisa que, até o momento ainda não aconteceu. A CRM limitou-se a prescrever, no seu artigo 4, que “O Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e os princípios fundamentais da Constituição”. Adicionalmente, o artigo 118 determina que: (1) “O Estado reconhece e valoriza a autoridade tradicional legitimada pelas populações e segundo o direito costumeiro”; (2) “O Estado define o relacionamento da autoridade tradicional com as demais instituições e enquadra a sua participação na vida económica, social e cultural do país”. Já o artigo 263, nº 5, refere-se explicitamente à figura da delegação de poderes, indicando que “A lei determina os mecanismos institucionais de articulação com as comunidades locais, podendo nelas delegar certas funções próprias das atribuições do Estado”. É este conjunto de princípios constitucionais, complementado por diversas disposições da legislação ambiental, incluindo a legislação sobre terras, que, lido e interpretado de forma integrada, permite concluir que a mera previsão constitucional de um domínio público comunitário não só consolida o princípio da gestão participativa de recursos naturais, como também tem implicações imediatas, independentemente da existência de legislação ordinária específica, na medida em que reflecte: 1. O reconhecimento das comunidades locais como instituições e actores integrantes do sistema de gestão e administração de terras (CHEMONICS, 2006); 2. O reconhecimento da importância e papel que as instituições comunitárias têm na gestão da terra e recursos naturais (SPEED. 2015); 3. O reconhecimento da necessidade de descentralizar os poderes de gestão da administração pública, tanto na vertente de desconcentração administrativa, como na vertente de descentralização democrática, materializando assim o princípio da delegação de poderes já 131 ACIS. 2012. 132 Artigo 98, nº 3, in fine 143 expressamente previsto na legislação sobre florestas e fauna bravia133 (MCA, 2012; HTPSE, 2011; DFID 2013; Salomão e Serra, 2012, Salomão 2015) Em linha com o conceito de bens públicos e de domínio público acima mencionado, estarão integrados no domínio público comunitário os bens que servem fins comuns, colectivos e que não possam ser objecto de apropriação individual. Neste caso, e tomando como referência a definição legal de comunidades locais, o domínio público comunitário integrará, entre outros, as áreas florestais, sítios de importância cultural, pastagens, fontes de água e áreas de expansão de usos que não tenham utilidade privada. Importa, no entanto, perceber, neste contexto, em que medida o regime jurídico consuetudinário é compatível com o regime formal em relação ao princípio da incomerciabilidade, e em relação a outros limites de acesso, ocupação e uso de bens de domínio público impostos pelo regime formal. Apesar de o tema ter sido levantado nas várias sessões do Fórum de Consultas sobre a Terra, e de ter merecido, inclusivamente, iniciativas de regulamentação por parte de alguns sectores, o legislador ordinário não aprovou ainda o regime jurídico do domínio comunitário sobre recursos naturais, fazendo prevalecer uma lacuna legal que em nada favorece a necessidade de tornar a gestão da terra rural mais participativa, eficiente e eficaz (Tanner, 2012). Apesar disso, alguns avanços foram já registados, designadamente com a aprovação de instrumentos legais que regulam as formas de articulação dos órgãos locais do Estado134 e de articulação dos órgãos das autarquias locais com as autoridades comunitárias135, bem como a aprovação do guião para a participação e consulta comunitária na planificação distrital136. A implementação do programa de delimitação de terras comunitárias, através da Iniciativa para Terras Comunitárias (iTC) e de programas de organizações da sociedade civil, ofereceu também subsídios relevantes para a reflexão sobre, e materialização do, envolvimento das autoridades comunitárias na gestão da terra e recursos naturais ao nível local137. De entre as várias questões levantadas pelos diversos relatórios de avaliação do sector de terras relativamente à gestão comunitária da terra e recursos naturais, e que urge abordar, há a destacar as seguintes: 1. Compatibilidade entre princípios constitucionais e normas costumeiras de ocupação e gestão da terra 2. Conceito de Estado e de Comunidade Local 3. Conceito de terra e jurisdição administrativa comunitária 4. Limites e poderes decorrentes do DUAT versus limites do Direito de Propriedade do Estado 133 Artigo 33 da Lei sobre Gestão de Florestas e Fauna Bravia 134 Decreto nº 15/2000, de 20 de Junho, regulamentado pelo Diploma Ministerial nº 107-A/2000, de 25 de Agosto. 135 Decreto nº 80/2004, de 14 de Maio 136 Despacho Conjunto dos Ministérios da Administração Estatal e do Plano e Finanças, de 13 de Outubro de 2003. 137 A este respeito veja-se o relatório final do estudo para definição da linha de base do programa GESTERRA, comissionado à Leadership Business Consulting, datado de 24 de Junho de 2015 144 5. Poderes e competências públicos delegados às autoridades comunitárias 6. Limites da actuação do Estado em áreas comunitárias 7. Modelos de organização institucional e de governação intracomunitária 8. Direitos colectivos e individuais sobre áreas comuns (de domínio público comunitário) 9. Modelos de ocupação de terras comunitárias para investimentos públicos e privados e implicações sobre os DUATs comunitários 10. Enquadramento da delimitação de terras comunitárias nos Planos Distritais de Uso da Terra 11. Harmonia entre Planos Estratégicos de Desenvolvimento Distrital, investimentos e reassentamentos populacionais. Em nosso entender, esta lista contém os elementos que poderão ajudar a compor o conteúdo do instrumento legal que definirá o regime jurídico do domínio público comunitário sobre a terra e recursos naturais. Por outro lado, há questões práticas de eficácia a considerar, uma vez que a definição formal de normas de gestão das áreas sob o domínio público comunitário implica, necessariamente, uma alteração ao regime jurídico baseado na oralidade prevalecente nas zonas rurais. Assim, o processo de regulamentação do domínio público comunitário deverá ser usado também para uma reflexão sobre mecanismos de transição de um regime de oralidade para um regime documental, numa sociedade onde o analfabetismo ainda é muito acentuado nas zonas rurais. d) Domínio Privado de Cidadãos e Entidades Nacionais e Estrangeiros Como se pode inferir do que acima se expôs, nem toda a terra pública está sob o domínio público do Estado, das Autarquias ou das Comunidades. De facto, fora das áreas de domínio público destas entidades, os cidadãos gozam do direito de acesso, uso e aproveitamento da terra, por via de mecanismos legais diferenciados, conforme se trate de cidadãos e comunidades nacionais, cidadãos estrangeiros, ou entidades nacionais ou estrangeiras. Dentro daquelas áreas, como se viu, existe também a possibilidade de acesso, uso e aproveitamento de terras, embora de forma mais limitada e sem a possibilidade de reconhecimento de DUATs. Uma premissa importante a registar nesta matéria decorre do princípio constitucional de que “Como meio universal de criação de riqueza e bem-estar, o direito de uso e aproveitamento da terra é direito de todo o povo moçambicano”138. O conteúdo dos preâmbulos tanto da primeira Lei de Terras pós independência (1979) como da actual Lei de Terras (1997) parece-nos muito esclarecedor da motivação que ditou não só a opção pela propriedade estatal da terra, mas também a opção pela proibição de venda ou qualquer forma de alienação. Pela sua importância, transcrevemos abaixo um curto extracto dos preâmbulos das duas leis: 138 CRM 2004 (artigo 109, nº 3) 145 Lei nº 6/79 (Preâmbulo) “A Frente de Libertação de Moçambique definiu a Luta Armada de Libertação Nacional, desde o seu desencadeamento, como combate que tinha por objectivo libertar a terra e os homens. A Lei de terras visa disciplinar e organizar o uso e aproveitamento da terra… Ela cria mecanismos adequados para o estado materializar o princípio de que a terra não pode servir de meio de exploração do homem pelo homem. Quando se diz que a terra é propriedade do Estado, isso significa que, sendo o Estado de operários e camponeses, a terra pertence a todo o Povo Moçambicano. Porque o Estado de operários e camponeses é o único proprietário da terra, toda a terra moçambicana fica integrada num fundo estatal.” Lei nº 19/97 (Preâmbulo) “O desafio que o país enfrenta para o seu desenvolvimento, bem como a experiência na aplicação da Lei nº 6/79, de 3 de Julho, mostram a necessidade da sua revisão, de forma a adequá-la à nova conjuntura política, económica e social do país e garantir a segurança de posse da terra, tanto dos camponeses moçambicanos, como dos investidores nacionais e estrangeiros”. No seu artigo 2, a Lei de Terras de 1997, indica ter como âmbito a indicação dos termos em que se opera a constituição, exercício, modificação, transmissão e extinção do direito de uso e aproveitamento da terra, estando as formas de aquisição especificadas no Artigo 12, nomeadamente: (a) por ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo as normas e práticas costumeiras no que não contrariem a Constituição; (b) por ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos dez anos; e (c) por autorização do pedido apresentado por pessoas singulares ou colectivas na forma estabelecida na presente Lei. A leitura integrada de alguns preceitos constitucionais, esclarece a natureza do direito de propriedade do Estado Moçambicano sobre a terra, e parece poder ser legítimo defender-se que estamos perante um Estado-guardião (proprietário dos recursos em nome e para o beneficio do povo), e não um Estado- dono, no sentido tradicional da propriedade privada139. Ademais, ao Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) adquirido por via costumeira ou por ocupação de boa fé, são conferidas garantias e protecções através dos quais o proprietário (Estado) autolimita os seus poderes de proprietário e eleva a sua responsabilidade social em matéria de gestão e administração de terras e protecção de direitos dos cidadãos. As garantias e protecção dos cidadãos 139 Salomão, A. 2012. Documento de Discussão para o FCT 146 perante o Estado são igualmente aplicáveis aos titulares de DUATs adquiridos por autorização de pedido. Neste sentido, e para suportar este entendimento, vejam-se, por exemplo, os seguintes artigos da Constituição da República, os quais: Artigo 2.1 A soberania reside no Povo; O Estado moçambicano tem como objectivos fundamentais a edificação de uma Artigo 11.c sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos; A expropriação só pode ter lugar por causa de necessidade, utilidade ou interesse Artigo 82.2 públicos, definidos nos termos da lei e dá lugar a justa indemnização; A organização económica e social da República de Moçambique visa a satisfação das necessidades essenciais da população e a promoção do bem-estar social e assenta Artigo 97 nos seguintes princípios fundamentais: (e) na propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo; (1) A terra e propriedade do Estado. (2) A terra não pode ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada. (3) Como meio Artigo 109 universal de criação da riqueza e do bem-estar social, o uso e aproveitamento da terra e direito de todo o povo moçambicano. Na titularização do direito de uso e aproveitamento da terra, o Estado reconhece e Artigo 111 protege os direitos adquiridos por herança ou ocupação, salvo havendo reserva legal ou se a terra tiver sido legalmente atribuída a outra pessoa ou entidade. No caso do DUAT de nacionais (indivíduos e comunidades), especialmente o adquirido por ocupação ou com base em normas costumeiras, estamos realmente perante um quase-direito de propriedade pois, por um lado, e teoricamente, o proprietário (Estado) impôs muito poucos limites ao uso e fruição da terra pelos seus titulares e, por outro lado, impôs-se a si próprio limites ao exercício pleno dos direitos e poderes tradicionalmente atribuídos e reconhecidos ao proprietário, como melhor demonstram varias disposições da Lei de Terras, destacando-se dentre elas a disposição constitucional que proíbe a venda ou qualquer forma de alienação de terras, incluindo pelo próprio Estado. De facto, o DUAT de cidadãos e comunidades nacionais adquirido com base em normas costumeiras ou por ocupação pacífica é reconhecido automaticamente e independentemente de qualquer formalidade – existência de títulos ou de registo (artigos 13 e 14 da LT), não está sujeito a prazos (artigo 17.2), só pode ser expropriado pelo Estado nas circunstâncias e com base em procedimentos previstos de forma taxativa pela lei, e dá direito ao recebimento prévio de justa indemnização (artigo 18 da Lei de Terras, e artigo 19 do Regulamento da Lei de Terras). O DUAT obtido por via de autorização de um pedido ao Estado, apesar de sujeito a prazos, também goza de protecção considerável. Quando tenha por finalidade o exercício de actividades económicas pode ter a duração de 50 anos renováveis (artigo 18 da Lei de Terras), sendo-lhe aplicáveis as mesmas 147 disposições em caso de expropriação (artigo 19, do Regulamento da Lei de Terras). Em suma, o DUAT é um direito real de posse que difere do direito de propriedade fundamentalmente porque, embora o seu titular possa, em grande medida, usar e fruir deste bem, ceder o direito de exploração a terceiros e/ou com estes entrar em parcerias para o seu uso e aproveitamento, e ainda usar o titulo para efeitos de crédito bancário, já não poderá dele dispor ao seu belo prazer como se seu proprietário fosse, por força dos limites decorrentes do princípio da incomerciabilidade e do principio da subordinação à vontade e directrizes do proprietário, tal como se pode concluir dos seguintes artigos constitucionais: Artigo 110.1 O Estado determina as condições de uso e aproveitamento da terra. O direito de uso e aproveitamento da terra é conferido as pessoas singulares ou Artigo 110.2 colectivas tendo em conta o seu fim social ou económico. Por outro lado, e nos termos do Regulamento da Lei de Terras (artigo 14.a), espera-se que os titulares do DUAT, incluindo o DUAT comunitário, utilizem a terra. Para tal, os titulares podem fazê-lo por via do uso directo (pessoal) ou através de parceiras com terceiros (artigo 27.3 do RLT) que podem assumir diversas formas, incluindo a cessão de exploração da terra (artigo 15.4 e 5 do RLT). Os titulares do DUAT podem ainda utilizar o título como garantia para pedidos de empréstimo bancário (artigo 14.2 do RLT). Assim, as premissas mais relevantes para o tema deste relatório serão as seguintes: a. Toda a terra da República de Moçambique é terra pública e propriedade exclusiva do Estado, e não pode140 ser, por qualquer forma, vendida ou alienada, nem pelo próprio Estado; b. Todos os cidadãos têm o direito de acesso, uso e aproveitamento da terra como meio universal de criação de riqueza; c. No meio rural e periurbano, onde reside a maior parte da população nacional, o acesso, ocupação e uso de terras é maioritariamente gerido pelas autoridades locais com base em normas costumeiras reconhecidas pelo Estado, em tudo que não contrarie a Constituição; d. O Estado determina as condições de uso e aproveitamento da terra; e. O Estado autoriza a obtenção de DUATs em áreas fora do domínio público, tanto para cidadãos e comunidades locais, como para investidores nacionais e estrangeiros; f. O Estado reconhece e protege os DUATs dos cidadãos adquiridos por ocupação de boa-fé e com base em normas costumeiras independentemente de título ou de registo; 140Note-se que enquanto a Lei de Terras prescreve, em alinhamento com o artigo 46, nº 2, da CRM de 1990, que a terra não PODE ser vendida, o Artigo 109, nº 2, da CRM de 2004 indica que a terra não DEVE ser vendida. Alguns analistas cosideram que a diferença entre estes termos deve ser clarificada (Carrilho, J.; Trindade, J.). 148 g. Existem três categorias de áreas de domínio público sobre a terra e recursos naturais, designadamente o domínio público do Estado, o domínio público das autarquias e o domínio público comunitário, em cujos espaços a ocupação e uso de terras só é possível por via de emissão de licenças especiais e onde o DUAT não pode ser reconhecido. II. Actualidade e Relevância do Tema para Moçambique Num país com uma economia de base agrícola e com a maioria da população situada no meio rural, a gestão da terra terá sempre uma importância estratégica. Sendo a terra propriedade do Estado, e num contexto de promoção de um desenvolvimento acelerado baseado na terra e nos recursos naturais, a clareza das normas e procedimentos de gestão e administração de terras, e de mandatos e competências institucionais, é fundamental para uma boa governação da terra e para a promoção de um desenvolvimento justo e sustentável. A discussão sobre a posição jurídica e o papel do Estado na gestão e administração de terras ganha maior interesse e importância se se atender ao crescente interesse pela ocupação de grandes extensões de terras por megaprojectos nos sectores agrícola, mineiro, de hidrocarbonetos, florestal e de turismo, e mesmo no sector de obras públicas relacionadas com a construção ou implantação de infra-estruturas de diversa natureza (estradas, pontes, aeroportos, linhas de transmissão de energia eléctrica, gasodutos, refinarias, etc.). A procura de grandes áreas de terras, num contexto de deficiente zoneamento e planeamento territorial e deficiente protecção de direitos reconhecidos por parte do Estado, cria espaço para conflitos que opõem não só o Estado contra as comunidades, assim como conflitos que opõem comunidades contra investidores, e ainda conflitos que opõem, simultaneamente, as comunidades contra o Estado e investidores. Por outro lado, são também notórios os casos de conflitos intersectoriais, ou seja entre instituições do próprio Estado (governo), os quais denotam, entre outros factores, a falta de uso rigoroso e sistemático de instrumentos apropriados de gestão de terras, como o zoneamento e os planos de uso da terra, a avaliação ambiental estratégica, a consulta e coordenação intersectorial, entre outros. Do ponto de vista social e ambiental, a ocorrência cada vez mais frequente de situações de reassentamento involuntário económico e físico de comunidades locais para dar lugar a investimentos públicos e privados, verificada com alguma frequência sobretudo na última década, e exacerbando conflitos entre comunidades e investidores interessados na ocupação de terras comunitárias, torna a questão da gestão de terras uma prioridade, quer estejam elas ou não sob o domínio público do Estado. Nas reflexões sobre a gestão de terras públicas é preciso que não se descure a questão do aumento demográfico e da contínua migração campo-cidade, para que as implicações destes processos na ocupação e uso de terras sejam identificadas e abordadas adequada e atempadamente. Na secção seguinte, procurou-se compilar os principais constrangimentos e oportunidades constatados nas diferentes avaliações feitas ao sector. 149 III. Principais Constrangimentos e Oportunidades A manutenção da terra como propriedade do Estado, assumida como garantia do direito de acesso e uso da terra a todos os cidadãos nacionais, incluindo investidores, e como garantia do contínuo compromisso do Estado de gerir o acesso e uso de recursos naturais de forma inclusiva, justa e sustentável, continua a ser vista como uma das principais oportunidades. O principal constrangimento está associado à deficiente estruturação, organização e capacidade do Estado de assegurar a protecção de direitos sobre a terra e o seu uso adequado, e de equilibrar os diferentes interesses sociais, ambientais e económicos. a) Aspectos legais No que respeita à qualidade do quadro legal vigente, a legislação existente é, de um modo geral, considerada suficientemente clara em relação à visão político-estratégica da gestão de terras em Moçambique, oferecendo protecção bastante e garantias aos cidadãos e outras entidades nacionais e estrangeiras para o seu uso e aproveitamento. Apesar de a terra ser propriedade do Estado, as pessoas singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras, homens ou mulheres, têm a possibilidade de obter o direito de uso e aproveitamento da terra, individualmente ou em conjunto com outras pessoas singulares ou colectivas, para prosseguirem diversos fins sociais e económicos nos termos e com as garantias fixados na lei. Uma avaliação recente (2015) feita ao quadro legal da gestão e administração de terras corrobora esta conclusão, mas identificou as áreas que exigem intervenções urgentes neste domínio com vista à consolidação da visão e princípios constitucionais norteadores da legislação sobre terras. Pela sua actualidade, importância e abrangência, transcrevem-se a seguir as principais áreas identificadas com extractos dos argumentos e recomendações aí constantes, recomendando-se a leitura completa do referido relatório para mais detalhes141. i) Transferência de DUATs: necessidade de uniformizar o tratamento a dar a este assunto nas zonas urbanas e nas zonas rurais, mantendo sempre o objectivo de que a terra cumpra a sua função de criar riqueza e de determinante do desenvolvimento económico tanto para cidadãos e entidades rurais como urbanas. ii) Arrendamento de Terras e Cessão de Exploração: existe um tabu à volta da questão do arrendamento de terras e da cessão de exploração numa perspectiva de manutenção de direitos na pose dos titulares locais, com o argumento de que isto pode por um lado afastar potenciais investidores. No entanto, em todas as partes do mundo os investidores têm de negociar com quem já viva e trabalhe a terra que pretendem, particularmente nos países onde esta não é propriedade do Estado. A negociação com um proprietário de terra no Reino Unido ou nos EUA não faz parar o investimento. Ter de negociar com os actuais ocupantes da terra em Moçambique também não 141 USAID/SPEED. 2015. O Quadro Legal e o Investimento: Como Melhorar a Legislação Fundiária em Moçambique. 150 deveria fazer parar esse investimento. E é a única maneira através da qual os ocupantes actuais podem ganhar substancialmente com o processo de investimento e, se tiverem sorte, escapar à pobreza. iii) Reassentamento involuntário: alinhamento do Regulamento sobre o Reassentamento com os procedimentos actuais de consulta comunitária e com a necessidade de mapeamento prévio de direitos adquiridos e compatibilização com os planos de exploração de terras comunitárias. iv) Ordenamento Territorial: necessidade de se implementar inteiramente esta importante legislação, como condição facilitadora das propostas de transferência de DUAT, acima, para que sejam viáveis e implementadas dentro de parâmetros claros de planificação e de alteração do uso da terra. v) Regras sobre Compensação: necessidade de se criar um conjunto comum de princípios básicos com base no que já existe em diversas leis, e de se desenvolver subconjuntos internamente coerentes de regulamentos e procedimentos para contextos específicos, como sejam projectos agrícolas e silvícolas de grande escala (aquisições de terras pelo sector privado), o reassentamento devido a projectos públicos, de prospecção e exploração de minas e hidrocarbonetos que impliquem esse reassentamento. vi) Tributação de terras - também necessária para complementar e facilitar a proposta de transferência de DUAT e para estimular a reafectação de terra e o redimensionamento de concessões existentes para quem tenha mais capacidade de utilizar a terra, quer através de DUAT quer através de arranjos de “arrendamento” de diversos tipos. vii) Consultas Comunitárias e Públicas - clarificar os mecanismos de consulta pública (distinto das consultas comunitárias sobre transferência de DUAT) e clarificar quando têm de ser realizados EISA (logicamente, estes devem preceder a emissão de DUATs provisórios, e não realizarem-se quando os DUATs sejam definitivos). viii) Zoneamento Ecológico e Protecção de Direitos - a declaração de Zonas de Interesse Turístico, ou de zonas de interesse económico, não implica que os DUATs existentes tenham de ser alinhados com a legislação do regime do turismo, nem os novos DUATs privados devem ser sujeitos a este requisito (as ZIT são instrumentos de planificação para evitar a aprovação de projectos inapropriados em áreas turísticas). ix) Enquadramento do Registo Predial - encontra-se sob tutela do Ministério da Justiça e tem um papel fundamental no que toca à utilização do DUAT para contratar empréstimos ou em certos outros contextos de negócios, mas sempre foi, e continua a ser, excluído dos programas de “melhoria da administração de terras” (constituindo, por isso, um entrave sério ao investimento em Moçambique). Aos aspectos acima indicados, devem ainda acrescentar-se os seguintes: 151 Procedimentos para Alteração de Categorias Territoriais: necessidade de procedimentos mais claros para a conversão de áreas sujeitas a DUATs ou ao domínio público comunitário, para terras de domínio público do Estado ou das autarquias; Regulamentação do Domínio Público Comunitário: necessidade de definição do regime jurídico do domínio comunitário para melhor clarificação dos direitos, poderes, responsabilidades e limites de gestão de terras e recursos naturais das autoridades comunitárias, bem como clarificação de aspectos conceituais nesse contexto; Compatibilização entre o Direito Consuetudinário e o Direito Formal: é importante assegurar que o direito consuetudinário aplicado no país de facto não fere princípios e valores constitucionalmente prescritos, considerando que é sob o primeiro regime que é gerida a maior parte da terra nacional, bem como os direitos fundiários da maior parte dos cidadãos nacionais. Como é sabido, isso ainda não foi assegurado, havendo situações de flagrante violação da Constituição, especialmente no respeitante a questões relacionadas com igualdade de género, gestão participativa, entre outros. b) Aspectos institucionais A qualidade do quadro institucional vigente até finais de 2014, caracterizado pela dispersão de mandatos institucionais, incluindo existência de vários serviços de cadastro desconexos (nacional, municipal, mineiro, registo predial), tem sido alvo de várias avaliações e críticas que convergiram na recomendação de que era preciso concentrar a intervenções de gestão e administração de terras por um lado num sector autónomo em relação a interesses económicos e, por outro lado, num sector que congregasse os subsectores mais importantes, como o cadastro único, o ordenamento e planeamento territorial. Assim, em 2015 foi criado o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER)142. Pensa-se que esta decisão marca o início do processo de redução da referida dispersão de mandatos institucionais sobre a gestão de terras que prevaleceu desde a independência. Neste processo, os sectores do ambiente e do desenvolvimento rural, que estavam colocados em dois ministérios diferentes143, foram associados ao sector de terras. Embora seja prematuro avaliar o seu impacto uma vez que o MITADER está ainda em fase de organização interna, esta decisão está alinhada com as recomendações feitas em vários relatórios no sentido de se concentrar a gestão e administração de terras numa instituição autónoma. O que importa destacar neste contexto, são os aspectos que conduzirão a uma maior eficiência e eficácia das intervenções de gestão e administração de terras de todos os actores envolvidos, mas sobretudo as intervenções do Governo dirigidas à organização de um cadastro único ou cadastros distintos mas devidamente harmonizados, a uma maior coordenação 142Decreto Presidencial nº 1/2015, de 16 de Janeiro, artigo 2. 143 No Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) e no Ministério da Administração Estatal (MAE), respectivamente) 152 institucional sectorial, a uma mais efectiva descentralização e participação local nos processos decisórios, a um melhor sistema de gestão e provisão pública de informações sobre terras, e um melhor apetrechamento em termos de recursos humanos qualificados recursos financeiros e materiais. c) Aspectos sociais 1. Protecção de Direitos e Preparação Social: O alto grau de analfabetismo prevalecente no seio das populações, em particular nas zonas rurais, faz com que não sejam conhecedoras dos seus direitos básicos sobre a terra144. Esta situação faz com que muitas vezes, à revelia das estruturas relevantes de administração e gestão da terra, muitos camponeses sejam aliciados e prejudicados, cedendo a terra onde faziam a sua produção ou tinham a sua habitação sem se preocuparem com a defesa dos seus direitos nem dos direitos dos seus herdeiros. Os conflitos de que muito se falou antes acabam tendo impactos sociais nefastos junto das comunidades. A sensibilidade sobre esse assunto deve ser uma das razões que levou o legislador a reconhecer na política nacional de terras e na Lei de Terras os direitos consuetudinários em relação ao acesso e gestão das terras. Usando as práticas costumeiras, as comunidades locais contribuem para a gestão de conflitos sobre a posse de terra e na gestão dos recursos naturais. 2. Consultas Públicas e Comunitárias: Independentemente dos fins a que se destina a terra solicitada pelos investidores, as comunidades rurais devem ser sempre consultadas. A consulta às comunidades, particularmente quando se trata de pedidos de terra para fins económicos, é sempre benéfica sobretudo para assegurar que a comunidade também se identifique com o empreendimento, muitas vezes tido como a solução para os problemas de redução pobreza e promoção do desenvolvimento local. De facto, muitos empreendimentos económicos, em particular os de grande dimensão, poderiam trazer muitos benefícios económicos e sociais para as comunidades mas no momento, a presença de investidores tem sido fonte de conflitos e de oposição locais145. 3. Parcerias e Partilha de Benefícios: A Lei de Terras e o seu regulamento prevêem que se possam estabelecer parcerias entre os interessados no uso da terra, especialmente entre comunidades e cidadãos nacionais detentoras de direitos sobre a terra e investidores nacionais ou estrangeiros. É assim que o artigo 27, nº 3, do Regulamento da Lei de Terras indica que nos casos em que as terras pretendidas por investidores externos estejam ocupadas por comunidades, o parecer do Administrador do Distrito deverá indicar os termos das parcerias estabelecidas entre as partes. Até aqui, a maior parte das consultas comunitárias resultam na perda definitiva de direitos por parte das comunidades, a favor dos investidores, facto que resulta da forma como as consultas comunitárias são conduzidas, nas quais pouca atenção se dá à possibilidade de as comunidades manterem a titularidade do direito sobre a terra que ocupam e, ainda assim, poderem permitir a realização de empreendimentos privados nas suas áreas 144 UNAC? 145 CTV 153 através das referidas parcerias. Recentemente, e no âmbito do Fórum de Consultas sobre a Terra, foi iniciado o processo de elaboração do regulamento sobre Cessão de Exploração, cujos debates e revisões sugerem que este assunto deve ser ponderado no contexto das reflexões sobre a possibilidade e procedimentos para o arrendamento de terras no meio rural. 4. Expropriações e Reassentamentos: o desenvolvimento do país não deve ser feito à custa da estabilidade e coesão das suas comunidades e cidadãos, pelo que as decisões sobre expropriação de direitos e reassentamentos involuntários devem ser seriamente ponderados e alvo de uma ampla participação pública para a construção de consensos e redução de conflitos e ressentimentos contra o Estado ou contra investidores privados. Embora a expropriação de direitos e o reassentamento possam, em alguns casos, ser a melhor solução, como medida para atender, por exemplo, à necessidade de prevenir ou minimizar impactos negativos resultantes de calamidades naturais, ou para permitir uma melhor e mais eficaz provisão de serviços públicos como água, saneamento, energia, saúde e educação pelo Estado, ou ainda para permitir uma melhor ocupação territorial humana e um melhor aproveitamento da terra e outros recursos naturais para fins económicos de interesse público, eles devem acontecer apenas em situações excepcionais. 5. Gestão de Terras e Aspectos de Género: tendo sido já sobejamente documentado o tratamento desigual entre homens em mulheres no acesso e uso da terra e recursos naturais, especialmente no meio rural, assim como a prevalência de práticas costumeiras incompatíveis com o princípio constitucional de igualdade de direitos entre homens e mulheres, recomenda-se que as intervenções do sector de gestão e administração de terras priorizem a eliminação desta situação com programas concretos. A estratégia de implementação do Programa Terra Segura recentemente (2015) lançado pelo Governo deverá ter este aspecto em consideração, com indicadores específicos para a sua avaliação. O mesmo deverá acontecer com os processos de atribuição de DUATs para investidores, que impliquem o desenho e aprovação de planos de reassentamento. Este tema deverá também ter tratamento destacado no processo de definição de regime jurídico do domínio público comunitário sobre terras e recursos naturais. d) Aspectos ambientais Os relatórios de avaliação do sector de terras são unânimes na identificação do zoneamento e planeamento territorial como assunto prioritário e sem o qual dificilmente se conseguirá alcançar uma gestão e administração de terras eficiente e que responda aos interesses dos cidadãos e do Estado. Este processo, e os instrumentos que dele resultam e que são cruciais para o apoio aos processos de tomada de decisões, permitirão reduzir uma série de problemas ambientais, uma vez que apoiarão processos importantes como a avaliação do impacto ambiental de programas e projectos, a planificação de estratégias de abordagem de mudanças climáticas e calamidades naturais, a harmonização de interesses económicos e sociais potencialmente conflituantes, tornando os processos decisórios mais céleres, 154 menos onerosos e mais pacíficos. Importa registar a este respeito a recomendação no sentido de que o zoneamento e o planeamento do uso da terra sejam feitos também e sobretudo ao nível mais descentralizado possível, nomeadamente ao nível comunitário e ao nível distrital, sendo, por isso, urgente que todos os distritos do país possuam os seus Planos Distritais de Uso da Terra (PDUTs) e respectivos Planos Estratégicos de Desenvolvimento Distrital (PEDDs), com integração da delimitação de terras comunitárias e agendas de desenvolvimento comunitário. As lições produzidas pela iTC confirmam a importância desta abordagem da gestão ambiental e da terra, e da planificação do desenvolvimento rural. IV. Relevância e Adaptabilidade dos Indicadores Os indicadores e dimensões relativos ao tema do presente RTB serão avaliados tendo em conta que, em Moçambique, toda a terra é terra pública. Serão também avaliados com o entendimento de que os cidadãos e instituições do sector privado, nacionais ou estrangeiros, apenas podem gozar do direito de uso de aproveitamento da terra fora de áreas sob o domínio público do Estado, autarquias e comunidades locais. Neste contexto, a análise e avaliação de indicadores e dimensões será feita, em alguns casos, com alusão a terras sob domínio público e não cobertas por DUATs e, noutros casos, com relação a terras sob domínio privado dos cidadãos, i. e., áreas cobertas por DUATs costumeiros ou formais. V. Análise dos Indicadores e Dimensões O Tema do Painel 4, Gestão de Terras Públicas, é abordado com base em 3 indicadores, cuja classificação e análise se apresenta a seguir. 1. Indicador 1: Identificação de Terras Públicas e Gestão Clara 1. 1. Dimensão 1: Os critérios para a propriedade de terras públicas estão claramente definidos e designados para o nível certo do Governo. Painel Ind. Dim. Identificação de Terras Públicas e Gestão Clara Os critérios para a propriedade de terras públicas estão 4 1 1 claramente definidos e designados para o nível certo do Governo C: A propriedade A: A propriedade das terras públicas está justificada por disposição de das terras públicas bens públicos e se maneja de maneira efectiva e transparente no nível está justificada pela apropriado do Governo prestação de bens B: A propriedade das terras públicas é geralmente justificada pelo públicos, porém a fornecimento de bens públicos no nível apropriado do Governo, mas a responsabilidade da gestão pode ser discricionária gestão muitas vezes 155 está no nível C: A propriedade das terras públicas está justificada pela incorrecto do prestação de bens públicos, porém a responsabilidade da gestão Governo. muitas vezes está no nível incorrecto do Governo D: A propriedade das terras públicas não está servindo ao interesse público através da prestação económica de bens públicos Análise: A manutenção do princípio da propriedade estatal da terra tem uma justificação bastante clara e é suportada por uma largo consenso ao nível nacional. Embora algumas vozes isoladas tenham sugerido que a privatização da terra poderia ser autorizada para aumentar a eficiência do uso da terra, a maior parte dos analistas sugere, em vez disso, que se melhorem as condições e procedimentos para uma melhor implementação da legislação e para uma maior facilitação da aquisição e transferência do DUAT (Chemonics, 2006; OKLAND, 2010; MCA, 2012; SPEED 2015). Já quanto à distribuição de poderes de gestão de terras entre os vários níveis do Governo, há questões levantadas com respeito ao nível hierárquico dentro da administração pública, a quem os poderes estão alocados, por um lado. Por outro lado, há também a questão da integração das autoridades comunitárias na gestão de terras. Ou seja são aspectos relativos à descentralização administrativa (ou desconcentração), por um lado, e questões relativas à descentralização democrática por outro lado. Acresce que, embora não haja dúvidas sobre a importância da intervenção das autoridades locais na gestão e administração de terras, se levanta a questão sobre se a intervenção deverá ser feita por via da delegação ou devolução de poderes para as comunidades locais. O preceito constitucional mencionado na introdução deste relatório (CRM, art. 263), menciona a possibilidade de delegação de poderes do Estado às autoridades locais, mas tal figura não se apresenta, em nossa opinião, harmonizada com o reconhecimento do poder de gestão de terras e recursos comunitários com base em normas costumeiras, previsto também na CRM (artigo 4). Importa, por isso, distinguir, as situações em que o Estado deverá ou poderá delegar os seus poderes às autoridades locais, transformando-as, nesse processo, numa extensão do seu aparelho institucional, e as situações em que o Estado reconhece e protege a necessária autonomia administrativa, dentro do quadro político-constitucional vigente (CRM e legislação de terras), para que as autoridades locais possam gerir a terra dentro das suas áreas. Os termos “área comunitária” e “gestão comunitária” ganham aqui relevância particular, dado que, à semelhança do que acontece com as autarquias locais, a intervenção das autoridades locais tem também como objectivo aproximar os processos decisórios dos cidadãos com base em princípios democráticos e de boa governação. No que respeita à adequabilidade da alocação de poderes de gestão de terras sob domínio público, particularmente as áreas sob domínio público do Estado, o primeiro aspecto a destacar é o facto de estas áreas serem geridas por vários sectores, não tendo o sector de terras controlo sobre a maneira como estas terras são ocupadas e usadas, nem dados sobre a dimensão territorial sob o domínio dos diferentes 156 sectores. Não existem dados nos serviços de cadastro sobre esta matéria. Por outro lado, existem numerosos relatos não só de falta de transparência, como também de contradição e incompatibilidade entre usos permitidos nestes espaços, o que, entre outros factores, denota falta de uniformidade no entendimento e/ou aplicação de princípios e normas legais, e falta de coordenação institucional. A autorização, por exemplo, de actividades mineiras em áreas de domínio público, incluindo áreas de conservação ambiental, levanta o debate sobre a importância e o valor legal que é actualmente atribuído ao zoneamento e planeamento territorial e ao princípio constitucional de respeito pelas zonas onde haja reserva legal. Inferimos, do disposto no Artigo 111 da CRM, que, onde tenha havido reserva legal prévia, não se podem reconhecer DUATs, incluindo, em nosso entender, DUATs para fins económicos privados. Importa verificar em que medida é que as ocupações económicas privadas que estão a ocorrer dentro de áreas de domínio público satisfazem os seguintes requisitos: 1. Compatibilidade com os objectivos pelos quais a zona de domínio público foi criada; 2. Ocupação por via de licenças especiais; 3. Existência de utilidade ou interesse público claramente demonstrável e formalmente proclamado na ocupação ou actividade autorizada. Observações a olho nu, permitem verificar a existência de vários e generalizados desmandos na ocupação de zonas de domínio público do Estado em vários sectores, e desvios em relação aos critérios acima mencionados, situação reconhecida pelos técnicos do Cadastro Nacional de Terras.146 A falta de uma fiscalização permanente e eficaz é outra fragilidade comummente apontada, e em relação os serviços de cadastro de terras tem um papel fundamental a jogar também neste contexto (Chemonics, 2006). A deficiente intervenção dos governos distritais no licenciamento do uso da terra, associada à ausência generalizada de planos de uso da terra devidamente aprovados e consistentemente utilizados, é um dos grandes constrangimentos de natureza institucional que precisa de ser resolvido, por forma a reduzir os problemas acima referidos. 1.2. Dimensão 2. Existe um registo completo das terras públicas 146 Entrevista com o Chefe do dos Serviços de Cadastro na DINAT, em Janeiro de 2016. 157 Análise: Para efeitos desta dimensão, por “terra pública” entenda-se “terras sob domínio público do Estado”. Não foi possível obter junto do Serviço de Cadastro de Terras, uma indicação exacta da dimensão territorial das áreas que integram o domínio público do Estado, nem foi possível obter os respectivos mapas ilustrativos, tendo sido afirmado que os dados se encontram dispersos pelas várias instituições que intervêm no sector.147 Neste serviço também não foi possível obter dados sobre terras sob o domínio privado dos cidadãos e entidades privadas, quer as cobertas por DUATs autorizados pelo Estado, ou as ocupadas por via costumeira ou por ocupação de boa-fé. A revisão de relatórios de avaliação e documentos e páginas electrónicas dos diferentes sectores não permitiu obter dados suficientes, e a limitação do tempo alocado à produção deste relatório não permitiu a compilação e sistematização dos poucos dados obtidos de forma tecnicamente rigorosa, nem a realização dos cálculos necessários para aferir o total de áreas de protecção parcial associadas a cada sector (estradas, rios, linhas de transmissão de energia, áreas de conservação, etc.). Não sendo possível apresentá-los aqui pelos motivos expostos, deixa-se como recomendação que os referidos dados, úteis não apenas para a avaliação desta dimensão mas para o apoio às intervenções do sector de cadastro, sejam compilados e actualizados de forma desagregada, informação que será de grande utilidade e ajuda para a gestão e administração de terras no geral, e para a gestão e administração de terras sob domínio público, em particular. Dados da ANAC (2015) indicam que as áreas de protecção da natureza ocupam cerca de 26% do território nacional. A estas áreas deverá ser acrescida a totalidade da área ocupada por zonas de importância cultural e arqueológica, bem como a totalidade da área das zonas de protecção parcial associadas à rede viária, ferroviária, hidrográfica e lacustre, linhas de transmissão de energia, gasodutos, 147 Idem 158 aeroportos, quartéis e outras instalações militares (ainda que as informações sobre estas últimas, por força da lei, não possam ser acessíveis ao público), nos termos dos artigos 7 e 8 da Lei de Terras. Nestes espaços, como se sabe, não podem ser atribuídos DUATs mas apenas licenças especiais para fins determinados e, acrescente-se, compatíveis com os objectivos destas áreas. Apesar disso, seria útil que se soubesse o número de licenças especiais emitidas, e a correspondente área de terra ocupada, para actividades dentro das diferentes áreas de protecção total e parcial. Também não conseguimos obter este dado junto do Serviço Nacional de Cadastro, mas foi reconhecida a importância que a sistematização dessa informação teria para uma melhor gestão e administração de terras, especialmente porque permitiria a visualização das ocupações, facilitando assim a tomada de decisões sobre interesses conflituantes que recaiam sobre um mesmo espaço. Na tabela abaixo, sugere-se a desagregação dos referidos dados, incluindo a indicação da totalidade da área ocupada por cada categoria territorial, com referência à totalidade do território nacional. Será igualmente útil identificar o número de licenças especiais emitidas para a ocupação de terras nas diferentes áreas sob domínio público e as respectivas actividades, de modo a que se possa aferir se as mesmas concorrem ou não para a preservação dos objectivos para os quais o domínio público foi decretado. 159 Análise: No geral, a disponibilização pública de informação sobre terras é muito deficiente e bastante limitada, por um lado, por problemas de organização interna do sector nessa área148 e, por outro lado, por barreiras burocráticas e ideológicas por parte dos funcionários públicos afectos ao sector, os quais, em alguns casos não reconhecem a obrigação legal de fornecerem informação. Apesar do princípio de que toda a informação de interesse público deve ser pontual e eficazmente fornecida aos cidadãos interessados, o qual vem expressamente prescrito na recém-aprovada Lei do Direito à Informação149, nota-se ainda um grande despreparo da administração pública nesta matéria150. Esta questão é importante porque a existência de informação completa e organizada tem vantagens consideráveis para o funcionamento célere e eficaz das instituições da administração pública envolvidas na gestão e administração de terras sob domínio público, permitindo que elas cumpram com eficiência as suas obrigações legais e evitando, assim, colocar o Estado em situações de ilegalidade (Salomão, 2015). Por outro lado, a disponibilização de informação sobre terras permitiria aos cidadãos e outras entidades, incluindo investidores, tomar decisões informadas sobre o assunto e prevenir conflitos decorrentes de 148 MITADER. 2015. Relatório de Definição da Linha de Base do GESTERRA. 149 Lei nº 34/2014, de 31 de Dezembro. 150 Sekelekani. 2015. Acesso à Informação sobre Indústria Extractiva em Moçambique. 160 sobreposição de direitos ou de usos incompatíveis. Com efeito, é importante perceber que a Lei do Direito à Informação deve ser implementada sobretudo pelo Estado, ao qual são impostas obrigações claras, dentre as quais destacamos as seguintes: Artigo 9 Princípio da obrigatoriedade de publicar 1. O acesso à informação implica que os órgãos referidos no artigo 3 da presente Lei publiquem e divulguem documentos de interesse público sobre a organização, funcionamento de órgãos públicos e o conteúdo de eventuais decisões ou políticas que afectem direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. 2. É proibida a restrição de acesso à informações de interesse público, excepto as legalmente excepcionadas. Artigo 10 Princípio da Administração Pública Aberta 1. Os poderes públicos devem manter os arquivos disponíveis, salvo as excepções previstas por lei. 2. A Administração Pública aberta baseia-se na liberdade de acesso aos documentos e arquivos públicos, sem necessidade de o requerente demonstrar possuir interesse legítimo e directo no seu acesso, bem como a finalidade a que se destina a informação, salvo as restrições previstas na presente Lei e demais legislação. 3. Toda a informação deve ser mantida em registos devidamente catalogados e indexados de forma a facilitar o direito à informação. Artigo 16 Prazo para Disponibilização da Informação As autoridades administrativas competentes devem facultar a consulta de documentos ou processos e passar certidões solicitadas, no prazo máximo de vinte e um dias, a contar da data de entrada do pedido. Artigo 31 Decisão A recusa de prestação de informação, consulta ou passagem de documentos deve ser fundamentada, nos termos da presente Lei. O primeiro aspecto que a dimensão em apreço pressupõe é a existência de um inventário completo de terras públicas, integrando as diferentes categorias de terras sob domínio público e indicando a área por elas ocupada. Tal com foi afirmado na análise da dimensão anterior, tal inventário não existe, o que dificulta o exercício de classificação desta dimensão. Parece-nos, por isso, que a melhor classificação será a D. 1.4. Dimensão 4: A responsabilidade de gestão dos diferentes tipos de terras públicas está designada sem ambiguidades. Painel Ind. Dim. Identificação de Terras Públicas e Gestão Clara 161 A responsabilidade de gestão dos diferentes tipos de terras 4 1 4 públicas está designada sem ambiguidades. A: A responsabilidade da gestão dos diferentes tipos de terras públicas está designada sem ambiguidades para servir aos objectivos de equidade e eficiência e está implementado por instituições equipadas apropriadamente C: Existe ambiguidade na designação de B: A responsabilidade pela gestão dos diferentes tipos de terras responsabilidade ou públicas está designada sem ambiguidades, mas isso nem sempre é capacidade de gestão consistente com os objectivos de equidade e eficiência ou as para distintos tipos de instituições nem sempre estão equipadas apropriadamente de modo terras públicas e/ou que, às vezes, estes não são alcançados brechas importantes de modo que muitas vezes C: Existe ambiguidade na designação de responsabilidade ou não se atinge na prática capacidade de gestão para distintos tipos de terras públicas e/ou a equidade e a brechas importantes de modo que muitas vezes não se atinge na eficiência. prática a equidade e a eficiência D: A ambiguidade na responsabilidade/habilidade de gestão para terras públicas chave faz que seja quase impossível manejar estas de maneira equitativa e eficiente Análise: Nesta dimensão a análise incide tanto sobre terras sob domínio público, assim como sobre terras fora do domínio público. Assim, as diferentes áreas sob domínio público estão definidas em função de objectivos claramente definidos. De um modo geral, é também clara a responsabilidade institucional sobre cada uma delas em função do tipo e do sector. Por exemplo, é claro que as áreas de domínio público criadas para fins de defesa e segurança estão sob a alçada institucional do Ministério da Defesa Nacional, assim como as áreas de protecção total para a conservação da biodiversidade estão sob a alçada do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, através da Agência Nacional de Áreas de Conservação (ANAC). Contudo, esta clareza de mandatos e competências institucionais nem sempre é acompanhada pelo necessário apetrechamento das diferentes instituições com recursos humanos e materiais adequados151. A existência de usos incompatíveis numa mesma área territorial integrada no domínio público, denota também uma certa fraqueza na capacidade de coordenação institucional e de utilização adequada de instrumentos produzidos e aprovados para auxiliar o processo de tomada de decisões. Tanto quanto pudemos registar, o zoneamento agro-ecológico, recentemente realizado não tem estado a ser devidamente utilizado para assegurar a distribuição correcta dos diferentes usos para locais ecológica e socialmente mais apropriados .No respeitante a terras fora do domínio público, e sobre 151 ANAC. 2015. Programa MozBio. 162 as quais recaem DUATs, a distribuição de competências para a autorização de DUATs é clara, salvaguardadas as observações feitas na introdução deste relatório, no respeitante ao papel das Administrações Distritais e das Autoridades Comunitárias. Quanto à gestão de terras, fora do processo de licenciamento, as diferentes avaliações apontam para várias fragilidades que minam a eficácia e eficiência das instituições, sendo de destacar as fragilidades do sector de cadastro de terras. O relatório de definição da linha de base do GESTERRA sintetiza as fragilidades deste sector importante com a afirmação de que “a actual estrutura orgânica não responde às necessidades e desafios actuais e futuros do sector.” Por seu turno, no relatório de avaliação da USAID/SPEED (2015) pode ler-se que “torna-se claro junto de muitas fontes nos últimos anos que a administração pública de terras é ainda gravemente deficiente, quase ineficaz ao nível local, respondendo ainda apenas às necessidades de uma pequena elite urbana, que tem capacidade de manipular o sistema de acordo com as suas necessidades”. Ainda no mesmo relatório, se indica que “há evidências abundantes de uma profunda ineficiência, imprecisão de registos e recolha deficiente de informação no terreno. O pessoal local está mal equipado e é pouco apoiado. Falta clareza quanto aos procedimentos e há pouca uniformidade no que toca ao licenciamento e documentação fornecida em diferentes partes do país. São estas coisas que frustram os investidores de todos os tipos que, por vezes, têm de esperar vários anos para obterem os documentos necessários para darem vida aos seus projectos.” É por isso que se escolheu a classificação C. 1.5. Dimensão 5: As instituições públicas responsáveis têm suficientes recursos para suas responsabilidades de gestão de terras. Painel Ind. Dim. Identificação de Terras Públicas e Gestão Clara As instituições públicas responsáveis têm suficientes recursos para suas 4 1 5 responsabilidades de gestão de terras. A: Existem recursos financeiros e humanos adequados para garantir a gestão responsável de terras públicas (mapas cadastrais integrados e contratação D: Existem recursos de pessoal) significativamente inadequados ou B: Há algumas restrições na capacidade financeira e/ou de recursos uma capacidade humanos, porém o sistema faz o uso mais efectivo dos recursos disponíveis organizacional na gestão das terras públicas de maneira adequada bastante ineficiente, C: Existem restrições significativas na capacidade financeira e/ou de recursos resultando em uma humanos, porém o sistema faz uso efectivo de recursos disponíveis limitados gestão mínima ou com impacto limitado na gestão das terras públicas inexistente de D: Existem recursos significativamente inadequados ou uma terras públicas capacidade organizacional bastante ineficiente, resultando em uma gestão mínima ou inexistente de terras públicas Análise: 163 Na mesma linha dos comentários feitos à dimensão anterior, as várias avaliações feitas ao sector de gestão e administração de terras indicam a existência de grandes constrangimentos de natureza organizativa, sobretudo no respeitante a recursos humanos qualificados e equipamento adequado nos diferentes níveis e sectores. Uma constatação feita pela Chemonics (2006) e reiterada por Norfolk (2009), CTV (2012), Banco Mundial (2012), SPEED (2015), MINAG (2015), entre outros, indica que a capacidade da Direcção Nacional de Terras e dos Serviços Nacionais de Geografia e Cadastro está muito aquém do que seria minimamente desejável para assegurar o cumprimento das suas responsabilidades em todo o território nacional. Esta constatação é reiterada pelos técnicos do próprio sector. 1.6. Dimensão 6: Todas as informações essenciais sobre alocação de terras públicas para interesses privados são acessíveis ao público. Painel Ind. Dim. Identificação de Terras Públicas e Gestão Clara Todas as informações essenciais sobre alocação de terras públicas 4 1 6 para interesses privados são acessíveis ao público C: As informações- A: As informações-chave para as alocações de terras (a localização e a chave para as área da alocação de terras, as partes envolvidas e os termos financeiros alocações de terras da alocação de terras) estão registadas e publicamente disponíveis (a localização e a área da alocação de B: As informações-chave para as alocações de terras (a localização e a terras, as partes área da alocação de terras, as partes envolvidas e os termos financeiros envolvidas e os da alocação de terras) são apenas parcialmente registadas, mas estão termos financeiros publicamente disponíveis; ou as informações-chave estão registadas da alocação de mas somente parcialmente disponíveis ao público terras) são registadas ou C: As informações-chave para as alocações de terras (a localização parcialmente e a área da alocação de terras, as partes envolvidas e os termos registadas, mas não financeiros da alocação de terras) são registadas ou parcialmente estão publicamente registadas, mas não estão publicamente disponíveis disponíveis. D: Não existem informações registadas acerca de alocações de terras Análise: Aplicam-se a esta dimensão os comentários feitos na análise da dimensão 3 do Indicador 1. 2. Indicador 2: Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação 2.1. Dimensão 1: Existe transferência mínima de terra expropriada para interesses privados. 164 Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Painel Ind. Dim. Expropriação Existe transferência mínima de terra expropriada para interesses 4 2 1 privados A: Menos de 10% das terras desapropriadas nos últimos três anos são utilizados para fins privados D: Mais de 50% das terras B: Entre 10% e 30% das terras desapropriadas nos últimos três anos desapropriadas nos são utilizadas para fins privados últimos três anos são utilizados para fins C: Entre 30% e 50% das terras desapropriadas nos últimos três anos privados. são utilizados para fins privados D: Mais de 50% das terras desapropriadas nos últimos três anos são utilizados para fins privados Análise: Para a avaliação deste indicador foram usados como referência os processos de autorização de ocupação de terras relativos a cinco projectos de investimento aprovados ou iniciados nos 10 anos e que implicaram expropriação e reassentamento, nomeadamente: 1. Projecto de exploração de carvão mineral da Vale Moçambique, província de Tete. 2. Projecto de exploração de areias pesadas de Moma, província de Nampula. 3. Projecto de gás natural liquefeito de Palma, província de Cabo Delgado. 4. Projecto de construção da circular da cidade de Maputo, província de Maputo. 5. Projecto de plantações florestais da Portucel, províncias de Manica e Zambézia. 6. Projecto de exploração de gás natural de Pande, província de Inhambane. O primeiro aspecto a mencionar é o incumprimento generalizado das regras e procedimentos para os processos de expropriação, nos casos em que as pretensões territoriais dos projectos recaíram sobre áreas sujeitas a DUATs comunitários, colectivos e individuais. De facto, em nenhum dos casos mencionados, o Estado realizou os seguintes actos legalmente impostos e na sequência aí prescrita, nomeadamente: 1. Declaração de interesse ou utilidade pública 2. Delimitação de terras comunitárias 3. Pagamento prévio de justa indemnização ou compensação às comunidades e pessoas afectadas 4. Extinção de direitos preexistentes 5. Autorização de novo DUAT e/ ou emissão de licenças especiais 165 Um relatório de uma avaliação independente comissionada pelo Centro Terra Viva sobre o processo de autorização de ocupação de terras pelo projecto de GNL de Palma confirmou a violação de procedimentos legais. Importa notar ainda a este respeito que, por força da dimensão das terras alocadas para a implantação destes projectos, alguns deles atingindo mais do que um distrito, as terras expropriadas incluem tanto terras sujeitas a DUATs reconhecidos, individuais, colectivos e privados, assim como áreas de domínio público do Estado. Por força da lei, no caso das áreas de terra sob o domínio público do Estado, a questão da expropriação não se coloca, uma vez que a situação remete para a figura da conversão de categorias territoriais, não regulamentada ainda por lei. Ou seja, a autorização de DUATs sobre áreas de domínio público deveria pressupor a desanexação prévia de tais áreas do domínio público do Estado e a sua subsequente conversão para outro tipo de área, neste caso para áreas sob domínio privado de empresas ou zonas económicas especiais. Por exemplo, o projecto da Vale Moçambique em Moatize, foi implantado de forma sobreposta às seguintes áreas de domínio público do Estado: bermas de estrada, áreas adjacentes e linhas de alta tensão de energia eléctrica, etc. Não foi possível encontrar confirmação de que em algum destes e outros projectos, o Estado tenha desencadeado e concluído o processo de desanexação e conversão. Não havendo normas aprovadas para o efeito, não é de admirar que esta seja a situação. Por último, e no respeitante aos fins para os quais as expropriações são encetadas, é preciso notar que o Estado assume, em muitos casos, a posição de investidor, ao associar-se às empresas na realização dos diferentes empreendimentos. Posto isto, torna-se difícil dizer se as expropriações foram feitas para atender a fins privados quando existe uma participação do Estado, ainda que a sua participação nas sociedades ou nos investimentos seja minoritária. De facto, não obstante a participação social ser menor, a justificação que suporta a decisão de expropriação só pode, por força da lei, ter fins públicos. Será, por isso, importante, usar a oportunidade desta avaliação, para clarificar melhor, em sede da apreciação do quadro legal sobre ordenamento e planeamento territorial (especialmente no contexto da revisão do regulamento sobre reassentamentos involuntários por actividades económicas152) as circunstâncias em que o Estado deve declarar a existência de interesse, necessidade ou utilidade públicas em face de investimentos propostos, financiados e implementados por entidades privadas. 2.2. Dimensão 2: A terra expropriada é transferida para uso destinado de maneira oportuna Painel Ind. Dim. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação A terra expropriada é transferida para uso destinado de maneira 4 2 2 oportuna 152A VIII Sessão ordinária do Fórum de Consulta sobre a Terra, decorrida na Beira em Dezembro de 2015, recomendou a revisão do Regulamento sobre o Reassentamento. 166 A: Mais de 70% das terras que sofreram alteração na designação do uso A: Mais de 70% das da terra nos últimos 3 anos mudaram para o uso destinado terras que sofreram alteração na B: Entre 50% e 70% das terras que sofreram alteração na designação do uso designação do uso da terra nos últimos 3 anos mudaram para o uso destinado da terra nos últimos C: Entre 30% e 50% das terras que sofreram alteração na designação do uso 3 anos mudaram da terra nos últimos 3 anos mudaram para o uso destinado para o uso destinado. D: Menos de 30% das terras que sofreram alteração na designação do uso da terra nos últimos 3 anos mudaram para o uso destinado Análise: Para análise desta dimensão é indispensável que haja dados sobre eventuais processos de conversão territorial, tal como mencionado em relação à dimensão 1 deste indicador. Uma vez que a DINAT não possui dados que permitam aferir terem sido conduzidos processos formais de alteração da designação do uso de terras ou de categorias territoriais no contexto de expropriações por utilidade, necessidade ou interesse público, torna-se impossível avaliar esta dimensão. Por exemplo, no caso do projecto de biocombustíveis de Massingir, autorizado a ocupar 30.000ha de terras comunitárias, inicialmente alocadas à empresa PROCANA, cujo DUAT foi revogado em 2012 e subsequentemente atribuído à empresa Mozambique Agricultural Industry (MAI), cuja actividade faliu recentemente, infere-se que àquelas terras não foi dado o uso destinado. Por outro lado, em outros casos, como foi o caso do projecto de GNL de Palma, as empresas requerem e recebem o direito de usar áreas de terra muito maiores do que as que precisam para a implantação dos projectos declarados. Isto implica que uma parte dessas terras não é usada para o fim destinado mas a atribuição do DUAT é geralmente definitiva, assim que decorram os dois anos de validade provisória. Esta situação sugere, por um lado, a necessidade de maior clareza e rigor nos procedimentos e processos de conversão prévia de categorias territoriais, por exemplo de terras sob domínio comunitário para terras privadas, ou de terras sob domínio público do Estado e Autarquias para terras privadas. Por outro lado, é evidente a necessidade de maior rigor na avaliação da dimensão territorial requerida pelos diferentes projectos de investimento, considerando igualmente a capacidade efectiva de os proponentes usarem a terra para os fins propostos e no prazo indicado. Em entrevistas pessoais, alguns especialistas recomendam que, por um lado, se priorize o zoneamento e planeamento de uso de terras, especialmente ao nível distrital, como forma de assegurar reservas de terras para os diferentes interesses económicos e sociais, e, por outro lado, que se adopte uma abordagem de gradualismo na atribuição do direito de ocupar terras, condicionada à demonstração, pelo proponente, de capacidade efectiva de usar a dimensão de terras requeridas. Ou seja, poder-se-ia introduzir a possibilidade de o Estado efectuar, no âmbito do zoneamento, a reserva de terras para a expansão de investimentos económicos, mas cuja titulação adicional, acima de uma determinada dimensão inicial, estabelecida em função da especificidade do sector e do tipo de projecto, imporia a confirmação de existência de capacidade de ocupação e uso efectivos. De acordo com técnicos 167 da Direcção Nacional de Planeamento e Ordenamento Territorial, as empresas deveriam apresentar um plano detalhado de uso das terras que requerem, e não apenas a planta das infra-estruturas153. 2.3. Dimensão 3: A ameaça de expropriação de terras não conduz a uma acção preventiva do sector privado. Painel Ind. Dim. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação A ameaça de expropriação de terras não conduz a uma acção preventiva 4 2 3 do sector privado A: Nenhuma B: Alguma B: Alguma C: Muita D: Muita e regressiva. Análise: A experiência do país até ao momento é de que as terras expropriadas são maioritariamente terras sobre as quais recaem DUATs de comunidades ou de cidadãos nacionais, ou DUATs de entidades privadas nacionais ou estrangeiras. A maior parte das expropriações até aqui realizadas afectaram detentores de DUATs reconhecidos com base em normas costumeiras ou por ocupação de boa-fé. Embora não haja dados sobre a matéria, estas expropriações afectam em muito pouca dimensão entidades do sector privado, sobretudo pequenos empreendimentos baseados em DUATs de empresas nacionais. Quem corre o risco e sofre ameaças de expropriações são os cidadãos e comunidades, sobretudo os rurais, assim como os pequenos empreendedores nacionais que eventualmente existam nas áreas pretendidas. Não há registo de processos de expropriação que tenham afectado DUATs de empresas estrangeiras. As comunidades e os cidadãos, no geral, não têm muitas possibilidades de tomar acções preventivas uma vez que todos os mecanismos e processos a que poderiam recorrer para esse efeito, nomeadamente a delimitação, certificação, titulação e registo de terras, a participação efectiva em processos decisórios sobre expropriações, assim como o recurso administrativo e judicial, são controlados, e, por vezes, manipulados, por instituições do Estado pouco eficientes e pouco interessadas em prover protecção. 153Comentário da representante da DINAPOT na consulta pública sobre o Relatório do Estudo de Impacto Ambiental do Projecto de GNL de Palma, realizado em 2014. 168 Não existindo independência quer do sector administrativo quer do sector judiciário em relação ao poder político que controla o Estado, a protecção dos direitos dos cidadãos também ainda é muito deficiente. No entanto, é importante notar que em alguns casos, como o do PROSAVANA, a ameaça de expropriação levou a fortes e prolongados protestos e resistência tanto de actores de todos os sectores, daí a classificaçãoo escolhida. 3. Indicador 3: Transparência e Justiça dos Processos de Expropriação 3.1. Dimensão 1: Está prevista compensação pela expropriação de todos os direitos sem importar a condição de registo. Painel Ind. Dim. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação Está prevista compensação pela expropriação de todos os direitos sem 4 3 1 importar a condição de registo. A: Paga-se uma compensação justa, em espécie ou através de outros meios, C: É paga que permitem a manutenção da condição social e económica prévia a todos indemnização, em aqueles que têm direitos sobre a terra expropriada (propriedade, uso, espécie ou em direitos de acesso, etc.) sem importar a condição de registo dinheiro por alguns direitos não B: É paga indemnização, em espécie ou em dinheiro, contudo, quando os registados (tais como direitos não são registados, o nível de indemnização não permite a posse, ocupação, etc.), manutenção da situação social e económica contudo, aqueles que têm outros direitos C: É paga indemnização, em espécie ou em dinheiro por alguns não registados (que direitos não registados (tais como posse, ocupação, etc.), contudo, podem incluir pasto, aqueles que têm outros direitos não registados (que podem incluir acesso, colecta de pasto, acesso, colecta de produtos florestais, etc.) geralmente não são produtos florestais, indemnizados etc.) geralmente não D: Não é paga qualquer indemnização às pessoas com direitos não são indemnizados. registados de uso, ocupação ou outro Análise: Para o contexto moçambicano, a classificação “C” parece ser a mais aproximada da realidade, muito embora seja importante ter em conta os seguintes aspectos: 1. O direito à ocupação e uso de terras é reconhecido independentemente de titulação ou de registo, excepto a ocupação autorizada para fins económicos e por via de um pedido submetido ao Estado, nos termos prescritos pelo Artigo 12 da Lei de terras. Isto significa que a titulação e o registo do DUAT não são condições impeditivas do direito à justa indemnização ou compensação em casos de expropriação. No entanto, e com referência à classificação escolhida, prevalece ainda em muitos casos, o entendimento errado de que a ausência de título ou de certificado de ocupação de terras significa 169 ausência de direitos reconhecidos. Este erro é extremamente grave sobretudo quando envolve funcionários do sector de terras ou funcionários de instituições que a ele prestam serviços, pois são estes que muitas vezes têm a responsabilidade de assegurar os procedimentos para a formalização de tais direitos, especialmente direitos a favor dos cidadãos e das comunidades. Por outro lado, no processo de determinação de bens a compensar ou indemnizar, a tendência tem sido de se considerarem apenas os bens materiais, como habitação, machambas e árvores de fruto, são considerados e contabilizados. Os direitos de acesso a bens imateriais e intangíveis, assim como os bens de uso colectivo, são geralmente excluídos da contabilidade ou deliberadamente negligenciados. 2. Transparência dos processos e clareza dos conceitos de utilidade, interesse e utilidade públicos: quando ocorre um processo de expropriação este é, por natureza, conduzido pelo Estado na sua qualidade de titular do direito de propriedade sobre o bem “terra” e com fundamento na existência de existência de necessidade, utilidade ou interesse público. Na maioria dos projectos autorizados e que implicaram a extinção de direitos preexistentes e o reassentamento das populações, o Estado não declarou formalmente e nos termos da lei, a existência destes pressupostos. Parece discutível que tais pressupostos possam ser usados pelo Estado para proteger interesses privados com o argumento de que os investimentos trarão grandes benefícios (financeiros) para o país e ajudarão a combater a pobreza, pois é esperado que todos os projectos tragam tais benefícios, incluindo sociais e ambientais. A questão que se coloca será: em que circunstâncias é que um projecto privado baseado na terra pode justificar a declaração pelo Estado de interesse, utilidade ou necessidade pública e justificar a expropriação e extinção de direitos? Que critérios de valoração de benefícios são usados para contrabalançar os custos (imediatos, tangíveis e intangíveis, de médio e longo prazo) decorrentes da perda permanente de direitos sobre a terra por parte das pessoas e comunidades afectadas versus os benefícios (imediatos, tangíveis e intangíveis, de médio e longo prazos) a serem obtidos com a implementação dos projectos? 3. Justeza da indemnização: A justeza da indemnização é um dos aspectos mais complexos dos processos de autorização de projectos de investimentos, públicos ou privados, dos quais resulta a necessidade de expropriar direitos. Por um lado, é urgente corrigir a deficiente forma como os processos de licenciamento ambiental e do uso da terra são conduzidos, especialmente a condução de consultas públicas e comunitárias, e da pouca importância que se dá e ligeireza com que se tratam aos direitos das pessoas e comunidades afectadas não certificados ou titulados. Por outro lado, o processo de cálculo do valor das indemnizações deve, por lei, ser um processo participativo e que considere de forma adequada tanto bens tangíveis como intangíveis, com uma visão de curto médio e longo prazos sobre benefícios para os afectados. 4. Manutenção da situação económica e social: A preocupação por “manter” a situação económica e social das comunidades afectadas por processos de expropriação de direitos sobre a terra denota uma 170 visão simplista das implicações dos processos de reassentamento económico e físico sobre a totalidade de factores e elementos relevantes para a vida dessas pessoas, transportando, em regra, uma atitude paternalista e ideias preconcebidas sobre o que é bom o mau em termos de qualidade de vida. Tal como questionou um membro da comunidade de Maganja, na Península de Afungi, “qual é o problema com a maneira como nós vivemos? Porque é que precisamos de viver em prédios? Não estamos bem assim mesmo? A comunidade de Maganja, vive numa área considerada como de turismo de primeira classe pelo Plano Director do Turismo, zoneamento ora secundarizado pela descoberta de gás natural. Em face da perspectiva de reassentamento, será possível manter a situação económica, social e ambiental desta comunidade? Pelo que se viu no projecto da Vale Moçambique, as comunidades afectadas foram reassentadas para áreas aonde receberam casas supostamente melhoradas, mas importa relembrar o título do relatório da Human Rights Watch, produzido sobre o caso em 2012, o qual questiona: “O que é uma casa sem comida?154Poderíamos acrescentar: o que é uma família sem rede de apoio e coesão social; o que é uma família sem preparação social para enfrentar uma realidade desconhecida?; o que é uma família sem perspectivas e base de subsistência para os pais, filhos e netos? Muito embora se possa considerar que, à partida, a situação social e económica das comunidades e pessoas afectadas por reassentamentos poderá ser mantida ou melhorada nos novos locais, a veracidade esta assunção depende muito do nível de consideração que for dada também à visão que as pessoas afectadas têm sobre a sua situação socioeconómica, e sobre o seu conceito de “desenvolvimento”, tal como indica o comentário do membro da comunidade de Maganja acima transcrito. 3.2. Dimensão 2: É compensada a alteração do uso da terra que resulte em perda selectiva de direitos. Painel Ind. Dim. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação É compensada a alteração do uso da terra que resulte em perda selectiva 4 3 2 de direitos C: Quando a A: Quando a propriedade é desapropriada, é paga uma indemnização justa, propriedade é em espécie ou em dinheiro, para que as famílias deslocadas tenham bens desapropriada, é comparáveis e possam continuar mantendo sua situação social e económica paga uma anterior. indemnização, em B: Quando a propriedade é desapropriada, é paga uma indemnização, em espécie ou em espécie ou em dinheiro, para que as famílias deslocadas tenham bens dinheiro, mas as comparáveis, mas essas famílias não podem continuar mantendo sua famílias deslocadas situação social e económica anterior. não têm bens comparáveis e não C: Quando a propriedade é desapropriada, é paga uma indemnização, podem continuar em espécie ou em dinheiro, mas as famílias deslocadas não têm bens 154 Human Rights Watch. 2012. “What’s a House Without Food: Mozambique Coal Mining Boom and Resettlement 171 mantendo sua comparáveis e não podem continuar mantendo sua situação social e situação social e económica anterior. económica anterior D: Não é paga indemnização para as pessoas cujos direitos são desapropriados. Análise: O tristemente famoso caso das comunidades afectas pela Vale Moçambique em Tete impõe que se analise com detalhe o processo de cálculo de compensações, não só no que respeita aos procedimentos (envolvimento dos afectados, etc.), mas também no que respeita aos indicadores que devem ser observados para que se conclua que a compensação é correcta e justa. Depois de membros do Governo a vários níveis terem reconhecido que foram cometidos inúmeros e graves erros processuais, a questão essencial a considerar em contextos de expropriação não é tanto se as comunidades vão poder manter a situação socioeconómica anterior, mas se elas vão poder beneficiar de forma concreta e justa, tangível e a longo prazo por terem perdido o acesso às terras que ocupavam e usavam, e se têm a oportunidade e possibilidade de participar nos processos de negociação do tipo e valor das indemnizações. Assim, a identificação do tipo de benefícios, da sua durabilidade e da sua sustentabilidade ao longo do tempo, são os critérios que devem orientar o processo de cálculo de indemnizações e compensações, com a participação informada e efectiva dos afectados. 3.3. Dimensão 3: Os proprietários de terras expropriadas são compensados imediatamente. Painel Ind. Dim. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação Os proprietários de terras expropriadas são compensados 4 3 3 imediatamente A: Mais de 90% dos proprietários de terras expropriadas recebem compensação no prazo de um ano. D: Menos de 50% dos proprietários de B: Entre 70% e 90% dos proprietários de terras desapropriadas recebem terras indemnização dentro de um ano. desapropriadas recebem C: Entre 50% e 70% dos proprietários de terras desapropriadas recebem indemnização indemnização dentro de um ano. dentro de um ano. D: Menos de 50% dos proprietários de terras desapropriadas recebem indemnização dentro de um ano. Análise: 172 No contexto desta dimensão, onde se lê “proprietário”, deverá ler-se “titular de DUAT”. Assim, e tendo como base projectos que resultaram na expropriação de direitos sobre a terra e no reassentamento de populações, conclui-se que para além de os processos de expropriação não terem seguido os procedimentos legalmente prescritos, em nenhum caso as compensações foram adequadamente negociadas, nem tão pouco foram pagas dentro de um ano. Não foi possível obter dados sobre esta matéria, no entanto, no caso das comunidades reassentadas em Tete, as compensações começaram a ser pagas após a emissão do DUAT a favor da Vale Moçambique. No caso das comunidades de Palma, o DUAT foi emitido em Dezembro de 2012, mas as compensações ainda não foram nem determinadas, nem pagas. Em relação ao projecto da Circular da Cidade de Maputo, a decisão de implementação do projecto foi tomada em 2012, mas as compensações também ainda não foram pagas. Tudo isto numa flagrante e grave violação da lei que impõe que o pagamento de indemnizações e compensações seja feito antes da extinção dos direitos pré-existentes. A colocação persistente do Estado em situações de ilegalidade é o perigo para o qual se deve chamar à atenção na avaliação desta dimensão. 3.4. Dimensão 4: Existem vias independentes e acessíveis para apelar contra a expropriação Painel Ind. Dim. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação Existem vias independentes e acessíveis para apelar contra a 4 3 4 expropriação A: Existem vias independentes para apresentar uma queixa contra C: Existem vias desapropriação e essas vias são de fácil acesso independentes para apresentar uma B: Existem vias independentes para apresentar uma queixa contra queixa contra desapropriação, mas há restrições ao acesso (ex. acessíveis apenas por desapropriação, pessoas de renda média e alta) mas elas são parcialmente C: Existem vias independentes para apresentar uma queixa contra independentes e desapropriação, mas elas são parcialmente independentes e podem ou podem ou não estar não estar acessíveis às pessoas afectadas acessíveis às pessoas afectadas D: As vias para apresentar uma queixa contra desapropriação não são independentes Análise: As análises feitas ao sector da justiça, seja dentro do sistema judicial, ou do próprio sistema administrativo, indicam haver, por razões políticas e éticas, falta de independência destes sistemas em relação ao poder executivo e político. Os relatos sobre a falta de independência do sistema judicial e da existência de grandes níveis de corrupção tanto no sistema judicial como no aparelho administrativo 173 são inúmeros, e o sector de terras é também afectado por esta situação. A situação é de tal ordem grave e generalizada que a melhor classificação é “C”. 3.5. Dimensão 5: São tomadas decisões oportunas acerca das reclamações relativas a desapropriações. Painel Ind. Dim. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação São tomadas decisões oportunas acerca das reclamações relativas a 4 3 5 desapropriações A: Foi alcançada uma decisão em primeira instância para mais de 80% das D: Foi alcançada reclamações acerca de desapropriações apresentadas nos últimos três anos uma decisão em primeira instância B: Foi alcançada uma decisão em primeira instância para 50% a 80% das para menos de 30% reclamações acerca de desapropriações apresentadas nos últimos três anos das reclamações C: Foi alcançada uma decisão em primeira instância para 30% a 50% das acerca de reclamações acerca de desapropriações apresentadas nos últimos três anos desapropriações apresentadas nos D: Foi alcançada uma decisão em primeira instância para menos de últimos três anos 30% das reclamações acerca de desapropriações apresentadas nos últimos três anos Análise: Em primeiro lugar é preciso notar que são muito raros os casos sobre conflitos de terras, no geral, e sobre expropriações, em particular, que são levados a tribunal. Da pesquisa feita no âmbito deste trabalho, constatou-se que nos últimos três anos, apenas um caso foi levado a tribunal, nomeadamente o caso relacionado com a expropriação de terras das comunidades de Cateme e 25 de Setembro, na Vila de Moatize, Província de Tete. Apesar do reconhecimento por funcionários do Governo e por funcionários da própria empresa dos erros cometidos no processo de autorização de ocupação de terras pela Vale Moçambique, e tomando em conta o comentário feito à dimensão anterior, o tribunal achou a queixa improcedente. No caso de Palma, as reclamações apresentadas desde 2013 pelas comunidades afectadas e pela sociedade civil relativas à ocupação ilegal de terras pelas empresas e ao processo de reassentamento não receberam ainda qualquer decisão por parte de quem de direito, excepto o reconhecimento público da ocorrência de irregularidades155. VI. Conclusão e Recomendações 155 Pronunciamento nesse sentido feito pelo Director Nacional de Ordenamento Territorial e Reassentamento, na terceira ronda de consultas comunitárias sobre o Plano de Reassentamento de Quitupo, realizada em Julho de 2015. 174 O presente relatório destaca a necessidade de distinção clara, em termos de responsabilidades institucionais e procedimentos de gestão, entre as terras sob o domínio público, tanto do Estado, como das Autarquias e Comunidades Locais, e as terras passíveis de ocupação e uso por via de DUATs. A coexistência do pluralismo jurídico impõe que o regime jurídico do domínio público comunitário sobre a terra e recursos naturais seja adoptado com urgência, processo no qual se deverá dar atenção à necessidade de identificação e preparação de mecanismos de transição gradual da oralidade para a escrita na gestão e administração de terras no meio rural. O relatório demostra também a necessidade de o Estado se organizar de modo a que o sector de gestão e administração de terras mantenha uma base da dados completa e actualizada sobre as diferentes categorias territoriais, e que sejam adoptados e usados de forma permanente e rigorosa instrumentos essenciais de apoio ao processo de tomada de decisões, com destaque para os planos de zoneamento e planeamento territorial, e para o sistema de informação sobre gestão de terras, especialmente ao nível dos distritos. A descentralização e desconcentração administrativa precisa de prosseguir num sentido que permita uma maior e melhor intervenção dos governos distritais e das autoridades comunitárias na gestão de terras, com clareza de mandatos e competências, com a disponibilização de técnicos qualificados e suficientes para responder à demanda do sector, e com a disponibilização dos recursos materiais indispensáveis para a gestão eficaz e eficiente do cadastro nacional de terras. As mudanças na ocupação de terras para dar espaço a investimentos públicos ou privados, em muitos casos com consequências sociais e ambientais nefastas, impõe a ponderação dos critérios que objectivamente devem determinar a existência de utilidade, necessidade e interesse público. Onde não seja possível evitar situações de expropriação de direitos e reassentamentos involuntários, o Estado tem a responsabilidade legal e social de assegurar sempre condições melhores para as pessoas afectadas. Pela sua importância, e sobretudo pelo alto potencial de serem focos de instabilidade social, os projectos de investimentos que impliquem expropriação de direitos e reassentamentos involuntários, e sobre os quais se deva declarar a existência de necessidade, utilidade e interesse públicos, deveriam obter o parecer prévio de comissões relevantes da Assembleia da República. TEMA 5. TRANSFERÊNCIA DE TERRAS PÚBLICAS PARA INVESTIDORES Autor: Alda Salomão Introdução O presente relatório versa sobre o tema “Transferência de Terras Públicas para Investidores”, para cuja abordagem foram produzidos indicadores destinados a determinar: (a) se a transferência de terras 175 públicas para uso privado segue um processo claro e competitivo e se os pagamentos são recebidos; (b) se existe uma estratégia de investimento privado; (c) se a implementação de políticas é eficaz, consistente e transparente; e (d) se os contratos que envolvem terras públicas são públicos e acessíveis. Como introdução à análise das dimensões incluídas sob cada indicador, afigura-se importante abordar previamente os seguintes aspectos: a) Incomercialidade da Terra Tomando em conta o princípio da propriedade do Estado sobre a terra e outros recursos naturais, bem como o princípio da incomerciabilidade da terra, decorrente da proibição constitucional da sua venda ou qualquer outra forma de alienação, o primeiro comentário que se mostra pertinente fazer em relação ao tema do relatório e, especificamente, em relação ao primeiro indicador, é o de que a terra é um bem fora do comércio e que não pode ser objecto de transacções comerciais. Posto isto, questões relativas à competitividade dos processos de venda de terras para investidores e recebimento de pagamentos não podem ser avaliadas no contexto moçambicano. De facto, nunca se efectua uma transferência de terras para investidores, uma vez que a terra é, e permanece sempre, como propriedade do Estado, independentemente de quem a utilize. Nos termos da Constituição da República e da legislação sobre terras, aos cidadãos nacionais, individualmente ou de forma colectiva, bem como outras entidades, incluindo entidades do sector privado, e cidadãos ou entidades estrangeiros, reconhece-se apenas o direito de usar e aproveitar a terra nos termos da lei. A atribuição do direito de acesso, ocupação e uso de terras para investidores, i. é para a prossecução de fins económicos, é obtido apenas por via da autorização de um pedido aprovado pelo Estado156, não evolvendo o pagamento de qualquer montante relativo ao valor da terra, mas apenas o pagamento de taxas pelo uso da terra157. Quando a terra pretendida recaia fora de áreas integradas no domínio público do Estado, a ocupação e uso são autorizados através da emissão do título do direito de uso e aproveitamento da terra (DUAT). Em áreas classificadas com sendo parte do domínio público do Estado, e onde a lei veda a possibilidade de emissão de DUATs, a ocupação é autorizada e formalizada por via de licenças especiais (LEs)158. b) Políticas, Estratégias e Directrizes para Investimentos Privados Baseados na Terra O país adoptou uma série de instrumentos de política, estratégia e legislação que contêm a visão, o modelo e os princípios do processo de desenvolvimento do país, bem como directrizes sobre como os 156 Ou pelas Autarquias locais, caso a terra pretendida esteja integrada numa area sob jurisdição de um municipio. Muito embora as autoridades tradicionais tenham a competencia de gerir terras no meio rural, segundo normas costumeiras, esta competencia não se estende à aprovação da ocupação de terras rurais para investimentos económicos que não tenham fins de subsistência. 157 Artigo 28, da Lei de Terras (Lei No.19/97, de 1 de Outubro) 158 Artigos 6 e 7 da Lei de Terras 176 investimentos privados e públicos baseados na terra devem ser conduzidos, tanto no que respeita à responsabilidade da administração pública, como no respeitante às responsabilidades dos próprios investidores. Pela sua relevância e abrangência, destacamos abaixo alguns dos instrumentos mais representativos159: 1. Constituição da República Neste instrumento, destacam-se o Artigo 96, sobre política económica, o Artigo 101, sobre coordenação da actividade económica, e o Artigo 108, sobre investimento estrangeiro, cujo conteúdo se transcreve abaixo. A leitura combinada destas disposições constitucionais permite inferir uma visão do desenvolvimento nacional dirigido à eliminação da pobreza através da melhoria das condições de vida de todos os cidadãos, com a participação dos mesmos neste processo, e com base no uso sustentável de recursos naturais. Artigo 96: Política Económica 1. A política económica do Estado é dirigida à construção das bases fundamentais do desenvolvimento, à melhoria das condições de vida do povo, ao reforço da soberania do Estado e à consolidação da unidade nacional, através da participação dos cidadãos, bem como da utilização eficiente dos recursos humanos e materiais. 2. Sem prejuízo do desenvolvimento equilibrado, o Estado garante a distribuição da riqueza nacional, reconhecendo e valorizando o papel das zonas produtoras. Artigo 101 Coordenação da Actividade económica 1. O Estado promove, coordena e fiscaliza a actividade económica agindo directa ou indirectamente para a solução dos problemas fundamentais do povo e para a redução das desigualdades sociais e regionais. 2. O investimento do Estado deve desempenhar um papel impulsionador na promoção do desenvolvimento equilibrado. Artigo 103: Agricultura 1. Na República de Moçambique a agricultura é a base do desenvolvimento nacional. 2. O Estado garante e promove o desenvolvimento rural para a satisfação crescente e multiforme das necessidades do povo e o progresso económico e social do país. Artigo 104: Indústria Na República de Moçambique a indústria é o factor impulsionador da economia nacional. 159 No acervo de instrumentos importantes incluem-se também a Estratégia e Plano de Acção de Promoção do Desenvolvimento Rural (2007), o Plano Nacional de Investimento do Sector Agrário (PNISA 2013-2017), e a Estratégia do Sector Mineiro de Hidrocarbonetos 177 Artigo 108: Investimento Estrangeiro 1. O Estado garante o investimento estrangeiro, o qual opera no quadro da sua política económica. 2. Os empreendimentos estrangeiros são autorizados em todo o território nacional e em todos os sectores económicos, excepto naqueles que estejam reservados à propriedade ou exploração exclusiva do Estado. Como se pode perceber, é reservado papel central e prioritário à agricultura e à industria, sendo também incentivado o investimento privado, tanto nacional como estrangeiro, dentro dos parâmetros constitucionais. Assim, a avaliação das politicas e estratégias de investimento deverá ser feita em função da medida em que respondem às áreas prioritárias constitucionalmente definidas. Deverá ser também avaliada a medida em que o Estado desempenha o seu papel e cumpre as suas responsabilidades neste processo, bem como a medida em que os investimentos até aqui promovidos produzem os impactos sociais e ambientais desejados. 2. Política Nacional de Terras160 A Política Nacional de Terras (PNT), aprovada através da resolução No.10/95, de 17 de Outubro, inclui os seguintes princípios fundamentais: 1. Manutenção da terra como propriedade do Estado; 2. Garantia de acesso e uso da terra à população bem como a investidores; 3. Garantia do direito de acesso e uso da terra pela mulher; 4. Promoção do investimento privado nacional e estrangeiro sem prejudicar a população residente e assegurando benefícios para esta e para o erário público; 5. Participação activa dos nacionais como parceiros em empreendimentos privados; 6. Definição e regulamentação de princípios orientadores da transferência de direitos de uso e aproveitamento da terra entre cidadãos e empresas nacionais sempre que tiverem sido feitos investimentos no terreno; 7. Uso sustentável dos recursos naturais. Tal como a próprio instrumento indica, os princípios da PNT podem ser resumidos na seguinte declaração: “Assegurar os direitos do povo moçambicano sobre a terra e outros recursos naturais, assim como promover o investimento e o uso sustentável e equitativo destes recursos.” 160 Resolução No.10/95, de 17 de Outubro. 178 Posto isto, concordamos com a avaliação feita recentemente ao quadro legal sobre terras161, a qual conclui que: “A PNT deixa claro que o investimento não deve lesar direitos existentes sobre a terra e deve aportar benefícios reais às populações residentes. A PNT também dispôs claramente sobre o uso partilhado dos recursos da terra entre as comunidades existentes de minifundiários e os investidores. Ou seja, a estratégia de promoção de investimentos baseados na terra, tem subjacente uma agenda de desenvolvimento, concebida para promover o bem-estar do povo. moçambicano através de um processo de investimento privado no campo gerido pelo Estado Não é uma agenda puramente direccionada à facilitação do acesso à terra pelo sector privado.” 4. Agenda 2025162 O capítulo sobre, considerações finais, da versão da Agenda 2025 revista em 2013, contém, em nosso entender, as principais directrizes estratégicas para a exploração de recursos naturais e para a atracção e acomodação de grandes investimentos, podendo ler-se o seguinte163: “A descoberta e o início de exploração de recursos naturais como o carvão, os minerais e o gás natural constituem uma oportunidade para o país, geram um enorme potencial de aumento de receitas para a transformação económica de Moçambique e a criação de empregos. Neste processo, existem sérios desafios a superar, como seja a capacitação de moçambicanos, a gestão rigorosa e transparente de recursos naturais e a prática regular da prestação de conta. O desenvolvimento futuro de Moçambique deve beneficiar todos. Embora contribuam para elevadas taxas de crescimento do PIB, os benefícios líquidos dos megaprojectos têm sido questionados. Estes grandes projectos não são, em si, a garantia do desenvolvimento inclusivo e sustentável. Quando bem administrados, a exploração destes recursos pode contribuir para a edificação de um Estado forte, sólido, isento e eficaz, que assegure a criação de novas oportunidades para todos, e que assegure a distribuição equitativa e a melhoria de vida dos moçambicanos. Se assim não for, os recursos naturais podem tornar-se uma maldição. O crescimento inclusivo, em Moçambique, incorpora, entre outros, três elementos essenciais, designadamente: 1. A transformação económica e social, assente na elevação geral de competências, essencialmente no plano técnico, tecnológico e de empreendedorismo (saber fazer) massificando, assim, a geração de empregos; 2. A arrecadação de receitas para o orçamento, de modo a facilitar a construção de um Estado robusto, isento, eficiente e promotor de uma economia diversificada; 3. A igualdade de oportunidades, a transparência dos processos e a prestação de contas que abrange, crescentemente, uma maior percentagem de moçambicanos O desenvolvimento deve ser orientado para a prática sistemática da inclusão e do consenso, assentes na confiança, no diálogo social, na consulta, na negociação e na 161 USAID.SPEED, 2015 162 GdM.2013. Agenda 2025:Visão e Estratégias da Nação 163 Idem. Página 171 179 partilha entre os diversos actores económicos e sociais. O desenvolvimento deve visar, também, a coesão social e a obtenção de melhores padrões de vida para os cidadãos.” 4. Estratégia Nacional de Desenvolvimento 2015-2035 Por sua vez, na Estratégia Nacional de Desenvolvimento (END), aprovada pelo Governo em 2015 para vigorar durante o período 2015-2035, pode ler-se que: “A formulação da Estratégia Nacional de Desenvolvimento resulta da necessidade de assegurar a implementação das estratégias de desenvolvimento preconizadas na Agenda 2025, como instrumento vital para a concretização da visão nacional de desenvolvimento. Esta visão será implementada através de um conjunto coordenado de actuações, num horizonte temporal de 20 anos, assegurando um desenvolvimento económico e social equilibrado e sustentável. Estas actuações incluem políticas integradas, orientadas para a geração da riqueza e que .garantam uma redistribuição do rendimento baseado em princípios de equidade.” Estes e outros instrumentos permitem concluir que a política económica do país, incluindo a política e estratégia de investimentos, tem como pilares a protecção de direitos, a promoção de investimentos e parcerias, e a redução da pobreza. c) Transparência e Consistência na Implementação de Políticas de Investimentos O país fez um grande esforço no sentido de aprovar políticas, estratégias e legislação essenciais para a orientação do processo de atracção, implementação e monitoria de investimentos, com o intuito de assegurar, por um lado, a protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, e, por outro lado, com o objectivo de assegurar que destes investimentos resulte o máximo de benefícios para o país. No entanto, constatações feitas por instituições de pesquisa e de monitoria das estratégias de desenvolvimento do país164 mostram haver ainda muito por fazer no capítulo da promoção da legalidade e transparência dos processos decisórios para a aprovação de investimentos, da ética na actuação dos agentes da administração pública, bem como na sua condução em moldes que sejam consistentes com a visão e prioridades estratégicas de desenvolvimento do país, e com os indicadores gerais de boa governação, e de geração e partilha de benefícios. Pesquisador do Observatório do Meio Rural (Mosca e Dadá, 2014) chamam atenção, por exemplo, para a discrepância entre a escolha da agricultura como base do desenvolvimento nacional e a exiguidade de investimentos que têm sido direccionados para este sector. Segundo Mosca (citado em Mosca e Dadá, 2014) “com excepção dos primeiros anos da independência, entre 1977 e meados da década seguinte, a agricultura não foi priorizada”. Uma análise feita pelo IESE 164 O Centro de Integridade Pública (CIP/www.cip.co.mz), o Istituto de Estudos Económicos e Sociais (IESE/www.iese.co.mz), e o Observatório do Meio rural (OMR/www.omr.co.mz) têm publicado vários relatórios a este respeito. 180 (2013)165 sobre as dinâmicas do investimento privado em Moçambique , conclui que “o investimento é concentrado num pequeno leque de grandes projectos de exploração de recursos naturais e virados para a exportação de produtos primários, e financiados essencialmente por fluxos externos de capitais, pelo investimento directo estrangeiro e por empréstimos à banca internacional”. Acrescenta ainda que as intenções de investimento estão concentradas à volta de sectores como o de recursos minerais e energia, e agricultura e agro-industrias (este último caso ressalva-se o facto de se tratar do sector de florestas e não o de produção alimentar). Mosca e Dadá (2014) concluem que os sectores priorizados pelo Estado revelam claramente a política pública e respectiva ideologia do governo e/ou do partido político que forma o poder dominante e afirmam que “regra geral não existem estudos que suportam as opções de investimento público. São na maioria das ocasiões, decisões de natureza política e, eventualmente, com fins eleitoralistas”. d) Acessibilidade de Contratos de Investimento Depois de reconhecer o avanço registo em 2013, quando o governo anunciou que passaria a publicar os contratos do sector da indústria extractiva, , o Centro de Integridade Pública indicou, no Boletim No. 40, sobre “Transparência”, publicado pelo em Dezembro de 2015166, que Moçambique regista uma estagnação na transparência dos contratos relativos a investimentos neste sector, não obstante ter passado a ser obrigado a fazê-lo, por força da legislação sobre minas e petróleo aprovada em 2014. A este respeito, o CIP caracteriza o ponto de situação nos seguintes termos: 1. Transparência sem avanços 2. Lacuna legal sobre transparência dos contratos 3. Falta de clareza sobre prazos para publicação de contratos 4. Transparência incompleta e não abrangente 5. Inconsistência do cadastro mineiro 6. Necessidade de remoção da barreira da confidencialidade Apesar destes constrangimentos, o sector de minas e hidrocarbonetos é o que mostrou mais avanços nesta matéria, não tendo sido seguido, por exemplo, pelo sector de terras. No sector de terras, o DUAT equivale, com as devidas adaptações, a um contrato estabelecido entre o Estado e os titulares do direito de uso e aproveitamento da terra. Deste ponto de vista, os esforços envidados para a promoção da transparência do cadastro de terras tem esbarrado na resistência apresentada pelo técnicos do sector em tornar a informação sobre ocupação e uso de terras acessível, e 165 Massingue, N. e Muianga, C. 2013. Tendências e Padrões de Investimento Privado emMoçambique: Questões para Análise. In Desafios para Moçambique 2013. IESE. Maputo 166 CIP.2015.Boletim sobre Transparência. Edição No.40/2015 181 na falta de mecanismos adequados para esse efeito. Tal como o estudo de base efectuado em 2015 para a implementação do programa GESTERRA indica: “Para que o Estado Moçambicano seja capaz de garantir que o uso e aproveitamento da terra é direito de todo o povo moçambicano, como meio universal de criação da riqueza e do bem-estar social torna- se necessário que conheça de forma profunda a situação actual que se regista em Moçambique em matéria de uso e aproveitamento da terra e que desenvolva programas de monitoria e de fiscalização que garantam o cumprimento do estabelecido na lei. De forma geral, face aos desafios que o país enfrenta, fruto do seu rápido crescimento e desenvolvimento socioeconómico e da larga extensão territorial, constata-se alguma fragilidade em termos de informação nacional de suporte que seja completa e disponibilizada em tempo real sobre o actual uso e aproveitamento da terra no país. Esta fragilidade é, em muito, devida à falta de um sistema de informação nacional que suporte a administração e gestão de terras no país.” Sobre esta matéria, Massingue e Muianga (2013) constataram, na sua análise sobre tendências e dinâmicas do investimento privado, que “...há necessidade de as instituições públicas (quer a nível central, quer a nível local) melhorarem o sistema de acesso e disponibilização de informação, o que implica uma monitoria e/ou acompanhamento mais regular não só dos projectos de investimento como também das actividades relacionadas (i.e, as empresas, a actividade financeira, o comércio, a infra- estrutura, os serviços, o emprego, entre outras)” II. Actualidade e Relevância do Tema Nos últimos anos, a abundância de recursos atraiu substanciais investimentos directos estrangeiros, facto resultante também da intensa campanha de promoção e atracção de investimentos desencadeada pelo governo desde 2005. No entanto, sendo Moçambique um país essencialmente rural, com a maioria da sua população vivendo nesse meio, e 80% da população trabalhando e vivendo da agricultura integrada no sector familiar, a questão da alocação de grandes parcelas de terra para investidores requer atenção e cuidado especial, dado o potencial de sobreposição de interesses conflituantes e de conflitos com direitos preexistentes das comunidades e cidadãos rurais. Por outro lado, o potencial de conflitos sectoriais e impactos ambientais é também elevado. Assim, em todos os casos em que os investidores requeiram DUATs ou LEs, a legislação sobre terras impõe a realização de consultas comunitárias ou consultas públicas, para além do seguimento de um processo que impõe também a consulta e coordenação intersectorial. A principal questão a ter em mente e a avaliar no debate sobre investimentos é se tais investimentos são relevantes, oportunos, e viáveis em todas as dimensões que asseguram um desenvolvimento efectivo e sustentável, com benefícios concretos para o Estado e para os cidadãos, tal como preconizado na Agenda 2025 e o PND 2015-2035. III. Principais Constrangimentos e Oportunidades 182 a) Aspectos legais Por iniciativa do SPEED, foi realizada recentemente uma avaliação do quadro legal sobre terras e a sua relação com investimentos baseados na terra. Corroborando constatações e conclusões já apresentadas noutros relatórios de avaliação do sector de terras167, este relatório indica que o quadro legal vigente em Moçambique ainda se mantém alinhado aos princípios e valores defendidos pela constituição, oferecendo, se adequadamente aplicado, protecção aos direitos dos cidadãos, bem como assegurando acesso e uso estável da terra e outros recursos naturais a investidores nacionais e estrangeiros. Neste contexto, dentre as recomendações sobre intervenções prioritárias dirigidas à melhoria do ambiente de negócios para investimentos baseados na terra, destaca-se, invariavelmente, a necessidade do cumprimento rigoroso da legislação por parte da instituições que intervêm no sector de gestão e administração de terras. Em relação a este aspecto, este relatório sublinha que: “A formulação estratégica da política e quadro jurídico actuais continua a ser relevante no presente, e que as preocupações sociais subjacentes abordadas pela PNT e pela Lei de Terras de 1997 requerem uma abordagem baseada nos direitos, participativa e de reforço da equidade, que o quadro oferece. Nenhuma alteração a fazer deve por em causa esta abordagem nem fragilizar o potencial e a força dos instrumentos desenvolvidos, em particular o aspecto da consulta comunitária e a necessidade de identificar direitos adquiridos pré-existentes antes de qualquer novo investimento, seja ele público ou privado. A questão da segurança e da certeza exige, mais que tudo, um estado de direito. Torna-se óbvio em todas as conversas sobre a governação da terra em Moçambique que o cerne de muitos problemas e dificuldades com a aplicação da Lei de Terras é a presteza com que actores essenciais põem de lado o quadro jurídico para perseguirem os seus próprios objectivos (sejam estes “oficiais” no interesse nacional ou em vantagem pessoal). Se este problema não for tratado então, uma vez mais, todas as alterações ao quadro jurídico serão nulas e inúteis, mais valendo que se fique com o que já existe actualmente.” 2. Lei de Investimentos 168 A Lei de investimentos contém um princípio básico e orientador dos investimentos no seu Artigo 6, o qual preconiza que: “Os investimentos abrangidos por esta lei, independentemente da forma de que se revistam, deverão contribuir para o desenvolvimento económico e social sustentável do país, subordinar-se aos princípios e objectivos da política económica nacional e às disposições desta lei e sua regulamentação, e da demais legislação aplicável em vigor no país.” 167 ACIS 168 Lei no. 3/93, de 24 de Junho 183 Note-se que, nos termos do Artigo 3, as disposições da Lei de Investimentos não se aplicam a investimentos na área de prospecção, pesquisa, e produção de petróleo, gás e indústria extractiva de recursos minerais. As disposições desta lei também não se aplicam a investimentos públicos financiados por fundos do orçamento geral do estado, ou investimentos de carácter exclusivamente social. 3. Lei de Terras169 e Directrizes para Projectos com Áreas Superiores a 10.000ha170 E seguimento ao estatuído na CRM, a Lei de Terras contém disposições que por um lado acomodam investimentos privados, nacionais e estrangeiros, e, por outro lado, promovem parcerias entre investidores nacionais e estrangeiros no uso da terra e outros recursos naturais para fins e económicos. Através da Resolução No.70/2008, o Conselho de Ministros aprovou princípios orientadores da autorização de ocupação de terras para projectos que requeiram áreas acima de 10.000ha. Esta Resolução procurou sistematizar os requisitos que os investimentos baseados na terra e cobrindo grandes áreas (acima de 10.000ha) devem satisfazer princípios e normas constantes da legislação ambiental e sobre terras, respectivamente para a atribuição do DUAT e da licença ambiental. Uma vez que esta Resolução não faz mais do que sistematizar, de algum modo, as prescrições já contidas em diversa legislação relevante para a gestão da terra e recursos naturais , este facto pode reflectir, por um lado, o desafio que a dispersão de normas e procedimentos sobre alocação e uso da terra por vários instrumentos legais representa para os tomadores de decisões. Por outro lado, pode também reflectir também, e sobretudo, a dificuldade que se tem encarado em matéria de implementação e cumprimento de princípios e normas legais, tal como o relatório do SPEED concluiu. b) Aspectos Institucionais Ainda em 2015, a então Direcção Nacional de Terra comissionou um estudo com vista à definição da linha de base das actividades a serem desenvolvidas no âmbito do programa GESTERRA171, no qual se pode ler que: “A falta de um sistema de informação nacional que forneça dados completos (agregados e desagregados), fiáveis e em tempo real constrange, por isso, a qualidade da planificação estratégica do país, como um todo, e, em particular dos sectores produtivos. Isto acontece porque a falta de informação actualizada e completa sobre a situação do tipo de uso e ocupação da terra dificulta a criação e avaliação de cenários de desenvolvimento em função do seu real custo-benefício. 169 Lei No.19/97, de 1 de Outubro 170 Resolução No.70/2008, de 14 de Agosto 171 MITADER, 2015. Elaboração do estudo com vista à definição de linha de base das Actividades a serem desenvolvidas no âmbito do GESTERRA. Relatório Final – versão 5 184 O Programa GESTERRA pretende, por isso, contribuir para a criação e consolidação de um sistema único de Cadastro Nacional que seja capaz de fornecer informação útil e actual para apoiar a tomada de decisão consciente do Governo, dos sectores produtivos e dos cidadãos. Importa destacar que, não sendo obrigatório registar os DUATs das comunidades e indivíduos adquiridos por ocupação por práticas costumeiras ou por boa-fé, todos os DUATs que existem no país com estas características que não estão formalmente cadastrados são invisíveis aos olhos do Cadastro Nacional. Com o levantamento, inventariação e mapeamento completos da ocupação, uso e aproveitamento da terra passa a ser possível: a) Conhecer a real ocupação e o uso e aproveitamento da terra, de forma a promover a sua utilização produtiva e a ocupação justa; b) Garantir os direitos de uso e aproveitamento da terra das comunidades locais e dos ocupantes de boa-fé; e c) Garantir a administração e gestão de terras eficiente com base em informação actualizada, completa e fiável.” A este respeito, o relatório do SPEED observa ainda que o novo governo constituído em 2015, efectuou aquilo que considera ser a primeira reforma institucional real no sector das terras desde que a PNT fez apelo à reforma institucional como parte do plano de implementação da nova política. Acrescenta também que “a primeira parte do plano foi a revisão da Lei de Terras, realizada com êxito, mas deixada depois à implementação por uma administração de terras não reformada e conservadora”. Finalmente, os autores deste relatório concluem que “com a criação do MITADER, Moçambique tem finalmente o potencial para implementar cabalmente a progressista e altamente conceituada Lei de Terras de 1997. Com as mudanças acima propostas de elevação das suas credenciais económicas deixando o seu propósito social intacto, e com um quadro institucional novo beneficiando de forte apoio de doadores (ao nível nacional e distrital), a implementação cabal do quadro pode agora ser possível. Argumenta-se aqui que não dever ser feitas novas alterações de vulto à legislação enquanto as opções apresentadas por esta nova situação não tiverem sido inteiramente exploradas e testadas na prática. Só então será possível verificar se ela é de facto “inimplementável” e exige mudanças mais substantivas. Os comentários finais também sublinham que “O surgimento do MITADER é a primeira grande mudança institucional desde que a Política Nacional de Terras de 1995 (PNT) fez apelo à reforma institucional como parte da estratégia de implementação da PNT. A perspectiva de, finalmente, haverem instituições de terras capazes de implementarem a Lei de Terras, tem de ser de ser considerada antes que, apressadamente, sejam alteradas leis que podem ainda ser relevantes mas que têm sido “inimplementáveis” devido a factores políticos e institucionais que agora se alteram.” O estudo de base para o Gesterra conclui que “a capacidade institucional da Direcção Nacional de Terras e Florestas (DNTF), dos Serviços Provinciais de Geografia e Cadastro (SPGC) e dos Serviços Distritais 185 (SDAEs ou SDPIs, conforme os distritos) ainda não responde de forma satisfatória aos desafios que a Administração e Gestão de Terras impõe nos diferentes níveis (central, provincial e distrital). A capacidade institucional destas instituições está limitada em termos de qualidade e quantidade de recursos humanos, técnicos e materiais para o cumprimento das suas atribuições”. Importa destacar neste contexto, a criação em 2010 do Fórum de Consulta sobre a Terra, através do Decreto No.42/2010, de 20 de Outubro, uma plataforma que, de algum modo, preencheu o vazio criado pela extinção da Comissão Interministerial de Terras em 2002. Embora ainda de forma pouco consistente no que respeita a impactos, o FCT tem melhorado gradualmente em termos de abrangência e representatividade de sectores, e em termos de alinhamento de prioridades temáticas com as prioridades indicadas pela PNT. Melhorias substanciais precisam de ser dadas em relação à sua eficácia e impacto. Tendo reunido duas vezes ao ano, de 2011 a 2014, e uma vez por ano a partir de 2015, e tendo debatido assuntos importantes para a melhoria da gestão e administração de terras no país, incluindo temas importantes para a promoção de investimentos responsáveis e sustentáveis, o FCT não conseguiu até hoje produzir resultados palpáveis. Por exemplo, a V sessão ordinária, realizada em Inhambane de 22 a 23 de Novembro de 2012, discutiu e aprovou na generalidade directrizes para o reforço da segurança de posse de terras de comunidades locais no contexto de investimentos. O documento final que deveria ter sido apresentado para ratificação pela V sessão foi unilateralmente retirado da agenda pelo Ministro da Agricultura e Presidente do Fórum, sem que qualquer justificação tivesse sido fornecida aos participantes. Tal como este, vários outros temas foram debatidos e documentos produzidos com recomendações específicas, mas os avanços na implementação das recomendações é ainda tímido e está muito condicionado ao poder discricionário do governo na definição de prioridades e estratégias. Assim, para que o FCT se torne numa plataforma efectiva de governação participativa, será de muita valia que se estabeleçam procedimentos mais claros para a selecção de temas, e para aprovação e seguimento das recomendações emanadas das suas sessões. c) Aspectos Sociais e Ambientais A protecção de direitos dos cidadãos tem sido apontada como uma das maiores preocupações nos debates sobre investimentos. Neste contexto, as preocupações sobre impactos dos projectos tem a ver com direitos económicos e sociais (segurança alimentar, acesso à terra e outros recursos naturais para a geração de rendimentos, direito a oportunidades económicas como emprego) e direitos ambientais (na vertente do direito de viver num ambiente sadio, livre de poluição e de degradação ambiental). Mosca e Dadá (2014), alertam para o perigo de conflitos decorrentes da implantação de projectos que ocupam largas extensões de terra, e destacam que a ocupação de terras por estes investimentos está a ser feita em zonas de densidade populacional alta, com programas não inclusivos nem transparentes, implicando reassentamento de populações em condições desfavoráveis, comparativamente às condições de produção, acesso a serviços e mercados, oportunidades de criação de negócios, que existiam antes do reassentamento. Chamam ainda atenção para a possibilidade de exclusão de 186 camponeses das suas terras e da criação do “fenómeno político, social e económico dos sem terra”. A União Nacional dos Camponeses-UNAC (2015), também alertou sobre este perigo, especificamente com referência aos projectos PROSAVANA e PORTUCEL. d) Aspectos de governação A IV Sessão ordinária do Fórum de Consulta sobre a Terra, aprovou princípios gerais contendo directrizes para a orientação de investimentos baseados na terra, com vista a melhorar o ambiente de negócios tanto na vertente de protecção de direitos, como na vertente de promoção de investimentos sustentáveis, que se transcrevem a seguir, na íntegra: “As decisões tomadas no contexto da administração e gestão da terra e doutros rec ursos naturais, para além dos demais princípios plasmados no quadro político-legal e estratégico nacional, e em instrumentos regionais e internacionais ratificados pelo país, deverão respeitar particularmente os seguintes princípios: 1. Dignidade Humana, Estabilidade Social e Direito ao Progresso: As actividades de gestão e administração de terras devem ser conduzidas com base no respeito permanente pela dignidade humana , pelo direito à estabilidade social das comunidades locais , e pelo direito ao progresso económico e social de todos os cidadãos nacionais; 2. Lei e Ordem, Transparência e Responsabilização: As actividades de gestão e administração de terras devem ser conduzidas em cumprimento estrito da lei, com base num quadro político- legal claro em decisões tomadas de forma transparente, e num ambiente de responsabilização das instituições públicas e privadas por actos que afectem adversamente os direitos e interesses legítimos dos cidadãos que previna a corrupção e a impunidade; 3. Justiça e Equidade: As decisões sobre o acesso, uso e aproveitamento da terra, devem ser tomadas com base na justiça e equidade por forma a assegurar o respeito pelos direitos legitimamente adquiridos ou reconhecidos, e pelos interesses e prioridades legítimos de todos os cidadãos, e por forma a assegurar o equilíbrio na partilha de custos e benefícios entre todos os envolvidos, incluindo custos ambientais e sociais; 4. Igualdade de Género: No processo de gestão e administração de terras, os homens e as mulheres têm os mesmos direitos e oportunidades de acesso e uso da terra e outros recursos naturais, de participação nas decisões com eles relacionadas, bem como de partilha de benefícios resultantes da sua exploração ; 5. Visão Holística da Terra e doutros Recursos Naturais: No processo de tomada de decisões sobre o acesso e uso de recursos naturais, deverá ser respeitada a interligação e interdependência dos recursos, tanto do ponto de vista do seu aproveitamento económico como da sua importância 187 social, cultural e ambiental, pressupondo-se que o direito de acesso, uso e aproveitamento da terra confere às comunidades o direito de acesso, uso e aproveitamento dos outros recursos naturais nela existentes ou de partilha dos benefícios decorrentes da sua exploração por terceiros. 6. Consulta e Participação: Todas as pessoas que possam ser afectadas directa ou indirectamente por uma decisão devem ser prévia e adequadamente informadas sobre o conteúdo e implicações da referida decisão e consultadas sobre o seu interesse em incorrer nos custos e ganhar os benefícios potencialmente decorrentes de tal decisão, devendo nesse contexto exprimir a sua posição de maneira livre e informada, e tendo o direito de recorrer à assistência técnica e jurídica de que necessitem para salvaguarda dos seus direitos e interesses legítimos. 7. Excepcionalidade do Reassentamento Comunitário: O processo de desenvolvimento nacional deve estar alinhado ao objectivo constitucional de “edificação de uma sociedade de justiça social e criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos", pelo que o reassentamento só deverá acontecer em situações excepcionais, adequada e publicamente justificadas, e com base em procedimentos conducentes à observância dos princípios estabelecidos nas presentes directrizes e nos demais instrumentos político-legais adoptados pelo país e mediante parecer prévio do Fórum de Consultas sobre a Terra . 8. Compensação Justa por Expropriação e Reassentamento: Sempre que a expropriação e o reassentamento tenham de ocorrer por motivos de interesse público devida e publicamente justificados deverão ser seguidos procedimentos que assegurem o respeito dos direitos e interesses dos cidadãos afectados, nos termos da legislação nacional e dos instrumentos regionais e internacionais adoptados pelo país, e de modo a que se cause o menor impacto e perturbação possíveis a tais pessoas e de maneira a garantir que uma compensação justa e calculada em observância do prescrito nas presentes directrizes sobre valoração do DUAT, seja pronta e adequadamente paga. A necessidade de reassentamento da população noutro local não deve implicar a perda de direitos da comunidade sobre a terra, criando-se, desta feita, espaço para a elaboração de contratos de transferência de direitos às empresas, que durem o tempo da licença de exploração e sobre os quais as comunidades deverão ter benefícios directos. 9. Celeridade Processual: As entidades responsáveis pela tramitação de processos, a todos os níveis, incluindo as de administração da justiça, devem observar o principio da celeridade processual. Para o efeito deve ser produzido um guião orientador do cumprimento dos prazos estabelecidos pela lei. IV. Adaptabilidade de Indicadores e Dimensões 188 A metodologia do LGAF aborda este tema numa perspectiva de compra e venda de terras, caso que não se aplica ao contexto moçambicano, tornando, por isso, as dimensões 1,2,3 e 4, do Indicador 1, inaplicáveis. V. Análise de Dimensões e Indicadores Com base na metodologia para a avaliação da governação de terras em Moçambique, o tema sobre “Transferência de Grandes Extensões de Terra a Investidores”, foram analisados os indicadores propostos e classificadas as respectivas dimensões, como se segue: 1. Indicador 1: A Transferência de Terras Públicas para Uso Privado segue um Processo Claro e Competitivo e os Pagamentos são Recebidos 1.1. Dimensão 1: As transacções de terra pública são conduzidas de maneira aberta e transparente A Transferência de Terras Públicas para Uso Privado segue um Painel Ind. Dim. Processo Claro e Competitivo e os Pagamentos são Recebidos As transacções de terra pública são conduzidas de maneira aberta e 5 1 1 transparente A: A parcela de terra pública entregue nos últimos 3 anos através de venda ou arrendamento por meio de leilão público ou processo de licitação aberta é superior a 90% (excepto para transmissões patrimoniais). B: A parcela de terras públicas alienadas nos últimos 3 anos por meio de venda ou arrendamento via processo de leilão ou concurso público é de 70% a 90%. N/A C: A parcela de terras públicas alienadas nos últimos 3 anos por meio de venda ou arrendamento via processo de leilão ou concurso público é de 50% a 70%. D: A parcela de terras públicas alienadas nos últimos 3 anos por meio de venda ou arrendamento via processo de leilão ou concurso público é menor do que 50%. Análise: Não se aplica. Ver comentário feito na alínea a) da Introdução. 1.2. Dimensão 2: As terras públicas são arrendadas e/ou vendidas a preços de mercado. A Transferência de Terras Públicas para Uso Privado segue um Painel Ind. Dim. Processo Claro e Competitivo e os Pagamentos são Recebidos As terras públicas são arrendadas e/ou vendidas a preços de 5 1 2 mercado 189 A: Mais de 90% do total dos pagamentos acordados são cobrados das partes privadas no arrendamento de terras públicas. B: De 70% a 90% do total dos pagamentos acordados são cobrados das partes privadas no arrendamento de terras públicas. N/A C: De 50% a 70% do total dos pagamentos acordados são cobrados das partes privadas no arrendamento de terras públicas. D: Menos de 50% do total dos pagamentos acordados são cobrados das partes privadas no arrendamento de terras públicas. Análise: Não se aplica. Ver comentário feito na alínea a) da Introdução. 1.3. Dimensão 3: As terras públicas são negociadas a preço de mercado salvo que estejam orientadas por objectivos de património. A Transferência de Terras Públicas para Uso Privado segue um Painel Ind. Dim. Processo Claro e Competitivo e os Pagamentos são Recebidos As terras públicas são negociadas a preço de mercado salvo as que 5 1 3 estejam orientadas por objectivos de património A: Todos os tipos de terra pública são privatizadas a preços de mercado em um processo transparente sem importar a condição do investidor (nacional ou estrangeiro) nem o propósito para o qual foram designada as terras públicas (por exemplo, educação, saúde ou infra-estrutura). B: As terras pública geralmente são privatizadas a preços de mercado em um processo transparente, porém isto somente se aplica a um tipo particular de investidor (por exemplo somente nacional ou somente N/A estrangeiro) e somente para certos propósitos. C: Geralmente somente são privatizadas alguns tipos de terras públicas a preços de mercado, em um processo transparente, independentemente da condição do investidor (nacional ou estrangeiro) e do propósito para o qual se transfere a terra. D: As terras públicas raramente ou nunca são alienadas a preços de mercado em um processo transparente. Análise: Não se aplica. Ver comentário feito na alínea a) da Introdução. Não existe um mercado formal de terras. No entanto a dimensão do mercado informal de compra e venda de terras tem levantado debates razoabilidade de se permitir que os rendimentos deste negócio passem à margem e em prejuízo do Estado. Sem se pretender sugerir, necessariamente que se autorize a compra e venda da terra, alguns analistas sugerem que se aborde a questão da comerciabilidade dos títulos sobre o aterra, por um lado, 190 e que, por outro lado, se facilite a transferência de DUATs172. Por outro lado, vozes há que recomendam que a terra seja devidamente valorizada, através, por exemplo, do ajustamento do valor das taxas de uso da terra, não só para aumentar os rendimentos do sector de terras mas também para desincentivar o pedido de extensas áreas quando não haja capacidade financeira e técnica para as usar e aproveitar. Finalmente, e relevante para esta dimensão, questiona-se sobre a razão pela qual se confere tratamento diferenciado aos titulares de DUATs urbanos e rurais no que respeita ao seu direito de alienação de benfeitorias/infra-estruturas. Como se sabe, no meio urbano, o DUAT é transferido automaticamente com a venda de imóveis sem necessidade de qualquer autorização do estado. O mesmo já não acontece no meio rural, onde a transferência do DUAT deve ser precedida de um pedido à e autorização pela entidade competente, independentemente da existência e venda de benfeitorias. 1.4. Dimensão 4: O público recebe os benefícios resultantes das alterações na permissão de uso da terra. A Transferência de Terras Públicas para Uso Privado segue um Painel Ind. Dim. Processo Claro e Competitivo e os Pagamentos são Recebidos O público recebe os benefícios resultantes das alterações na 5 1 4 permissão de uso da terra A: Os mecanismos que permitem que o público capte uma parcela significativa dos ganhos obtidos com as alterações no uso da terra são utilizados regularmente e aplicados de forma transparente com base D: Os mecanismos em regulamentos claros que permitem que o público capte uma B: Os mecanismos que permitem que o público capte uma parcela parcela significativa significativa dos ganhos obtidos com as alterações no uso da terra são dos ganhos obtidos aplicados de forma transparente, mas nem sempre são utilizados com as alterações no uso da terra não C: Os mecanismos que permitem que o público capte uma parcela são utilizados ou significativa dos ganhos obtidos com as alterações no uso da terra são não são aplicados de utilizados raramente ou aplicados de forma arbitrária forma transparente. D: Os mecanismos que permitem que o público capte uma parcela significativa dos ganhos obtidos com as alterações no uso da terra não são utilizados ou não são aplicados de forma transparente Análise: A interpretação desta dimensão foi feita com base no contexto nacional, tendo como premissa a obrigação imposta ao Estado no sentido de partilhar uma percentagem dos rendimentos pagos pelos investidores, especificamente no sector de florestas, e nos sectores de minas e hidrocarbonetos. Em primeiro lugar, e por um lado, há a destacar o facto de o princípio da obrigatoriedade de partilha de benefícios entre o Estado e as comunidades não ser universal, i.é, não abrange todos os sectores de 172 191 exploração de recursos ou realização de projectos de investimento baseados na terra, incluindo a pesca, a agricultura, e o turismo cinegético. Por outro lado, o conceito de parcerias no uso de recursos naturais, cuja abordagem legal mereceu já algum tratamento por via da lei das parcerias público-privadas (Estado e sector privado), não se alargou ainda às parcerias entre investidores e comunidades, as quais são tratadas de maneira arbitrária, e não sendo, em muitos casos, sujeitas a processos negociais nem a um registo documental apropriado. Neste contexto, e como resultado de um projecto piloto conduzido pela então Direcção Nacional de Promoção do Desenvolvimento Rural (DNPDR), foram testados procedimentos e metodologias. Deste projecto, destacamos as seguintes conclusões e recomendações: 1.5. Dimensão 5: Existe uma política para melhorar a equidade no acesso e uso de activos por parte dos pobres, implementa-se de maneira efectiva e é monitorado. A Transferência de Terras Públicas para Uso Privado segue um Painel Ind. Dim. Processo Claro e Competitivo e os Pagamentos são Recebidos Existe uma política para melhorar a equidade no acesso e uso de 5 1 5 activos por parte dos pobres, implementa-se de maneira efectiva e é monitorado A: Existe uma política para melhorar o acesso e o uso produtivo de bens B: Existe uma por parte de grupos pobres e marginalizados, aplica-se na prática e é política para efectiva. melhorar o acesso e o uso produtivo de B: Existe uma política para melhorar o acesso e o uso produtivo de bens por parte de bens por parte de grupos pobres e marginalizados, aplica-se na grupos pobres e prática, porém não é efectiva. marginalizados, C: Existe uma política para melhorar o acesso e o uso produtivo de bens aplica-se na prática, por parte de grupos pobres e marginalizados porém não se executa. porém não é efectiva. D: Não existe uma política para melhorar o acesso e o uso produtivo de bens por parte de grupos pobres e marginalizados Análise: Pode dizer-se que toda a filosofia por detrás dos princípios e normas de gestão e administração de terras plasmadas na Constituição e na legislação sobre terras, concentrou-se em assegurar a capacidade de os titulares do DUAT, incluindo, e especialmente, os grupos mais pobres e vulneráveis, acederem e usarem a terra. O princípio de que o direito de uso e aproveitamento da terra é reconhecido e atribuído para que a mesma fosse usada, está explícito na CRM, e conta também da legislação sobre terras. Sendo a maioria da terra ocupada e usada para fins agrários com base em normas costumeiras, a questão do uso efectivo da terra tem levantado debates no que respeita aspectos conceituais, por um lado, e à questão da responsabilidade do Estado na criação de condições para que os grupos pobres e marginalizados possam usar a terra de forma efectiva. No contexto da promoção de investimentos, o conceito de “uso” levanta controvérsias uma vez que as terras comuns ou em poisio das comunidades locais são 192 geralmente consideradas por alguns agentes do governo como não usadas, argumento que facilita a sua desanexação e transferência para investidores. Por outro lado, o conceito de “capacidade de uso”, é também usado como argumento para a referida transferência, descurando-se o facto de que a legislação de terras promovem especificamente o estabelecimento de parcerias. Portanto, a questão da falta de capacidade, que poderia ser gradualmente minimizada por intervenções estratégicas do Estado nesse sentido, incluindo com recurso às referidas parcerias promovidas durante as consultas comunitárias, raramente é tratada nesta perspectiva.173 2. Indicador 2: Estratégia de Investimento Privado 2.1. Dimensão 1: As terras que serão disponibilizadas aos investidores são identificadas de maneira transparente e pública de acordo com os direitos dos benificiários. Painel Ind. Dim. Estratégia de Investimento Privado As terras que serão disponibilizadas aos investidores são 5 2 1 identificadas de maneira transparente e pública de acordo com os direitos dos benificiários A: Existe uma política para identificar claramente as terras que podem ser disponibilizadas aos investidores e se chegou a ela após uma avaliação integral do potencial das terras, consultas à comunidade que são livres e informadas e após ter chegado a um acordo, e aplica-se em D: Não existe uma mais de 90% dos casos identificados política para identificar as terras B: Existe uma política para identificar as terras que serão disponibilizadas disponibilizadas aos investidores com base a uma avaliação ad hoc do aos investidores de potencial das terras porém com consulta e acordo da comunidade e se modo que qualquer aplica em mais de 90% dos casos identificados transferência C: Existe uma política para identificar as terras que podem ser baseia-se em disponibilizadas aos investidores com base a uma avaliação ad hoc do demandas ad-hoc potencial da terra e consulta limitada com as comunidades e se aplica dos investidores em mais de 90% dos casos identificados D: Não existe uma política para identificar as terras disponibilizadas aos investidores de modo que qualquer transferência baseia-se em demandas ad-hoc dos investidores Análise: Não foi possível aferir em que medida e momento o Centro de Promoção de Investimentos se socorre dos instrumentos de ordenamento territorial no processo de orientação de investimentos, nem a existência de um mecanismo de coordenação sistemática com o MITADER, especialmente a Direcção de Planeamento e Ordenamento Territorial e Reassentamento. 173 Salomão, A. 2013. Questões sobre o licenciamento do projecto de GNL em Palma. CTV. Maputo 193 É reconhecida a importância do zoneamento agro-ecológico do País, do qual deve resultar o conhecimento do potencial e identificação de áreas aptas e disponíveis para os diferentes usos, garantindo-se que o Governo assuma e desempenhe eficazmente a sua função de gestão e administração de terras, promovendo a ocupação equilibrada da terra tendo em conta os diferentes interesses, principalmente a necessidade de assegurar a sua disponibilidade para a produção de alimentos. Em todo este processo, e tal como prescreve a PNT, há que garantir benefícios tangíveis para o país, e em particular para as comunidades locais. 2.2. Dimensão 2: Os investidores são seleccionados com base em impactos económicos, socioculturais e ambientais, e em processos abertos. Painel Ind. Dim. Estratégia de Investimento Privado Os investidores são seleccionados com base em impactos 5 2 2 económicos, socioculturais e ambientais, em processos abertos A: Existe um processo que considera apropriadamente tanto os C: Existe um benefícios nacionais como os locais e se respeita. Existem mecanismos processo, porém para compartilhar benefícios muitos investimentos que B: Existe um processo que considera somente os benefícios nacionais, estão em porém que se respeita. Não existe distribuição de benefícios à andamento não localidade estão em C: Existe um processo, porém muitos investimentos que estão em concordância com a andamento não estão em concordância com a política política D: Não existe nenhum processo Análise: Nesta dimensão analisou-se a “concordância” tanto em termos de alinhamento com a legislação vigente no país sobre os objectivos e expectativas da política de investimentos, mas também em termos de alinhamento com prioridades estratégicas. A classificação escolhida foi determinada pela falta de priorização, na pratica, do sector agrícola familiar. 2.3. Dimensão 3: As instituições públicas que transferem terras a investidores estão claramente identificadas e regularmente auditadas. Painel Ind. Dim. Estratégia de Investimento Privado As instituições públicas que transferem terras a investidores estão 5 2 3 claramente identificadas e regularmente auditadas. C: As instituições A: As instituições que tomam as decisões estão identificadas que tomam claramente e têm a capacidade necessária (incluindo recursos para a decisões estão verificação de campo) e incentivos fortes para assegurar resultados 194 identificadas socialmente benéficos de modo que se minimize os custos de claramente, porém transacção carecem de capacidade ou de B: As instituições que tomam as decisões estão identificadas incentivos para claramente e têm a capacidade necessária (incluindo os recursos para a verificação de campo) e incentivos fortes para garantir resultados assegurar resultados socialmente benéficos, porém os processos podem ser complexos e socialmente difíceis para os investidores benéficos, ou suas C: As instituições que tomam decisões estão identificadas decisões nem claramente, porém carecem de capacidade ou de incentivos para sempre são assegurar resultados socialmente benéficos, ou suas decisões implementadas nem sempre são implementadas D: As instituições não estão claramente identificadas Análise: Este aspecto é transversal e já foi vastamente analisado em vários relatórios de avaliação do sector de gestão e administração de terras. A questão da capacidade e dos incentivos transcende aspectos meramente materiais, relacionados com equipamentos e outros matérias e condições de trabalho apropriados para o desempenho correcto das funções das instituições que intervêm no sector, a todos os níveis. São chamados à colação aspectos de natureza política e ética, discutidos vastamente no contexto de debates sobre descentralização, incluindo a descentralização administrativa, e sobre despartidarização do Estado, onde se advoga que a satisfação dos interesses e direitos dos cidadãos e do Estado sejam priorizados, em processos conduzidos nos termos da lei. Assim à clareza de mandatos é associada a capacidade técnica, mas também a integridade ética e moral dentro da Administração pública, a qual é fundamental para impedir, por exemplo, que decisões do topo (governo central) sejam tomadas desconsiderando pareceres e posições dos governos locais, incluindo posições e pareceres orientando para a necessidade de proteger interesses do Estado e direitos dos cidadãos nas áreas pretendidas por investidores. 2.4. Dimensão 4: Os organismos públicos que transferem terras aos investidores compartilham informação e realizam coordenações para minimizar e resolver as sobreposições (incluindo o subsolo). Painel Ind. Dim. Estratégia de Investimento Privado Os organismos públicos que transferem terras aos investidores 5 2 4 compartilham informação e realizam coordenações para minimizar e resolver as sobreposições (incluindo o subsolo). A: Existe uma A: Existe uma política para uma coordenação interministerial política para uma efectiva a fim de garantir que as decisões sobre o uso da terra e coordenação os direitos fundiários estejam bem coordenados entre sectores e interministerial sejam aplicados efectivamente 195 efectiva a fim de B: Existe uma coordenação efectiva para resolver caso de uso da terra garantir que as que concorrem entre si, embora não exista uma política para a decisões sobre o coordenação interministerial efectiva visando garantir que as decisões uso da terra e os sobre o uso da terra e os direitos de terras estejam bem coordenadas direitos fundiários entre sectores estejam bem coordenados entre C: Não existe uma política, porém há algumas decisões sobre o uso da sectores e sejam terra e os direitos fundiário que são coordenados entre sectores aplicados D: Não existe uma política e não se coordena entre sectores as decisões efectivamente sobre o uso da terra e os direitos de terras Análise: Como se pode demonstrar na introdução deste relatório, para além de políticas que orientam a tomada de decisões de forma participativa e coordenada, os instrumentos legais que permitem a materialização de tais políticas impõem esta abordagem, não só numa perspectiva de protecção de direitos fundiários legítimos, mas também na perspectiva de assegurar a harmonização e coordenação de interesses sectoriais. A falta de aplicação efectiva de mecanismos de coordenação sectorial e a consequente discrepância entre a teoria (existência de políticas) e a prática (não utilização de mecanismos de coordenação) tem causas que transcendem a mera existência de políticas, estando outras razões subjacentes a essa situação. Dentre outras, o fraco reconhecimento do carácter imperativo dos pilares de boa governação previstos na constituição, como a legalidade, a transparência, a inclusão e participação, a justiça e equidade, e do qual decorre a sua observância discricionária na actuação da administração pública, ou mesmo a sua violação, remetem-nos à questão da precária preparação ética e moral no seio do funcionalismo público. A visão individualista dos interesses e prioridades de cada sector, constitui outra causa de descoordenação com consequências problemáticas, especialmente na esfera social e ambiental, como disso são exemplo os investimentos no sector mineiro na província de Tete174. Aliás, o cadastro mineiro indicava em 2013175 que toda a província d e Tete havia sido concessionada para projectos de mineração, o que obviamente levanta questões sobre a importância reservada aos mecanismos de coordenação multissectorial previstos e impostos pelas politicas e pela legislação. 2.5. Dimensão 5: O cumprimento das obrigações contratuais é monitorado regularmente e são tomadas acções correctivas se for necessário. Painel Ind. Dim. Estratégia de Investimento Privado O cumprimento das obrigações contratuais é monitorado 5 2 5 regularmente e são tomadas acções correctivas se for necessário. 174 Vide o relatório da Human Rights Watch. 2013. Whats a House Without Food: 175 Cadastro Mineiro 196 A: Há um monitoramento regular da execução dos resultados disponível publicamente e qualquer brecha identificada desencadeia C. O monitoramento uma acção de correcção efectiva. da execução é limitado ou B: Há um monitoramento regular da execução; os resultados estão somente parte dos disponíveis publicamente, porém as medidas correctivas são tomadas resultados é somente em alguns casos. acessível ao C: O monitoramento da execução é limitado ou somente parte dos público. resultados é acessível ao público. D: Não existe monitoramento ou não há publicidade dos resultados. Análise: O sector de terras reconheceu a sua falta de capacidade de fiscalizar o uso da terra pelos investidores176, e os relatórios do sector de fiscalização de terras não são publicados nem facilmente acessíveis. Por outro lado, não existe informação sistematizada e regularmente publicada sobre o grau de cumprimentos de contratos por parte de investidores nos diferentes sectores, na vertente do cumprimento dos respectivos planos de uso da terra. O que se constata, em muitos casos, é uma situação de incumprimento decorrente do facto de serem autorizadas parcelas de terra superiores à capacidade real de utilização, em tempo útil, por parte dos proponentes de projectos de investimento. 2.6. Dimensão 6: As salvaguardas reduzem efectivamente o risco de efeitos negativos por investimentos de grande escala relacionados com terras. Painel Ind. Dim. Estratégia de Investimento Privado As salvaguardas reduzem efectivamente o risco de efeitos 5 2 6 negativos por investimentos de grande escala relacionados com terras A: A aplicação e divulgação de salvaguardas (EIA, EIS, etc.) substantivas estão em sintonia com as melhores práticas mundiais e são aplicadas na sua maioria. C: As salvaguardas (EIA, EIS, etc.) estão B: A aplicação substantiva de salvaguardas (EIA, EIS, etc.) está em parcialmente em sintonia com as melhores práticas mundiais, porém somente parte da sintonia com as informação é divulgada. melhores práticas C: As salvaguardas (EIA, EIS, etc.) estão parcialmente em sintonia mundiais. com as melhores práticas mundiais. D: Não existem salvaguardas ou são aplicadas somente de maneira ad- hoc. 176 DINAT.2013. Apresentação feita à V Sessão Ordinária do Forul de Consulta sobre a Terra 197 Análise: O país fez um grande progresso na adopção de instrumentos legais para a orientação do processo de alocação de terras para investimentos públicos e privados, onde se destaca, tal como noutras partes do mundo, a exigência da condução prévia de estudos de avaliação do impacto social e ambiental. A selecção da classificação C, decorre do facto de que, embora a legislação sobre terras e sobre ambiente de Moçambique contenha princípios e procedimentos alinhados com as melhores práticas mundiais, existe uma substancial discrepância entre a teoria e a prática. De facto, a maioria dos projectos tenha sido sujeita a estudos de impacto ambiental e social, mas ainda há melhorias substanciais por registar neste domínio, decorrentes da falta de rigor com que os processos têm sido conduzidos na actualidade. Esta falta de rigor faz com que não só se saltem etapas processuais, como se menosprezem elementos fundamentais para o alinhamento dos projectos aos ditames da lei. Muitos são os casos, sobretudo envolvendo megaprojectos, em o governo autorizou a ocupação de terras por investidores em flagrante violação à lei e com consequências negativas dramáticas sobre as pessoas e comunidades afectadas. Os casos dos projectos de mineração de carvão mineral em Tete, de Hidrocarbonetos em Palma, de biocombustíveis em Massingir, de areias pesadas em Moma, de plantações florestais em Manica e Zambézia, são hoje exemplos emblemáticos de má governação de terras no contexto de investimentos. 2.7. Dimensão 7: O espaço para o reassentamento esta claramente circunscrito e existem procedimentos para lidar com ele de acordo com as melhores práticas. Painel Ind. Dim. Estratégia de Investimento Privado O espaço para o reassentamento esta claramente circunscrito e 5 2 7 existem procedimentos para lidar com ele de acordo com as melhores práticas A: A aplicação substantiva de uma política de reassentamento e reabilitação está em sintonia com as melhores práticas mundiais C: Existe uma B: A política de reassentamento aplicada está parcialmente em política de sintonia com as melhores práticas mundiais, e se aplica na maioria de reassentamento, casos porém é aplicada em apenas uma C: Existe uma política de reassentamento, porém é aplicada em parte dos casos apenas uma parte dos casos D: Não existe política de reassentamento; se ocorrem reassentamento, estes são feitos de maneira ad-hoc Análise: O instrumento legal específico sobre reassentamentos involuntários resultante de actividades económicas foi aprovado em 2012, através do Decreto No.31/2012, de 8 de Agosto. Com uma existência de apenas três anos, este instrumento ainda está a ser estudado tanto pelos agentes do Estado como 198 pelos próprios investidores. Casos há, de projectos ainda em fase de licenciamento, em que os agentes do Estado demonstraram falta de domínio das disposições deste instrumento e incapacidade de enquadrá-lo no conjunto dos demais instrumentos legais que regulam o processo de reassentamento, especialmente a legislação sobre o ordenamento territorial. Da parte das comunidades, o seu desconhecimento é total. 3. Indicador 3. A Implementação de Políticas é Eficaz, Consistente e Transparente 3.1. Dimensão 1: Os investidores fornecem suficiente informação para permitir a avaliação rigorosa dos investimentos propostos. A Implementação de Políticas é Eficaz, Consistente e Painel Ind. Dim. Transparente Os investidores fornecem suficiente informação para permitir a 5 3 1 avaliação rigorosa dos investimentos propostos A: Os planos de negócios dos investidores (documentos de solicitação) exigem suficientes evidências de viabilidade técnica, consulta com a comunidade, disponibilidade de recursos para identificar D: Os planos de efectivamente o risco e a viabilidade dos projectos, além de monitorar negócios dos efectivamente seu andamento. investidores (documentos de B: Os planos de negócios dos investidores (documentos de solicitação) solicitação) são exigem certa evidência de factibilidade técnica, consulta com a insuficientes para comunidade e disponibilidade de recursos, porém isto é suficiente avaliar a somente para identificar os riscos dos projectos ex ante. factibilidade C: Os planos de negócios dos investidores (documentos de solicitação) técnica, a consulta à requerem certa evidência de viabilidade técnica, consulta com a comunidade e a comunidade, disponibilidade de recursos, porém não é suficiente para disponibilidade de identificar efectivamente os riscos dos projectos ex ante. recursos D: Os planos de negócios dos investidores (documentos de solicitação) são insuficientes para avaliar a factibilidade técnica, a consulta à comunidade e a disponibilidade de recursos. Análise: A legislação sobre terras, no geral, e sobre investimentos em áreas superiores a 10.000ha, em particular, impõe que os documentos de solicitação apresentados pelos investidores contenham informação suficiente para se avaliar a viabilidade social, ambiental e económica dos investimentos propostos. Este foi o objectivo que determinou a aprovação da Resolução No. 70/2008, de 30 de Dezembro, já acima referida. Esta resolução indica os requisitos que devem ser satisfeitos pelos investidores, subdividindo- os pelas seguintes áreas: Parte A: Informação Geral sobre o proponente do projecto Parte B: Na área de Investimentos 199 Parte C: Na área de Terras Parte D: Na área do Ambiente Parte E: Aspectos Socioeconómicos Parte F: Informação sobre o Plano de Exploração Como já se fez referencia anteriormente, não da falta de directrizes alinhadas às melhores práticas internacionais, que o país padece na promoção, acomodação e aprovação de investimentos. O desafio está sobretudo relacionado com aspectos de implementação e cumprimento rigoroso de procedimentos legais. Para além da monitoria por parte das instituições do Estado, recomenda-se que sejam envolvidas instituições da sociedade civil e do próprio sector privado neste processo, e que as plataformas existentes de participação em processos decisórios, com o FCT, sejam também usadas para aferir a conformidade dos investimentos aos ditames da lei. 3.2: Dimensão 2: A aprovação de planos de investimento segue um processo claro com cronogramas razoáveis. A Implementação de Políticas é Eficaz, Consistente e Painel Ind. Dim. Transparente A aprovação de planos de investimento segue um processo claro 5 3 2 com cronogramas razoáveis A: Todos os documentos relacionados à solicitação de investidores são realizados de acordo com um processo uniforme e recebem uma D: O processo de resposta dentro de 3 meses após a data de apresentação. revisão para os documentos B: Todos os documentos relacionados à solicitação de investidores relacionados às são realizados de acordo com um processo uniforme e recebem uma solicitações de resposta dentro de 6 meses após a data de apresentação. investimentos não é uniforme nem C: O processo de revisão para os documentos relacionados às estável no tempo e solicitações de investimentos não é uniforme e estável no tempo; na na maioria dos maioria dos casos os investidores recebem uma resposta dentro de 9 casos recebe-se meses após a data de apresentação. uma resposta após D: O processo de revisão para os documentos relacionados às 9 meses da data de solicitações de investimentos não é uniforme nem estável no apresentação tempo e na maioria dos casos recebe-se uma resposta após 9 meses da data de apresentação. Análise: Não foi possível obter dados específicos para responder a esta dimensão com exactidão, mas orientações emanadas pela então DNTF (actualmente DINAT) determinam que os processos de pedidos de DUATs sejam decididos num prazo de 90 dias. Por outro lado, a duração do processo de autorização de investimentos, especialmente os que envolvem grandes áreas de terra e projectos complexos, é, 200 necessariamente prolongada, podendo levar mais de 9 meses, especialmente nos casos que envolvem reassentamentos. Por exemplo, o processo de licenciamento do projecto de GNL de Palma iniciou em 2012 e está ainda em curso, estando pendente tanto a aprovação do Plano de Reassentamento, e o licenciamento ambiental, bem como a aprovação do próprio investimento. 3.3. Dimensão 3: Os benificiários e os investidores negociam de maneira livre e directa com acesso pleno à informação relevante. A Implementação de Políticas é Eficaz, Consistente e Painel Ind. Dim. Transparente Os benificiários e os investidores negociam de maneira livre e 5 3 3 directa com acesso pleno à informação relevante A: Os que têm direito às terras com potencial para investimento B: Os que têm recebem incentivos e oportunidades de obter informação fidedigna direitos às terras sobre a extensão de seus direitos (e as formas mais efectivas para com potencial para utilizá-los), assim como sobre o potencial verdadeiro de seus investimentos têm recursos. direitos e incentivos B: Os que têm direitos às terras com potencial para definidos investimentos têm direitos e incentivos definidos claramente claramente para para negociar apropriadamente, porém as oportunidades de negociar obter informação e ajuda relevantes a custo razoável são apropriadamente, limitadas. porém as oportunidades de C: Os que têm direito às terras com potencial para investimentos têm obter informação e incentivos para negociar apropriadamente, porém seus direitos não ajuda relevantes a são claros ou as oportunidades de obter informação ou assistência custo razoável são relevante não existem. limitadas D: Os usuários atuais têm direitos limitados ou nenhum direito. Análise: Não obstante a existência de procedimentos e salvaguardas bastantes para assegurar não só a disponibilização atempada de informação relevante a todos os interessados, e apesar de haver espaço para negociações, a realidade mostra que, no geral, os procedimentos são mal aplicados e raramente se criam condições para que as comunidades afectadas por investimentos possam negociar com conhecimento adequado de causa. 5.4. Dimensão 4: As disposições contratuais com respeito a compartilhar benefícios são divulgadas de maneira pública. Painel Ind. Dim. A Implementação de Políticas é Eficaz, Consistente e Transparente As disposições contratuais com respeito a compartilhar benefícios 5 3 4 são divulgadas de maneira pública 201 A: As modalidades para compartilhar benefícios são incluídas rotineiramente nos arranjos contratuais relevantes e são divulgadas publicamente. São reconhecidos os beneficiários existentes D: A maioria de B: As modalidades para compartilhar benefícios são incluídas arranjos rotineiramente nos acordos contratuais relevantes, porém a divulgação contratuais não pública é limitada inclui informação C: As modalidades para compartilhar benefícios se encontram incluídas sobre partilha de em uma proporção significativa dos arranjos contratuais relevantes e as benefícios partes afectadas são conscientes destas e das maneiras de fazê-las cumprir embora a divulgação pública seja limitada D: A maioria de arranjos contratuais não inclui informação sobre partilha de benefícios Análise: Infere-se desta dimensão que se pretende avaliar a medida em que os contratos contêm disposições relativas à partilha de benefícios e o grau de divulgação dos mesmos junto do público. A classificação C foi determinada pelo facto de que a maioria dos contratos não é acessível ao público. Indicador 4: Os Contratos que Envolvem Terras Públicas são Públicos e Acessíveis 4. 1. Dimensão 1: Encontra-se disponível publicamente informações sobre a extensão espacial e a duração das concessões aprovadas. Os Contratos que Envolvem Terras Públicas são Públicos e Painel Ind. Dim. Acessíveis Encontra-se disponível publicamente informações sobre a extensão 5 4 1 espacial e a duração das concessões aprovadas. A: Está disponível publicamente informação completa e consolidada sobre a extensão espacial, duração e partes envolvidas nas concessões/arrendamentos. C: A informação B: Está disponível informação espacial e temporal. As instituições espacial e temporal governamentais relevantes dispõem de informação espacial e está disponível às temporal e as disponibilizam rotineiramente para os sectores privados instituições interessados à pedido das partes. governamentais relevantes porém C: A informação espacial e temporal está disponível às instituições não é acessível ao governamentais relevantes porém não é acessível ao público público D: O governo não dispõe rapidamente de informação completa e consolidada sobre a extensão espacial e a duração das concessões/arrendamentos ou os diferentes departamentos contam com diferentes fontes de informação. Análise: 202 A classificação C parece ser a mais correcta para o contexto moçambicano dado o secretismo e burocratismo exacerbados que caracterizam o sector de gestão e administração de terras. Contactos feitos junto da Direcção Nacional de Terras e do Centro de Promoção de Investimentos, no sentido de obter uma relação de investimentos acima de 10.000ha de terra em diferentes sectores como a agricultura, turismo, florestas, minas e hidrocarbonetos, e os respectivos contratos, resultaram infrutíferas. 4.2. Dimensão 2: O cumprimento das salvaguardas sobre concessões se monitora e executa de maneira efectiva e consistente. Os Contratos que Envolvem Terras Públicas são Públicos e Painel Ind. Dim. Acessíveis O cumprimento das salvaguardas sobre concessões se monitora e 5 4 2 executa de maneira efectiva e consistente A: O monitoramento do cumprimento das salvaguardas por parte dos C: Existe pouco investidores (e do estado) realizado por terceiros é rotineiro e existem monitoramento da os mecanismos para conseguir o cumprimento de maneira rápida e execução das efetiva em caso em problemas. salvaguardas por parte dos B: O monitoramento da execução das salvaguardas por parte dos investidores investidores (e do estado) realizado por terceiros é praticado em realizado por alguns casos, porém existem mecanismos para alcançar o terceiros e os cumprimento de maneira rápida e eficaz em caso de problemas. mecanismos para assegurar o C: Existe pouco monitoramento da execução das salvaguardas por cumprimento de parte dos investidores realizado por terceiros e os mecanismos maneira rápida e para assegurar o cumprimento de maneira rápida e efectiva são efectiva são de de difícil acesso para as comunidades afectadas. difícil acesso para D: Existe pouco monitoramento da execução das salvaguardas por as comunidades parte dos investidores realizado por terceiros e praticamente não afectadas existem mecanismos para garantir o cumprimento rápido e eficaz. Análise: Tanto quanto se saiba, e de acordo com informações da Direcção Nacional de Ordenamento Territorial e Reassentamento (DINOTER), do MITADER, não existe um processo institucionalizado e consistente de monitoria do grau de cumprimento dos planos de gestão ambiental e dos planos de reassentamento por terceiras entidades. Esta lacuna é preocupante porque a existência de tais processos iria permitir um melhor acompanhamento por parte do Estado e do público do processo de implementação dos diferentes investimentos. Por outro lado, reduziria os espaços de incumprimento por parte dos investidores, incentivada pelo clima de desresponsabilização que a falta de monitoria proporciona. É importante referir que a sociedade civil tem se mostrado muito mais proactiva nesta matéria, com iniciativas de monitoria de planos de gestão ambiental e de reassentamento de projectos aprovados, 203 mas também com intervenções de monitoria dos próprios processo de licenciamento do uso e aproveitamento da terra, do licenciamento ambiental e dos processo de desenho de planos de reassentamento. O processo de licenciamento do projecto de gás natural liquefeito de Palma, é um exemplo mais actual do papel altamente interventivo da sociedade civil, especialmente das organizações que integram a plataforma da sociedade civil sobre recursos naturais e indústria extractiva. A participação das OSC na Iniciativa de Transparência da Indústria Extractiva (ITIE) é outro exemplo digno de registo, sobretudo pelo influência imposta por estas organizações para que a monitoria fosse mais abrangente e que, para além dos assuntos fiscais, versasse também sobre assuntos sociais e ambientais. 4.3. Dimensão 3: Existem vias para lidar com o não cumprimento e obter decisões oportunas e justas. Os Contratos que Envolvem Terras Públicas são Públicos e Painel Ind. Dim. Acessíveis Existem vias para lidar com o não cumprimento e obter decisões 5 4 3 oportunas e justas A: O monitoramento do cumprimento das disposições contratuais por parte dos investidores (e do estado) realizado por terceiros é rotineiro e existem mecanismos para rapidamente e efectivamente chegar a uma arbitragem em caso de problemas D: Não existe um processo claro pelo B: Em alguns casos é feito o monitoramento da execução das disposições qual as partes contratuais por parte dos investidores (e do estado) realizados por afectadas ou o terceiros, porém existem mecanismos para chegar a uma arbitragem de público em geral maneira rápida e efectiva em caso de problemas podem apresentar reclamações C: Existe pouco monitoramento da execução das disposições relativas à contratuais por parte dos investidores realizado por terceiros e os conformidade do mecanismos para conseguir a arbitragem de maneira rápida e eficaz são investidor com as de difícil acesso para as comunidades afectadas porém funcionam para salvaguardas. os investidores D: Não existe um processo claro pelo qual as partes afectadas ou o público em geral podem apresentar reclamações relativas à conformidade do investidor com as salvaguardas Análise: Em teoria pode afirmar-se que, do ponto de vista legal, existem mecanismos dentro e fora da administração pública, aos quais as partes afectadas e o público, em geral, podem recorrer para apresentar reclamações relativas à conformidade dos investidores com as salvaguardas legais, nomeadamente o recurso administrativo e o recurso judicial, e até o recurso parlamentar. É legítimo, no entanto, levantar reservas quanto à clareza dos processos e, sobretudo, quanto à acessibilidade e à aptidão para a produção de respostas oportunas e justas. Num cenário em que a separação de poderes, 204 como base de garantia de acesso à justiça por todos os cidadãos, está cerceada pela influência do poder político-partidário, a existência de leis progressivas tem-se mostrado claramente insuficiente para assegurar investimentos social e ambientalmente responsáveis. Em reuniões públicas, é comum ouvir reclamações de membros de comunidades locais afectadas por projectos de investimento, segundo as quais os governos locais “só estão preocupados com os investidores e não respondem aos pedidos e preocupações das comunidades”177. Muitas comunidades e membros individuais que vêm os seus direitos e interesses legítimos violados sentem-se impotentes, pois são confrontados com governos locais hostis, procuradorias distritais apáticas, provedores locais de patrocínio e assistência judiciária despreparados, e investidores prepotentes porque protegidos pela impunidade. V. Conclusão Tal como foi recomendado pelas avaliações pais recentes ao sector de terras, a avaliação do quadro político-legal para investimentos, deve ser seja feita num contexto mais alargado de análise de outros constrangimentos que transcendem aspectos meramente legais. Assim, as principais conclusões deste relatório são no sentido de que: 1. Existe uma grande falta de confiança no Estado de Direito em Moçambique , sentimento partilhado por todos os investidores e pelos que os apoiariam; 2. O desafio de “fazer negócio” em Moçambique é muito complexo e ainda muito arriscado; 3. A capacidade extremamente fraca da administração pública de terras para implementar eficazmente qualquer quadro jurídico, inviabiliza os esforços de melhorias do ambiente de negócios bem como mina esforços para que os mesmos sejam implementados de maneira social, ambiental e economicamente sustentável. TEMA 6. DISPONIBILIZAÇÃO PÚBLICA DE INFORMAÇÃO SOBRE TERRAS: REGISTO E CADASTRO Autores: Tomás Vieira Mário e Salvador Jossias I. Introdução Este painel avalia os sistemas existentes de acesso à informação fiável e consistente sobre a gestão da terra, nomeadamente relativamente ao registo e cadastro. A relevância desta matéria é evidente, pois uma boa governação da terra implica a existência de sistemas de disponibilização de informação sobre a gestão deste recurso natural estratégico, que seja relevante, 177Comentário registado pela autora em várias consultas comunitárias realizadas nas comunidades da Península de Afungi, entre 2014 e 2015, no âmbito do desenho do plano de Reassentamento do Projecto de GNL de Palma 205 fiável e acessível, do ponto de vista técnico e financeiro, para o público. A administração e gestão da terra têm em vista orientar a alocação da terra do modo mais eficiente para o benefício da economia e da sociedade. A gestão da terra tem três dimensões: (a) o registo de direitos sobre a terra; (b) a avaliação económica da terra; (c) o uso da terra178 A informação sobre o registo e cadastro da terra tem características de um bem público, providenciando uma base de racionalidade para o envolvimento do governo no registo, e permitindo acesso a informação fiável e em tempo útil às partes interessadas, sobre a terra. Este é o fundamento em que se baseia a presente secção do relatório, onde a problemática do registo e cadastro da terra é discutida considerando os seguintes indicadores:  Mecanismos para o Reconhecimento de Direitos  Integridade do Registo de Terras  Fiabilidade da Informação do Registo  Efectividade do Custo e Sustentabilidade dos Serviços de Administração de Terras  Forma transparente de determinação das tarifas. II. Actualidade e Relevância do tema para Moçambique A intensa corrida para a terra em Moçambique, envolvendo por um lado, o sector familiar/comunitário, e por outro, o sector privado desde o fim do conflito armado, em 1992, tem suscitado conflitos em torno do acesso e ocupação deste recurso natural estratégico. Uma das principais causas deste problema é a inexistência de sistemas claros e consistentes de informação pública sobre o registo e cadastro da terra. Como consequência desta realidade, em 2007 o Estado viu-se obrigado a declarar uma moratória na atribuição de direitos de uso e aproveitamento da terra (DUAT), congelando temporariamente a atribuição de largas extensões de terras (a partir dos 10,000 ha), solicitados por investidores estrangeiros179. Com esta medida o Governo pretendia um intervalo de tempo para juntar e processar informação sobre quanta terra havia já sido concedida e quanta estaria ainda disponível para a produção agrícola, pecuária e florestal, através da realização do Zoneamento Agro-ecológico. Subsequentemente o Governo lançou um exercício mais detalhado de Zoneamento Agro-ecológico em duas fases, tendo na primeira fase realizado o Zoneamento Agro-ecológico na escala de 1/1000.000 e na segunda fase na escala de 1:250.000, ambas em todo o território nacional. Contudo, a relação entre a demanda sobre a terra e o sistema de informação sobre a gestão da mesma e seus custos mantém-se muito desequilibrada. Por exemplo, a delimitação de terras comunitárias, uma das estratégias susceptíveis de mitigar conflitos de terra, constitui um grande desafio à presente capacidade institucional. 178 Cf. WilmienWicomb: Protecção dos Direitos das Comunidades na Africa do Sul e Moçambique: aprender e saltar para novas fronteiras. Apud, Dinâmicas da Ocupação e do Uso da Terra em Mocambique: Carlos Manuel Serra e João Carrilho (Coordenação), Escolar Editora, 2013, págs. 130-131. 179 Anna Locke: Mozambique Land Policy Development: Case Study, March 2014, pag. 5. 206 Em finais de 2012 entrou em funcionamento um Sistema de Gestão de Informação sobre Terras- - (SiGIT) na extinta Direcção Nacional de Terras e Florestas do Ministério da Agricultura, actual Direcção Nacional de Terras do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) e em todas as províncias e 8 municípios da zona norte: dois em Cabo Delgado, dois em Niassa, dois em Nampula e dois na Zambézia, para melhorar os processos de cadastro de terras. O SiGIT permite a preparação de relatórios agregados, a aplicação de filtros, a pesquisa de ficheiros, a visualização dos limites das terras e sua localização geográfica. O sistema é eficiente e fiável, pese embora o seu alto custo180. III. Principais Constrangimentos e Oportunidades a) Aspectos legais Do ponto de vista jurídico-legal, e tendo sempre em linha de conta que a terra é propriedade (supra), exclusiva do Estado, a lei protege de igual modo as três formas de aquisição do DUAT. Contudo, perante a predominância de altas taxas de ocupação informal e não registada da terra, os detentores de DUAT registado, nomeadamente investidores privados, gozam geralmente de maior protecção do Estado, quando em conflito com ocupantes legítimos desprovidos daquele título: como escreve Tanner: "Enquanto os camponeses não conseguem demonstrar um uso efectivo das ‘terras comunitárias’, (…) na óptica de alguns dirigentes e políticos, é justificável entregar estas terras aos interesses económicos que têm uma maior capacidade de as cultivar"181. Esta realidade deverá, contudo, sofrer alteração significativa, com a implementação do programa "Terra Segura", lançado em 2015 pelo governo. À luz deste programa, o governo espera emitir cinco milhões de títulos de DUAT até 2019, sendo igualmente delimitados, zoneados e registados no Sistema de Informação e Gestão de Terras (SIGIT). Por outro lado, um dos mecanismos de registo de DUAT é aquele que ocorre ao abrigo do Código de Registro Predial, junto do Ministério da Justiça182, uma modalidade aplicada em particular em casos de hipotecas. Porém, esta modalidade transporta consigo aspectos discriminatórios, ficando muito longe do alcance da maioria dos cidadãos, pelas seguintes razões: a) O registo ao abrigo do Código de Registro Predial requer o pagamento de 11% do valor da propriedade registada (SISA);183 b) Requer posse de Bilhete de Identidade, documento ainda fora do alcance da maioria da população; c) Ao criar uma 180Cf:Policy note on Forest, Environment and Land Information Management Systems in Mozambique, 181Christopher Tanner: Valorizar a terra em Mocambique: um processo inclusivo ou divisivo? Apud Dinâmicas da Ocupação e do Uso da Terra em Mocambique: Carlos Manuel Serra e João Carrilho (Coordenação), Escolar Editora, 2013, págs. 130-131. 182 Lei de Terras, Artigo 14 e Regulamento da Lei de Terras, Artigo 20, alterado pelo Decreto nº 1/2003, de 18 de Fevereiro. 183 As taxas são pagas com base em cálculos dos custos dos vários aspectos do procedimento. Dados das taxas aplicadas como base deste cálculo são expostos no Diploma Ministerial n° 19/98. De 4 de Março. 207 presunção de legitimidade dos direitos, ele prevalece, em caso de conflitos, sobre qualquer ocupação legítima não documentada. Por outro lado ainda, têm sido publicados relatórios independentes, nomeadamente de instituições independentes de pesquisa e de organizações da sociedade civil184, acusando o Governo de ignorar, senão mesmo violar a lei, neste domínio. Um dos exemplos mais recentes (Maio de 2015) é um relatório de auditoria jurídica ao projecto de construção de uma fábrica de liquefação de gás natural (LNG) no Distrito de Palma (Cabo Delgado), afirmando que o Governo emitiu um DUAT para uma área de 7.000 ha de terra, sem obedecer aos procedimentos legais, nomeadamente no concernente às consultas comunitárias, a que se seguiria a expropriação formal do terreno em causa e as indemnizações devidas às comunidades locais afectadas, nos ternos da lei.185 Elemento também digno de particular preocupação: ao abrigo da lei, a atribuição de DUAT constitui matéria de publicação no Boletim da República (jornal oficial do governo), no que constituía um dos sistemas de informação pública fiáveis e relativamente acessível ao público; contudo esta prática deixou de existir, desde há aproximadamente uma década. A publicação de DUATs no B.R. é geralmente promovida pelos Serviços Provinciais de Geografia e Cadastro (SPGC), com custos inclusos no pagamento de qualquer pedido inicial, sem prejuízo do requerente poder optar por organizar a publicação directamente, por motivos de maior celeridade. Apesar da informação contida no BR não incluir dados espaciais, o mesmo documento contem, contudo, mapas esquemáticos, no caso de decisões tomadas pelo Conselho de Ministros. Não só porque permite aos interessados saber que determinadas terras se encontram legalmente, ocupadas como também apoiam os governos das províncias e dos distritos a gerirem melhor os territórios sob sua jurisdição. Entretanto, não sendo um problema apenas notável em sede de acesso a terra segura, a posse de Bilhete de Identidade (BI) pelas populações no meio rural constitui uma barreira adicional. Por exemplo, para o registo de DUAT ao abrigo do Código de Registro Predial, já não bastam testemunhas: exige-se posse do BI. Adicionalmente, o recurso a esta modalidade é apenas possível em Maputo e nas capitais provinciais, onde o Ministério da Justiça dispõe de instituições habilitadas para o efeito. Deve registar- se, contudo, que formas alternativas ao BI têm sido adoptadas: aquando da implementação do Projecto de Acesso Seguro à Terra, foram adoptados documentos alternativos para que aqueles que não possuíssem BI pudessem ser registados para a atribuição de títulos de DUAT. Assim, foram usados como documentos alternativos: o cartão de eleitor, a cédula pessoal ou uma declaração da estrutura administrativa do bairro ou aldeia. 184 Por todos, dentro do país, ver relatórios do CTV e da OMR, nas seguintes páginas da Internet: www.ctv.org.mz e omrmz.org 185Relatório de auditoria jurídica independente disponível na seguinte página da Internet: www.civilinfo.org.mz 208 Finalmente, deverá sublinhar-se que, muito para além do quadro legal e institucional, o principal desafio à institucionalização de um sistema eficaz e eficiente de disponibilização pública de informação sobre a administração da terra recai sobre a natureza da administração pública moçambicana, a qual é caracterizada por uma forte cultura de secretismo em torno de assuntos de interesse público e de opacidade sobre o funcionamento e a organização de instituições. E este será certamente o principal entrave à implementação da Lei n°34/2014 (Lei do Direito à Informação), diploma legal que determina a obrigatoriedade das entidades públicas e privadas exercendo actividades de interesse público, de colocarem a informação de interesse geral na sua posse à disposição dos cidadãos. Por exemplo: o acesso aos assentos do registo de terras no Tombo de Terras da DNT não é totalmente livre, pois em princípio o acesso é apenas permitido ao requerente que demonstre possui interesse legítimo na informação requerida, sob o pretexto de protecção da privacidade de terceiros. Contudo, estas práticas não se acham reguladas em qualquer documento oficial, o que abre espaço para largo campo de discricionariedade do funcionário. Como referido acima, a introdução do SiGIT, no quadro da implementação do Projecto Acesso Seguro à Terra, financiado pelo MCA, em 2012 foi mais uma tentativa, numa longa história da DNT (antes DNTF), visando permitir a disponibilização de informação fiável sobre terras para o uso por instituições públicas e privadas na prossecução dos seus objectivos. O SiGIT será considerado uma ferramenta útil tanto para as instituições ligadas à administração e gestão de terras como para o público em geral quando de facto permitir a todos os interessados o almejado acesso à informação sobre terras. É importante realçar aqui que o funcionamento pleno do SiGIT não é ainda uma realidade devido a problemas de vária ordem, nomeadamente: a capacidade técnica para gerir o sistema (potencialmente o maior de todos os desafios); a ineficiência da Internet, a falta de estabilidade da energia eléctrica, para além de problemas ligados ainda à própria arquitectura do sistema, ainda em processo de aprimoramento. b) Aspectos institucionais 1. Uma das mais importantes fragilidades institucionais, que sempre produziram grande impacto sobre a sistematização e disponibilização pública de informação sobre a administração de terras, derivava da existência de diferentes instituições do Estado lidando com matérias de gestão da terra. Tais eram os casos dos Ministérios da Agricultura; da Coordenação da Acção Ambiental e do Ministério do Turismo. A criação, pelo presente Governo, do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural lança a expectativa de que venha a ser possível a criação de mecanismos de uma melhor captação, sistematização e gestão de informação sobre os sistemas de cadastro e registo da terra. O MITADER foi criado integrando Direcções Nacionais que pertenciam aos Ministérios da Agricultura, da Coordenação da Acção Ambiental, da Administração Estatal e do Turismo. Os sistemas de 209 coordenação e complementaridade entre as diferentes Direcções dentro do novo Ministério estão ainda longe da engrenagem ideal. O processo de cadastro e registo de terras, que constitui o conjunto de actividades da administração de terras, compete à actual Direcção Nacional de Terras (DINAT) do MITADER, como instância superior onde toda a informação nacional relevante vai desaguar e é sistematizada, enquanto as actividades de planeamento do uso da terra que correspondem à gestão de terras, competem à Direcção Nacional do Planeamento e Ordenamento do Território do mesmo Ministério. De acordo com um relatório do Banco Mundial, "Enabling the business of Agriculture – EBA186, publicado em 2015, em Moçambique, um pequeno agricultor deve realizar pelo menos 10 procedimentos diferentes para registar a sua própria terra que vem ocupando/ explorando em boa-fé. O mesmo relatório afirma também que a tramitação do DUAT demora mais de um ano e que os custos associados são cerca de 36,5% do valor estimado da terra/propriedade ocupada; na maioria dos países este valor é inferior a 2%. Até 2005 os diferentes departamentos ou serviços com papéis relevantes na gestão da terra haviam identificado e reconhecido a necessidade de estabelecerem sistemas de informação interligados, o que corresponderia a um certo grau na constituição do Cadastro Nacional de Terras previsto no artigo 5 da Lei de Terras. Porém, este processo não foi continuado, ao longo dos 10 anos que se seguiram. Por seu lado, a ligação entre estas instituições e o Registo Predial é também frágil. Registo Predial: legado histórico e constrangimentos O registo predial tem como finalidade dar publicidade à situação jurídica dos prédios e, no caso em apreço, agilizar o acesso à terra e garantir a segurança do direito de uso e aproveitamento da terra, ao permitir que terceiros possam ter conhecimento do mesmo e respeitem os direitos dos respectivos titulares inscritos. Nos termos da Lei187, estão sujeitos a registo, junto das Conservatórias do Registo Predial, os seguintes factos: a) A autorização provisória do pedido de DUAT; b) O Titulo; c) Os factos jurídicos que determinam a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou modificação de servidões; d) Os contratos de cessão de exploração celebrados para a exploração parcial ou total de prédios rústicos ou urbanos; e) Os demais factos previstos na legislação aplicável. 186Relatório disponível em: http://eba.worldbank.org/ 187 Decreto nº1/2003, de 18 de Fevereiro. 210 Importa referir, desde já, o seguinte: todo o corpo básico que regula o instituto do registo predial, o Código de Registo Predial (CRP), vigora em Moçambique desde há quase 50 anos! Trata-se do CRP aprovado em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 47.611, de 28 de Março de 1967 e tornado extensivo às então "províncias ultramarinas" pela Portaria nº 23.088, de 23 de Dezembro de 1967 . Tal documento acha-se, evidentemente, desactualizado e profundamente desajustado face ao actual contexto legislativo e às significativas alterações políticas, económicas, sociais e tecnológicas ocorridas desde a independência do País em 1975188. Com efeito, uma série de alterações de fundo, do quadro político e legal atinente ao acesso, uso e aproveitamento da terra em Moçambique, introduzidas em sede da Constituição da Republica e leis regulamentares, tornaram o CRP obsoleto e anacrónico. A Constituição da Republica de 2004, a Politica Nacional de Terras (PNT)189, a Lei de Terras190, o Regulamento da Lei de Terras, o Regulamento do Solo Urbano (RSU) e o Anexo Técnico191, criaram um novo quadro legal relativo à terra. Nos termos deste quadro, a terra pertence ao Estado, e o seu uso e aproveitamento concretiza-se através da atribuição de uma nova figura jurídica de “direito de uso e aproveitamento da terra” (DUAT): ora, esta figura jurídica não foi minimamente acompanhada pelo competente ajustamento e adaptação do CRP. Por outro lado – e não menos importante! – a grande evolução tecnológica entretanto ocorrida, sobretudo em anos mais recentes, com a possibilidade de criação de plataformas digitais, consistentes e seguras, para a obtenção de todo o tipo de informações e para uma forte interacção entre o Estado, por um lado, e os cidadãos e as empresas, por outro, reclama igualmente um CRP que acolha as soluções de simplificação e desmaterialização ajustadas aos novos tempos. Como reflexo da natureza anacrónica deste diploma legal, o sistema de registo predial em Moçambique tem as seguintes fragilidades: Ele não é obrigatório, nem é efectuado oficiosamente, ocorrendo "por iniciativa dos titulares", salvo casos especificados na lei192: Assim, o registo depende da iniciativa de quem para tal tem legitimidade, dizendo a lei que têm legitimidade para requerer o ato de registo os sujeitos, ativos ou passivos, da respetiva relação jurídica e, de um modo geral, todas as pessoas que nele tenham interesse, bem como os representantes de uns e outros (cf. Artigos 87 e seguintes do CRP); 188 Cf. Revisão de Procedimentos de Registo Predial de Moçambique Estudo Legal: Raposo Subtil e Associados – Sociedade de Advogados, para a USAID/ SPEED, Maio de 2015. 189Cf. Resolução do Conselho de Ministros n.º 10/95, de 17 de Outubro 190 Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro, 191 Aprovados respectivamente pelo Decreto n.º 66/98, de 8 de Dezembro; pelo Decreto n.º 60/2006, de 26 de Dezembro e pelo Diploma Ministerial nº 29-A/2000, de 17 de Março. 192 Cf.nº1 do art. 20 da Lei de Terras, e artigo 4º do Decreto-Lei nº 47611, de 28 de Março) 211 a) O sistema está organizado de forma descentralizada, não existindo um registo central: nele vigora, pelo contrário, a regra da competência territorial, significando que os actos de registo predial têm de ser requeridos e efectuados na conservatória da área de localização do prédio e as certidões dos factos registados têm de ser requeridas e emitidas por essa conservatória (cf. Artigo 27 e seguintes do CRP); b) Característica muito crítica: o sistema é caracterizado por falta de conexão entre os diversos serviços intervenientes no processo de registo (nomeadamente entre os Municípios e o Registo Predial); c) Por outro lado, o cadastro da terra encontra-se disperso por diferentes suportes e organismos (provinciais, distritais, municipais, além do Cadastro Nacional de Terras). d) O modelo de registo predial está ainda organizado pelo sistema do fólio real, ou seja: é primordialmente organizado com base na descrição dos prédios, tendo como suporte do registo dessa descrição, a utilização de diferentes livros físicos, com cotas de remissão de uns para outros. Tal modelo é muito vulnerável ao erro humano, com todos os inconvenientes de segurança e de certeza jurídica que esse risco acarreta; e) O processo de registo é percepcionado como de uma excessiva burocratização, criando a necessidade de recurso à intervenção de intermediários que tratam dos aspectos burocráticos nos serviços de registo e que cobram valores de honorários excessivos face ao trabalho efectivamente realizado. Entre várias consequências, o prevalecente sistema de registo predial comporta as seguintes: a) Persistência da regra da competência territorial, em vez de um sistema de registo de âmbito nacional, consistente e sólido, baseado no uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC); b) Não prevendo a obrigatoriedade do registo, o sistema dificulta uma harmonia entre o registo e o cadastro, evoluindo paulatinamente, à medida que mais áreas, desde logo municipais, são devidamente cadastradas. c) Por falta de conectividade e ligação entre os diferentes serviços relevantes, tornando o sistema vulnerável a situações de burla em que, por exemplo, após a emissão do título de DUAT, o titular requer o seu registo mais do que uma vez, podendo, assim, obter dois créditos para edificar um prédio sobre o mesmo terreno). Uma auditoria realizada ao funcionamento e organização da Conservatória do Registo Predial de publicado em 2015193, detectou, entre outros, os seguintes constrangimentos relevantes: 193 Revisão de Procedimentos de Registo Predial de Moçambique….op.cit. 212  Desorganização dos livros na sala onde estão armazenados;  Livros mais antigos em péssimo estado de conservação;  Livre circulação dos utentes (entram na Conservatória e assistem ao processo de verificação/triagem, ou dialogam com os funcionários nas diferentes salas);  Insegurança técnica dos funcionários (falta de preparação para lidar com situações um pouco mais complexas);  Erros nas cotas de remissão da descrição para as inscrições ou destas para a descrição, ou na passagem de livros, o que coloca em causa a segurança jurídica e provoca problemas de difícil solução e atrasos, para além de erros na emissão de certidões;  Mau estado geral das instalações ao nível das condições de segurança dos livros de registos que nela estão guardados, bem como dos equipamentos instalados ou a instala. Visando a simplificação, desmaterialização e desformalização da área do registo predial, um relatório de diagnóstico (COWI, 2014) faz, entre outras, as seguintes recomendações: 1) Simplificação de Procedimentos; 2) Informatização e recurso massivo às TIC’s para melhorar o funcionamento do registo predial e criar serviços modernos para os cidadãos e empresas; 3) Organização; 4) Revisão Legal do Código do Registo Predial e legislação conexa. Assim, um processo consistente e robusto, com o objectivo de modernizar os serviços de registo predial, incluindo no sentido de uma melhor articulação entre o Registo Predial e o Cadastro Nacional deverá dar prioridade à revisão do CRP, do qual deriva a natureza desarticulada do actual sistema.  Múltiplos sistemas, pouca fiabilidade e difícil sustentabilidade Um estudo recente194, identifica um rol de nós de estrangulamento no sistema de gestão de dados e de informação sobre a terra. A análise que se segue resume essencialmente as constatações e conclusões desse estudo.  Falta de informação em tempo útil, consistente e dados consistentes e precisos, para apoiar a formulação de decisões de políticas sonantes e uma planificação baseadas em evidências. O actual fluxo de informação e de transferência de dados ocorre dos Distritos para a Província e desta para a Administração Central. Em muitas instâncias, neste processo, a transferência de informação e de dados é feita através de relatórios ou formatos digitais enviados através de correio electrónico. De uma 194Police note on Forest…op.cit. 213 forma geral, os dados básicos são compilados através de relatórios; de fraca qualidade e intempestividade dos dados que não oferecem garantias de apoiar a tomada de decisões seguras, baseadas em evidências. A troca de dados dentro do Ministério e a partilha de conhecimento são essencialmente feitas através de contactos directos, por via do correio electrónico ou do telefone. Na ausência de um processo claro de partilha de informação pode haver riscos em termos de segurança e de fiabilidade e precisão dos dados partilhados e disseminados. Por outro lado, muitas partes interessadas fora do Ministério (sociedade civil, ONGs, pesquisadores, sector privado…) não têm acesso fácil a dados e informação do MITADER. Por exemplo, no período da realização desta pesquisa (Outubro de 2015) a página da Internet do MITADER não estava activa.  Rumo à migração para sistemas digitais de informação Entretanto, muitas Direcções no MITADER estão a planear ou implementar sistemas já avançados de gestão de dados/informação, para apoiar as suas actividades do dia-a-dia e processos de reporte. Contudo, os diferentes sistemas, tendo origens e perfis autónomos, tendem a dispersar informação e dados fundamentais, em vez de os disponibilizar de forma mais sistemática e coordenada. Dois sistemas de gestão de dados estão actualmente operacionais e colocados a níveis central e provincial, a saber: O já mencionado Sistema de Gestão de Informação sobre terras (SiGIT), que entrou em funcionamento em finais de 2012, sob a alçada da Direcção Nacional de Terras; O Sistema de Gestão de Licenciamento Ambiental, (SGLA), sob a alçada da Direcção Nacional do Ambiente (DINAB), e que está operacional a nível central e em todas as províncias, para apoiar o registo de licenças ambientais. Este sistema está em processo de modernização como uma aplicação baseada na Web, para permitir confecção em tempo real entre as províncias e o nível central. Sistemas de Informação descoordenados O facto de o MITADER ter sido criado e integrando instituições de quatro ministérios diferentes, constitui um desafio redobrado, pois a harmonização e entrosamento entre as diferentes direcções ou áreas não será alcançada de forma imediata. Em termos de sistemas de informação, as diferentes direcções têm estado a trabalhar independentemente entre si. Existem planos e necessidades expressas de maior coerência entre as diferentes direcções; contudo, nesta fase, não existe integração das diferentes bases de dados, sistemas e plataformas. A única integração feita ocorreu no processo da elaboração do Plano Económico e Social (PES). 214 A gestão e administração dos diferentes sistemas de informação são realizadas de forma independente por cada Direcção, com pouca coordenação entre si. Não existe, presentemente, uma estratégia clara para a integração, harmonização, padronização e convergência de alguns serviços relacionados com gestão de informação, de modo a evitar duplicações e reforçar a eficiência dos custos. Exemplos de sistemas de outras instituições do Estado Fora do MITADER, existem outros modelos ou sistemas de informação que a instituição pode considerar, para desenvolver um sistema efectivo de informação, como os seguintes: Portal do Cadastro Mineiro: um exemplo a seguir Em Outubro de 2013, o Ministério dos Recursos Minerais de Moçambique lançou um portal que divulga informações sobre o cadastro mineiro do país e cujo objectivo é o “aumento da transparência e a promoção de investimentos no sector”. Desenvolvido pela empresa sul-africana Spatial Dimension, o “Portal do Cadastro Mineiro de Moçambique”195 permite visualizar todos os títulos e contratos mineiros do Estado moçambicano. A plataforma identifica e distingue seis diferentes autorizações, nomeadamente contratos, concessões mineiras, certificados mineiros, licença de prospecção e pesquisa, licença de reconhecimento e autorização de recursos minerais para construção e três tipologias de áreas reservadas. Ela permite ainda pesquisar os cadastros por via de um mapa ou do número da licença, nome da empresa e ainda das coordenadas geográficas de uma determinada zona. O Portal do Cadastro Mineiro, sendo de fácil acesso e consulta, e baseado no uso de TICs, apresenta-se como um modelo adequado, para a modernização dos serviços de registo predial de Moçambique. Sistema de Administração Financeira do Estado (E-SISTAFE), concebido para uma gestão efectiva e transparente das finanças públicas; O Balcão de Atendimento Único (BAU), uma plataforma criada para facilitar o acesso a serviços públicos aos cidadãos. c) Aspectos sociais De acordo com um relatório do Banco Mundial, "Enablingthe business ofAgriculture – EBA196, publicado em 2015, em Moçambique, um pequeno agricultor deve realizar pelo menos 10 procedimentos diferentes para registar a sua própria terra que vem ocupando/ explorando em boa-fé. O mesmo relatório afirma também que a tramitação do DUAT demora mais de um ano e que os custos associados são cerca de 36,5% do valor estimado da terra/propriedade ocupada; na maioria dos países este valor 195 Acessível no endereço electrónico: http://portals.flexicadastre.com/Mozambique/EN/ 196 Relatório disponível em: http://eba.worldbank.org/ 215 é inferior a 2%. O analfabetismo, o desconhecimento da lei e a pobreza continuam a ser factores importantes - mas não únicos - que contribuem para a perda de direitos de posse de terra da população, por falta de registo formal197. IV. Relevância e Adaptabilidade de Indicadores e Dimensões Os Indicadores e Dimensões desta secção provaram-se relevantes e adaptáveis ao contexto político, legal, institucional e social de Moçambique, pois através deles foi possível fazer um diagnóstico focalizado sobre as principais questões em torno da problemática do registo e cadastro de terras em Moçambique. Algumas dúvidas surgidas sobre o sentido a dar a expressões como "terras privadas" ou "terras particulares" foram ultrapassadas de forma pragmática: atribuindo tal terminologia com o significado de terras elegíveis a DUAT, em oposição a terras que sejam definidas pela lei como sendo: (a) do domínio público do Estado ou zonas de protecção total ou parcial198. Em outras ocasiões, palavras ou expressões constantes do "Manual de Avaliação da Governança Fundiária", pouco compreensíveis para a linguagem portuguesa de Mocambique foram alteradas, a exemplo das seguintes: "registro" (registo); "confiabilidade" (fiabilidade); "gravames" (limitações), etc … V. Análise dos Indicadores e Dimensões Indicador 1: Mecanismos para o Reconhecimento de Direitos 1.1. Dimensão 1: A posse da terra pelos pobres pode ser formalizada em conformidade com as normas locais, em um processo eficiente e transparente. Painel Ind. Dim. Mecanismos para o Reconhecimento de Direitos A posse da terra pelos pobres pode ser formalizada em 6 1 1 conformidade com as normas locais, em um processo eficiente e transparente A: Existe um processo claro e prático para o reconhecimento formal B:Existe um processo de posse e esse processo é implementado de forma efectiva, claro e prático para o consistente e transparente reconhecimento formal de posse, mas B: Existe um processo claro e prático para o reconhecimento esse processo não é formal de posse, mas esse processo não é implementado de implementado de forma efectiva, consistente ou transparente forma efectiva, C: O processo para o reconhecimento formal de posse não é claro e consistente ou não é implementado de forma efectiva, consistente e transparente transparente D: Não existe um processo para reconhecimento formal de posse 197Cf. Christopher Tanner: Valorizar a terra em Moçambique: um processo inclusivo ou divisivo? Apud Carlos Manuel Serra e Joao Carrilho (Coord.): Dinâmicas da Ocupação e do Uso da Terra em Mocambique, Escolar Editora, 2013, pag.129 198Cf. arts. 6, 7 e 8 , conjugados com o art.º. 9 da Lei n° 19/97, de 1 de Outubro (Lei de Terras). 216 Análise A Lei de Terras inclui no seu texto preceitos que protegem direitos adquiridos por pessoas singulares e comunidades locais ("pessoas pobres"), que os tenham adquirido, observando normas e práticas costumeiras, desde que estas não violem a Constituição. Nesse sentido, os artigos 12 e 24 da Lei de Terras estabelecem as formas de aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra, por parte das comunidades locais e sua participação na gestão e resolução de conflitos sobre a terra. Assim, nos termos do art. 12 da Lei de Terras, o DUAT pode ser adquirido por qualquer das seguintes três vias: a) Ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo as normas e práticas costumeiras no que não contrariem a constituição; b) Ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos dez anos c) Autorização de pedido apresentado por pessoas singulares ou colectivas na forma estabelecida na presente Lei. Como forma de tornar mais efectivos os fins almejados por este quadro dispositivos legais, o governo lançou, em 2015, o programa "terra segura", cuja implementação reforça o acesso fácil a este recurso por pessoas pobres. Em acréscimo, o RLT (art.9) determina que as comunidades locais que estejam a ocupar a terra segundo práticas costumeiras adquirem o direito de uso e aproveitamento da terra. Significa, portanto que através de testemunhas, ocupantes locais de terra podem adquirir DUAT, quer por via do direito consuetudinário, quer por via da ocupação de boa-fé, de pelo menos 10 anos. O processo de formalização da posse da terra por pessoas pobres inclui a sua participação nos seguintes processos: a) Na delimitação de áreas ocupadas por comunidades locais, em que, por força da lei, as equipas de trabalho que orientam a delimitação devem trabalhar "com homens e mulheres e com os diversos grupos socioeconómicos e etários das comunidades locais e com os vizinhos199,200. b) Na delimitação de áreas ocupadas por pessoas singulares nacionais de boa-fé201 199 Cf. nº 2 e 3 do art… do Anexo Técnico do RLT. 200 Cf. nº3, idem 201 Cf. art.14, idem. 217 c) Realização da delimitação, fase em que representantes da comunidade local, escolhidos em reuniões públicas, assinam a os Formulários e as Actas documentando o conteúdo e a participação da comunidade nas sessões de informação e divulgação, precedentes202. Por outro lado ainda, em caso de divergências entre os limites das áreas das comunidades, estabelecidos por via costumeira, e os limites das medições, a lei confere predominância aos limites estabelecidos por via costumeira203· Existem, porém, excepções de aquisição do DUAT pelas comunidades locais: são os casos em que a ocupação recaia sobre áreas reservadas legalmente para qualquer fim ou seja exercida nas áreas de protecção parcial (cf.nº2 do art.9 do RLT). Conclui-se, pois, que, é aplicável a opção B. O quadro legal estabelece regras claras, cobrindo a formalização da posse de terra com base em normas costumeiras locais. Os direitos de uso e aproveitamento da Terra têm o mesmo valor jurídico dos DUATs formalmente atribuídos a particulares e a entidades pelo Governo204. Contudo, os processos de formalização da posse de terra segundo normas costumeiras são frequentemente afectados por fraquezas institucionais, que provocam ineficiências e algum grau de discricionariedade, em particular ao nível local. 1.2 Dimensão 2: Provas não documentais são efectivamente usadas para ajudar a determinar os direitos Painel Ind. Dim. Mecanismos para o Reconhecimento de Direitos Provas não documentais são efectivamente usadas para ajudar a 6 1 2 determinar os direitos B: Formas não A: As formas não documentais de evidências são usadas para obter o documentais de reconhecimento pleno das reivindicações à propriedade, quando não evidências são usadas se dispõe de outras formas de evidência para obter o B: Formas não documentais de evidências são usadas para obter o reconhecimento de reconhecimento de uma reivindicação de propriedade, juntamente uma reivindicação de com outros documentos (p.ex. receitas fiscais ou notas de compra propriedade, informais), quando outras formas de evidências não estiverem juntamente com disponíveis. Têm praticamente o mesmo poder que os documentos outros documentos fornecidos (p.ex. receitas fiscais ou notas de compra C: Formas não documentais de evidências são usadas para obter o informais), quando reconhecimento de uma reivindicação de propriedade, juntamente outras formas de com outros documentos (p.ex. receitas fiscais ou notas de compra 202 Cf. Arts.6 e 8 , idem. 203 Cf. Nº2 do art.16 do Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras 204 Cf. art.12 da Lei 17/97 , de 1 de Outubro,(Lei de Terras) e art.º. 9 do Decreto n° 66/98 (Regulamento da Lei de Terras). 218 evidências não informais), quando outras formas de evidências não estiverem estiverem disponíveis. disponíveis. Têm menos poder do que os documentos fornecidos Têm praticamente o mesmo poder que os D: Formas não documentais de evidências quase nunca são usadas documentos para obter o reconhecimento de reivindicação de propriedade fornecidos Análise Em acréscimo aos preceitos gerais de protecção de direitos adquiridos que a Lei de Terras inclui no seu texto, referidos na dimensão anterior (Supra), importa, nesta dimensão, acrescentar o seguinte: Havendo necessidade de provar a legitimidade de titular do direito de uso e aproveitamento da terra, a lei consagra a figura "prova testemunhal", apresentada por quem tenha conhecimento da aquisição do direito por ocupação" (cf. artigo 21º do Regulamento da Lei de Terras205). E, no caso de reivindicação do DUAT por duas partes, apresentando ambas provas testemunhal, prevalecerá o direito adquirido em primeiro lugar, excepto se a aquisição tiver sido de boa-fé e dure há pelo menos dez anos (cf. nº2 do art.21º). Significa, portanto que através de testemunhas, ocupantes locais de terra podem adquirir DUAT, quer por via do direito consuetudinário, quer por via da ocupação de boa-fé, de pelo menos 10 anos. Mesmo no caso em que um dos pretendentes exiba documento de registo do DUAT, se a legitimidade deste documento não for confirmada por testemunhas idóneas, este direito pode ser atribuído ao pretendente apoiado por estas, pois este facto pode ser indício de que o registo exibido foi obtido por vias fraudulentas. Na base destes elementos conclui-se que é aplicável, para esta dimensão, a opção B. 1.3. Dimensão 3:É reconhecida formalmente a posse indisputada por longo prazo Painel Ind. Dim. Mecanismos para o Reconhecimento de Direitos É reconhecida formalmente a posse indisputada por longo 6 1 3 prazo A: Existe uma A: Existe uma legislação que reconhece formalmente a posse legislação que incontestada, de longo prazo e por isso se aplica a terras reconhece públicas e privadas, apesar de diferentes regras poderem ser formalmente a posse aplicadas incontestada, de longo B: Existe uma legislação que reconhece formalmente a posse prazo e por isso se incontestada, de longo prazo, mas isso se aplica somente a um tipo aplica a terras públicas específico de terra (p.ex: terras públicas ou privadas) e privadas, apesar de 205 Decreto nº66/98, de 8 de Dezembro. 219 diferentes regras C: Existe legislação que reconhece formalmente a posse poderem ser aplicadas. incontestada, de longo prazo, mas devido ao modo como essa legislação é implementada, um reconhecimento formal é concedido muito poucos requerentes ou a nenhum requerente para fins de reconhecimento em terras públicas ou privadas D: Não existe legislação que reconheça formalmente a posse incontestada de longo prazo Análise A Lei de Terras estabelece, como uma das formas de aquisição do DUAT, a ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos dez anos. Portanto esta regra é apenas aplicada a pessoas singulares nacionais. Com base neste princípio, este grupo de ocupantes de terra pode registar o seu direito junto das autoridades. Contudo, a larga maioria da população desconhece o processo e aqueles que o conhecem consideram os seus custos muito proibitivos.206 Nesse sentido, a conclui-se que é aplicável a opção A. 1.4. Dimensão 4: O registo dos direitos pela primeira vez a pedido do interessado inclui salvaguardas apropriadas e o acesso não está restrito por tarifas altas Painel Ind. Dim. Mecanismos para o Reconhecimento de Direitos O registo dos direitos pela primeira vez a pedido do interessado 6 1 4 inclui salvaguardas apropriadas e o acesso não está restrito por tarifas altas A: O registo de direitos pela primeira vez a pedido do interessado C: O registo de inclui salvaguardas apropriadas para impedir o abuso e que os direitos pela primeira custos não excedam 0.5% do valor da propriedade vez a pedido do interessado inclui B: O registo de direitos pela primeira vez a pedido do interessado salvaguardas inclui salvaguardas apropriadas para impedir o abuso e que os apropriadas para custos não excedam 2% do valor da propriedade impedir o abuso e que os custos não C: O registo de direitos pela primeira vez a pedido do excedam 5% do valor interessado inclui salvaguardas apropriadas para impedir o da propriedade abuso e que os custos não excedam 5% do valor da propriedade 206 Property rights and resource governance. Mozambique, USAID PROFILE, September 2010, Maputo." Um pequeno agricultor deve realizar pelo menos 10 procedimentos diferentes para registar a sua própria terra que vem ocupando/ explorando em boa- fé. O mesmo relatório confirma também que a tramitação do DUAT demora mais de um ano e que os custos associados são cerca de 36,5% do valor estimado da terra/propriedade ocupada; na maioria dos países este valor é inferior a 2%. Isto ilustra os obstáculos existentes em Moçambique no acesso autorizado da terra. 220 D: O registo de direitos a pedido de partes não inclui salvaguardas apropriadas para impedir o abuso ou custos superiores a 5% do valor da propriedade Análise O ponto de partida segundo o qual "O registo de direitos pela primeira vez a pedido do interessado inclui salvaguardas apropriadas para impedir o abuso e que os custos não excedam 0.5% do valor da propriedade" não é aplicável a Moçambique, onde a terra não tem valor de transacção no mercado. Como sugestão, consensualizada durante os debates do painel, poder-se-ia estabelecer como valor de comparação para o registo de direitos pela primeira, o salário mínimo do sector agrícola, fixado nos 3.183 meticais em 2015. Contudo, fora de quaisquer considerandos mercadológicos, a lei estabelece um conjunto de garantias e salvaguardas em sede do registo, como as que se seguem: a) Registo por uma comunidade local que esteja a ocupar a terra segundo as práticas costumeiras (art.9 da LT). Neste caso, a salvaguarda do direito estabelece-se através de delimitação da área ocupadas pela comunidade (art.5 do ATRLT), processo que culmina com a emissão de uma certidão dos Serviços de Cadastro, contendo os dados do registo, e que é entregue à comunidade (cf.nº4 do art.13 do ATRLT). b) Atribuição de DUAT a pessoa singular nacional por ocupação de boa-fé (art.10 da LT). Neste caso, o requerente que ocupa a terra há pelo menos 10 anos adquire o DUAT. A delimitação e o registo segue o mesmo processo estabelecido acima (relativo a delimitação de áreas ocupadas por comunidades locais). Aqui inclui-se, nomeadamente a obrigatoriedade de consulta à comunidade local, através da figura do diagnóstico participativo. Contudo, o DUAT adquirido por ocupação pelas comunidades locais e por pessoas singulares nacionais fica sempre salvaguardado, mesmo nos seguintes casos: ausência de registo; ausência de título ou de demarcação, nos termos dos números 2 do artigo 14 da LT e do art.15 do ATRLT. Adicionalmente, a lei estabelece que, no caso de reivindicação do DUAT por duas partes, apresentando ambas provas testemunhal, prevalecerá o direito adquirido em primeiro lugar, excepto se a aquisição tiver sido de boa-fé e dure há pelo menos dez anos (cf. nº2 do art.21º). c) Aquisição do DUAT por autorização de um pedido (art., 25 da LT), Este é o caso em que o DUAT é adquirido na sequência de pedido efectuado por pessoas singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras. O pedido destinar-se-á a implementação de um empreendimento ou à exploração da própria terra, segundo planos de implementação calendarizados. Durante este período, a autorização 221 do DUAT será provisória; só passando a definitivo quando constatada a realização empreendimento ou o cumprimento do plano de exploração. Custos e processo de registo O registo dos direitos pela primeira vez a pedido do interessado implica a delimitação do terreno em causa. A este respeito, existem duas modalidades de delimitação : (i) Quando a delimitação for efectuada por causa da existência de conflitos, a Administração Local decide a divisão dos custos entre as partes interessadas; (ii) quando a delimitação tiver sido suscitada por causa de novas actividades económicas e ou projectos e planos de desenvolvimento, os custos são suportados pelos investidores: cf.al.(a) e (b) do art.7 do ATRLT). Taxa e custos para a obtenção de um DUAT207 Acto Valor Esboço 200,00MT Custos 600,00MT Valor apurado de acordo com as seguintes fórmulas: Levantamento = Técnico x dias + (5,000,00MT x km). Consulta = Técnico x dias + (5.000,00MT x km). Em que: Levantamento e consulta à a) Técnico: comunidade -Superior: 600 MT -Médio: 487,50 -Básico: 397,50 b) Km – corresponde à distância entre a sede e a terra pedida, ao valor de 5,00MT/km Taxa de Pedido Facto Valor Autorização provisória 1,500.00 MT 750,00 MT Autorização definitiva (1/2 do valor da taxa de autorização provisória 207De acordo com o Relatório do quadro legal para o reconhecimento e a obtenção de direitos em áreas rurais, pags.45 e segs, desenvolvido pela Sal&Caldeira Advogados, para a USAID.Agosto de 2012. 222 Contudo, de acordo com alguns estudos208, os custos e processos reais de registo de DUAT tendem a ser desencorajadores para a maioria da população. Assim, " um pequeno agricultor deve realizar pelo menos 10 procedimentos diferentes para registar a sua própria terra que vem ocupando/ explorando em boa-fé" O mesmo estudo afirma ainda que a tramitação do DUAT demora mais de um ano e que os custos associados são cerca de 36,5% do valor estimado da terra/propriedade ocupada. Segundo este estudo, na maioria dos países este valor é inferior a 2%. Conclusão: No caso desta dimensão, nenhuma das opções será aplicável, pois as diferentes opções são baseadas em dados errados, relativamente aos custos de registo de transferência, considerado um pagamento de 11% do valor da propriedade registada. Não havendo referência de comparação à luz da legislação moçambicana, as opções consideradas não são aplicáveis. Indicador 2: Integridade do Registo de Terras 2.1. Dimensão 1: O custo total para registar uma transferência de propriedade é baixo Painel Ind. Dim. Integridade do Registo de Terras O custo total para registar uma transferência de propriedade é 6 2 1 baixo A: O custo total para registar uma transferência de propriedade é de menos de 1% do valor da propriedade (custos de tempo e N/A esforço, tarifas informais e oficiais, etc.) B: O custo do registo de transferência de propriedade é de 1% a menos de 2% do valor da propriedade. C: O custo do registo de transferência de propriedade é de 2% a menos de 5%; Análise No caso desta dimensão, nenhuma das opções será aplicável, pois as diferentes opções são baseadas em dados errados, relativamente aos custos de registo de transferência, considerado, no manual, um pagamento de 11% do valor da propriedade registada. Não havendo referência de comparação à luz da legislação moçambicana, as opções consideradas não são aplicáveis. A taxa de transferência de propriedade é avaliada sobre transferências de direitos de propriedade ou divisões de direitos de propriedade, passíveis de valoração monetária, em propriedades imóveis. Para os propósitos desta taxa, propriedade imóvel significa propriedade compreendendo edifícios e a terra 208 Idem, 223 sobre a qual o mesmo se encontra erguido (prédio urbano) no território nacional. O CRP fixa a taxa de transferência de propriedade em 2% (nº1 do Art.10 do CRP). 2.2. Dimensão 2: As informações contidas nos registos estão ligadas a mapas que reflectem a realidade actual Painel Ind. Dim. Integridade do Registo de Terras As informações contidas nos registos estão ligadas a mapas que 6 2 2 reflectem a realidade actual A: Mais de 90% das terras privadas registadas são facilmente B: Entre 70% e 90% identificáveis nos mapas (registos especiais) dos documentos B: Entre 70% e 90% dos documentos para as terras particulares para as terras inscritas no registo são prontamente identificáveis nos mapas do particulares registo ou cadastro inscritas no registo são prontamente C: Entre 50% e 70% dos documentos para as terras particulares identificáveis nos inscritas no registo são prontamente identificáveis nos mapas do mapas do registo ou registo ou cadastro cadastro D: Menos de 50% dos documentos para as terras particulares inscritas no registo são prontamente identificáveis nos mapas do registo ou cadastro “Pode-se considerar que menos de 50% dos documentos para as terras particulares inscritas no registo são prontamente identificáveis nos mapas cadastrais no sistema digital (SiGIT ainda em processo de aprimoramento).” Análise Nos termos da lei209, o Cadastro Nacional de Terras (CNT) estabelece as cartas topográficas que descrevem a paisagem em mapas, a diversas escalas, onde estão registadas as concessões e as ocupações de terras para os diversos usos, bem como todas as informações de ordem física, administrativa, social, económica e cultural que têm expressão geográfica. A responsabilidade pela elaboração, actualização e divulgação do CNT é do órgão central que superintende o sector da terra, a DNT, funcionando junto aos serviços de cadastro a nível provincial, distrital e municipal. O artigo 76.º do RLOT prevê a criação de uma base de dados nacional e centralizada, onde se encontrem disponíveis todas as informações de ordem geográfica e económico-social, incluindo as informações fisiográficas e morfológicas, sobre todos os sistemas infraestruturais, equipamentos sociais, cadastro e 209 Cf. artigo 55.º do RLOT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 23/98, de 1 de Julho 224 implantação geográfica e quantitativa dos dados dos assentamentos populacionais e socioeconómicos. Contudo, em Moçambique continuam a coexistir vários sistemas públicos de registo de imóveis, nomeadamente o registo predial e o CNT. O actual fluxo de informação e de transferência de dados ocorre dos Distritos para a Província e desta para a Administração Central. Em muitas instâncias, neste processo, a transferência de informação e de dados é feita através de relatórios ou formatos digitais enviados através de correio electrónico. Processualmente, a tramitação de qualquer DUAT segue os seguintes passos: a) Esboço da localização do terreno; b) Seu desenho e lançamento no mapa da respectiva região de localização da parcela (Atlas Cadastral). Com o uso de novas tecnologias (GPS) que facilitam o geo-referenciamento, tais esboços são desenhados, actualmente, com maior precisão. Nos programas massivos de regularização, para além dos mapas tradicionais, a DINAT recorre a imagem de satélite para a cartografia de base, pratica iniciada durante a implementação do Projecto de Acesso a Terra Segura, do MCA. De igual modo, para além de plantas cadastrais, os Municípios também usam imagem de satélite para os seus cadastros. Nessa medida, conclui-se que a opção para esta dimensão é “B”. 2.3. Dimensão 3: Todos os ónus privados relevantes são registados Painel Ind. Dim. Integridade do Registo de Terras 6 2 3 Todos os ónus privados relevantes são registados A: Ónus particulares relevantes são documentados de forma consistente e confiável e podem ser verificados a um custo baixo por C: Obstáculos qualquer parte interessada particulares relevantes são B: Ónus particulares relevantes são documentados de forma documentados, mas consistente, mas o custo de acessa-los é elevado isso não é feito de forma consistente e C: Ónus particulares relevantes são documentados, mas isso não é confiável feito de forma consistente e confiável D: Ónus privados relevantes não são documentados Análise: Esta dimensão aborda a relevância económica da informação contida no registo predial. Ónus economicamente relevantes incluem hipotecas ou penhoras. O Diploma Ministerial nº17/98, de 4 de Marco, na redacção dada pelo Diploma Ministerial nº 150/2001, de 3 de Outubro, actualizou as taxas de emolumentos e as taxas de reembolso dos actos praticados nos serviços de registo e notariado. Entre os de maior relevância económica são considerados os seguintes ónus: 225 Imposto Autárquico de SISA O SISA incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre os prédios urbanos situados em território nacional, destacando-se de entre os factos geradores de imposto, os seguintes: a compra e venda, a dação em cumprimento, a arrematação, a adjudicação por acordo ou decisão judicial, a constituição de usufruto, uso ou habitação, bem como a outorga de procuração e o substabelecimento de procuração, que confira poderes sobre um prédio urbano, em que por renúncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração210. Constitui valor tributável para efeitos do Imposto Autárquico da Sisa o montante declarado da transmissão ou do valor patrimonial do prédio urbano, consoante o valor mais elevado, a não ser que este se afaste do preço normal de mercado211. Na determinação do preço normal de mercado, deve o Presidente do Conselho Municipal ou de Povoação da situação dos prédios urbanos promover as acções de comprovação e fiscalização, considerando as operações realizadas entre compradores e vendedores independentes, de prédios com características semelhantes, tais como antiguidade, dimensões e localização. Porém, o artigo 100.º do CTA contém regras especiais quanto à determinação do valor tributável, destacando-se, as seguintes: a) Quando qualquer dos comproprietários ou quinhoeiros alienar o seu direito, o imposto é liquidado pela parte do valor patrimonial tributário que lhe corresponder ou pelo valor constante do ato ou do contrato, consoante o que for maior; b) Nas permutas de prédios urbanos, toma-se para base da liquidação a diferença declarada de valores, quando superior à diferença entre os valores patrimoniais tributários. As taxas/valor de imposto são os seguintes: a) Aquisição do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respectivos contratos: Verba da Tabela Facto Tributário Taxa Compra e venda, permuta e sessão onerosa 3.1. Sobre o valor 0,2% de bens imóveis 3.2 Doação entre vivos de bens imóveis Sobre o valor 0,4% 3.3 Partilhas ou divisão de bens imóveis Sobre o valor 0,2% 210 Cf. Art.99 do CT 211 Cf. Art. 96 do CT 226 Outras aquisições onerosas de bens 3.4 Sobre o valor 0,2% imóveis b) Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo do contrato Verba da tabela Facto tributário Valor Constituídas por prazo inferior a um ano - por cada mês ou fracção: 0,02% Aval, caução, fiança, garantia - Constituídas por prazo bancária autónoma e seguro caução 12.1 igual ou sobre o respectivo valor, em função superior a um ano: 0,2% do prazo - Constituídas sem prazo ou por prazo igual ou superior a cinco anos: 0,3% Sobre o respectivo valor: 12.2 Hipoteca e penhor 0,3 Tabela de emolumentos do registo predial Os ónus privados incluem as seguintes tabelas de emolumentos212: Artigo Acto Valor 1º Por cada apresentação no Diário 50,00MT 2º Por cada descrição 100,00MT 3º/1 Por cada inscrição (aquisição) 200,00MT Caso a inscrição seja de valor determinado Até 5 milhões de MT – 4 por 3º/2 e superior a 5 milhões de MT, acresce sobre mil. Acima de 5 milhões de o total do valor MT – 0,1 por mil Conclusão: o modelo de fixação de taxas e emolumentos é variável, para actos ou inscrições de igual natureza. Sugere-se uma mudança de paradigma, optando-se por valores fixos para actos ou inscrições de igual natureza. Entende-se que, através deste modelo, o valor dos emolumentos passe a ser mais 212 Cf. Diploma Ministerial nº 17/98, de 4 de Marco, na redacção dada pelo Diploma Ministerial nº 150/2001, de 5 de Outubro. 227 transparente, pois, ao contrário, o presente modelo baseia-se na soma aritmética de várias parcelas avulsas, muitas vezes incompreensíveis para o cidadão e empresas. Assim, a opção é “C”. 2.4. Dimensão 4: Todas as restrições ou gravames públicos relevantes são registados. Painel Ind. Dim. Integridade do Registo de Terras 6 2 4 Todas as restrições ou limites públicos relevantes são registados A: Restrições ou encargos públicos relevantes são documentados de forma consistente e confiável e podem ser verificados a um custo baixo C: Restrições ou por qualquer parte interessada encargos públicos relevantes são B: Restrições ou encargos públicos relevantes são documentados de documentados, mas forma consistente, mas o custo de acessá-los é elevado isso não é feito de forma consistente e C: Restrições ou encargos públicos relevantes são documentados, confiável mas isso não é feito de forma consistente e confiável D: Restrições ou encargos públicos relevantes não são documentados Análise: A legislação de terras prevê a existência de zonas de protecção total e zonas de protecção parcial, consideradas áreas do domínio público. Nos termos da Lei de Terras, nas zonas de protecção total e parcial não podem ser adquiridos DUATs, podendo, no entanto, serem emitidas licenças especiais para o exercício de actividades determinadas.213. Zonas de Protecção Total incluem áreas reservadas para a conservação da natureza e áreas de importância para a defesa nacional. Zonas de Protecção Parcial são áreas à volta de importantes infra-estruturas ou áreas contendo importantes recursos naturais. Embora não seja possível adquirir DUAT nestas áreas, licenças especiais para o exercício de determinadas actividades poderão ser concedidas214.. A legislação de florestas e fauna bravia também prevê a criação de zonas protegidas como parques, reservas, áreas com valor histórico ou cultural e coutadas oficiais. As zonas protegidas são consideradas parte do domínio público e são geridas pelo Governo através dos ministérios competentes. Por outro lado, e tal como referida na analise da dimensão anterior, a consulta ao cadastro de terras pelo público é objecto de fortes restrições, sob o pretexto de reserva da vida privada. Ora, esta pratica, que alias não se acha regulada em qualquer instrumento, contraria frontalmente a Lei do Direito à Informação, cujo artigo 10, sobre o Principio da Administração Pública, dispõe que 213Lei de Terras, Artigo 9 214Ibidem 228 "A Administração Pública aberta baseia-se na liberdade de acesso aos documentos e arquivos públicos, sem necessidade de o requerente demonstrar possuir interesse legítimo e directo no seu acesso, bem como a finalidade a que se destina a informação, salvo as restrições previstas na presente Lei e demais legislação". Nessa medida, conclui-se ser aplicável a esta dimensão a opção “C”. 2.5. Dimensão 5: Existe uma resposta oportuna aos pedidos de acesso aos assentos do registo Painel Ind. Dim. Integridade do Registo de Terras Existe uma resposta oportuna aos pedidos de acesso aos assentos do 6 2 5 registo A: As cópias ou extractos dos documentos que atestam os direitos à propriedade geralmente podem ser obtidos dentro de um dia após a solicitação C: Geralmente leva mais de uma B: As cópias ou extractos dos documentos que atestam os direitos à semana após a propriedade geralmente podem ser obtidos dentro de uma semana após solicitação para que a solicitação seja produzida uma cópia ou extracto C: Geralmente leva mais de uma semana após a solicitação para que dos documentos que seja produzida uma cópia ou extracto dos documentos que atestam atestam o direito à o direito à propriedade propriedade D: Não é raro que um extracto ou cópia de um documento não possa ser produzido em resposta a uma solicitação, porque o documento original não pode ser encontrado Análise: O acesso aos assentos de registo, na perspectiva do cidadão e do público em geral, continua muito limitado, sendo apenas aberto no plano interno. As autorizações provisórias e definitiva do DUAT devem ser publicadas no Boletim da República, de acordo com a Lei215. A publicação deve ser promovida pelos serviços de registo e cadastro. Na prática, incumbe aos serviços provinciais de geografia e cadastro a promoção da publicação dos DUATs no Boletim da República. Contudo esta prática não se verifica desde há alguns anos a esta parte. A classificação desta dimensão é “C”. 2.6. Dimensão 6: O registo (ou organização com informações sobre os direitos à terra) pode ser pesquisado. Painel Ind. Dim. Integridade do Registo de Terras 215Regulamento da Lei de Terras, Artigo 20. 229 O registo (ou organização com informações sobre os direitos à 6 2 6 terra) pode ser pesquisado A: Os documentos do registo podem ser pesquisados pelo nome do titular do direito e lote de terreno D: Os documentos do registo não B: Os documentos do registo somente podem ser pesquisados pelo podem ser nome do titular do direito pesquisados, nem pelo nome do titular C: Os documentos do registo somente podem ser pesquisados pelo lote do direito, nem pelo de terreno lote de terreno. D: Os documentos do registo não podem ser pesquisados, nem pelo nome do titular do direito, nem pelo lote de terreno Análise: Importa reiterar as restrições de pesquisa ao registo de terras, já referidas na análise das dimensões anteriores. Nesta dimensão em particular, constitui factor crítico a falta de sincronia entre o registo no Tombo de Terras e o Registo Predial. Conclui-se assim que a classificação é “D”. 2.7. Dimensão 7: Os registos de informação de terras são de acesso fácil Painel Ind. Dim. Integridade do Registo de Terras 6 2 7 Os registos de informação de terras são de acesso fácil. B: As cópias ou A: As cópias ou extractos dos documentos que atestam os direitos à extractos dos propriedade podem ser obtidos por qualquer pessoa que pague a taxa documentos que formal necessária, se houver atestam os direitos à propriedade B: As cópias ou extractos dos documentos que atestam os direitos somente podem ser à propriedade somente podem ser obtidos por intermediários e obtidos por por aqueles que demonstrarem interesse na propriedade intermediários e mediante pagamento da taxa formal necessária, se houver por aqueles que C: As cópias ou extractos dos documentos que atestam os direitos à demonstrarem propriedade somente podem ser obtidos por intermediários mediante interesse na pagamento da taxa formal necessária, se houver propriedade mediante D: Os documentos de direitos à terra não estão disponíveis ao público e pagamento da taxa somente podem ser obtidos mediante pagamento de taxa informal formal necessária, se houver. Análise: 230 O requerente de DUAT pode consultar os mapas nos SPGC; contudo, devido à persistência de taxas extremamente altas de ocupação informal e não documentada da terra, associado a crescentes ocupações externas, na maior parte das vezes os mapas ao nível nacional e provincial não estão harmonizados com a realidade no terreno. Esta realidade é ainda mais viva nas regiões onde predominam terras ocupadas tradicionalmente pelas comunidades locais, sem registo oficial e mapas oficiais de ocupação. A classificação desta dimensão é “B”. 3. Indicador 3: Fiabilidade216 da Informação do Registo 3.1. Dimensão 1:A informação nos registos públicos está sincronizada para assegurar a integridade de direitos e reduzir o custo das transacções Painel Ind. Dim. Fiabilidade da informação do Registo A informação nos registos públicos está sincronizada para 6 3 1 assegurar a integridade de direitos e reduzir o custo das transacções A: Existem enlaces para todo tipo de registo de informação de terras públicas; são realizadas verificações obrigatórias para garantir a legitimidade de qualquer transacção que afecte de maneira importante os direitos à terra de certas partes antes de serem finalizados D: Não existem B: Existem enlaces para todo tipo de registos de informação de terras enlaces relevantes públicas, porém verificações sobre a legitimidade das transacções que ou os que existem afectam os direitos às terras de certas partes são realizadas somente ex são poucos post C: Existem enlaces para alguns tipos de informação sobre terras e as verificações são insuficientes para eliminar um número significativo de transacções potencialmente fraudulentas. D: Não existem enlaces relevantes ou os que existem são poucos Análise: A aquisição de um DUAT nos termos da Lei, é precedido de uma série de procedimentos que visam garantir transparência e evitar conflitos entre diferentes partes interessadas (ver diagrama 1) O processo inclui inspecção do terreno a que se chama reconhecimento para se determinar a sua localização geográfica pelos meios topográficos bem como as benfeitorias nele existentes e ainda as consultas junto das comunidades, para determinar se a terra está ocupada. Uma sequência de 216 O termo original do Manual é "confiabilidade"; porem, o termo mais conforme o Português oficial de Moçambique é "fiabilidade"- 231 procedimentos está descrita em diploma legal específico217. Contudo, devido a fragilidades institucionais, este processo tem sido limitado à teoria, pois poucos serão os casos em que sejam realizadas verificações sistemáticas para garantir a legitimidade de qualquer transacção, de modo a que a mesma não afecte de maneira importante os direitos à terra de certas partes. Por essa e outras razões, vários conflitos de terra têm surgido, opondo comunidades locais e ocupantes privados, portadores de DUATs emitidos pelo Governo. Por isso várias organizações da sociedade civil e comunidades locais têm acusado o Governo e os investidores estrangeiros de reduzirem as consultas comunitárias a meras formalidades administrativas218. Diagrama 1: Processo Simplificado de Autorização do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) 217 Diploma Ministerial N°158/2011, de 15 de Junho e ainda Resolução n°70/2008, de 30 de Dezembro (para pedidos de extensões de terra superiores a 10.000 há). 218Existem vários relatórios abordando este assunto: por todos, ver: Hannah Twomey:OxfordDisplacement and dispossession through land grabbing in Mozambique; The limits of international and national legal instruments. Refugee Studies Centre, Oxford Department of International Development. University of Oxford, July 2014 232 Em conformidade com estes procedimentos legais, conclui-se ser aplicável, para esta dimensão, a opção “D”. 3.2. Dimensão 2: A informação do registo está actualizada e reflecte a realidade no terreno. Painel Ind. Dim. Fiabilidade da informação do Registo A informação do registo está actualizada e reflecte a realidade no 6 3 2 terreno A: Mais de 90% das informações sobre propriedade do registo/cadastro estão actualizadas C: Entre 50% e 70% B: Entre 70% e 90% das informações sobre propriedade do das informações registo/cadastro estão actualizadas sobre propriedade do registo/cadastro C: Entre 50% e 70% das informações sobre propriedade do estão actualizadas. registo/cadastro estão actualizadas D: Menos de 50% das informações sobre propriedade do registo/cadastro estão actualizadas A capacidade institucional para manter informações sobre propriedade actualizadas é ainda fraca, apesar de em processo de reforço, nomeadamente desde e a partir da implementação do projecto do MCA. Pode-se considerar que menos de 50% dos documentos para as terras particulares inscritas no registo são prontamente identificáveis nos mapas cadastrais no sistema digital (SiGIT ainda em processo de aprimoramento). Conclui-se por conseguinte ser aplicável a opção “C”. Indicador 4: Custo, efectividade e Sustentabilidade dos Serviços de Administração de Terras 4.1. Dimensão 1: O registo é financeiramente sustentável através da cobrança das tarifas para financiar suas operações Painel Ind. Dim. Fiabilidade da informação do Registo O registo é financeiramente sustentável através da cobrança das 6 4 1 tarifas para financiar suas operações A: As tarifas totais cobradas pelo registo excedem os custos operativos totais do registo. (os custos operativos totais incluem todos os custos de investimentos que não são capital (por exemplo D: O total de taxas salários, materiais, transporte, etc.) associados com os custos cobradas pelo operacionais do registo) registo é inferior a 50% dos seus B: O total de taxas cobradas pelo registo ultrapassa 90% dos seus custos operacionais custos operacionais C: O total de taxas cobradas pelo registo varia entre 50% e 90% dos seus custos operacionais 233 D: O total de taxas cobradas pelo registo é inferior a 50% dos seus custos operacionais Análise: O Regulamento da Lei de Terras estabelece o regime de taxas aplicáveis em sede do DUAT, sendo actualizadas periodicamente por Diploma Ministerial219. Existem dois tipos de taxas - as taxas de autorização e as taxas anuais. Os valores aplicados são diferentes para investidores nacionais e estrangeiros, e também para diferentes áreas do país e diferentes tipos de uso da terra. Os custos relacionados com o pedido e a atribuição de terra muitas vezes mostram-se mais pesados que as próprias taxas de autorização e as taxas anuais220: vide as tabelas em baixo. Ressalve-se contudo que o uso e aproveitamento da terra são gratuitos quando se destina às situações ou entidades a seguir mencionadas, conforme estabelecido na lei221:  ao Estado e suas instituições;  às associações de utilidade pública reconhecidas pelo Conselho de Ministros;  às explorações familiares, às comunidades locais e às pessoas singulares que as integrem;  às cooperativas e associações agro-pecuárias nacionais de pequena escala. Tabela 1: Taxas e Custos com o pedido de autorização do DUAT Item Custo (MT) 1 Esboço 200,00 2 Custos 600,00 3 Taxa da Comunidade 300,00 4 Formulário 10,00 Levantamento e consulta à comunidade 3 Técnico superior 600,00 Técnico Médio 487,50 Técnico Básico 397,50 Combustível 5,00 Tabela 2 : Formula usada para calcular o levantamento de terra (R) e a consulta comunitária 219 Regulamento da Lei de Terras, arts. 41, 42 e 44. 220 Cf.: O Quadro Legal para o Reconhecimento e a obtenção de Direitos de Terra em Áreas Rurais em Mocambique - Um Guia para a Legalização da Ocupação: ACIS, Edição III- Agosto 2012 221 Lei de Terras, art.29 234 Elotécnico x dias + (5,000.00MT x K) = MT C técnico x dias + (5,000.00MT x K) = Onde: L= Levantamento; C= Consulta à comunidade K distância em Km da sede à terra requerida Tabela 3: Taxas de pedido e Taxas Anuais Taxas de Pedido Taxa anual por Hectare Autorização provisória 1,500.00 MT Geral 75,00MT Autorização definitiva 750,00 MT Para agricultura 37,50MT Para criação de gado bovino, 5,00MT repovoamento de fauna bravia Turismo, habitação de ferias e 500,00 MT comercio, etc. Estas taxas são sujeitas a índices de ajustamento anuais, que variam de 2,0, conforme a classificação da Província, a dimensão do terreno e ainda a nacionalidade do titular, com benefício para o titular singular de nacionalidade moçambicana. Conclusão: estes dados indicam como aplicável a opção “D”. 4.2. Dimensão 2: O investimento na administração de terras é suficiente para atender demanda de serviços de alta qualidade Painel Ind. Dim. Fiabilidade da informação do Registo O investimento na administração de terras é suficiente para 6 4 2 atender a demanda de serviços de alta qualidade C: O investimento A: O investimento em recursos humanos e físicos é suficiente para em recursos alcançar e manter altos padrões de serviço e para responder humanos e capital proactivamente às necessidades futuras e aos novos desenvolvimentos físico é suficiente do sector para manter B: O investimento em recursos humanos e físicos é suficiente para padrões médios de manter altos padrões de serviço, porém não permite responder serviço porém não proactivamente às necessidades futuras e aos novos desenvolvimentos permitem adaptar- do sector se proactivamente a 235 novos C: O investimento em recursos humanos e capital físico é desenvolvimentos suficiente para manter padrões médios de serviço porém não permitem adaptar-se proactivamente a novos desenvolvimentos D: Existe pouco ou nenhum investimento em capital no sistema para documentar os direitos à terra Análise: Tem havido investimentos crescentes, acompanhados de planos de reforma institucional, como a recente criação do MITADER, cuja primeira mensagem é acolher numa mesma instituição serviços mutuamente complementares, antes dispersos por diferentes ministérios. A DINAT é responsável pela administração de terras. Sobre ela recai a responsabilidade de organizar e manter o registo do cadastro nacional de terras e é responsável pela tramitação final de pedidos de DUATs para áreas a partir de 1,000 ha, com o apoio de diferentes serviços provinciais e distritais que iniciam o processo a nível local (reconhecimento dos terrenos para a elaboração dos respectivos esboços bem como a organização e realização das consultas comunitárias). Contudo, continua ainda baixo o grau dos investimentos até agora realizados, nomeadamente com a finalidade de estabelecer serviços devidamente apetrechados em recursos humanos, técnicos e tecnológicos adequados à altura da demanda. Maior esforço devera ainda ser dedicado ao objectivo da sistematização, harmonização, entrosamento e comunicabilidade entre os diferentes departamentos e serviços concorrentes à administração de terras, nomeadamente dentro do MITADER. Nessa medida, os serviços garantidos nas províncias e nos distritos são mínimos, devido a falta de recursos humanos qualificados e da própria infra-estrutura física insuficiente (na maior parte dos casos não existem edifícios ou espaços adequados para o efeito). Em conclusão, considera-se aplicável, para esta dimensão, a opção “C”. 5. Indicador 5: As tarifas são determinadas de maneira transparente 5.1. Dimensão 1: As tarifas têm uma razão clara, seu cronograma é público e se presta conta de todos os pagamentos Painel Ind. Dim. As tarifas são determinadas de maneira transparente As tarifas têm uma razão clara, seu cronograma é público e se 6 5 1 presta conta de todos os pagamentos A: O público tem A: O público tem acesso a um cronograma de tarifas claro e acesso a um racional para distintos serviços e são emitidos recibos para todas cronograma de as transacções tarifas claro e racional para B: Um cronograma claro de taxas para os diferentes serviços não é distintos serviços e acessível ao público, mas são emitidos recibos para todas as são emitidos transacções 236 recibos para todas C: Um cronograma claro de taxas para os diferentes serviços é as transacções acessível ao público, mas não são emitidos recibos para todas as transacções D: Um cronograma claro de taxas para os diferentes serviços não é acessível ao público e não são emitidos recibos para todas as transacções Tal como referido na análise da Dimensão 1, da Categoria 4, o Regulamento da Lei de Terras estabelece o regime de taxas aplicáveis em sede do DUAT, sendo actualizadas periodicamente por Diploma Ministerial. Existem dois tipos de taxas - as taxas de autorização e as taxas anuais. Nessa medida, a conclusão para esta dimensão recai para a opção “A”. 5.2. Dimensão 2: Pagamentos informais são desencorajados Painel Ind. Dim. As tarifas são determinadas de maneira transparente 6 5 2 Pagamentos informais são desencorajados A: Em todos os escritórios de registo existem mecanismos para detectar e lidar com o comportamento ilegal dos funcionários e todos C: Em alguns os casos são prontamente tratados escritórios de registo existem B: Em todos os escritórios de registo existem mecanismos para mecanismos para detectar e lidar com o comportamento ilegal dos funcionários, mas os detectar e lidar com casos não são tratados sistematicamente ou prontamente o comportamento ilegal dos C: Em alguns escritórios de registo existem mecanismos para funcionários detectar e lidar com o comportamento ilegal dos funcionários D: Praticamente não existem mecanismos para detectar e lidar com o comportamento ilegal dos funcionários Análise Em algumas instituições existem mecanismos públicos para detectar e lidar com condutas ilegais dos funcionários, tais como "caixas de reclamações" ou "linhas verdes", contudo é palavra corrente que nas instituições de registo ocorrem práticas corruptas, consistido em receber dinheiro para desempenhar determinadas funções ou tomar determinadas decisões. A classificação desta dimensão é “C”. 5.3. Dimensão 3: Os padrões de serviço são publicados e monitora dos regularmente. Painel Ind. Dim. As tarifas são determinadas de maneira transparente 6 5 3 Os padrões de serviço são publicados e monitorados regularmente 237 A: Existem padrões de serviço publicados (incluindo lidar com o comportamento de pessoal ilegal) o registo monitora activamente seu desempenho comparando-o com estes padrões e os resultados são B: Existem padrões públicos de serviço publicados, porém o B: Existem padrões de serviço publicados, porém o registo não registo não monitora activamente seu desempenho em comparação com estes monitora padrões activamente seu desempenho em C: Foram estabelecido padrões de serviço, porém não foram publicados comparação com e existe uma tentativa de monitorar o desempenho destes padrões estes padrões D: Não foram determinados padrões de serviço e não foi feito a tentativa de monitorar o serviço aos clientes ou os comportamentos ilegais do pessoal Análise Existe vasta legislação regulando a conduta dos funcionários e agentes do Estado, na prestação de serviço público, como a Lei da Organização e Funcionamento da Administração Pública, a Lei da Probidade Pública, a Lei do Direito à Informação, entre outras. Contudo, a falta de mecanismos que garantam e fiscalizem o seu cumprimento reduz fortemente a relevância e eficácia destes diplomas legais. Uma forma de tornar estes diplomas legais úteis, nomeadamente na administração pública seria a sua integração em cada instituição, através da extracção das disposições com relevância particular para essa instituição, interpretando o seu alcance para as funções da instituição e, com base nos resultados, cada instituição elaborasse um plano de implementação monitorável periodicamente. Este seria o caso, para a implementação da Lei n°34/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Direito à Informação). Assim, a opção escolhida é “B” . VI. Conclusões e recomendações (politicas, estratégias, legislação e instituições) O estabelecimento de sistemas eficazes e consistentes, de recolha, sistematização e disponibilização de informação sobre a gestão da terra constitui um dos principais desafios a que Moçambique deve responder, rumo à boa governação fundiária. A forte pressão sobre a terra, nomeadamente por parte de investidores estrangeiros, esbate-se com uma alta fragilidade institucional do Estado, a qual, vezes sem conta, resulta em situações de incumprimento ou mesmo de clara violação da lei, geralmente em prejuízo das comunidades locais, detentoras de direitos sobre a terra não formalizados. Uma das consequências mais imediatas desta realidade é a irrupção de conflitos de terras. 238 Neste contexto, um esforço mais robusto, para o alargamento da delimitação de terras comunitárias, com a subsequente atribuição de DUATs, mostra-se como uma das vias mais rápidas e eficientes de construir um registo e cadastro de terras mais consistente, para garantir, quer os interesses do Estado, quer o dos investidores privados e do sector familiar e comunitário. A publicação de atribuição de DUATs no Boletim da República deve ser retomada com carácter urgente, como um dos mecanismos de transparência da administração pública e de disponibilização da informação ao público. Igualmente, o MITADER deve adoptar um mecanismo prático, que permita maior acesso público a informação sobre terra, implementando a Lei do Direito à Informação, em particular no que se refere ao princípio da máxima divulgação de informação (artigo 6°), que determina: 1. As entidades públicas e privadas abrangidas pela presente Lei (do Direito à Informação) têm o dever de disponibilizar a informação de interesse público em seu poder, publicando através dos diversos meios legalmente permitidos, que possam torna-la cada vez mais acessível ao cidadão, sem prejuízo das excepções expressamente previstas na presente Lei e demais legislação aplicável. 2. Para efeitos do disposto no número anterior, as entidades abrangidas pela presente Lei devem proceder à ampla divulgação da informação seguinte: a) Organização e funcionamento dos serviços e conteúdos de decisões passíveis de interferir na esfera dos direitos e liberdades do cidadão b) Plano de actividades e orçamentos anuais, bem como os respectivos relatórios de execução; c) Relatórios de auditoria, inquéritos inspecção e sindicância às suas actividades; d) Relatórios de avaliação ambiental; e) Actas de adjudicação de quaisquer concursos públicos; f) Contractos celebrados, incluindo a receita e despesa neles envolvida; 3. Os meios de divulgação a que se refere o n°1 do presente artigo incluem, nomeadamente, o Boletim da República, os meios de comunicação social impressos, radiofónicos e televisivos, página da Internet e afixação em lugares de estilo. Os mecanismos e processos ora exigidos para a formalização de ocupação legítima reconhecida pela lei ou para a regularização de ocupação informal de terrenos nos meios urbanos devem ser mais simplificados e disseminados junto das populações do meio rural e das zonas suburbanas. A disponibilidade pública de informação sobre o registo e cadastro da terra constitui um dos factores estratégicos de primeira linha, indispensáveis para uma boa governação fundiária. Este factor torna-se tanto mais relevante, quanto é forte a pressão sobre este recurso estratégico, qualificado pela Constituição da República como o "meio universal de criação da riqueza e do bem-estar social". Uma 239 garantia de acesso a informação segura sobre o cadastro de terras implica a existência de sistemas de recolha, processamento e gestão de dados, com base em métodos fiáveis e com apoio de sistemas tecnológicos adequados. Na posse de um sistema eficiente de registo e cadastro de terra, o Estado fica habilitado a tomar decisões sobre o uso deste recurso, numa base de racionalidade, ao mesmo tempo que habilita todas as partes interessadas a prosseguir os seus interesses com maior segurança e racionalidade económica. Nesse sentido parece indicar a introdução recente do SiGIT, visando permitir a disponibilização de informação fiável e em tempo útil sobre terras, para o uso por instituições públicas e privadas na prossecução dos seus objectivos. Porem, constrangimentos importantes ao pleno funcionamento do SIGIT - como a fiabilidade da energia e a conectividade aconselham a quem de direito a tomar as devidas precauções, sob o risco da nova tecnologia não responder ao correspondente custo de investimento. Em conclusão: a qualidade das instituições existentes; o seu funcionamento e as normas ou práticas através das quais recolhem, processam e disponibilizam informação sobre a gestão da terra são ainda inadequadas para: (a) garantir que o governo tome decisões informadas e seguras; (b) que o sector privado tome decisões de investimento de forma célere e economicamente viável; (c) que as comunidades e os indivíduos garantam seus direitos de posse de terra, de forma transparente e economicamente acessível. Assim, recomenda-se ao MITADER uma atenção particular sobre um conjunto de factores determinantes para a alteração do cenário acima descrito, visando alcançar os seguintes objectivos fundamentais:  Capacidade institucional reforçada, nomeadamente no sentido de uma maior harmonização e entrosamento entre os diferentes serviços da instituição lidando com a gestão da terra;  Maior harmonização e intercomunicação entre os diferentes sistemas de recolha, processamento e disponibilização de informação sobre a gestão da terra;  Introdução de reformas nas condições de acesso público ao registo e castro de terra a vários níveis, tendo em linha de conta os princípios de uma administração pública aberta, tal como regulada pela Lei do Direito à Informação e demais legislação relevante. É de sugerir, a este respeito, a adopção de um sistema uniformizado de gestão de informação sobre terras, seguindo o modelo do Portal do Cadastro Mineiro, adoptado pelo Ministério dos Recursos Minerais e Energia. TEMA 7. VALOR DA TERRA E COBRANÇA DE TAXAS Autor: João Carrilho 240 I. Introdução O Quadro de Avaliação da Governação sobre a Terra é um instrumento de diagnóstico que ajuda os países a definirem as suas prioridades numa área que requer consideráveis recursos222. Com base numa definição de governação que se entende pela maneira como as instituições e funcionários públicos exercem a autoridade para implementar políticas e providenciar serviços públicos, foi desenvolvido este quadro baseado em percepções de peritos locais sobre resultados da implementação das leis e das normas. A metodologia definida cobre vários temas, sendo um deles o tema da avaliação (do valor 223) da terra e da taxação224. Tem-se como objectivo, neste tema, avaliar o nível de governação da terra no que respeita ao tema da transparência da avaliação (do valor) da terra e a capacidade e eficiência da cobrança de taxas da terra. Propriedade estatal da terra e suas implicações Em Moçambique, a terra é propriedade do Estado e “não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada”225, nem se prevê a possibilidade de arrendamento ou outras típicas acções de transacção à excepção de cessão de exploração não regulamentados226, ao contrário de outros países que onde a terra é propriedade do Estado, por exemplo, o Vietnam227. Perante os debates em curso sobre a questão da propriedade da terra em Moçambique e que são mencionadas adiante, a posição do Estado e dos seus agentes tem sido variável. Ao mesmo tempo que a Lei de Terras228, de 1997, estipula que a terra “…não pode ser vendida ou, por qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada.” (art. 3), a Constituição da República, de 2004, isto é sete anos depois, estabelece (art. 109) que “[a] terra não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada”. Este artigo tem sido erradamente citado até por especialistas229. Em alguns momentos dá-se sinal de tolerância, noutros de intransigência. Por exemplo, recentemente, entre rever o quadro legal fundiário ou tolerar, regulamentando, retomou-se, na revisão do Código Penal230, uma atitude de criminalização da venda de terras, punida com pena de prisão maior de dois a oito anos, sem abrir vias para uma regulamentação mais compreensiva. 222 (Deininger, Selod, & Burns, 2012; Hilhorst, Dorothea, 2013) 223 Existem outras definições de avaliação de terras (“land evaluation” em vez de “land valuation”), em particular quando se refere a avaliar o potencial para usos específicos (FAO, 1976). 224 (World Bank, 2013) (Banco Mundial, 2013) 225 art. 109, (Moçambique, 2004), Constituição da República. 226 art.15, (Moçambique, 1998), Decreto 66/98, 227 (Dang, Nguyen, & T&C Consulting, 2013, p. 34) 228 (Moçambique, 1997), Lei 19/97. 229 por exemplo, (Chiziane, 2007) 230 art. 269, (Moçambique, 2014), Lei 35/2014. 241 Do ponto de vista legal, as questões de governação que impliquem um mercado de terras não se põem dado que é o investimento que estabelece o valor231 da terra, ao contrário das benfeitorias nela erguidas232, registadas no Registo Predial233,234. Tendo em conta os objectivos da avaliação do quadro, a governação da terra no que tange à propriedade e impostos sobre a propriedade, realiza-se, pois, por enquanto, de acordo com a legislação e as normas vigentes235. II. Actualidade e Relevância do Tema para Moçambique A taxação tem geralmente os objectivos de (i) recuperar custos de administração, (b) aumentar a receitas do Estado, em geral e (c) promover uma determinada política. No caso da terra, o corpo da legislação indica que as taxas de terras sirvam essencialmente os objectivos (a) e (c), fazendo com que seja o uso da terra a gerar actividade económica que permita o aumento das receitas gerais do Estado. Tal fica explícito através da estrutura das taxas e pelo quadro de isenções como aprovado pelos regulamentos relevantes. Em geral, estimula-se o uso sustentável da terra e pretende-se que esse uso seja também economicamente eficiente. Todavia, reconhece-se o potencial – ou, de outra forma, a oportunidade – para um papel maior do sistema de taxas, tanto para induzir determinadas políticas, em particular para orientar a alocação eficiente do recurso terra, como para promover um sistema de redistribuição da riqueza, em que o uso comercial da terra financia os serviços orientados à protecção dos direitos de todos os utilizadores de terra, eu implica despesas crescentes por parte das instituições públicas. Tal deve ser feito sem prejuízo dos mais pobres. O facto de o legislador estipular que a taxa é variável com a localização, o tipo de actividade e a dimensão indica que se reconhece um valor económico da terra em si. Nas zonas urbanas, as receitas provenientes do imposto sobre a propriedade ou benfeitorias constitui de facto uma fonte importante de renda para as autoridades autárquicas. A emergência de um mercado de terras, apesar de não oficialmente reconhecido, coloca problemas de justiça assim como das melhores formas de realizar o bem-estar social, como estipulado da Constituição236. A questão da propriedade da terra em Moçambique tem sido objecto de vários debates e artigos especializados, com propostas desde a revisão da Constituição para contemplar um regime plural de 231 (Tanner, 2013) 232 art. 15, 16, 20, 36 (Moçambique, 1998), Decreto 66/98. 233 (Moçambique, 2003), Decreto 1/2003. 234 Nas áreas urbanas, cobra-se o Imposto Predial Autárquico, (Moçambique, 2008), Lei 1/2008. Vide também o Dec. 61/2010, (Moçambique, 2010c). 235 Ver, por exemplo (ACIS, 2012) 236 - art. 109,número 3, (Moçambique, 2004) 242 propriedade da terra, até soluções de mudança de lei e regulamentos para permitir o arrendamento ou o mercado de títulos237. Uma missão da FAO e do Banco Mundial, em 2011, formulou uma Nota de Política238 sobre taxação de terra rural em Moçambique. A Nota menciona (p. 36) que “…em Moçambique […] o que se paga anualmente nem é uma renda económica ou de mercado nem é puramente uma taxa (no sentido de uma taxa local para serviços prestados localmente.” e que (p.41-42) “… o reconhecimento dos direitos das comunidades […] seria melhor servido se fossem criados acordos formais de arrendamento entre a Comunidade e o investidor, em vez de entre o Estado e o investidor.” (realce no original). O mesmo argumento é reforçado por Tanner239. Os defensores da aceitação da figura do arrendamento ou do mercado de títulos, ou até de um regime de cessão de exploração240, que se assemelharia ao regime de subarrendamento, consideram, pois, que essa seria uma forma não só de se conseguir uma forma mais transparente de se atingir eficiência alocativa, pois o mercado tenderia a levar a utilização da terra para o seu “melhor uso”, como também uma forma de permitir que as comunidades ou os mais pobres pudessem assegurar uma fonte regular de renda. Daria também ao Estado, como proprietário exclusivo, assim como às entidades a quem delegasse poderes de gestão, tal como faz com as autarquias, a possibilidade de ampliar as receitas públicas, sem as quais será difícil conseguir sustentabilidade na prestação de serviço público. Estas posições suscitam uma outra pergunta, que poderia, eventualmente, vir a ser considerada em futuras avaliações do quadro de governança da terra: além do mercado, que outras formas existem para promover a alocação eficiente da terra? De facto, a Lei incorpora mecanismos que, a serem cumpridos, permitiriam melhorar essa eficiência, nomeadamente: a) Os planos de exploração, que deveriam ser avaliados quanto ao seu mérito económico e à adequação ao potencial da terra em determinado local; b) O sistema de fiscalização, que deveria propor a extinção ou redimensionamento de terras adjudicadas não utilizadas, ou utilizadas abaixo do seu potencial; c) Os procedimentos de aprovação de projectos com utilização de terras de grandes dimensões241; 237 (Mandamule, 2015) 238 (World Bank; FAO, 2011) 239 (Tanner, 2013), op cit. 240 (Rose, 2014), ver ainda os números 4 e 5 do já mencionado art. 15 do R.L.T, (Moçambique, 1998) 241 (Moçambique, 2008b) 243 d) A prática sistemática de consultas transparentes e publicação do Editais em lugares de estilo, sempre que se pretenda que ocorram mudanças de uso da terra, em particular sempre que haja necessidade de considerar a expropriação e compensação. A experiência sobre alocação baseada em “public choice” não é das melhores, sendo um dos indicadores a elevada proporção (mais de ¼) das terras ociosas. Estas medidas, para serem efectivas e se integrarem no sistema de governação da terra, precisam de ser implementadas regular e uniformemente, protegidas de influências políticas ou administrativas. Mas também implicam um custo adicional, do mesmo modo que a regulação do mercado implicaria. Esperar-se-ia, no mínimo, que fossem mantidas estatísticas credíveis sobre as formas de aquisição de terras, considerando que o mercado de terras pode ser uma delas. Inclusive este tema que era incluído, ainda que apenas parcialmente, nos questionários sobre a actividade agrícola poderá estar comprometido. Entretanto, em parte prevendo possíveis evoluções na posição do Estado, têm sido realizados programas para a delimitação das terras comunitárias para a documentação do reconhecimento formal e cadastrado de ocupações individuais de boa-fé, em diversos programas, dos quais se realçam os trabalhos realizados pela ORAM, como percursor e posteriormente parte da Iniciativa de Terras Comunitárias (iTC), desde o início da década de 2000, e do Projecto de Acesso Seguro à Terra, do MCA, Moçambique, de 2010 a 2013. O governo anunciou recentemente um programa semelhante, de grande cobertura, designado Terra Segura, discutido e aprovado como consta da Declaração final242 da VIII sessão do Forum de Consulta sobre a Terra243. Claramente, trata-se de um debate não acabado e a avaliação da situação actual ganha ainda maior relevância. III. Principais Oportunidades e Constrangimentos Estima-se que tal avaliação é um momento oportuno para o estabelecimento de boas práticas, de consolidação dos bons resultados alcançados e correcção dos grandes problemas. Os sucessos e desafios emanam directamente da análise que precede. Entre os sucessos contam-se: a) O estabelecimento de um clima de confiança em relação à legislação em vigor, mesmo sabendo-se das suas limitações; b) O consenso de que é necessário concentrar esforços no seu cumprimento; 242 (FCT, 2015) 243 (Moçambique, 2010), Lei 35/2014. 244 c) O consenso de que o registo do reconhecimento é importante para a proteção de direitos, quer das comunidades que dos indivíduos, mesmo sabendo-se de correntes que vêem no registo de indivíduos um processo que vai requerer atenção para que não se corroam os direitos colectivos ao nível das comunidades. Vêem-se como desafios: a. O clima de protecção dos investidores em detrimento do pequeno agricultor, com base em episódios de conflito documentados, embora envolvam números, que, estatisticamente, não representem uma proporção significativa das explorações agrícolas; b. A resistência a uma maior participação social na fiscalização dos actos do estado, através da disponibilização pública de informações credíveis. c. A resistência à discussão de formas mais eficientes de adjudicação de direitos de uso e aproveitamento da terra, em particular, e dos recursos naturais, em geral. Estas questões reflectem-se directamente na avaliação do processo de valorização de terras e de cobrança das taxas devidas, à altura do que é justo esperar-se do quadro legislativo e do contexto social e económico. IV. Análise dos Indicadores e Dimensões 1. Indicador 1: Transparência das Taxações O Indicador 1 refere-se à transparência da taxação, relacionada com a forma como se calculam impostos sobre a propriedade da terra, que está relacionada com o seu valor. Embora não se possa equiparar as taxas aos impostos, é na análise deste indicador que referimos os procedimentos para o cálculo de taxas. 1.1.Dimensão 1. Existe um processo claro de atribuição de valor a propriedades Painel Ind. Dim. Transparência das Taxações 7 1 1 Existe um processo claro de avaliação de propriedades A: A avaliação de terras/propriedades para fins de tributação baseia-se nos preços de mercado, com diferenças mínimas entre os valores registados e os preços de mercado nos diversos usos e tipos de usuários D: A avaliação de e as listas de avaliação são actualizadas regularmente (pelo menos a terras/propriedades cada cinco anos) para fins de tributação não se B: A avaliação de terras/propriedades para fins de tributação baseia-se baseia claramente nos preços de mercado, mas existem diferenças significativas entre os nos preços de valores registados e os preços de mercado nos diversos usos e tipos de mercado usuários ou as listas de avaliação não são actualizadas regularmente ou com frequência (com intervalos superiores a cinco anos) C: A avaliação de terras/propriedades para fins de tributação tem alguma relação com os preços de mercado, mas existem diferenças 245 significativas entre os valores registados e os preços de mercado nos diversos usos e tipos de usuários e as listas de avaliação não são atualizadas regularmente D: A avaliação de terras/propriedades para fins de tributação não se baseia claramente nos preços de mercado Análise a) Avaliação das propriedades para efeitos de cálculo de impostos: apenas nas cidades Nas cidades ou outras autarquias, o valor do imposto predial autárquico (IPRA), pagável em duas prestações, toma em conta os preços de mercado dos imóveis, bem como os terrenos que lhe servem de logradouro, o que suporia um valor da terra sem construção. A fórmula exprime-se do seguinte modo: = ( × × + 0,05 × × ) × = Valor patrimonial do imóvel; = Área edificada no prédio urbano; = Área do terreno que serve de logradouro ao prédio urbano; = Factor de antiguidade do prédio urbano, definido em tabela; = Factor de localização, definido em e consoante uma classificação da autarquia; e = Preço médio de construção por metro quadrado, estabelecido pelo Ministério que superintende a área de Obras Públicas, podendo, na sua ausência, o Conselho da autarquia recorrer ao preço médio de mercado (nosso sublinhado). O cálculo do Imposto baseia-se neste valor. Quando se trate de habitação, o imposto corresponde a 0,4% do valor, e quando se destine a outros usos, o imposto corresponde a 0,7%. Esta fórmula atraiu debate e contestação na sociedade, por se considerar que leva a valores elevados244. Ainda assim, tem havido interesse em pagar, mas nem sempre as autarquias estão preparadas para a cobrança245. Como se pode ver, no entanto, a fórmula está construída de modo a que, quando não há edificação de habitação, indústria, comércio ou de outra natureza, à qual seja possível atribuir um preço por metro 244 Ver, por exemplo, http://opais.sapo.mz/index.php/economia/38-economia/11957-imposto-predial-autarquico-aumenta- de-100-para-1-600-mt.html. 245 Ver, por exemplo, http://comunidademocambicana.blogspot.com/2012/01/varias-pessoas-nao-pagam-impostos-no.html 246 quadrado, a parcela relativa ao logradouro é reduzida a zero – na verdade todo o valor da propriedade é reduzido a zero. b) Cálculo de taxas de terras nas zonas rurais: não atendem aos valores de mercado. O art. 28 da Lei de Terras estabelece dois tipos de taxas a cobrar aos requerentes e titulares do DUAT: (a) a taxa de autorização e (b) a taxa anual. Fixa, igualmente, os critérios para a determinação do respectivo valor, que tomam em conta a localização, a dimensão e o tipo de uso. Na cobrança destas taxas deve atender-se aos índices fixados no art. 41 e na tabela 2 do Regulamento da Lei de Terras (vide Tabela 1). As taxas podem ser actualizadas por diploma ministerial conjunto, estando em vigor os valores mencionados na Tabela 2246. Actualmente não é aplicado o índice relativo à localização, de 2.0, para a Província de Maputo, e, em todos os casos, foi recomendada a não aplicação o índice relativo à dimensão. Ao utilizar a variável de tipo de actividade tem-se em conta o interesse de pro moção de políticas, mas também o potencial rendimento da actividade. Isso se verifica, por exemplo, em relação a empreendimentos turísticos. Em geral, os valores são muito acessíveis a qualquer utilizador, mas não desincentivam a ociosidade, que abre caminho para a especulação. Façamos um exercício. Se um agricultor produzir um hectare de milho em consociação com feijão obterá, provavelmente cerca de 30.000 MZM na campanha. A taxa corresponde a 1‰ da sua produção. Se for criação de gado bovino ou uso com culturas permanentes, estar-se-á próximo de 0,01%. Sem que se estabeleça uma relação de causa e efeito, as actividades de pecuária, agro-pecuária e silvicultura são aquelas onde se verificou maior percentagem de terras ociosas247. Tabela 1 Índices de Ajustamento por Localização, Dimensão e Preferência para Nacionais (art. 41, RLT) Localização (ou Finalidade) Índice Província de Maputo 2.0 Terrenos confrontantes com: Zonas de protecção parcial 1.5 Zonas prioritárias de desenvolvimento 0.5 Restantes zonas 1.0 Dimensão: até 100 ha 1.0 246 (Moçambique, 2010b), Diploma Ministerial nº 144/2010, de 24/08, com base no art. 41 do Decreto 66/98. 247 (DNTF, 20111). 247 De 101 a 1000 há 1.5 Superior a 1000 há 2.0 Finalidade do Uso: Associações com fins de 0.5 beneficência Pessoas singulares nacionais 0.8 Fonte: Tabelas 2 e 3, (Moçambique, 1998) Tabela 2 Taxas de terras em vigor (Dip. Min. nº 144/2010) Taxas Valor (MZM) Autorização provisória 1.500,00 Autorização definitiva 750,00 Taxa anual 75,00 Taxa anual para actividades específicas MZM/ha Criação de gado bovino 5,00 Repovoamento de fauna bravia 5,00 Culturas permanentes 5,00 Agricultura 37,50 Turismo, habitação de veraneio e comércio na faixa com a extensão (largura) de três quilómetros confrontante com a zona de domínio público da orla marítima248 500,00 Fonte: Diploma Ministerial nº 144/2010 (Moçambique, 2010b) Sugestão de classificação Em resumo, nas zonas urbanas não se aplicam impostos sobre a terra, mas sim sobre as benfeitorias e a parcela correspondente ao “logradouro” reduz-se a zero quando não há qualquer benfeitoria edificada. Nas zonas rurais é aplicado um regime de taxas que também não segue os valores de mercado. Neste indicador, portanto, a única resposta legal possível para a Dimensão 1 é “D”. 1.2.Dimensão 2: As listas de valores de propriedade são acessíveis ao público Painel Ind. Dim. Transparência das Taxações 7 1 2 As listas de avaliação são acessíveis ao público 248 A formulação difere (e simplifica) a do art. 5 do Decreto 77/99, (Moçambique, 1999b), que se presta a dúvidas de interpretação. 248 A: Existe uma política que determina que as listas de avaliação sejam acessíveis ao público e essa política é válida para todas as propriedades consideradas para tributação B: Existe uma política que determina que as listas de avaliação sejam acessíveis ao público e essa política é válida para a maioria das N/A propriedades consideradas para tributação C: Existe uma política que determina que as listas de avaliação sejam acessíveis ao público e essa política é válida para uma minoria das propriedades consideradas para tributação D: Não existe nenhuma política que determine que as listas de avaliações sejam acessíveis ao público Análise: Como este texto demonstra, há relutância em colher informações e mais ainda em as publicar, quanto aos preços praticados no mercado sombra. No quadro da legislação actual, tal não é admitido nem tolerado. Assim, a transparência mede-se de duas formas: a) Pela publicação dos valores e dos procedimentos para o cálculo das taxas; e b) Pela publicação do rol de todos os pagantes de taxas, isto é, tornando públicas as listas dos titulares de uso da terra (que não estejam isentos). Os valores das taxas e procedimentos de cálculo são públicos, porque legislados e publicados. O mesmo não se passa, sistematicamente, em relação aos titulares passíveis de pagamento de taxas249. Mas não foi sempre assim. Até 2007, as entidades competentes para autorizaram o DUAT mantiveram, regularmente, a prática de publicação dos seus actos. Há cerca de oito anos essa prática foi interrompida. Sem uma explicação coerente, parece-nos não haver interesse em obter ajuda da pressão social para assegurar que todos os devedores efectuem o pagamento, obrigando os cidadãos a confiarem na eficiência das cobranças personalizadas. Sugestão de classificação A Dimensão 2 não é aplicável, mas serve para aferir a Dimensão 2, do Indicador 2. Esta proposta tem em conta o facto de que a lei não reconhece valor intrínseco à terra e não reconhece o mercado de terras. 2. Indicador 2: Eficiência da Cobrança 249Em particular os grandes devedores. Esta questão da disponibilização de informação, o que permitiria, por exemplo, identificar devedores, é tratada noutro Painel. No seu conjunto, os DUATs para plantações florestais correspondem a mais de 700 mil hectares e não existe informação sobre o valor de taxas cobrado (que deveriam exceder os 3,5x10 6 MZM). De modo mais geral, não se conhece a aplicação de taxas específicas pela ociosidade da terra, o que é coerente com a legislação. Quando ocorrem estes casos são aplicadas as multas legisladas ou revogados/redimensionadas as autorizações. 249 Este indicador refere-se às isenções de impostos mas trataremos, pelos motivos já mencionados acima, do pagamento de taxas de terras e à eficiência de cobrança. Pretende-se avaliar até que ponto o regime de isenções é transparente. Pretende-se avaliar até que ponto se cobra facto o que se deve cobrar e também até que ponto os custos para realizar a cobrança são suficientemente compensados pelo valor cobrado. 2.1. Dimensão 1: As isenções de impostos sobre propriedade são justificadas e transparentes. Painel Ind. Dim. Eficiência da Cobrança As isenções de impostos sobre propriedade são justificadas e 7 2 1 transparentes A: Existem isenções limitadas ao pagamento de impostos sobre propriedade e as isenções existentes são claramente baseadas em C: As isenções ao aspectos de equidade ou eficiência, sendo aplicadas de forma pagamento de transparente e coerente impostos sobre propriedade nem B: Existem isenções limitadas ao pagamento de impostos sobre sempre são propriedade e as isenções existentes são claramente baseadas em claramente aspectos de equidade ou eficiência, mas não são aplicadas de forma baseadas em transparente e coerente aspectos de equidade ou C: As isenções ao pagamento de impostos sobre propriedade nem eficiência e nem sempre são claramente baseadas em aspectos de equidade ou sempre são eficiência e nem sempre são aplicadas de forma transparente e aplicadas de forma coerente transparente e coerente D: Não está claro quais são as justificativas aplicadas para a concessão de isenções ao pagamento de impostos sobre propriedade e a concessão dessas isenções é bastante arbitrária Análise: As isenções de pagamento de taxas estão previstas na legislação em vigor, abrangendo o Estado e suas instituições, as associações com utilidade pública reconhecidas pelo governo, as explorações familiares, as comunidades e as pessoas que as integram e às cooperativas agro-pecuárias nacionais de pequena escala250. Com efeito, o artigo 29 da Lei de Terras reza: O uso e aproveitamento da terra é gratuito quando se destina: a) ao Estado e suas instituições; b) às associações de utilidade pública reconhecidas pelo Conselho de Ministros; c) às explorações familiares, às comunidades locais e pessoas singulares que as integram; 250 art. 29 (Moçambique, 1997) 250 d) às cooperativas e associações agro-pecuárias nacionais de pequena escala. Não existe uma definição única para exploração familiar e todos os indivíduos que tenham obtido o direito de uso e aproveitamento da terra por autorização, incluindo as destinadas a exploração familiar estão sujeitos ao pagamento das taxas. Pode-se interpretar que são limitadas por não se aplicam a todos os utilizadores da terra, mas na realidade as isenções cobrem a maioria dos titulares de direito de uso e aproveitamento da terra e a base “tributária” inclui um número relativamente pequeno de titulares. Eles detêm, no entanto, uma significativa proporção da terra cadastrada. Prevêem-se também isenções temporárias, a pedido do titular, até um período de três anos em casos de força maior251. O artigo 44 do Regulamento da Lei de Terras estipula: 1. O titular do direito de uso e aproveitamento da terra que, devido a condições fora do seu controlo e responsabilidade, não puder cumprir com as condições do plano de exploração, pode requerer, à entidade que autorizou o pedido, a isenção do pagamento da taxa anual até um período de três anos. 2. Os Serviços de Cadastro procederão à vistoria e em face do seu resultado poderão propor a autorização da isenção ou a redução da área inicialmente autorizada. A aplicação da legislação pelos serviços de cadastro é uniformizada através de normas e instruções técnicas para a implementação da Lei de Terras e seu Regulamento252. As situações de força maior que são utilizadas são as inundações, guerras e outras calamidades fortuitas. As normas não estabelecem critérios para determinar quando propor a autorização da isenção e quando propor a redução da área. Sugestão de classificação Tendo em conta alguma falta de coerência nos processos de definição do que são explorações familiares e em como se avaliam os pedidos de isenção temporária, sugere-se a classificação B. 2.2. Dimensão 2: Os proprietários responsáveis pelo pagamento de impostos sobre a propriedade são listados na relação de impostos. Painel Ind. Dim. Eficiência da Cobrança Os proprietários responsáveis pelo pagamento de impostos sobre 7 2 2 propriedade são listados na relação de impostos D: Menos de 50% A: Mais de 80% dos proprietários responsáveis por impostos sobre dos proprietários propriedade são listados na relação de impostos responsáveis por impostos sobre B: Entre 70% e 80% dos proprietários responsáveis por impostos propriedade são sobre propriedade são listados na relação de impostos 251 art. 44 (Moçambique, 1998) 252 pag. 19-21 (DNTF, S/D) 251 listados na relação C: Entre 50% e 70% dos proprietários responsáveis por impostos de impostos sobre propriedade são listados na relação de impostos D: Menos de 50% dos proprietários responsáveis por impostos sobre propriedade são listados na relação de impostos Análise: Não existe um processo centralizado de listagem de devedores. Está em desenvolvimento um Sistema de Gestão de Informação de Terras (SIGIT), que permitirá listar e calcular as taxas devidas, entre outras operações. Note-se que este sistema não é único nem está ligado aos sistemas municipais nem ao Registo Predial. As bases de dados de cadastro, na forma de Numerador, em Excel, são ainda feridas de diversas inconsistências, sobretudo entre os serviços provinciais de cadastro e os serviços centrais, entre o “Numerador Geral” e o SIGIT. Um dos motivos para não se terem ainda lançado no SIGIT todos os titulares listados no numerador geral tem a ver com lacunas de informação. Para efeitos de cobrança de taxas, está ainda em uso o referido Numerador Geral. É possível dizer que se verifica listagem quase exaustiva dos devedores registados no Numerador. Tais listas são impressas e distribuídas aos Serviços Distritais para notificação dos devedores e, em alguns casos, as notificações são entregues directamente pelos serviços provinciais. As listas não são afixadas ou de outra forma disponibilizadas para conhecimento público. Quer isto dizer que, em grande medida, a cobertura dos potenciais devedores irá depender da melhoria da qualidade do registo e das respectivas bases de dados, da melhor comunicação entre os serviços e da disponibilização pública dessa informação. Sugestão de classificação Para a Dimensão 2, sobre a listagem de devedores, verifica-se listagem quase exaustiva dos devedores registados, o que corresponderia à classificação A. No entanto, tendo em conta o espírito da Dimensão 2 do Indicador 1, agravado pelo facto de haver dúvidas quanto à qualidade e fiabilidade dos dados, e porque estas listas não são tornadas públicas, como, aliás, já foi tentado no passado, com reacção negativa dos devedores de elite, o que permitiria melhorar a sua qualidade, manda a consciência que se recomende a classificação “D”. Esta sugestão visa realçar o impacto negativo da falta de transparência, para a qual não vemos quaisquer motivos, sejam legais, administrativos ou técnicos. Este é um padrão que segue a não publicação da adjudicação de DUAT, que já foi prática comum e deixou de ser. 2.3. Dimensão 3: Os impostos sobre propriedade avaliados são arrecadados Painel Ind. Dim. Eficiência da Cobrança 7 2 3 Os impostos sobre a propriedade avaliados são arrecadados A: Mais de 80% dos A: Mais de 80% dos impostos sobre propriedade avaliados são impostos sobre arrecadados 252 propriedade B: Entre 70% e 80% dos impostos sobre propriedade avaliados são avaliados são arrecadados arrecadados C: Entre 50% e 70% dos impostos sobre propriedade avaliados são arrecadados D: Menos de 50% dos impostos sobre propriedade avaliados são arrecadados Análise: Actualmente, as cobranças anuais não correspondem necessariamente ao potencial deduzido das autorizações já feitas. Apenas se cobram taxas sobre processos tramitados. Não foram feitos cálculos definitivos sobre esse potencial, em parte por falta de informação corrigida lançada no sistema e também como resultado dos debates sobre a quem competem algumas cobranças. De facto, há necessidade de simplificar e especializar o processo, tendo em vista a comodidade do cidadão. Num exercício breve, pode ver-se que considerando toda a área objecto de pedidos, seria possível obter receitas comparáveis ao quíntuplo da actual receita nacional (vide Tabela 3 e Tabela 4)253. As cobranças anuais são feitas segundo um plano que tem em conta não apenas a lista de devedores mas também a capacidade de a eles chegar. De 2010 a 2015, a meta planificada duplicou, mas a cobrança real mais do que triplicou, a uma taxa de cerca de 16% ao ano. (Vide Tabela 4). 253 O sistema permitirá gerar também a lista dos titulares devedores. 253 Os números mostram um esforço para tornar a cobrança cada vez mais eficiente. Naturalmente, haverá que distinguir entre valores previstos no quadro de um plano e os valores previstos como estimativa do que se deveria ao Estado. O plano de 2015 previa uma cobrança de 36.298.560,71 MZM, contra um potencial de 40.390.716,54 MZM calculado com base numa combinação entre o SIGIT e o Numerador é de. De facto a cobrança realizada em 2015 foi superior, podendo esta diferença resultar de aumento na contagem de processos tramitados e diferenças no cálculo das taxas. É na base dos dados fornecidos pela DINAT (2015)254, que se avaliam as dimensões 3 e 4 do Indicador 2, enquanto que foi na base dos dados da Tabela 3, que são subestimados, que se avaliou a sua dimensão 2. Sugestão de Classificação Apenas em 2008 se verificou uma cobrança inferior a 80% do planificado e a norma é uma cobrança de um valor maior do que o planificado. Para a Dimensão 3, sobre a eficiência dos custos da cobrança, há a considerar os custos distribuídos e baixos em que incorre, dada a forma como se procede às notificações e à forma como se realizam os pagamentos. Assim propomos a classificação “A”. 2.4. Dimensão 4: Os recebimentos dos impostos sobre propriedade excedem o custo de arrecadação. Painel Ind. Dim. Eficiência da Cobrança Os recebimentos dos impostos sobre propriedade excedem o custo 7 2 4 de arrecadação 254Fornecidos pelo Departamento do Plano da DNT, a pedido, a 5 de Novembro de 2015, em conjunto com o Quadro de Constrangimentos do sistema de cobrança e propostas de melhoramento. 254 A: O valor dos impostos sobre propriedade arrecadados excede o custo B: O valor dos do pessoal encarregado da arrecadação em um fator de mais de 5 impostos sobre propriedade B: O valor dos impostos sobre propriedade arrecadados excede arrecadados excede entre 3 e 5 vezes o custo do pessoal encarregado da arrecadação entre 3 e 5 vezes o custo do pessoal C: O valor dos impostos sobre propriedade arrecadados excede entre 1 encarregado da e 3 vezes o custo do pessoal encarregado da arrecadação arrecadação D: O valor dos impostos sobre propriedade arrecadados é menor do que o custo do pessoal encarregado da arrecadação Análise Os procedimentos de cobrança e pagamento são estabelecidos no art. 42 do Regulamento (vide Fig. 1). O pagamento pode ser feito em uma ou duas prestações. De acordo com o art. 43 do Regulamento da Lei de Terras, são consignados a favor dos Serviços de Cadastro 60% das taxas anuais, e um Diploma Ministerial255 estabelece o destino em 12% para a administração ou governo do distrito, 24% para os Serviços Provinciais de Geografia e Cadastro e 24% para o Fundo de Desenvolvimento Agrícola256. No processo estão envolvidas diferentes instituições, de acordo com os níveis. Note-se também que várias instituições procedem à cobrança de taxas e impostos sobre a terra, em particular, cabe ao Instituto de Geologia e Minas a cobrança de impostos de superfície devidos pelas concessões mineiras, e cabe aos serviços de florestas a cobrança de taxas de concessão florestal. 255 (Moçambique, 1999), Diploma Ministerial no. 76/99. 256 (Ministério da Agricultura, 2015) 255 A este propósito foram apresentadas propostas ao Fórum de Consulta sobre Terras257. Propõe-se uma maior utilização de meios electrónicos de pagamento, isto é, como o “m ínimo de intermediação humana”. Não há funcionários que sejam exclusivamente cobradores de taxas de terras. Tendo em conta que essa não é a única actividade dos serviços, e que os pagamentos são maioritariamente feitos através de depósito em conta bancária, os custos de cobrança são suficientemente baixos para estimular o aumento dos valores cobrados, embora não se faça sistematicamente a contabilidade dos custos. Algumas medidas para reduzem a eficiência de cobrança tem exactamente a ver como a gestão das consignações. Os serviços de cadastro consideram que permanecem constrangimentos (Quadro 1) no processo de consignação de taxas que, a serem resolvidos, se estima que poderiam melhorar a eficiência de cobrança. Quadro 1 Principais constrangimentos ao processo de consignação e utilização das taxas de DUAT Fraco conhecimento pelos beneficiários da existência dos valores consignados e dos mecanismos 1 para o seu acesso e utilização Fraca divulgação e baixo envolvimento dos beneficiários no processo de criação dos 2 instrumentos legais Desmotivação dos beneficiários devido aos valores baixos respectivos considerados 3 insignificantes para implementação de actividades de impacto 4 Fraco domínio dos procedimentos de planificação e desembolso previstos no e-Sistafe Qualificador de receitas vago no que diz respeito ao sector agrário, abrangendo receitas dos 5 DUAT dentro dum leque maior que não facilita a sua distinção Fraca sincronização entre as entidades colectoras das taxas (DAFs provinciais) e os principais 6 beneficiários (SDPI’s/ SDAE’s) e os SPGC’s Lentidão no processo de desconcentração e descentralização de funções dos níveis centrais e 8 provinciais para o distrital Existência de outras receitas e fontes de financiamento de actividades para os beneficiários com 9 mecanismos de acesso mais simples ou conhecidos (OGE, FDA, doadores, utentes do DUAT) Quadro legal de administração de terras que sobrecarrega o utente em todos os actos de 10 aquisição e registo do DUAT (esboço, consulta, formulários, tramitação, marcos, demarcação, vistoria, registo, averbamentos, etc.) Elevada burocracia no acesso aos fundos consignados, provocando incertezas aos beneficiários 11 e fraca confiança para planificação de actividades com base nesta fonte 257 (FCT, 2013): sugere-se a combinação de um processo de “nuitização”, isto é, inclusão dos titulares na lista dos contribuintes, com os actuais procedimentos para a cobertura dos titulares sem número de NUIT ( Número Único de Identificação Tributária). Deve ter-se em conta que um dos elementos de incentivo à cobrança é a possibilidade de beneficiar da consignação. Se os sistemas de redistribuição de valores consignados for lenta, retira-se esse incentivo à eficiência local. 256 Fonte: Informação ao autor, da DNT (2015) Sugestão de Classificação Sobre a eficiência da cobrança, aos primeiros 200 a 300 ha cobrem-se os custos de cobrança, considerando custos relativamente baixos com o pessoal, que incluem ajudas de custo e despesas de deslocações que não se realizam exclusivamente para a cobrança de taxas. De facto estimamos, a partir de consultas, que em vários distritos é possível alcançar a classificação A. A falta de dados disponíveis, contudo, faz com que, com maior confiança, nos limitemos a propor a classificação “B”. V. Conclusão e Recomendações 1. Conclusão A discussão anterior mostra a fraqueza do sistema recolha, tratamento, actualização e manutenção de informações relativas ao uso e aproveitamento da terra de avaliação e cobrança de taxas. O registo dos titulares de DUAT tem passado por várias fases, em várias bases de dados, em particular daqueles que o obtêm por autorização258, que, salvo as isenções estabelecidas, são passíveis de taxas. Embora, como acima mencionado, esteja em desenvolvimento um sistema de gestão de informação que permita calcular com confiança as taxas devidas, ainda se está a proceder a actualização, a partir de várias bases de dados. As perspectivas não parecem negativas, mas, naturalmente, verifica-se a necessidade de reforço do sistema de informação, especialmente no que respeita à velocidade com que se procede à migração de dados, assim como a sua eventual abertura ao público e o reforço da capacidade de processamento mais rápido dos pedidos de registo que, no nosso entender, deverão sugerir numa recomendação deste processo de avaliação. A observação desapaixonada do contexto social, político e ambiental conduz ao entendimento de que o desenvolvimento do sistema de gestão e administração de terra em Moçambique é uma prioridade menor, embora mereça atenção. Na realidade, o quadro jurídico e a realidade actual não apontam para uma necessidade urgente de reforma. Existem problemas maiores: o estabelecimento e manutenção de um clima de paz, o ajuste das condições económicas de aproveitamento e uso da terra, em particular da gestão macroeconómica do país no que se refere à política fiscal ou, mais especificamente, à relação entre o orçamento, a dívida pública e a capacidade de geração de receitas, em que a receita proveniente das taxas de terras tem um peso reduzido. Essa pode ser uma vantagem, porque permite uma revisão mais cuidadosa de conjunto do quadro jurídico e legal mencionado, para tratar de questões que podem vir a ter um impacto significativo na valorização e cobrança de taxas de terras: revisão do quadro de isenções, ligação entre o Cadastro e o Registo Predial, ligação entre os sistemas de cobrança relacionados com o uso da terra e o sistema nacional de tributação, resolução de dúvidas sobre a possibilidade ou não de arrendamento, etc. Os 258 art. 12, c) da Lei de Terras (Moçambique, 1997) 257 resultados da avaliação podem mudar este cenário, especialmente se forem capazes de suscitar o debate sobre as melhores formas de gestão participativa e de aumento das receitas públicas a partir do recurso terra. 2. Recomendações A avaliação a ser feita pelos Peritos do Painel deverá servir para oferecer uma imagem realista da actual situação de governação na área de valorização da terra e cobrança de taxas. Essa avaliação será comparável à avaliação feita para outros países. O seu objectivo é também o de contribuir para a formulação de uma agenda com vista ao melhoramento das actuais condições. Deles se espera o maior rigor técnico e um espírito construtivo. Os Peritos do Painel são recomendados a reverem os dados apresentados no relatório temático, recorrendo ao autor para a resolução de dúvidas. Os dados apresentados, facultados na sua maioria de fontes oficiais, parecem ser credíveis, mas, naturalmente, existe espaço para debate e contestação. Os Peritos do Painel são igualmente recomendados a terem em conta as condições existentes de desenvolvimento institucional, e a considerarem tais condições nas suas recomendações, se as houver além das que são feitas pelo autor. São igualmente recomendados a terem em conta o processo de aperfeiçoamento que está em curso no país. Como recomendações específicas, em relação ao Indicador 1, realçamos as seguintes: a) Realizar uma revisão do direito fundiário moçambicano no que respeita à valorização da terra, eventualmente visando a abertura ao mercado de títulos e/ou à locação por parte do proprietário (Estado) e sublocação pelos titulares de direitos definitivos de DUAT, sob condições (por exemplo a limitação do direito de sublocação a não mais de 1/3 da área adjudicada). Seriam incluídas, ainda outras questões: revisão do quadro de isenções, ligação entre o Cadastro e o Registo Predial, ligação entre os sistemas de cobrança relacionados com o uso da terra e o sistema nacional de tributação, resolução de dúvidas sobre a possibilidade ou não de arrendamento; b) Reforçar a capacidade das instituições públicas de administração de terras com recursos dedicados à avaliação do valor de terras e com autoridade para acompanhar e realizar estudos sobre o mercado ilegal de terra. Como recomendações específicas, em relação ao Indicador 2, realçamos as seguintes: a) Reforçar e generalizar a implementação e utilização dos sistemas de informação existentes, considerando a convergência de vários sistemas municipais actuais e o SIGIT, para a exaustiva identificação do potencial de receitas provenientes das taxas de DUAT; b) Testar e implementar meios de cobrança e pagamento electrónico, a partir da infraestrutura já existente (ATMs, pagamentos através das redes de telefonia móvel, descontos automáticos a partir 258 dos registos de contribuinte (NUIT), entre outros, já sugeridos (FCT, 2013), com participação da Autoridade Tributária e o e-Sistafe; c) Aumentar as percentagens de consignação destinadas aos órgãos que realizam as cobranças. Em particular, rever a percentagem que é actualmente atribuída ao Fundo de Desenvolvimento Agrário, orientando-a (a) para os serviços de cadastro, e (b) em particular, para os órgãos locais encarregados da cobrança. TEMA 8. RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS Autor: André Cristiano José I. Introdução A crescente demanda pela terra é uma realidade social e económica de Moçambique contemporâneo. A mobilidade populacional, a corrida aos recursos minerais, florestais e faunísticos, os novos projectos de investimento agrícola, e um conjunto de iniciativas privadas e comunitárias estão em curso nas zonas rurais, proporcionando um contexto complexo de competição pelo acesso e gestão dos recursos naturais, entre os quais a terra. Reconhecendo a importância da segurança dos direitos sobre a terra, o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADE) lançou o “Projecto Terra Segura”, uma das componentes do “Projecto Estrela”, que está estruturado em cinco pilares, nomeadamente “Quinta da Energia”, “Mais Saber”, “Via Rural”, “Água Viva” e “Um Distrito, Um Banco”. O objectivo do “Projecto Terra Segura” é reforçar o sistema de administração e gestão de terras, com ênfase para o o acesso, registo e gestão da informação. Através deste projecto, o MITADER implementará as seguintes acções estratégicas: (i) o registo e certificação do direito de uso e aproveitamento da terra, (ii) o mapeamento do território em escala de 1:50.000 e 1:25.000 do território nacional, (iii) a construção de um cadastro nacional actualizado, fiável e transparente, (iv) mecanismos eficientes de emissão de DUATs, (v) descentralização de capacidade técnica de gestão e administração da terras aos distritos, (v) divulgação dos direitos e obrigações de uso e aproveitamento nas comunidades (lei de terras), (vi) optimização do uso da terra através da transferência de técnicas de cultivo que permita aumentar os níveis de produtividade, (vii) democratização do acesso a terra respeitando a igualdade de género (viii) Segurança de posse de terra. Neste âmbito, o “Projecto Terra Segura” prevê registar de 5 milhões de parcelas (DUAT’s), concluir o processo de instalação do sistema integrado de gestão de terras, elaborar 4 campanhas de divulgação de direitos e obrigações de uso, capacitar 800 agentes de fiscalização das normas de uso de terra, e ainda 4 capacitações dos administradores sobre a gestão da terra. Não obstante existirem expectativas de que as novas dinâmicas económicas e sociais contribuam para o desenvolvimento do país, em torno da “questão terra” registam-se conflitos de diversa ordem. Em 2006, o Banco Mundial fazia o seguinte diagnóstico sobre a questão do acesso à terra em Moçambique: 259 i) a lei não resolveu os conflitos recorrentes entre pequenos agricultores (que praticam a agricultura extensiva, itinerante) e agricultores comerciais; ii) falta de incentivo para as parcerias entre pequenos e grandes agricultores comerciais; iii) as ONGs alegam que os mecanismos de consulta são uma farsa, porque os pequenos agricultores têm sido afastados das suas terras sem que haja consulta ou o pagamento de compensações; iv) os agricultores comerciais (fazendeiros com mais de 50 hectares) que desejam investir queixam-se de que os procedimentos de garantia dos créditos são complicados e onerosos porque dependentes de decisões administrativas sobre a viabilidade do plano de desenvolvimento; v) o processo de aprovação das concessões não é transparente, promovendo a corrupção; vi) tanto para os pequenos, como para os grandes agricultores, a terra ainda não serve de garantia para empréstimos. Para além de outros factores, isto faz com que os pequenos agricultores não sejam dignos de aceder ao crédito junto dos bancos comerciais. Conclui o estudo afirmando que - como acontecera em 2002 - por um lado, a Lei de Terras não promoveu investimentos de longo prazo na agricultura. Por outro lado, não há nenhuma evidência de que a Lei de Terras tenha proporcionado uma distribuição equitativa da terra (Banco Mundial, 2006: 39). O presente capítulo tem por base a análise de dois indicadores relacionados com a resolução de conflitos, nomeadamente , “atribuição de responsabilidade” e “a proporção de terras afectadas por conflitos”. O primeiro remete-nos para a descrição dos sistemas de justiça moçambicanos (formal e informal). Partimos do princípio constitucional do pluralismo jurídico, para descrevermos as instâncias e mecanismos de resolução de conflitos disponíveis aos cidadãos, respectiva distribuição de competências, formas de acesso, procedimentos e conteúdo das resoluções em torno de conflitos de terra. Através do segundo indicador procedemos à avaliação de dados quantitativos dos conflitos de terra processados nas instâncias formais de resolução de litígios, tecendo opiniões sobre o peso relativo dos conflitos de terra e a duração dos processos. II. Actualidade e Relevância do Tema para Moçambique Em pouco mais de 40 anos de independência nacional, Moçambique foi atravessado por profundas transformações políticas e económicas. De um sistema de orientação socialista e de economia centralizada, Moçambique transitou para uma democracia multipartidária e para uma economia de mercado. As reformas introduzidas no sistema de administração da justiça acompanharam essas transformações, sendo os tribunais entendidos como o principal garante do Estado de Direito. Desde logo, em 1992 foi aprovada uma nova lei orgânica dos tribunais judiciais e outra legislação relevante, como é o caso da Lei dos Tribunais Comunitários. Não obstante as transformações legislativas, os estudos sobre o sistema de administração da justiça mostraram que a capacidade de resposta dos tribunais judiciais não vinha acompanhando o crescimento e a diversificação das necessidades de tutela jurídica e judiciária. Foi identificada uma multiplicidade de 260 factores condicionantes do desempenho dos tribunais, nomeadamente, inacessibilidade, exiguidade de recursos humanos, materiais e financeiros, escassez dos serviços públicos e privados de assistência jurídica, abandono dos tribunais comunitários, etc. A reforma judiciária continuou a estar na agenda política, tendo sido identificada como uma prioridade no primeiro Plano Estratégico Integrado do Sector da Justiça (2002-2006). Entretanto, a revisão constitucional de 2004, que reconheceu formalmente o pluralismo jurídico e introduziu os tribunais superiores de recurso, estimulou uma nova revisão da orgânica dos tribunais. No entanto, até ao momento, trata-se de reformas pontuais, estando muito longe da construção de um sistema de justiça íntegro que não só permita uma melhor articulação entre as instituições formais de administração da justiça, como também esteja em condições de estabelecer pontes de diálogo com os mecanismos informais. Tem sido, pois, largamente reconhecido que o sistema de administração da justiça moçambicano ainda está longe de satisfazer e assegurar o acesso a maior parte dos cidadãos e, consequentemente, de satisfazer as necessidades de protecção dos direitos. Sem dúvida que existem razões histórias, relacionadas com as vicissitudes do processo de construção do Estado moçambicano, nas quais incluímos o passado colonial e a guerra, que condicionaram e continuam a condicionar o desenvolvimento e o desempenho do sistema de administração da justiça. Contudo, têm sido também identificados factores endógenos ao sistema de justiça, nomeadamente a estrutura institucional e organizativa, a disponibilidade e gestão dos recursos, a legislação que regula o seu funcionamento, entre outros factores susceptíveis de produzir consequências negativas para o acesso à justiça. A relevância do tema “resolução de conflitos” resulta precisamente da possibilidade de rediscutir a situação dos sistemas de justiça e os possíveis caminhos de desenvolvimento, como forma de promover a consolidação do Estado de Direito moçambicano. Esta questão estará directamente relacionada com a tipologia de conflitos e com os mecanismos de acesso e de resolução. No que particularmente respeita aos conflitos de terra, a tipologia é variada, consoante a sua génese: DUAT atribuído sem consulta comunitária ou consultas deficientes; duplicação de DUAT sobre a mesma área; ocupação de terras tituladas por outros sujeitos; desrespeito pelos limites dos terrenos; etc. A par de conflitos intra- individuais, no actual contexto de maior procura da terra para a exploração de recursos minerais e para a agricultura, assiste-se a um crescimento de conflitos opondo comunidades vizinhas e comunidades a investidores privados. III. Principais constrangimentos e oportunidades Neste trabalho enfrentamos dois constrangimentos de natureza metodológica. O primeiro relaciona-se com a indisponibilidade de dados quantitativos, especialmente referentes ao contencioso administrativo. Consequentemente, no que respeita à avaliação do peso dos conflitos de terra no sistema formal, os dados são mais consistentes em relação aos tribunais judiciais, dado que dispomos de 261 estatísticas oficiais recentes. Paralelamente, dada a inexistência de estudos e de informação oficial, não foi possível avaliar com exactidão a duração dos processos. Para o efeito, recorremos a estudos centrados nos tribunais judiciais. As conclusões sobre o contencioso administrativo são obtidas de forma indiciária, com base num trabalho de investigação de natureza qualitativa, cuja metodologia consistiu na análise aleatória de conflitos de terra em todo o país. Outra dificuldade provém do facto de encontrarmos uma diversidade de realidades sociais e de funcionamento das instâncias de resolução de conflitos, sobretudo as informais. Não existindo padrões únicos de funcionamento das instâncias, traduz-se num grande desafio escolher uma resposta que possa ser agregadora das diferentes realidades. Apesar das dificuldades metodológicas apontadas, o presente trabalho constitui uma excelente oportunidade para identificar potenciais áreas de estudo, com vista a aprofundar o conhecimento da realidade dos sistemas de justiça e aprimorar as ferramentas para uma melhor monitoria dos processos de governação da terra. Além do mais, é uma oportunidade para identificar algumas áreas de intervenção. IV. Análise dos indicadores e dimensões 1. Indicador 1: Atribuição de Responsabilidades 1.1. Dimensão 1: Existe uma clara atribuição de responsabilidades para a resolução de conflitos Painel Ind. Dim. Atribuição de Responsabilidades Existe uma clara atribuição de responsabilidades para a 8 1 1 resolução de conflitos A: Não há vias paralelas para a resolução de conflitos ou se houver, as responsabilidades são claramente atribuídas e amplamente conhecidas e existem regras explícitas para a mudança de uma para outra de modo a minimizar o escopo da C: Há vias paralelas para a busca do foro mais favorável (forum shopping) resolução de conflitos e é possível tratar casos em B: Há vias paralelas para a resolução de conflitos, mas não é possível paralelo por intermédio de tratar casos em paralelo por intermédio de canais diferentes e as canais diferentes, mas o evidências e decisões podem ser compartilhadas entre as compartilhamento de instituições de modo a minimizar o escopo do fórum shopping evidências e decisões pode ocorrer de forma ad hoc C: Há vias paralelas para a resolução de conflitos e é possível tratar casos em paralelo por intermédio de canais diferentes, mas o compartilhamento de evidências e decisões pode ocorrer de forma ad hoc 262 D: Há vias paralelas para a resolução de conflitos e é possível tratar casos em paralelo por intermédio de canais diferentes e não há compartilhamento de informações Análise: A Constituição da República de Moçambique reconhece o pluralismo jurídico desde 2004, afirmando expressamente que “o Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e os princípios fundamentais da Constituição”. Trata-se, no entanto, de uma mera consagração formal de uma realidade social vigente desde sempre. Os estudos realizados na área da sociologia do direito em Moçambique têm sobejamente mostrado que o Estado não detém o monopólio da resolução de conflitos e da produção do direito, partilhando essa função com uma pluralidade de instituições e actores não-estatais, oriundos de diversas fontes de legitimidade. Embora existindo várias instâncias “informais” criadas (ou reconhecidas) pelo Estado, tanto no que respeita à inserção institucional, com na sua composição e formas de funcionamento, essas instâncias em muito se assemelham com as instâncias de origem comunitária, ancoradas à tradição, religião, ou outros elementos identitários. Englobamo-las, por isso, no grupo de instâncias comunitárias. Sem pretenderemos esgotar o leque de tais instâncias, identificamos as seguintes: tribunais comunitários, autoridades tradicionais, grupos dinamizadores, líderes religiosos, e associações. A Lei de Terras de Moçambique, aprovada em 1997 na sequência de um trabalho de investigação e de um processo de debate longo, foi precursora do reconhecimento do pluralismo jurídico, não só protegendo as formas tradicionais de acesso, posse, distribuição e transmissão da terra, mas também atribuindo às comunidades a função de participar na resolução de conflitos. Uma das características das instâncias comunitárias de justiça é o facto de, no geral, funcionarem de forma fragmentária, não obstante o registo de exemplos circunstanciais de cooperação. Esta será uma das consequências de uma organização judiciaria desarticulada, pouco atenta às potencialidades organizacionais existentes nas comunidades. De facto, em 1992 foi instituída uma nova orgânica dos tribunais judiciais que ditou a saída dos tribunais de escalão inferior (os populares de localidade ou de bairro) da organização judiciária. Esses tribunais - que estavam implantados mais próximos dos cidadãos, porque implantados nas localidades e nos bairros - passaram a ser regulados por uma lei própria, a chamada lei dos tribunais comunitários. Excluído um dos mais importantes mecanismos de resolução e de encaminhamento dos conflitos, não só ficou fragilizada a base do sistema, como se comprometeram os esforços de construção de um sistema articulado. Dada a fragilidade institucional em que se encontram - funcionando em condições de extrema precariedade, sem que a lei que os regula 263 tivesse sido actualizada e regulamentada, e sem renovação do colectivo de juízes através de um processo eleitoral - os tribunais de base (agora tribunais comunitários) deixaram de cumprir o papel de intermediação entre as justiças comunitárias e o sistema formal de administração da justiça. Para além da diversidade de actores e de formas de resolução de conflitos, tem sido sustentado que o Estado moçambicano é heterogéneo, significando que coexistem diferentes lógicas de regulação executadas por diferentes instituições com muito pouca comunicação entre si. A heterogeneidade manifesta-se, pois, na circunstância de “diferentes actores da actividade do Estado assumirem lógicas de desenvolvimento e ritmos diferentes, sendo cada vez mais frequentes as desconexões e incongruências na actuação estatal” (Santos, 2003:56). Daí o funcionamento relativamente fragmentário e caótico das instâncias de resolução de conflitos. A procura das instâncias de justiça depende de uma multiplicidade de factores que se cruzam, nomeadamente: proximidade física; perfil dos membros da instância e legitimidade de que gozam; perfil dos litigantes; natureza e/ou dimensão do conflito; tipo de decisão predominante na instância; expectativa dos litigantes quanto ao tipo de decisão; tempo de decisão; custos; etc. É, no entanto, possível verificar um certo padrão de mobilização, especialmente quando estamos perante conflitos resultantes da atribuição de mais do que um DUAT sobre a mesma parcela de terra. Sendo da competência das autoridades administrativas ou municipais a atribuição de DUAT, é a estas entidades que se recorre em caso de duplicação de DUAT, especialmente nas grandes cidades. Ainda assim, nestes casos são registados vários exemplos de forum shopping, isto é, de recurso simultâneo e selectivo a instâncias estatais - município, governador de província, administração do distrito, serviços de geografia e cadastro, tribunais, etc. - cuja actuação ou decisão é partilhada de forma meramente casuística. Quanto aos demais conflitos, a mobilização das instâncias tem sido mais heterogénea, em função dos factores acima mencionados. Podemos, assim, concluir que não é clara a distribuição de responsabilidades na função de resolução de conflitos de terra, podendo as partes canalizar os litígios paralelamente para várias instâncias. Estas partilham apenas de forma ad hoc as evidências e as decisões. 1. 2. Dimensão 2: Existem mecanismos de resolução de conflitos acessíveis Painel Ind. Dim. Atribuição de Responsabilidades 8 1 2 Existem mecanismos de resolução de conflitos acessíveis B: Instituições para fornecer A: Instituições para fornecer uma primeira instância de resolução uma primeira instância de de conflitos estão acessíveis em âmbito local na maioria das resolução de conflitos estão comunidades 264 acessíveis em âmbito local B: Instituições para fornecer uma primeira instância de em menos da metade das resolução de conflitos estão acessíveis em âmbito local em comunidades, mas onde elas menos da metade das comunidades, mas onde elas não estão não estão disponíveis, disponíveis, existem instituições informais que desempenham existem instituições essa função de uma forma que é reconhecida localmente informais que desempenham essa função de uma forma C: Instituições para fornecer uma primeira instância de resolução de que é reconhecida localmente conflitos estão acessíveis em âmbito local em menos da metade das comunidades e onde elas não estão disponíveis, instituições informais não existem ou não podem desempenhar essa função que seja reconhecida localmente D: Menos de um quarto das comunidades possui instituições formalmente investidas de poder para resolver conflitos e diversas instituições informais podem estar disponíveis no restante Análise: Para a análise desta dimensão, será importante retomar a distinção entre mecanismos formais e informais de resolução de litígios. No caso de Moçambique, consideramos formais os tribunais judiciais, tribunais administrativos, e as autoridades administrativas com mandato legal para a resolução de conflitos. Serão informais as demais instituições ou entidades, incluindo-se aqui, como se propõe no Manual de Avaliação da Governação Fundiária, os líderes comunitários, anciãos, líderes religiosos, etc., independentemente do facto de serem formalmente reconhecidos pelo Estado. No âmbito das terras, devemos fazer uma menção particular às comunidades locais, às quais a Lei de Terras reconhece formalmente um papel de resolução de conflitos, orientando-se pelas práticas costumeiras (artigo 24º da Lei de Terras). Para efeitos deste trabalho, como afirmamos na análise da dimensão anterior, não obstante o facto da lei conferir aos tribunais comunitários mandato para a resolução de conflitos, consideramos que fazem parte do grupo de instâncias comunitárias ou informais, já que, não beneficiando de apoio institucional do Estado, os tribunais comunitários praticamente funcionam num contexto de informalidade e improvisação, nas mesmas condições que as demais instâncias comunitárias. O acesso às instâncias está, desde logo, condicionado à sua proximidade física. A disponibilidade de instâncias formais está, por isso, dependente da organização judiciária e das efectivas capacidades de actuação dos tribunais. Em 1992, a pirâmide judicial passou a ter apenas três níveis, nomeadamente, tribunais de distrito, tribunais de província e tribunal supremo. Uma reforma pontual da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (em 2007) reforçou o topo do sistema formal de administração da justiça, acrescentado os Tribunais Superiores de Recurso, imediatamente abaixo do Tribunal Supremo. Como ficou dito, os tribunais de 265 localidade e de bairro deixaram de fazer parte do sistema judicial, e os tribunais de distrito constituem, assim, a base do sistema. Embora a rede judiciária tenha sido substancialmente alargada, ainda existem alguns distritos (menos de 10% do total) que não dispõem de um tribunal judicial. No entanto, mesmo nos distritos que tenham um tribunal instalado, o acesso continua a ser precário, por várias razões, entre as quais destacamos: a) Funcionamento dos tribunais na sede administrativa dos distritos, na maior parte das vezes sem condições materiais que lhes permitam actuar em toda área de jurisdição. Uma parte considerável da população vive longe das sedes de distrito; b) Precariedade de meios e vias de acesso, dificultando o acesso por parte das populações que vivem longe das capitais distritais; c) Insuficientes serviços de assistência jurídica aos cidadãos, especialmente os mais carenciados; d) Desconhecimento da lei e dos mecanismos de acesso disponíveis; e) Postura reactiva dos tribunais, especialmente quando estamos perante conflitos de terra, dependendo do impulso das partes para actuar. Além do mais, apenas recentemente (2015) foram instalados tribunais administrativos nas capitais provinciais. Estes factores, no seu conjunto, contribuem para que o acesso à justiça formal seja muito selectivo em Moçambique. Porque implantadas em todas circunscrições territoriais, menos selectivo será o acesso às autoridades administrativas. No entanto, não raramente, estas serão as principais causadoras de alguns conflitos de terra. Paralelamente, estão disponíveis instituições informais que desempenham localmente a função de resolução de conflitos, nomeadamente, tribunais comunitários, família, autoridade tradicional, comunidades locais, membros do grupo dinamizador, conselhos locais de gestão de recursos naturais (COGEP), etc. Os COGEP estão especificamente previstos na legislação sobre florestas e fauna bravia, e são constituídos por representantes do Estado, das comunidades locais, e por pessoas singulares ou colectiva, associações ou ONGs, todos com actividades ligadas aos recursos florestais e faunísticos ou ao desenvolvimento local. Os COGEP têm como objectivo fundamental contribuir para a gestão participativa dos recursos. Tradicionalmente, estas instâncias resolvem sobretudo conflitos inter-individuais de “pequena dimensão”. Por exemplo, Trindade e Negrão et. al. (2002) mostram que no distritos de Angoche a família desempenha um papel de relevo na área dos conflitos de pequena dimensão, assumindo os tribunais comunitários uma importância maior à medida que a complexidade destes aumenta. No caso específico de Tambara, as autoridades tradicionais tendem a assumir maior protagonismo, dada a relativa irrelevância social dos tribunais comunitários. No entanto, a crescente demanda sobre a terra tem 266 proporcionado um contexto de intervenção das instâncias comunitárias em conflitos de maior dimensão, sobretudo associados a projecto de desenvolvimento, opondo investidores privados e comunidades locais. 1.3. Dimensão 3: Incentivam-se acordos aceites mutuamente através de sistemas informais de resolução de conflitos Painel Ind. Dim. Atribuição de Responsabilidades Incentivam-se acordos aceites mutuamente através de sistemas 8 1 3 informais de resolução de conflitos A: Existe um sistema local e informal de resolução de conflitos que resolve um número significativo de conflitos de maneira efectiva e equitativa e que se reconhece no sistema de resolução de conflitos judicial ou administrativo B: Existe um sistema de resolução de conflitos local, B: Existe um sistema de resolução de conflitos local, informal informal que resolve um que resolve um número significativo de conflitos de maneira número significativo de efectiva e equitativa, porém que não se reconhece no sistema conflitos de maneira efectiva formal de resolução de conflitos judiciais ou administrativos e equitativa, porém que não se reconhece no sistema C: Existe um sistema local e informal de resolução de conflitos que formal de resolução de toma decisões que nem sempre são equitativas, porém este conflitos judiciais ou sistema está reconhecido dentro do sistema formal de resolução de administrativos conflitos judiciais ou administrativos D: Não existe sistema local ou informal de resolução de conflitos que possa resolver um número significativo de litígios por terras de maneira eficaz Análise: A Constituição da República reconhece o pluralismo jurídico. No entanto, este princípio não foi levado até às últimas consequências do ponto de vista legislativo. Uma das particularidades do sistema de justiça moçambicano é o facto de o chamado direito tradicional não ter sido codificado, nem terem sido reguladas as formas de acesso aos mecanismos de justiça informais e sua relação com as instâncias formais. Existe uma pequena excepção em relação aos tribunais comunitários, dado que a lei afirma que, em caso de recurso, os tribunais judiciais deverão julgar o conflito observando os mesmos princípios e critérios que orientam as decisões dos tribunais comunitários. Contudo, não estão regulados os mecanismo do recurso, nem sequer a sua interposição tem sido prática corrente. De modo que existem dois sistemas paralelos, incomunicáveis entre si. Aliando esta realidade às possibilidades de forum 267 shopping, percebe-se que as decisões das instâncias informais, não sendo vinculativas, tendam a ser desrespeitadas não só pelas partes, como pelo sistema formal. Outra é a questão de saber se as decisões são tomadas de forma equitativa. O processamento dos casos nas instâncias informais, em regra, obedece a um certo padrão, embora, dadas as características que lhes temos vindo a assinalar, haja muita flexibilidade e adaptação das formas de funcionamento em função do perfil dos juízes, dos contextos em que estão inseridos, das particularidades e exigências do caso, etc. Destacamos as seguintes características: a) predomínio da oralidade: a apresentaçao das queixas e a discussao dos casos e feita oralmente. A escrita e utilizada de modo bastante residual, para as notificaçoes e, por vezes, para o registo das decisoes; b) diversidade linguística: na apresentaçao e discussao utiliza-se a língua que os utentes escolherem. Embora geralmente utilizem a língua local, os utentes podem transitar livremente entre diversos universos linguísticos, em funçao da necessidade ou estrategias da argumentaçao; c) respeito pelo princípio do contraditorio, dando sempre a parte contraria a possibilidade de se defender; d) processos participativos: para alem das partes, outras pessoas (familiares, vizinhos, estruturas do bairro, etc.) podem participar na resoluçao do conflito. Alias, tem sido exigida a presença dos familiares nos julgamentos sido, como uma das condiçoes para a inteira compreensao dos conflitos e produçao de prova, assim como para assegurar a eficacia das decisoes; e) celeridade e desburocratizaçao: os actos/fases processuais sao reduzidos ao mínimo possível. Depois de apresentada a queixa, normalmente com a notificaçao da parte contraria e marcado a data do julgamento; f) No que respeita aos conflitos de terra, por vezes sao seguidos procedimentos específicos que facilitam a produçao de prova: visita ao local do conflito, confrontaçao dos limites dos terrenos, recolha de informaçao sobre a historia de ocupaçao dos terrenos, etc. Este padrao de funcionamento conduz a que os modelos de decisao das instancias informais divirjam os tribunais judiciais. Estes julgam principalmente tendo em conta criterios de legalidade estrita. Nos tribunais judiciais predomina, por isso, uma cultura jurídica de adjudicaçao. A regra de resoluçao de conflitos nos tribunais consiste, pois, em formular decisoes de soma zero, em que ha um vencedor e um vencido em relaçao ao qual sao prescritas determinadas sançoes. Pelo contrario as instancias informais - e no caso dos tribunais comunitarios, por força da lei - tendem a decidir de acordo com a equidade, o bom senso e com justiça, assumindo-se a mediaçao como uma tecnica privilegiada de resoluçao de conflitos. Apesar das características positivas e das potencialidades que se apontam as instancias informais, 268 reconhece-se que sera muito difícil ou mesmo impossível traçar-lhes um perfil universal. Tambem registam-se exemplos de instancias (ou simplesmente de casos) em que nao sao tomadas medidas equitativas, se privilegia a força de coacçao na regulaçao de conflitos e se desrespeitam os direitos elementares dos cidadaos. O desrespeito dos direitos das mulheres tem sido apontado como um dos exemplos paradigmaticos de actuaçao das instancias informais, na sua maioria dominados por uma cultura patriarcal. 1.4. Dimensão 4: Existe um processo, com preços acessíveis e oportuno para apelar as sentenças disputadas Painel Ind. Dim. Atribuição de Responsabilidades Existe um processo, com preços acessíveis e oportuno para 8 1 4 apelar as sentenças disputadas A: Existe um processo para recorrer das decisões sobre os casos fundiários a um custo razoável em que os conflitos são resolvidos de modo oportuno B: Existe um processo para recorrer das decisões sobre os casos C: Existe um processo para fundiários a um custo elevado em que os conflitos são resolvidos recorrer das decisões sobre de modo oportuno os casos fundiários, mas os custos são elevados e o C: Existe um processo para recorrer das decisões sobre os processo é muito demorado casos fundiários, mas os custos são elevados e o processo é muito demorado D: Não existe processo para recorrer das decisões sobre os casos fundiários Análise: A Constituiçao da Republica reconhece a todos os cidadaos, sem quaisquer restriçoes, o direito de impugnar e de recorrer aos tribunais contra actos que violem os seus direitos (artigos 69º e 70º). De modo a efectivar o exercício desses direitos fundamentais, foi aprovada legislaçao específica que regula as formas de acesso aos tribunais e fixa os procedimentos a observar nesse ambito. Portanto, a semelhança do que acontece com os demais conflitos, existe um processo para recorrer das decisoes relativas aos casos fundiarios. Dependendo do que origina o conflito e a natureza dos intervenientes, o processo tanto pode ser imediatamente encaminhado para os tribunais judiciais, como para os tribunais administrativos. A jurisdiçao administrativa sera, naturalmente, adequada para impugnar actos praticados por um orgao da administraçao publica. 269 Os custo do processo nos tribunais judiciais e relativamente alto, variando em funçao do valor da causa. No entanto, a lei permite que os cidadaos, mediante prova da situaçao de carencia economica, beneficiem de isençao no pagamento das despesas do processo. Quanto a justiça administrativa, os custos do processo sao muito baixos e, no caso do recurso hierarquico, o processo e gratuito. Contudo, nas duas jurisdiçoes os cidadaos incorrem em custos indirectos muito elevados, proibitivos para a maioria dos moçambicanos. Referimo-nos aos custos relativos aos pagamento de honorarios de advogados. No caso particular do contencioso administrativo, e mesmo obrigatoria a constituiçao de advogado para todo o tipo de causa. Ora, os custos dos serviços de advocacia sao muito elevados em Moçambique, sendo muitas vezes calculados em Dolares Americanos e taxados a hora de trabalho. Em media, os honorarios dos advogados situam-se entre USS 150,00 e USD 150,00 por hora. Para alem deste facto, mais 90% dos advogados moçambicanos estao instalados em Maputo e nas maiores capitais provinciais (Beira e Nampula). Paralelamente a Ordem dos Advogados, foi criado o Instituto do Patrocínio e Assistencia Jurídica (IPAJ), instituiçao do Estado, subordinada ao Ministerio da Justiça, cuja missao e garantir a concretizaçao do direito de defesa, proporcionando ao cidadao economicamente desprotegido, o patrocínio judiciario e a assistencia jurídica de que carecer. Os serviços prestados pelo IPAJ sao gratuitos, devendo o Estado assegurar a remuneraçao dos respectivos membros. No entanto, actualmente o IPAJ conta com um numero bastante reduzido (um total de 176 em todo o país), nao estando em condiçoes de satisfazer plenamente as demandas de tutela jurídica, como tambem reconhecem os dirigentes da instituiçao (conforme entrevista do Director-Geral do IPAJ, publicada na ediçao electronica do jornal Notícias, de 15 de Novembro de 2015). Por outro lado, e sabido que alguns membros do IPAJ cobram honorarios, actuando na pratica como advogados privados. Devemos tambem mencionar uma iniciativa recente da Ordem dos Advogados que, no ano 2015, criou o Instituto de Acesso a Justiça (IAJ) cujo objectivo e tambem prestar assistencia jurídica gratuita aos cidadaos carenciados. Sendo uma iniciativa muito recente e baseada na cidade de Maputo (ainda que com intervençoes pontuais nalgumas províncias), podemos afirmar que o impacto do IAJ ainda e limitado. Face a este contexto de escassez de serviços de assistencia jurídica, os custos economicos e sociais relacionados com a resoluçao de conflitos fundiarios tornam-se muito elevados. No que particularmente respeita as instancias informais no geral, tambem se colocam problemas relacionados com a aplicaçao de taxas, nao obstante o entendimento de que o processo de resoluçao de conflitos deveria ser gratuito. Na maior parte dos casos, os utentes pagam determinado valor para a 270 apresentaçao da queixa e, numa fase posterior, efectuam outros pagamentos a título de taxa ou imposto de justiça e de multa (neste ultimo caso, se entretanto lhes for aplicada uma pena pecuniaria). Nao estando regulado por lei, os membros das instancias fixam de forma discricionaria os montantes a serem pagos pelos utentes. Por isso, os valores variam em funçao do contexto de actuaçao de cada instancia e, por vezes, em funçao do caso. Esta realidade acarreta algumas suspeiçoes em relaçao as instancias informais, uma vez que acabam por limitar o acesso a justiça, sobretudo por parte dos cidadaos mais carenciados. 2. Indicador 2: A proporção de terras afectadas por Conflitos Pendentes é Baixa e decrescente 2.1. Dimensão 1: Os conflitos de terra constituem uma pequena percentagem de casos no sistema jurídico formal A proporção de terras afectadas por Conflitos Pendentes é Painel Ind. Dim. Baixa e decrescente Os conflitos de terra constituem uma pequena percentagem de 8 2 1 casos no sistema jurídico formal A: Os conflitos de terras no sistema judiciário formal representam menos de 10% do total de casos judiciários B: Os conflitos de terras no sistema judiciário formal representam A: Os conflitos de terras no entre 10% e 30% do total de casos judiciários sistema judiciário formal representam menos de 10% C: Os conflitos de terras no sistema judiciário formal representam do total de casos judiciários entre 30% e 50% do total de casos judiciários D: Os conflitos de terras no sistema judiciário formal representam mais de 50% do total de casos judiciários Análise: De acordo com as estatísticas judiciais, os processos crime dominam a conflitualidade nos tribunais judiciais (Tribunal Supremo, Estatísticas Judiciais 2013). No escalão provincial, representam 49 % do total de processos entrados em 2013. Por seu turno, as acções declarativas cíveis, onde se incluem os conflitos de terra, têm um peso relativo de apenas 5%. Nos tribunais de distrito o panorama é semelhante. Em 2013, os processos cíveis (excluindo os casos de menores) representam 5,5% do total de processos entrados. O peso dos conflitos de terra será ainda muito mais baixo, dado que os volumes aqui apresentados englobam também outro tipo de litígios (dívidas, inventários, propriedade, posse, divórcios, etc.). 271 No mesmo sentido do que aqui afirmamos, o estudo do Centro de Formação Jurídica e Judiciaria (Relatório Final da Pesquisa sobre os Conflitos de Terra, Ambiente e Florestas e Fauna Bravia, 2004; Centro de Formação Jurídica e Judiciaria, projecto FAO/GCP/MOZ/069/NET) conclui que há um baixo envolvimento das estruturas judiciárias nos conflitos de terra. Nos poucos casos que se regista a actuação do judiciário, afirmam, é apenas para “proferir uma decisão referente a um acto de violência ou outro comportamento anti-social com raízes no conflito [de terras], e não para resolver o caso de terras em si. Numa amostra de 38 casos, o tribunal pronunciou-se sobre a questão da terra em apenas 3. Não dispomos de dados sobre o contencioso administrativo. É importante notar que no contencioso administrativo visa-se tomar decisões sobre litígios entre a Administração Pública e os particulares. Deste modo, aos tribunais administrativos competirá intervir apenas na circunstância em que um acto administrativo (atribuição ou revogação de DUAT, atribuição de concessões, etc.) constitui a causa do conflito de terra. A maior parte dos conflitos que opõem as comunidades aos investidores tem origem considerável na intervenção de uma autoridade administrativa. Para além da questão da desigualdade de poder entre os intervenientes, se tivermos em conta os condicionalismos do acesso à justiça administrativa - conhecimento dos direitos, constituição de advogado e os custos associados - percebemos que o acesso aos tribunais administrativos será muito selectivo. 2.2. Dimensão 2: Os conflitos no sistema formal são solucionados de maneira oportuna A proporção de terras afectadas por Conflitos Pendentes é Painel Ind. Dim. Baixa e decrescente Os conflitos no sistema formal são solucionados de maneira 8 2 2 oportuna A: Uma decisão relacionada a conflito de terras é alcançada em tribunal de primeira instância dentro de 6 meses em mais de 90% dos casos D: Uma decisão relacionada a conflito de terras é alcançada B: Uma decisão relacionada a conflito de terras é alcançada em em tribunal de primeira tribunal de primeira instância dentro de um ano em mais de 90% instância dentro de 2 anos dos casos. em mais de 90% dos casos C: Uma decisão relacionada a conflito de terras é alcançada em tribunal de primeira instância dentro de 18 meses em mais de 90% dos casos 272 D: Uma decisão relacionada a conflito de terras é alcançada em tribunal de primeira instância dentro de 2 anos em mais de 90% dos casos Análise: Nao existem dados específicos sobre a duraçao de processos de casos fundiarios. Contudo, o unico estudo conhecido que procedeu a um levantamento exaustivo da situaçao dos tribunais indica-nos que, no geral, nos tribunais de província a duraçao media dos processos cíveis era de tres meses a dois anos. No entanto, ja se registava uma tendencia para o aumento do volume de processos com duraçao entre dois e cinco anos (Marques; Jose; e Pedroso, 2003:394-396). Uma nota importante e que este trabalho de investigaçao centrou-se na analise de processos findos, portanto bem sucedidos, ficando de fora os processos pendentes, cujo volume foi aumentando acentuadamente ao longo dos anos. Quanto aos tribunais de distrito, os processos cíveis eram ínfimos, estando ausentes os conflitos de terra (Pedroso; Jose, 2003). Nos casos que correm fora dos tribunais, mas junto das entidades administrativas, o mencionado estudo do Centro de Formaçao Jurídica e Judiciaria indica-nos que os chamados grandes conflitos que opoem comunidades locais e investidores privados ou ao Estado nao sao resolvidos em menos de quatro anos (Relatorio Final da Pesquisa sobre os Conflitos de Terra, Ambiente e Florestas e Fauna Bravia, 2004; Centro de Formaçao Jurídica e Judiciaria, projecto FAO/GCP/MOZ/069/NET). Pode-se dizer que, quando estamos perante conflitos mais complexos, o processo e muito moroso. O mesmo estudo tambem aponta para situaçoes em que o conflito nao chega sequer a ser resolvido. No mesmo sentido, Sitoe et. al. (2004) mostram exemplos de casos cuja resoluçao nao foi possível, mesmo no contexto de delimitaçao de terras comunitarias, ainda que envolvendo as autoridades administrativas. Quanto aos “pequenos conflitos” (conflitualidade intra-individual entre os membros da mesma comunidade), sendo em regra resolvidos nas estruturas informais, o processo e celere, podendo ser resolvidos dentro de uma semana. Devemos ter em conta algumas das características que apontamos a justiça informal e que favorecem a celeridade processual: oralidade, procedimentos simples, ausencia de burocracia e proximidade. Por vezes a resolução de conflitos requer que se faça uma recolha de informações complementares noutras instituições. Normalmente regista-se uma resposta tardia dos serviços de administração de terras às solicitações do sistema judiciário. Para além esta dificuldade, não existe uma memória institucional consolidada que permita que os interessados tenham acesso à informação fiável. Ademais, o facto de ser corrente encontrar nas instituições públicas interpretações diferentes da legislação, traduz-se numa constante incerteza quanto ao exercício de direitos por parte dos cidadãos. 273 V. Conclusões e recomendações 1. Conclusões: Da análise dos indicadores e dimensões relativas a resolução de conflitos, extraímos as seguintes conclusões: a) vigorando sociologicamente uma pluralidade de instâncias de resolução de conflitos e/ou ordenamentos jurídicos, o Estado não tem o monopólio da resolução de conflitos. Antes partilha essa função com outras instâncias (comunitárias), enraizadas em historicidades e identidades locais,cuja legitimidade não deriva necessariamente da lei escrita. No entanto, assumimos o pluralismo jurídico apenas como um ponto de partida para analisar as complexidades normativas e cognitivas vigentes e a forma como as mesmas são manipuladas nas interacções sociais. A fragmentação das instâncias comunitárias e o facto de não ser regulada a sua relação com a justiça formal, contribui para a que não seja clara a distribuição de responsabilidades na várias instâncias, sendo que estas apenas de forma ad hoc as evidências e as decisões. Significa que Moçambique não terá ainda um sistema integrado de administração da justiça; b) As instancias informais tendem a proferir decisoes de acordo com a equidade, o bom senso e com justiça (nalguns casos alicerçadas nas normas costumeiras), assumindo-se a mediaçao como uma tecnica privilegiada de resoluçao de conflitos. Apesar das características positivas e das potencialidades que se apontam as instancias informais, reconhece-se que sera muito difícil ou mesmo impossível traçar-lhes um perfil universal. Tambem se registam exemplos de instancias (ou simplesmente de casos) em que nao sao tomadas medidas equitativas, se privilegia a força de coacçao na resoluçao dos conflitos e se desrespeita os direitos elementares dos cidadaos; c) As instancias informais contribuem para o processo de titulaçao formal da terra, participando nos mecanismos de consulta comunitaria. Esta intervençao tem particular importancia para a prevençao de conflitos; d) Em quase 40 anos de independência, não foi possível estender com eficácia a rede judiciária para todo o país, apesar dos avanços que se registam. Embora não seja determinante, potencia a intervenção de actores não-estatais na função de resolução. De qualquer modo, mesmo nos locais onde temos tribunais judiciais em funcionamento e uma oferta consistente de serviços jurídicos estatais, o protagonismo das instâncias comunitárias não se dissolve; e) A organização judiciária é a pedra angular sobre a qual gravitam quase todas as questões 274 relativas ao sistema de administração da justiça. A opção de fazer coincidir a divisão judicial com a divisão administrativa tem conduzido a um esforço gigantesco de extensão de tribunais judiciais em todos os distritos, independentemente das características de que disponham, da população habitante, do grau de desenvolvimento socioecónomico, das particularidades da procura sociojurídica. A par dos tribunais deverão ser implantados em todos os distritos outras instituições desempenham papel relevante na administração da justiça. Esta ambição está longe de ser concretizada, desde logo porque os serviços de advocacia e de assistência jurídica concentram-se nas grande capitais provinciais e são muito caros; f) A actual estrutura da DNT inclui um sector de resolução de conflitos. O principal desafio que decorre desta nova estruturação é a necessidade de dotar o sector de meios necessários para funcionar de forma eficaz, assim como assegurar a sua articulação com as instituições locais de resolução de conflitos; g) Mesmo nos casos onde existem tribunais, estes estão instalados nas capitais distritais. No que respeita à jurisdição administrativa, apenas recentemente foram instalados tribunais nas capitais provinciais. Estes factores, entre outros, contribuem para que o acesso à justiça formal seja muito selectivo em Moçambique; h) Os custos dos processos judiciais são elevados, embora os cidadãos que não tenham condições para os suportar possam beneficiar de isenções. Contudo, sendo nalguns casos (sobretudo no contencioso administrativo) obrigatória a constituição de advogados, os custos tornam-se proibitivos para a maior parte dos moçambicanos; i) Relacionado com a questão da precariedade do acesso e dos custos, não obstante a abundância de relatos de litígios relacionados com a terra em Moçambique, trata-se de uma conflitualidade praticamente ausente nas instâncias formais de resolução de conflitos. Por outro lado, a duração dos processos é muito elevada; j) Oportunidade de massificação da titulação e de registo sistemático de terras no âmbito do “Projecto Terra Segura”. 2. Recomendações É, assim, possível avançar algumas recomendações: 275 a) Aprofundar os estudos e a monitoria do sistema de administração da justiça, incluindo a sua relação com a governação fundiária; b) Continuar o debate sobre a reforma judiciária e procurar caminhos que permitam responder da melhor forma à diversidade de procura jurídica; c) Estudar a viabilidade de criação e instalação de tribunais/secções especializados na resolução de conflitos de terras, uma vez que Moçambique já dispõe de alguns tribunais de competência especializada em funcionamento, nomeadamente o Tribunal de Menores da Cidade de Maputo e o Tribunal de Polícia (que julga fundamentalmente transgressões ao Código de Estrada). Existem também seções de competência especializada para as áreas cível, comercial, laboral, e penal. d) Revitalizar os tribunais comunitários e regulamentar o seu funcionamento; e) Regular as formas de articulação entre a justiça informal e a formal; f) Promover a disseminação da informação jurídica aos cidadãos; g) Promover a distribuição de legislação relevante às instituições públicas; h) Promover a elaboração e distribuição de ordens de serviço que apoiem os agentes públicos na implementação da legislação; i) Alargar os serviços de informação e assistência jurídica às populações mais desfavorecidas; j) Conceder especial atenção às mulheres enquanto grupo desfavorecido; k) Assegurar a implementação eficaz do “Projecto Terra Segura”, na medida em que este se revela importante para uma melhor gestão dos recursos, para a segurança da posse e a prevenção de litígios; l) Implementar mecanismos de controlo do desempenho e de monitoria das instituições de administração da justiça e da terra; m) Implementar mecanismos para a monitoria independente dos processos de licenciamento do uso da terra. TEMA 9. ARRANJOS E POLÍTICAS INSTITUCIONAIS Autores: João Carlos Trindade e Alda Salomão I. Introdução O presente relatório tem por objecto analisar as opções de organização institucional para o sector de terras, no respeitante à clareza de mandatos e atribuições e ao funcionamento das instituições na prática. Serão também abordados aspectos relativos aos espaços institucionalizados de participação no processo de tomada de decisões, com o propósito de aferir da sua adequabilidade para a materialização 276 de uma governação efectivamente inclusiva e participativa na gestão e administração de terras. Um breve olhar sobre a história recente do país mostra que, embora sujeita à intervenção específica de outros departamentos governamentais259, a gestão e administração de terras, a nível central, esteve sempre sob a alçada do Ministério da Agricultura (MINAG), nos quarenta anos que se seguiram à independência de Moçambique. Começou por integrar a Direcção Nacional de Geografia e Cadastro e, mais tarde, a Direcção Nacional de Terras e Florestas. Com o advento da actual legislatura, em Janeiro de 2015, produziu-se a mais profunda reforma institucional nas áreas da governação da terra e das florestas, do ambiente e do desenvolvimento rural, consubstanciada nas seguintes medidas: 1. Extinção do MICOA e integração de todos os seus departamentos num novo Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) 2. Transferência do sector de terras e cartografia, do MINAG para o MITADER 3. Transferência do sector de desenvolvimento rural, do MAE para o MITADER 4. Transferência da gestão das áreas de conservação, do MITUR para o MITADER Nos termos do Estatuto Orgânico, aprovado pela Resolução nº 6/2015, de 26 de Junho, da Comissão Interministerial da Administração Pública, ao MITADER são conferidas as seguintes atribuições: a) Planeamento e ordenamento territorial para o desenvolvimento sustentável do País; b) Formulação de propostas de implementação de políticas e estratégias de desenvolvimento integrado da terra, ambiente, áreas de conservação, florestas, fauna bravia e desenvolvimento rural; c) Administração e gestão da terra; d) Administração, gestão e uso sustentável das florestas e da fauna bravia; e) Administração e gestão da rede nacional das áreas de conservação; f) Planeamento, promoção e coordenação do desenvolvimento rural integrado e sustentável; g) Promoção do desenvolvimento do conhecimento no domínio da terra, ambiente, desenvolvimento rural e áreas afins; h) Garantia, manutenção e desenvolvimento de cooperação na área do ambiente; i) Definição e implementação de estratégia de educação, consciencialização e divulgação; j) Coordenação intersectorial e uso sustentável dos recursos disponíveis em prol do desenvolvimento sustentável. A realização destas atribuições deverá ser garantida através de uma estrutura institucional indicada no 259Por exemplo, o Ministério da Administração Estatal (MAE), em tudo o que dizia respeito à administração territorial do Estado e à direcção da administração pública, integrando, desde 2009, o sector do Desenvolvimento Rural; o Ministério da Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), no que à execução da política do ambiente e ao licenciamento ambiental dizia respeito; o Ministério da Justiça (MJ), sob cuja responsabilidade sempre foi assegurado o registo predial de imóveis e benfeitorias; o Ministério do Turismo (MITUR), que, a partir de 2005, passou a ser responsável pelas áreas de conservação e a assegurar a gestão dos parques, reservas e fazendas de bravio, etc. 277 quadro seguinte: DIRECÇÕES E DEPARTAMENTOS INSTITUIÇÕES SUBORDINADAS NACIONAIS Centro Nacional de Carto- Inspecção da Terra, Ambiente e Desenvolvimento 1 grafia e Teledetecção (CE- Rural NACARTA) Instituto Médio de Planea- 2 Direcção Nacional do Desenvolvimento Rural mento Físico e Ambiente (IMPFA) Instituto de Formação em 3 Direcção Nacional de Florestas Administração de Terras e Cartografia (INFATEC) 4 Direcção Nacional do Ambiente INSTITUIÇÕES TUTELADAS 5 Direcção Nacional de Terras Fundo do Ambiente (FU-NAB) Direcção Nacional do Ordenamento Territorial e Administração Nacional de 6 Reassentamento Áreas de Conservação (ANAC) Agência Nacional para o 7 Direcção de Planificação e Cooperação Controlo de Qualidade Am- biental (AQUA) 8 Gabinete Jurídico 9 Gabinete do Ministro 10 Departamento de Administração e Finanças 11 Departamento de Aquisições 12 Departamento de Recursos Humanos 13 Departamento de Comunicação e Imagem Ao nível provincial, a gestão da terra foi assegurada, até à legislatura anterior, pelos governadores provinciais e pelas instituições que representavam o MINAG a esse nível, nomeadamente as direcções provinciais de agricultura (DPA’s) e os serviços provinciais de geografia e cadastro (SPGC’s). A partir de Janeiro de 2015, o MITADER herdou os SPGC’s, tendo as DPA’s permanecido no agora designado Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA). Os governadores provinciais mantêm a sua função nesta área, sendo responsáveis pela atribuição de DUAT’s para parcelas de 0 a 1000ha de terra, nos termos do Artigo 22 da Lei de Terras. 278 No escalão distrital, o papel dos governos locais foi de algum modo impulsionado pela aprovação da Lei que estabelece os princípios e as normas de organização dos órgãos locais do Estado (Lei nº 8/2003, de 19 de Maio). A aprovação da legislação sobre o ordenamento e planeamento territorial em 2007260, veio reforçar o papel reservado a estas entidades relativamente à gestão da terra e de outros recursos naturais ao nível local, destacando a importância crucial da aprovação de planos distritais de uso da terra. Note-se que, por força da Lei de Terras, a falta de planos distritais de uso da terra e de serviços distritais de cadastro impede que os governos distritais tomem decisões sobre o uso da terra na sua área de jurisdição261. Com a aprovação a Lei das Autarquias Locais em 1997 (Lei nº 2/97, de 18 de Fevereiro), e a subsequente criação de novas autarquias a partir de 1998, o solo urbano passou a ser gerido por estas entidades, nas respectivas áreas de jurisdição. Uma vez que se optou por uma abordagem gradual na criação das autarquias, em 1998 apenas 33 cidades e vilas foram abrangidas por este processo. A partir das segundas eleições autárquicas (2003), a criação de novas autarquias tem vindo crescer a um ritmo de mais 10 novos municípios por cada ciclo eleitoral. O número total é, actualmente, de 53. Quanto ao nível comunitário, a legislação sobre terras e florestas já continha disposições específicas reconhecendo a importância da participação das comunidades locais e suas instituições na gestão dos recursos naturais, com base no direito costumeiro e dentro dos limites legais262. Todavia, o papel e a intervenção das autoridades comunitárias foram formalizados e reforçados através da aprovação de legislação que veio estabelecer as formas de articulação dos órgãos locais do Estado com as autoridades comunitárias263 e dos órgãos autárquicos com as comunidades locais e as suas estruturas264. Como corolário dessa evolução, a revisão constitucional de 2004 não apenas viria a consagrar o reconhecimento do pluralismo jurídico (artigo 4) e a valorização da autoridade tradicional legitimada pelas populações (artigo 118), como o domínio público comunitário sobre os recursos naturais (artigo 98, nº 3). II. Actualidade e Relevância do Tema Clareza de Mandatos e Coordenação Institucional Como já foi dito anteriormente, o MITADER, criado nos termos do Decreto Presidencial nº 1/2015, de 16 de Janeiro, herdou as suas competências, funções, meios humanos, materiais e financeiros do anterior Ministério da Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) e passou a integrar alguns departamentos que 260 Lei nº 19/2007, de 18 de Julho 261 Artigo 23, da Lei de Terras 262 Artigo 13, nº 3 e Artigo 24 da Lei de Terras; Artigo 95 do Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia 263 Decreto nº 15/2000, de 20 de Junho, regulamentado pelo Diploma Ministerial nº 107-A/2000, de 25 de Agosto 264Diploma Ministerial nº 80/2004, de 14 de Maio 279 haviam estado sob tutela do Ministério da Agricultura (os sectores de terras e cartografia), do Ministério da Administração Estatal (o sector de desenvolvimento rural) e o Ministério do Turismo (as áreas de conservação). Este super-Ministério concentra, pois, competências nas áreas técnicas da gestão e administração de terras, das florestas, do ambiente, do desenvolvimento rural, da conservação e da gestão da fauna bravia. E exerce-as através das unidades orgânicas a seguir indicadas, cujas funções estão definidas no respectivo Estatuto Orgânico: Direcção Nacional de Terras265 - define políticas, legislação, normas e procedimentos no domínio de administração e gestão de terras; concebe e promove a elaboração de matrizes de cartas cadastrais; globaliza informação relativa ao uso da terra; desenvolve e executa actividades, incluindo as operações necessárias para a execução do cadastro nacional de terras; assegura a atribuição dos direitos de uso e aproveitamento da terra e a fiscalização dos planos de exploração propostos pelos titulares, nos termos da legislação aplicável; assegura o registo cadastral das ocupações de terra pelas comunidades rurais, nos termos da legislação aplicável; planifica a implantação de empreendimentos e projectos de desenvolvimento de grande escala. Direcção Nacional de Desenvolvimento Rural266 - estabelece políticas e estratégias de desenvolvimento rural integrado que concorram para a melhoria da prestação dos serviços sociais básicos e de atracção dos investimentos para as zonas rurais; garante a coordenação intersectorial aos diferentes níveis, assegurando o uso sustentável dos recursos disponíveis em prol do desenvolvimento rural; promove a participação comunitária e a potenciação do associativismo nos processos de desenvolvimento económico local; potencia os actores económicos locais para contribuírem na exploração sustentável dos recursos naturais e na dinamização da economia local; desenvolve acções de expansão dos serviços financeiros para as zonas rurais; implementa acções estratégicas de gestão de conhecimento com vista a identificar e divulgar as boas práticas no âmbito do desenvolvimento rural. Direcção Nacional do Ordenamento Territorial e Reassentamento267 - No domínio do ordenamento do território: propõe as políticas e a legislação pertinentes ao ordenamento territorial; estabelece normas, regulamentos e directrizes para as acções do ordenamento territorial; emite parecer sobre a localização de empreendimentos e projectos de desenvolvimento de grande vulto; promove e faz a monitoria da execução dos instrumentos de gestão territorial a nível nacional, provincial, distrital e das autarquias locais; promove e participa nos estudos e projectos de requalificação dos bairros informais; promove, programa e realiza acções de capacitação em matérias de ordenamento do território a nível local e das autarquias locais; assessora os órgãos locais na elaboração, implementação, 265 Estatuto Orgânico, artigo 11 266 Idem, artigo 8 267 Idem, artigo 12 280 controlo e gestão do uso e aproveitamento da terra; avalia, monitora e promove boas práticas relacionadas com aspectos de gestão territorial nas comunidades; emite pareceres técnicos de conformidade sobre os instrumentos de gestão territorial a nível nacional, provincial, distrital e das autarquias locais; emite pareceres técnicos sobre processos de atribuição do direito de uso e aproveitamento da terra para as zonas rurais, povoações, vilas e cidades onde não haja instrumentos de gestão territorial aprovados; promove e concebe programas e projectos experimentais de demonstração na área do ordenamento territorial; participa na classificação e hierarquização dos distritos e assentamentos humanos; participa na definição da divisão territorial do país; desenvolve, coordena e gere o sistema nacional de informação territorial. No domínio do reassentamento: propõe políticas e estratégias de intervenção na área do reassentamento; assegura a implementação das políticas e regulamentos de reassentamento e compensações a nível nacional; identifica e mapeia áreas aptas e seguras para efeitos de reassentamento; assegura a integração de acções de adaptação às mudanças climáticas nos planos de reassentamento; elabora relatórios de monitoria e avaliação do processo de reassentamento, tendo em conta os planos previamente aprovados; define orientações, parâmetros e metodologias reguladoras do processo de reassentamento; monitora os processos de reassentamento e dissemina as boas práticas; propõe a elaboração de um plano de desenvolvimento da área do reassentamento; emite pareceres técnicos sobre os planos de reassentamento resultantes das calamidades naturais e reordenamento e das actividades económicas. Direcção Nacional de Florestas268 - elabora e actualiza normas e procedimentos sobre a gestão sustentável dos recursos florestais; assegura o licenciamento, maneio, protecção, pesquisa, conservação, fiscalização e monitoria do uso de recursos florestais; avalia quantitativa e qualitativamente os recursos florestais, bem como a redução de emissões por desmatamento e degradação florestal; estabelece medidas de prevenção e controlo das queimadas descontroladas; garante a utilização sustentável da biomassa lenhosa; promove a utilização racional de espécies florestais secundarizadas e de produtos florestais não madeireiros; promove o processamento dos recursos florestais e assegura a utilização de tecnologias apropriadas; promove a participação comunitária na gestão sustentável dos recursos naturais. Direcção Nacional do Ambiente269 – propõe políticas, legislação e normas para o uso correcto das componentes ambientais e de controlo da qualidade do ambiente; elabora, promove e implementa políticas, estratégias, directivas, programas e planos para o desenvolvimento sustentável e preservação do ambiente; assegura a integração dos aspectos ambientais nas políticas, estratégias, programas e planos sectoriais; presta assistência técnica a todos níveis de governação em matéria de ambiente; promove a gestão ambiental, integrada e sustentável das áreas marinhas e costeiras, rurais e urbanas; estabelece normas, directrizes e procedimentos para a elaboração dos planos de gestão ambiental de 268 Idem, artigo 9 269 Idem, artigo 10 281 projectos de desenvolvimento socioeconómico; promove a elaboração e implementação de planos e programas de gestão de espaços verdes, resíduos e efluentes líquidos; promove acções de conservação ambiental, visando em particular, a biodiversidade, gestão sustentável das áreas sensíveis ou protegidas e a reabilitação de áreas degradadas; concebe e implementa projectos de redução da degradação dos solos para controlo das queimadas, erosão, desertificação e seca, adaptação e mitigação às mudanças climáticas, recuperação das áreas contaminadas, ecossistemas sensíveis, gestão de terras húmidas e educação ambiental; implementa acordos bilaterais e multilaterais ambientais sobre biodiversidade e ecossistemas, incluindo espécies ameaçadas ou em perigo de extinção, clima, gestão sustentável da terra e economia verde e azul, mar e controlo de produtos químicos perigosos; desenvolve, executa e coordena programas e acções de educação ambiental orientadas para a promoção do género e participação das comunidades, do sector privado e da sociedade civil; promove e realiza acções de capacitação e informação sobre temáticas de ambiente e desenvolvimento sustentável; colabora com os sectores da educação na integração dos aspectos ambientais nos curricula escolar do ensino a todos os níveis; desenvolve sistemas de gestão de informação ambiental. A estrutura do MITADER compreende ainda uma Inspecção da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, com funções de fiscalização e controlo das actividades susceptíveis de causar danos ao ambiente e de implementação da legislação sobre terra, ambiente, ordenamento territorial, áreas de conservação, florestas e fauna bravia. Resumidamente, pode dizer-se que a criação do MITADER veio, em parte, resolver a discutidíssima questão da dispersão de mandatos e da falta de coordenação intersectorial270. Todavia, não se pode perder de vista, como já foi amplamente assinalado, que a gestão e administração de terras “exige grandes investimentos em reformas institucionais e capacitação... [pois] há evidências abundantes de uma profunda ineficiência, imprecisão de registos e recolha deficiente de informação no terreno. O pessoal local está mal equipado e é pouco apoiado. Falta clareza quanto aos procedimentos e há pouca uniformidade no que toca ao licenciamento e documentação fornecida em diferentes partes do país” (USAID/SPEED, 2015:13). Separação de Poderes O princípio da separação de poderes271, como é hoje concebido no Direito Constitucional, já pouco tem a ver com o significado que lhe era atribuído no período do liberalismo europeu dos sécs. XVIII e XIX. Na construção de Montesquieu, implicava que a cada órgão de soberania fosse atribuída uma função do Estado. O constitucionalismo actual implica, fundamentalmente, que cada órgão de soberania a quem é 270 Veja-se, entre outros, Capacitação Institucional para Gestão e Administração da Terra em Moçambique , DNTF, 2013; A Political Economy Analysis of Mozambique’s Land Sector, DFID, 2013; O quadro legal e o investimento: como melhorar a legislação fundiária de Moçambique, USAID/SPEED, 2015 271 Ver os artigos 3 e 134 da CRM 282 atribuído o núcleo essencial de uma função do Estado se deve conter nos limites das competências que lhe são fixadas, de modo a que seja assegurado um modelo de repartição funcional que observe exigências de essencialidade na distribuição das actividades públicas, de desconcentração e de responsabilidade jurídica e política no exercício dessas actividades272. Como corolário do princípio da separação de poderes na esfera dos órgãos de soberania, há duas ideias basilares a reter: por um lado, a função legislativa é atribuída, em princípio, ao Parlamento (Assembleia da República), a função executiva ao Governo (Conselho de Ministros) e a função judicial aos Tribunais; por outro lado, os órgãos do Legislativo, do Executivo e do Judiciário controlam-se e limitam-se mutuamente de modo a atenuar o poder do Estado e proteger a liberdade dos cidadãos273. Não obstante este quadro político-legal, em muitos casos a prática difere da teoria. Num país dominado pelo poder político partidário, com frequente interferência na esfera da governação, à revelia dos ditames constitucionais, é generalizada a constatação de que a separação de poderes ainda não é efectiva em Moçambique. Esse facto reflecte-se em todos os domínios da administração pública, incluindo no sector da gestão e administração de terras. Descentralização Democrática e Administrativa Como já foi referido, em 1998 teve início o processo de descentralização administrativa, com a criação das primeiras autarquias locais, ao abrigo da Lei nº 2/97, de 18 de Fevereiro. O número de municípios é actualmente de 53. As autarquias locais têm, nos termos da lei, mandato para gerir e administrar terras que se confinam dentro da área sob sua jurisdição. Em paralelo com os municípios, os governos distritais têm também mandato para gerir terras fora dos limites das áreas municipais, desde que estejam cobertas por planos de urbanização e disponham de serviços distritais de cadastro274. No contexto da desconcentração ou descentralização administrativa, o artigo 22 da Lei de Terras indica as instituições com competência para autorizar direitos de uso e aproveitamento da terra, incluindo o Conselho de Ministros, o Ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, o Governador Provincial e o Administrador Distrital. Por outro lado, e ainda neste contexto, a CRM e a legislação ordinária sobre terras prescrevem a intervenção das autoridades comunitárias na gestão de terras segundo normas e práticas costumeiras, tendo a revisão constitucional de 2004 consagrado a existência de um domínio público comunitário sobre a terra e outros recursos naturais. 272 Ver Funções do Estado, em “Ciência Política e Direito Constitucional”, I. P. Leiria, 2013 -14, pesquisável em http://ead.ipleiria.pt/ucs201415/mod/resource/view.php?id=140250 273 Ver Da separação de poderes à confusão de poderes , Blog “A Dignidade da Diferença”, pesquisável em http://adignidadedadiferenca.blogs.sapo.pt/da-separacao-de-poderes-a-confusao-de-179964 274 Veja-se artigo 23 da Lei de Terras. 283 Porém, pese embora a ênfase que tem sido posta na descentralização e desconcentração consagradas na Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE), na realidade, a maioria dos estudos e das pesquisas realizadas considera que os Serviços Geográficos e Cadastrais ao nível provincial e distrital operam ainda a um nível muito abaixo das necessidades, devido principalmente à falta de capacidade técnica. Além disso, o distrito tem um papel reduzido na emissão de DUATs e no acompanhamento de projectos de investimento a quem foram concedidos DUATs, apesar de o distrito ser identificado como o "pólo de desenvolvimento e planificação'275. Além disso, alguns autores276 alertam para a forma como o pluralismo administrativo tem vindo a ser implementado, sob forte condicionalismo da bipolaridade político-partidária que se instalou em vastas zonas do território nacional, pondo em risco a forma unitária do Estado moçambicano, tal como entendida pela doutrina internacional. Na verdade, tem-se assistido a uma “… fragmentação das funções do Estado no âmbito local, exercidas casuisticamente por uma variedade de entidades oficiais e não oficiais, reconhecidas ou não pelo próprio Estado […]. Assim, e ainda que obviamente não possamos concluir que o Estado moçambicano, à escala nacional, é um Estado composto e não um Estado unitário, a verdade é que os processos de transformação política gerados ou legitimados pela própria descentralização […] abriu a porta para o aparecimento de graves entraves ao livre exercício da soberania pelo Estado, no plano local”. III. Principais Constrangimentos e Oportunidades a) Aspectos legais Como tem vindo a ser amplamente reconhecido, o quadro jurídico existente no domínio da terra e dos recursos naturais mantém-se adequado aos desafios que o país enfrenta. Embora muitas mudanças tenham ocorrido desde meados dos anos 90, quando a PNT de 1995 e a Lei de Terras de 1997 foram aprovadas, as condições estruturais da economia e da sociedade não se alteraram significativamente e, apesar de deficientemente implementada, a legislação não deixou de atingir objectivos importantes (USAID/SPEED: 47). Não obstante, alguns estudos apontam para a necessidade de se melhorar a implementação e a regulamentação complementar da Lei de Terras e da Lei do Ordenamento do Território (LOT) e de se tomarem providências legislativas no âmbito da regulação do solo urbano, do processo de reassentamento, das compensações pagas aos titulares cujos DUAT’s sejam expropriados ou revogados, da tributação da terra, do momento em que se devem realizar as avaliações de impacto ambiental, do papel da Conservatória do Registo Predial no quadro institucional da governação da terra, entre outros. 275Veja-se Locke, Anna (2014), Mozambique Land Policy Development Case Study, ODI/DFID, pág. 9 276Veja-se, por todos, Matos Fernandes, Tiago (2007), Descentralizar é fragmentar? Riscos do pluralismo administrativo para a unidade do Estado em Moçambique, Revista Crítica de Ciências Sociais, CES, Coimbra, nº 77, pp. 151-164 284 A ideia é a de que os principais constrangimentos que afectam o processo de governação da terra não residem tanto no plano da regulamentação, mas no da execução das políticas e da legislação, dadas as fraquezas persistentes no domínio metodológico, organizativo, tecnológico, técnico e político, não apenas ao nível dos órgãos centrais mas, sobretudo, ao nível das administrações locais277. Trata-se de um bom exemplo de como a law in action não tem estado a acompanhar a law in the books, para utilizar uma expressão cara à Sociologia do Direito. a) Aspectos Sociais, Ambientais e de Governação Na análise das instituições a recomendação generalizada tem sido no sentido de o sector de terras envidar esforços maiores para adequar a sua capacidade técnica e operacional às necessidades dos cidadãos e dos diferentes sectores económicos, através da melhoria da sua capacidade de regulamentar, orientar e fiscalizar a ocupação de terras, provendo maior celeridade aos processos de tomada de decisões, assegurando participação pública efectiva e, nesses processos, garantindo a permanente protecção de direitos e interesses legítimos de todos os actores. Como mecanismos principais de salvaguarda da sustentabilidade social, ambiental e de garantia de observância de princípios de boa governação de terras, foram institucionalizados processos de participação, bem como importantes instrumentos de gestão ambiental. Tais processos e instrumentos foram legalmente adoptados com o intuito também de equilibrar interesses e orientar o ocupação de terras respeitando as características e aptidão ecológica. Assim, as consultas comunitárias e públicas começaram a ser usados de forma mais consistente a partir da aprovação da Lei de Terras e da Lei Quadro do Ambiente em 1997, e os instrumentos de ordenamento e planeamento territorial, a partir da aprovação da Legislação do Ordenamento Territorial em 2007. Em termos de boa governação, merece destaque o princípio da legalidade plasmado na CRM e incluído em todos os instrumentos normativos do sector ambiental e de terras, bem como em estratégias de desenvolvimento nacional. Este progresso no quadro normativo, que é tanto qualitativo como quantitativo, não tem sido acompanhado, no mesmo ritmo e qualidade, por processos de implementação eficazes. A qualidade das consultas publicas e comunitárias, tanto no âmbito da formulação e implementação de instrumentos legais, como na tomada de decisões sobre opções, programas e projectos de desenvolvimento, tem sido questionada, e a utilização de instrumentos de ordenamento e planeamento territorial ainda é muito deficiente e pouco generalizada. É, contudo, em relação a aspectos de governação, que maiores preocupações têm sido levantadas, com apelos frequentes a um maior respeito pelo Estado de Direito e maior rigor no cumprimento da lei pelos agentes do Estado, em todos os sectores e níveis. 277 Vide Chemonics (2006): Mozambique General Services Contract, Land Tenure Services-Final Report, pág.49 285 Ilustrativo da gravidade da situação, é a afirmação seguinte, retirada de um recente relatório de avaliação do sector de terras no contexto da promoção de investimentos privados:278 “Existe uma grande falta de confiança no Estado de Direito em Moçambique , sentimento partilhado por todos os investidores e pelos que os apoiariam” IV. Adaptabilidade de Indicadores e Dimensões Num exercício como este, que se leva a cabo para avaliar a qualidade da governação fundiária nos diferentes países, segundo uma metodologia e uma grelha de indicadores e dimensões pré-estabelecidas e aplicáveis em diferentes contextos, seria difícil que não surgissem pontualmente dificuldades em enquadrar os dados da realidade nos parâmetros da avaliação. Por exemplo, em alguns casos, a junção numa única dimensão de dois ou mais aspectos merecedores de avaliação individual dificultou a classificação. Apesar disso, os dois indicadores e as treze dimensões pré-fixados para este tema permitiram, com razoável certeza e fiabilidade, captar os contextos político, jurídico, social e institucional em que se têm vindo a desenvolver os ajustamentos e a formular as políticas reguladoras do sector da administração e gestão fundiária. V. Análise dos Indicadores e Dimensões O tema sobre arranjos políticos e institucionais é avaliado com base em dois indicadores. Para o Indicador 1, sobre “Clareza de Mandatos e Práticas”, foram produzidas 6 dimensões, enquanto o Indicador 2, sobre “Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões”, é avaliado com base em 5 dimensões, conforme tabelas abaixo. A seguir a cada dimensão é apresentada uma breve análise justificativa da classificação escolhida. 1. Indicador 1: Clareza de Mandatos e Práticas 1.1. Dimensão 1: A formulação, implementação e arbitragem de políticas de terras estão separadas para evitar conflitos e interesses. Painel Ind. Dim. Clareza de Mandatos e Práticas A formulação, implementação e arbitragem de políticas de terras 9 1 1 estão separadas para evitar conflitos e interesses D: Em situações que A: Em situações que possam implicar conflitos de interesse ou que possam implicar sejam sensíveis ao abuso (por exemplo transferências de direitos de conflitos de terras) existe uma separação clara nos papéis de formulação de interesse ou que políticas, implementação de políticas e de arbitragem sejam passíveis de B: Em situações que possam implicar conflitos de interesse ou que abuso (por exemplo sejam sensíveis ao abuso (por exemplo transferências de direitos de 278 SPEED, 2015. O Quadro Legal e o Investimento: Como Melhorar a Legislação Fundiária em Moçambique. 286 transferências de terras) existe certa separação nos papéis de formulação e direitos de terras) implementação de políticas e arbitragem não existe uma separação clara C: Em situações que possam implicar conflitos de interesse ou que entre as funções de sejam sensíveis ao abuso (por exemplo transferências de direitos de terras) existe uma certa separação entre as funções de formulação de formulação de políticas, políticas, implementação de políticas por meio de gestão e implementação de administração da terra e a arbitragem de quaisquer conflitos que políticas por meio possam surgir como resultado da implementação da política, mas de gestão e existem responsabilidades sobrepostas e conflituantes que administração da acarretam problemas frequentes terra e a arbitragem D: Em situações que possam implicar conflitos de interesse ou de quaisquer que sejam passíveis de abuso (por exemplo transferências de conflitos que direitos de terras) não existe uma separação clara entre as possam surgir como funções de formulação de políticas, implementação de políticas resultado da por meio de gestão e administração da terra e a arbitragem de implementação da quaisquer conflitos que possam surgir como resultado da política implementação da política Análise: Esta dimensão pressupõe uma separação de poderes dentro do Estado, designadamente o poder legislativo (formulação), o poder executivo (implementação) e o poder judicial (arbitragem). Formalmente, esta separação está prevista na CRM, tendo sido materializada na prática através da existência no país de instituições dos três poderes, com mandatos e competências alinhadas com um Estado de direito democrático. Em teoria, as funções de formulação, implementação e de arbitragem deveriam estar claramente distribuídas por órgãos distintos. No entanto, a separação de poderes nem sempre é clara por força da ocorrência de situações em que um mesmo órgão, como o governo, concentra em si mandatos quer de formulação como de implementação de políticas. Aliás, passou a ser comum que o governo seja o órgão que, simultaneamente formula e executa políticas, processo no qual a Assembleia da República não participa ou tem participação limitada, uma vez que a sua aprovação é feita por via de resoluções do Conselho de Ministros. Por outro lado, este princípio importante de um Estado de Direito tem sido prejudicado pelo pela falta de rigor na observância do princípio da legalidade e pela ingerência nefasta do poder político partidário sobre as instituições do Estado. Neste contexto, mais perniciosa do que a alegada falta de recursos financeiros e de capacidade técnica, é, certamente, a chamada partidarização do Estado, muito criticada nos últimos dez anos, e que faz com os diferentes órgãos se inibam de exercer as suas funções com o rigor e isenção necessários. O facto de, não obstante a existência de um quadro político legal bom, Moçambique ser citado em inúmeros relatórios de pesquisa sobre governação de terras como estando na lista dos países mais corruptos e afectados pelo açambarcamento de terras (land grabbing) , em 287 prejuízo dos interesses do Estado e dos direitos legítimos dos cidadãos, é sintomático de fragilidades graves de natureza ética e moral e que propiciam atropelos à lei, sobretudo por parte das instituições do Estado. Dentro do próprio governo, e especificamente dentro do sector de terras, a questão da separação de poderes ou funções também carece de discussão e tratamento. Por exemplo, o Fórum de Consulta sobre a Terra, órgão de consulta do governo (Conselho de Ministros) sobre assuntos de terras criado em 2010, tem o seu secretariado baseado e controlado pela DINAT. A sua agenda, incluindo a preparação das suas sessões, é igualmente controlada pela DINAT, com base em processos nem sempre consentâneos com as normas de funcionamento estabelecidas no decreto que o criou. Podem usar-se como referência para este assunto, o facto de a DINAT ter barrado unilateralmente o seguimento de recomendações aprovadas por sessões plenárias do FCT ao Conselho de Ministros, por um lado, e, por outro lado, casos de processos iniciados pelo FCT e que são, posteriormente, conduzidos segundo processos estabelecidos unilateralmente pela DINAT, à margem do Grupo de Reflexão, que é órgão de coordenação técnica do FCT e responsável por determinar a agenda, e por aprovar tecnicamente os respectivos processos e produtos. Um exemplo corrente desta situação, é o processo de formulação da proposta de regulamento para Cessão de Exploração, que apesar de ter sido alvo de alguma participação na fase inicial, está agora a seguir um processo decidido à margem do Grupo de Reflexão. Na abordagem de questões sobre separação de poderes, deve levantar-se igualmente a questão da especialização das instituições que nos diferentes órgãos tratam de questões ambientais, tendo sido sugerida, neste contexto, a avaliação da viabilidade de, por, exemplo, ser criado um tribunal especializado sobre matérias ambientais. Assim propõe a classificação “D” para esta Dimensão. 1.2. Dimensão 2: As responsabilidades dos ministérios e agências que se ocupam das terras não se sobrepõem (sobreposição horizontal). Painel Ind. Dim. Clareza de Mandatos e Práticas As responsabilidades dos ministérios e agências que se ocupam das 9 1 2 terras não se sobrepõem (sobreposição horizontal). C: As A: As responsabilidades obrigatórias exercidas pelas autoridades que se responsabilidades ocupam da governação de terras não se sobrepõem com as de outras atribuídas das agências do sector fundiário várias autoridades B: As responsabilidades atribuídas das várias autoridades que lidam com que lidam com questões de administração de terras são definidas com um nível limitado de questões de sobreposição com as de outros órgãos do sector fundiário, mas existem administração de alguns problemas terras são definidas, mas a sobreposição C: As responsabilidades atribuídas das várias autoridades que lidam institucional com as com questões de administração de terras são definidas, mas a 288 de outros órgãos do sobreposição institucional com as de outros órgãos do sector fundiário sector fundiário e a e a inconsistência constituem um problema inconsistência constituem um D: As responsabilidades atribuídas das várias autoridades que lidam com a problema administração de terras são mal definidas (quando existem) e a sobreposição institucional e a inconsistência constituem um sério problema Análise: Com a criação do MITADER foi, aparentemente, eliminada uma parte da dispersão e sobreposição de mandatos e da descoordenação institucional que prevaleceu nos últimas quatro décadas, embora seja ainda muito cedo para avaliar a medida em que o MITADER conseguirá, de facto, impulsionar uma melhor dinâmica e coordenação sectorial. Por outro lado, a comparação dos mandatos do MITADER e do MAE mostra que há ainda alguma possibilidade de sobreposição, por exemplo no respeitante ao tratamento a dar às terras e ao papel das autoridades comunitárias. Por exemplo, tanto o MITADER como o MAE têm mandato para intervenções no respeitante à ocupação territorial, especificamente sobre delimitações das comunidades, intervindo a primeira no âmbito do reconhecimento de direitos e a segunda no âmbito da organização territorial. Esta sobreposição de mandatos, que não é necessariamente má, se for realizada de forma organizada e harmonizada e sobretudo, se for organizada com vista a que ambas as instituições participem e colaborem na organização das comunidades com vista a uma intervenção institucionalizada das mesmas na gestão e administração de terras. Ou seja, que o MITADER e o MAEFP intervenham em conjunto para não só para a clarificação de direitos de uso e aproveitamento de terras, mas também para a clarificação de direitos de gestão da terra e outros recursos naturais, dando corpo, assim, ao domínio público comunitário. Outra sobreposição poderá ser constatada entre o MITADER e o MITUR, e entre o MITADER e a Administração Marítima (agora sob a alçada do Ministério do Mar). A questão do papel do registo predial vis a vis o cadastro nacional de terras também se levanta aqui, no respeitante à harmonização de procedimentos e partilha de informação. Por outro lado, foi constatada a necessidade de se prestar atenção à actuação dos municípios para evitar inconsistências sobretudo de interpretação legal e de procedimentos. Neste contexto, é importante que, ao se abordar a questão da criação do Cadastro Nacional de Terras, não se perca de vista o seu papel no âmbito da gestão da informação municipal. 1.3. Dimensão 3: A sobreposição administrativa (vertical) é evitada Painel Ind. Dim. Clareza de Mandatos e Práticas 9 1 3 A sobreposição administrativa (vertical) é evitada. B: A divisão das A: A atribuição de responsabilidades relativas à terra entre os diferentes responsabilidades níveis de administração e governo é clara e não existem sobreposições 289 relativas à terra B: A divisão das responsabilidades relativas à terra entre os diferentes entre os diferentes níveis de administração e governo é clara e com pequenas níveis de sobreposições administração e governo é clara e C: A divisão das responsabilidades relativas à terra entre os diferentes níveis de administração e governo é caracterizada por grandes sobreposições com pequenas sobreposições D: A divisão das responsabilidades relativas à terra entre os diferentes níveis de administração e governo não é clara Análise: Artigo 22 da Lei de Terras distribui competências específicas entre os diferentes níveis hierárquicos dentro da administração pública, assegurando a necessária consulta e coordenação entre os mesmos. A questão da sobreposição administrativa não está no conteúdo dos mandatos e competências institucionais, mas sim na falta de mecanismos de monitoria de processos decisórios e de responsabilização pelas decisões tomadas pelos diferentes níveis da administração pública, especialmente quando afectam negativamente direitos e interesses legítimos do Estado e dos cidadãos. Os pareceres formulados pelos governos provinciais e distritais nem sempre são considerados nas decisões tomadas pelo Conselho de Ministros, por exemplo, na atribuição de DUATs para investimentos. Esta desconsideração já conduziu à tomada de decisões altamente prejudiciais. A pergunta que se coloca é sobre que mecanismos existem para que os cidadãos tenham, por um lado, conhecimento desses pareceres e, por outro lado, conhecimento dos fundamentos que ditaram a decisão escolhida. É, por isso, importante, que tanto os pareceres dos níveis mais baixos da hierarquia da administração pública, assim como os fundamentos do Conselho de Ministros sejam do conhecimento do publico, sobretudo quando a atribuição de DUATs para investidores resulte em consequências ambientais nefastas ou perturbações sociais profundas, como é o caso dos reassentamentos. Por outro lado, a sobreposição ocorre quando por omissão, no respeitante à alocação de meios de trabalho adequados para apoio à tomada correcta de decisões, alguns níveis da administração pública, como os governos distritais, se vêm impedidos de intervir no processo de atribuição de DUATs sobre terras sob sua jurisdição. Este facto cria espaço para que outros níveis, como o governador provincial, o Ministro do MITADER ou o Conselho de Ministros, preencham esta lacuna e se sobreponham. Como se sabe, nos termos do artigo acima citado, o Administrador do Distrito só pode atribuir DUATs sobre áreas com planos de urbanização e quando existam serviços distritais de cadastro. A maioria dos governos distritais não possui sequer planos de uso da terra devidamente aprovados e publicados. Por outro lado ainda, e no contexto da necessária coordenação intersectorial, é importante que o público e os sectores que não intervêm na gestão e administração de terras tenham conhecimento dos fundamentos que levam a que, na ocupação de terras, um interesse económico ou social pré-existente seja preterido e até prejudicado, em benefício de outro interesse superveniente. Note-se que por força 290 da legislação sobre ordenamento territorial, este princípio, aplica-se inclusivamente ao sector mineiro, cujos interesses prevalecem sobre os demais. Sem prejuízo do papel que compete à Assembleia da República exercer sobre esta matéria, o Fórum de Consulta sobre a Terra pode e deve jogar um papel importante como plataforma de prestação de contas e de responsabilização de todos os níveis hierárquicos da Administração Pública que intervêm no sector de terras. 1.4. Dimensão 4: Os órgãos públicos partilham informação sobre a atribuição de direitos e sobre o uso das terras, e regularmente são divulgadas informações importantes que são de acesso publico. Painel Ind. Dim. Clareza de Mandatos e Práticas Os órgãos públicos partilham informação sobre os direitos e o uso das 9 1 4 terras, e regularmente são divulgadas informações importantes que são de acesso publico. A: As informações relativas aos direitos sobre a terra estão disponíveis para outras instituições que precisam dessas informações a custos razoáveis e com pronto acesso, devido principalmente ao fato de as informações sobre terras serem mantidas de maneira uniforme D: As informações relativas aos B: As informações relativas aos direitos sobre a terra estão disponíveis para direitos sobre a as instituições interessadas e, embora essas informações estejam disponíveis terra não estão a custos razoáveis, não são prontamente acessíveis, uma vez que não são disponíveis às mantidas de maneira uniforme instituições interessadas por C: As informações relativas aos direitos sobre a terra estão disponíveis para questões de política as instituições interessadas, mas essas informações não são prontamente ou prática acessíveis, nem disponíveis a custos razoáveis D: As informações relativas aos direitos sobre a terra não estão disponíveis às instituições interessadas por questões de política ou prática Análise: Para a classificação desta dimensão dever-se-ia ter alguma informação sobre a facilidade ou dificuldade que outros sectores do governo enfrentam na procura de informações sobre direitos e ocupação de terras. Não tendo sido possível obter esta informação, infere-se, com base no princípio da consulta e coordenação intersectorial, que as instituições do sector público, interessadas em obter informações do sector de terras, as obtêm de maneira fácil e pouco onerosa, em princípio. No entanto, é importante clarificar que no grupo das “instituições interessadas” dever-se-á considerar que estão também incluídas instituições do sector privado, da sociedade civil, do sector académico, entre outros, cujo acesso à informação sobre direitos e ocupação de terras não é fácil. Por outro lado, a questão da uniformidade na organização da informação sobre assuntos de terra pressuporia a existência de uma metodologia ou directriz para esse efeito, aplicável à todos os sectores, incluindo o cadastro de terras, o 291 cadastro mineiro e o registo predial. Se for tomada em consideração a recomendação emanada da VIII sessão ordinária do Fórum de Consulta sobre a Terra, no sentido de se trabalhar para a criação de um cadastro nacional de terras, vinte anos após a aprovação da PNT, a classificação D parece ser a mais apropriada. O governo está a investir no SIGIT desde 2012 mas esta ferramenta ainda não está totalmente funcional. O mais importante é operacionalizar o cadastro nacional de terras, com a constante colaboração dos outros sectores, como o registo predial e os municípios, que devem organizar a informação de forma padronizada e uniforme. Muito embora o acesso à informação sobre direitos e uso da terra tenha sido discutido mais detalhadamente noutro relatório, importa deixar aqui uma nota relativa ao facto de que a disponibilização e acessibilidade de informação sobre terras continua a ser uma da maiores fragilidades do sector. Neste contexto, chama-se também à atenção para a cautela que o sector de terras deve ter para não ser colocado em situações de ilegalidade, por força das obrigações que agora lhe são impostas pela legislação sobre acesso à informação de interesse público. 1.5. Dimensão 5: As sobreposições de direitos (baseadas em tipologia de posse) são mínimas e não causam fricciones ou litígios. Painel Ind. Dim. Clareza de Mandatos e Práticas As sobreposições de direitos (baseadas na tipologia de posse vigente) são 9 1 5 mínimas e não causam fricções ou litígios D: As normas e os A: As normas e os procedimentos legais para a solução de questões sobre a procedimentos terra (incluindo recursos renováveis e do subsolo) são plenamente legais para consistentes e se dispõe de um mecanismo unificado para as queixas e para questões a reparação de reclamações em caso de sobreposição relacionados com terras (incluindo B: As normas e os procedimentos legais para questões relacionadas com os recursos terras (incluindo recursos renováveis e de subsolo) são plenamente renováveis e do consistentes, porém pode haver diferenças na maneira como são manejadas subsolo) se ocupam as queixas e a reparação de reclamações de maneiras muito C: As normas e os procedimentos legais para questões relacionadas com diferentes dos terras (incluindo os recursos renováveis e do subsolo) tratam de maneiras assuntos muito diferentes as matérias relacionadas com terras, porém têm relacionados com mecanismos que funcionam para corrigir as sobreposições terras e não existem D: As normas e os procedimentos legais para questões relacionados mecanismos com terras (incluindo os recursos renováveis e do subsolo) se ocupam efectivos para de maneiras muito diferentes dos assuntos relacionados com terras e resolver a não existem mecanismos efectivos para resolver a sobreposição sobreposição Análise: 292 Esta dimensão está formulada de maneira problemática, contendo muitos aspectos numa só dimensão. Seria necessário especificar o fim de cada norma e procedimento (v.g. licenciamento de terras, planeamento territorial, etc). Muito embora se possa constatar, com base na análise do quadro legal vigente, que existem mecanismos institucionalizados de consulta e coordenação sectorial, a prática continua a mostrar situações de sobreposição de interesses sectoriais conflituantes, cujo processo de correcção é difícil de identificar. Um pouco por todo o país temos exemplos desta situação, que incluem a aprovação de concessões mineiras em áreas de conservação ambiental, ou a aprovação de projectos agrícolas em zonas reservadas a assentamentos populacionais, ou de projectos de ecoturismo em zonas agrícolas, e ainda de projectos diversos em zonas de protecção parcial incompatíveis com os fins para as quais tais zonas existem. Pelo facto de o MITADER concentrar os sectores mais relevantes para a aprovação da ocupação de terras, o governo tem agora a responsabilidade de mostrar o seu interesse e capacidade de coordenação, de planificação e de tomada prévia de medidas conducentes à redução de sobreposições e conflitos. Neste contexto, é importante chamar a atenção para a necessidade de se utilizares importantes instrumentos de orientação da tomada de decisões que actualmente não são usados, como é o caso dos Planos de Distritais de Uso de Terras (PDUTs). Enquanto isso não for conseguido, a classificação mais apropriada continuará a ser a “D”. 1.6. Dimensão 6: A ambiguidade nos mandatos institucionais (com base no mapeamento institucional) não causa problemas. Painel Ind. Dim. Clareza de Mandatos e Práticas A ambiguidade nos mandatos institucionais (com base no mapeamento 9 1 6 institucional) não causa problemas C: As distintas A: Os processos aplicados pelas instituições públicas que se ocupam das instituições terras estão plenamente integrados e são consistentes públicas se ocupam de matérias B: Com excepções menores, os processos aplicados pelas instituições relacionadas com públicas que se ocupam das terras estão integrados plenamente e são as terras agem de consistentes modo muito C: As distintas instituições públicas se ocupam de matérias relacionadas diferente porém com as terras agem de modo muito diferente porém existem existem mecanismos de coordenação que funcionam e são utilizados de maneira mecanismos de regular coordenação que funcionam e são D: As distintas instituições públicas que se ocupam de assuntos relacionados utilizados de com as terras tratam de maneira muito diferente os assuntos e não há maneira regular mecanismos efectivos para a coordenação Análise: 293 A formulação desta dimensão não está muito clara, pois não se entende os que pretende dizer com “processos”, nem com “se ocupam”. No entanto, pode oferecer-se um comentário geral no sentido de que, por exemplo, existem diferenças de procedimentos e processos entre a DINAT e os Municípios, assim como há diferenças também entre o MITADER e o MIREME. Embora não haja dados para avaliar a regularidade com que são usados nem a sua eficácia, existem mecanismos de coordenação entre as diversas instituições públicas que intervêm em assuntos relacionados com terras. 2. Indicador 2: Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões 2.1. Dimensão 1: As políticas e legislação de terras são desenvolvidas de maneira participativa envolvendo todas as partes interessadas relevantes. Painel Ind. Dim. Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões As políticas e a legislação de terras são desenvolvidas de maneira 9 2 1 participativa envolvendo todas as partes interessadas relevantes B: Existe uma A: Existe uma política de terras abrangente ou se pode inferir através da política de terras legislação existente que os afectados pelas decisões foram consultados de abrangente ou se antemão e se incorporou sua retroalimentação na política resultante. pode inferir através da legislação B: Existe uma política de terras abrangente ou se pode inferir através existente, que os da legislação existente, que os sectores da comunidade afectados por sectores da estas decisões são informados, porém usualmente não se busca a comunidade retroalimentação ou não são utilizadas na tomada de decisões. afectados por estas C: Existe a política ou se pode inferir por meio da legislação existente, porém decisões são está incompleta (faltam alguns aspectos chave ou somente é coberto parte informados, porém do país como por exemplo somente as áreas urbanas ou somente as áreas usualmente não se rurais) e as decisões que afectam a alguns sectores da comunidade são busca a tomadas sem consulta prévia. retroalimentação ou não são utilizadas D: Não existe nenhuma política clara, nem pode ser deduzida a partir da na tomada de legislação vigente e/ou as decisões de política fundiária geralmente são decisões. tomadas sem consulta às partes afectadas. Análise: O processo de formulação da Lei de Terras foi, sem dúvidas, o processo mais participativo de que há memória, em matéria de produção legislativa, participação que, à excepção do Anexo Técnico, não foi registada na produção de outros instrumentos complementares de hierarquia menor (regulamentos, diplomas ministeriais, etc), nem na produção de outras leis. O défice de participação pública em processos legislativos estimulou, em 2014, o estabelecimento de uma parceria entre a Confederação das Associações Económicas (CTA) e a Plataforma da Sociedade Civil, para a produção de uma proposta de regulamento sobre participação pública em processos legislativos. Servem para esta dimensão, os comentários feitos acima, sobre a má qualidade das consultas públicas e comunitárias, e sobre a deficiente qualidade das consultas entre os diferentes níveis da hierarquia governamental. Se o FCT for usado adequadamente poder-se-á melhor ainda a participação. Por isso, a classificação proposta é “B”. 294 2.2. Dimensão 2: As políticas de terras incluem equidade e metas de redução da pobreza e o seu progresso é monitorado publicamente. Painel Ind. Dim. Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões As políticas de terras incluem equidade e metas de redução da pobreza; 9 2 2 seu progresso é monitorado publicamente A: As políticas de terras incorporam objectivos claramente formulados de equidade e redução da pobreza que são monitorados de maneira regular e C - As políticas significativa e seu impacto sobre os assuntos de equidade e redução da fundiárias possuem pobreza se comparam com os de outros instrumentos de política alguns objectivos de equidade, mas eles B: As políticas fundiárias possuem objectivos de equidade que são não são monitorados de forma regular e significativa, mas seu impacto nas questões monitorados de de equidade não é comparável ao de outros instrumentos de políticas forma regular e C: As políticas fundiárias possuem alguns objectivos de equidade, mas significativa eles não são monitorados de forma regular e significativa D: As questões de equidade não são consideradas pelas políticas fundiárias Análise: Tanto as politicas do sector de terras como de outros sectores económicos, indicam como meta final a redução da pobreza. Mas a questão da pobreza começa pela própria definição do conceito, assim como deve ser vista tendo em consideração o modelo de desenvolvimento que se prossegue, por um lado. Na abordagem da pobreza, levantam-se questões relativas a prioridades nacionais. Tendo a agricultura sido eleita como a base do desenvolvimento nacional, e sendo este o sector que ocupa a maior parte da população nacional integrada na agricultura familiar, a opção pelo apoio, sobretudo, à agricultura comercial, levante inevitavelmente, questões sobre critérios de definição de prioridades. Por outro lado, a questão da pobreza não deve ser abordada de forma descoordenada e individualizada pelos diferentes sectores. Até ao momento, as diferentes politicas e estratégias de combate à pobreza, incluindo políticas fundiárias, não conseguiram reduzir significativamente questões de injustiças e de equidade no processo de desenvolvimento que o país está a seguir. Registos há, de forma generalizada, de que a desigualdade entre pobres e ricos está a aumentar o que indubitavelmente reflecte desequilíbrios no acesso aos recursos e rendimentos do país. Para efeitos comparativos, é difícil identificar a política que, de forma absoluta, terá contribuído mais para a redução da pobreza e para a redução das desigualdades e injustiças. 2.3. Dimensão 3: As políticas fundiárias incorporam metas ecológicas e meio ambientais e o seu progresso é monitorado publicamente. Painel Ind. Dim. Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões 295 As políticas fundiárias incorporam metas ecológicas e meio ambientais 9 2 3 e o seu progresso é monitorado publicamente A: As políticas de terras incorporam objectivos de sustentabilidade ambiental formulados claramente que são monitorados de maneira regular e significativa e seu impacto é comparado ao de outros instrumentos de C: As políticas política fundiárias incorporam alguns B: As políticas fundiárias incorporam objectivos de sustentabilidade objectivos de ambiental e formulados claramente que são monitorados de maneira regular sustentabilidade e significativa, porém seu impacto não se compara com o de outros ambiental, porém instrumentos de políticas estes não são monitorados de C: As políticas fundiárias incorporam alguns objectivos de maneira regular e sustentabilidade ambiental, porém estes não são monitorados de significativa maneira regular e significativa D: As políticas fundiárias não consideram assuntos de sustentabilidade ambiental e ecológica Análise: As políticas e legislação sobre terras, ambiente, ordenamento territorial, minas e petróleos, turismo, entre outras, contêm disposições relativas à sustentabilidade ambiental. No entanto, os impactos destes instrumentos não são monitorados de maneira regular. Por outro lado, tem de haver harmonização entre as consequências da não implementação do plano de gestão ambiental e a não implementação do plano de exploração. A AQUA tem a responsabilidade também de fazer a monitoria dos planos de gestão ambiental, mas ainda não foi incorporada a vistoria ambiental dos DUATs. A classificação proposta é “C”. 2.4. Dimensão 4: A implementação da política fundiária é orçamentada, comparada com os benefícios e possui os recursos adequados. Painel Ind. Dim. Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões A implementação da política fundiária é orçamentada, comparada com 9 2 4 os benefícios e possui os recursos adequados A: Os custos da implementação da política fundiária foram levantados, os D: Os custos da benefícios esperados foram identificados e comparados ao custo, e o implementação da orçamento, os recursos e a capacidade institucional existentes são política fundiária suficientes para a implementação não foram B: Os custos da implementação da política fundiária foram levantados, levantados e o embora não necessariamente com base em uma comparação dos custos e orçamento, os benefícios esperados. O orçamento, os recursos e a capacidade institucional recursos e a existentes são adequados capacidade são inadequados para C: Os custos da implementação da política fundiária não foram totalmente levantados e/ou existem sérios problemas de adequação em pelo menos 296 implementar a uma área de orçamento, recursos ou capacidade institucional para política. implementar a política D: Os custos da implementação da política fundiária não foram levantados e o orçamento, os recursos e a capacidade são inadequados para implementar a política Análise: De acordo com técnicos do sector de terras consultados sobre esta matéria, já houve exercícios de levantamento e orçamentação do processo de implementação da política e legislação de terras. No entanto, e de acordo com as mesmas fontes, tal exercício não produziu resultados por não terem sido providenciados recursos financeiros suficientes nem criada a capacidade institucional adequada para implementar a política. Por este motivo, a classificação proposta é “D”. 2.5. Dimensão 5: Existem relatórios regulares e públicos que indicam o andamento da implementação da política. Painel Ind. Dim. Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões Existem relatórios regulares e públicos que indicam o andamento da 9 2 5 implementação da política A: As instituições fundiárias formais informam sobre a implementação das políticas fundiárias de forma regular, significativa e abrangente e os relatórios são acessíveis ao público D: As instituições B: As instituições fundiárias formais informam sobre a implementação das fiduciárias formais políticas fundiárias de forma regular e significativa, mas os relatórios não informam sobre a são divulgados ao público implementação das políticas apenas em C: As instituições fundiárias formais informam sobre a implementação das circunstâncias políticas fundiárias, mas de uma forma que não permite um excepcionais ou nem acompanhamento significativo do andamento em diferentes áreas ou de informam forma esporádica D: As instituições fiduciárias formais informam sobre a implementação das políticas apenas em circunstâncias excepcionais ou nem informam Análise: Do ponto de vista metodológico e no âmbito da formulação de políticas e estratégias de implementação, tem sido feito um esforço para a identificação e inclusão de metas e indicadores que permitam monitorar o progresso na prossecução dos objectivos definidos. Considerando que a política e estratégia de implementação constituem o instrumento orientador do sector de terras será com base nele que esta dimensão será classificada. Tanto quanto pudemos apurar não existe nenhum mecanismo ou instrumento de monitoria que tenha sido institucionalizado para monitorar, especificamente, as 297 directrizes da PNT, no respeitante aos seus princípios e às directrizes para os diferentes sectores (agrário, construção e urbanismo, recursos minerais, turismo, infraestruturas e obras públicas, e indústria e comercio), bem como no respeitante às duas componentes principais, nomeadamente: aspectos legais e aspectos institucionais. Uma leitura atenta da PNT ajudará a constatar que a evolução do sector de terras, tanto do ponto de vista legal como institucional seguiu um rumo algo dissociado das prioridades preconizadas na PNT, até do ponto de vista de opções estratégicas. Vinte anos após a sua aprovação, e em discordância com o determinado na PNT, não foi ainda criado um Cadastro Único de Terras, não existe um sistema nacional de registo predial, e os procedimentos e metodologias do Registo Predial e o Cadastro Nacional de Terras não são compatíveis entre si. No sistema jurisdicional do Estado, os tribunais distritais e comunitários são os mais deficientes no que respeita à capacidade técnica e condições materiais para a resolução de conflitos sobre terras, distanciando-se, assim, o sector da justiça dos cidadãos mais vulneráveis. A PNT determinou no seu Ponto 79 que, e transcrevemos: “Para a execução das acções previstas na Política Nacional de Terras e sua estratégia de implementação, será elaborado um programa detalhado de acções e respectivo plano de investimentos”. Nenhuma das avaliações feitas ao sector de terras usou como referência esta orientação da PNT. Importa referir também, com base nas apresentações feitas ao FCT e segundo técnicos da DNT, que o sector de terras tem produzido relatórios de progresso de forma regular (semestrais) mas estes não são publicados. Tal como foi referido na Dimensão 3, a divulgação de informações sobre terras precisa de ser substancialmente melhorada e o FCT é uma excelente plataforma para esse efeito, sem prejuízo de outros meios e mecanismos de divulgação de informação existentes ou que possam ser criados. 2.6. Dimensão 6: As políticas fundiárias ajudam a melhorar o uso da terra por parte dos grupos de baixa renda e por aqueles que experimentaram injustiça Painel Ind. Dim. Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões As políticas fundiárias ajudam a melhorar o uso da terra por parte dos 9 2 6 grupos de baixa renda e por aqueles que experimentaram injustiça A: Existem políticas para melhorar o acesso e uso produtivo de bens por B: Existe uma grupos pobres e marginalizados, aplica-se na prática e é efectiva política para melhorar o acesso e B: Existe uma política para melhorar o acesso e uso produtivo de bens uso produtivo de por grupos pobres e marginalizados, aplica-se na prática, porém não é bens por grupos efectiva pobres e C: Existe uma política para melhorar o acesso e uso produtivo de bens por marginalizados, grupos pobres e marginalizados, porém não se executa 298 aplica-se na prática, D: Não existe política para melhorar o acesso por parte de grupos pobres e porém não é efectiva marginalizados aos activos e ao uso dos mesmos Análise: A melhoria do uso da terra por parte de grupos de baixa renda e a prevenção e eliminação de injustiças é um objectivo central da política económica do Estado, tal como estabelecida na CRM. Assim, e a título exemplificativo, as comunidades rurais não pagam taxas, não precisam de planos de exploração e outras obrigações, participam nos processos de titulação, têm o direito de receber percentagens de rendimentos canalizados ao Estado por investidores. No entanto, importa referir no contexto da análise desta dimensão, que tanto uma como outra componente não dependem exclusivamente da existência de boas políticas no sector de gestão e administração da terra. O acesso e melhoria do uso da terra pelos grupos de baixa renda, maioritariamente integrados no sector de agricultura familiar, requere, por um lado condições conducentes ao reforço da segurança de posse da terra pelos camponeses e outros membros das comunidades rurais. Por outro lado, e no concernente à baixa renda, a simples posse de terra deverá ser complementada por intervenções doutra natureza e doutros sectores, como é o caso do sector do comércio e indústria, do sector de infra-estruturas e transportes, bem como do sector de educação ciência e tecnologia. É igualmente necessário criar capacidade dentro das comunidades para que possam rentabilizar melhor a terra e outros recursos de que dispõem. O manual não esclarece a natureza das injustiças a que esta dimensão se refere, sendo, por isso difícil fazer comentários a esse respeito. No respeitante à política sobre segurança de posse de terra, é sabido que elas existem e que a maior parte dos mecanismos criados para esse efeito, são, de algum modo, executadas. No entanto a sua eficácia é reduzida por se tratar de intervenções isoladas, nuns casos e, noutros casos, por serem intervenções desarticuladas doutras intervenções igualmente importantes e complementares, e que só em conjunto permitiriam que a posse de terra não seja um fim em si mesmo e seja, sobretudo, um meio para o progresso social e económico dos cidadãos. Por exemplo, a delimitação de terras comunitárias, mecanismo introduzido para formalizar e reforçar a segurança de posse de direitos colectivos sobre a terra, não tem produzido efeitos notáveis no respeitante à melhoria do uso da terra e geração de renda das comunidades delimitadas por não ser complementada por outras intervenções componentes como acesos a tecnologias melhoradas, acesos a mercados, acesso a financiamento, etc. 2.7. Dimensão 7: As políticas fundiárias reduzem de maneira proactiva e efectiva riscos futuros de desastres. Painel Ind. Dim. Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões As políticas fundiárias reduzem de maneira proactiva e efectiva riscos 9 2 7 futuros de desastres 299 A: Existe uma política para impedir o assentamento em áreas de alto risco que é executada e traduz antecipadamente os riscos futuros em planeamento do uso da terra e é executada D: Não existe política para impedir o B: Existe uma política para impedir o assentamento em áreas de alto risco e assentamento em traduz antecipadamente os riscos futuros em planeamento do uso da terra, áreas de alto risco porém não é executada ou riscos futuros C: Existe uma política para impedir o assentamento em áreas de alto risco, antecipados porém não é executada D: Não existe política para impedir o assentamento em áreas de alto risco ou riscos futuros antecipados Análise: Muito embora a PNT não contenha disposições específicas sobre medidas de prevenção e mitigação de desastres naturais ou doutra natureza, estes aspectos, incluindo aspectos relacionados com medidas de prevenção e mitigação de feitos de mudanças climáticas, foram adoptadas em instrumentos posteriores e complementares à PNT. Consultas junto do Ministério da Administração Estatal e ao INGC, indicam que não existem directrizes nacionais sobre assentamentos populacionais, sendo prática comum, a criação de povoações de forma espontânea e descontrolada, pelo simples e belo prazer dos cidadãos. A proliferação de assentamentos desordenados e descontrolados ante o olhar complacente do governo é endémica no país, como resultado da pouca importância atribuída ao zoneamento e ordenamento territorial, ao planeamento do uso da terra e à imposição rigorosa de princípios e normas legais. Casos há, em que tenho sido interditas de se assentarem em zonas de riscos ambientais, e tendo recebido parcelas de terra em áreas alternativas e menos propensas a desastres naturais, as pessoas retornam aos locais de risco. Nas zonas urbanas, a questão dos assentamentos desordenados e implantados em zonas propensas a inundações é exemplo desta realidade, assim como o conflito homem-animal o é no meio rural. Para além dos riscos de natureza ambiental, há riscos relativo à segurança das pessoas que a legislação sobre terras procurou acautelar, mas cujas normas não são respeitadas pelo próprio Estado. É assim que se nota a proliferação em todo o país de ocupações desordenadas e ilegais em zonas de protecção parcial adjacentes a auto-estradas, linhas de transporte de energia de alta tensão, linhas férreas, entre outras áreas, onde as pessoas se colocam em situação de vulnerabilidade no caso de ocorrência de acidentes. VI. Conclusões e Recomendações A principal conclusão que se pode tirar da avaliação dos indicadores incluídos no tema deste relatório é de que a eficiência e eficácia do quadro institucional passa pela observância de princípios de boa governação, a começar pelo respeito pelo Estado de Direito e pela necessária separação de poderes entre 300 os diferentes órgãos do Estado. O rigor no cumprimento da legislação por parte da administração pública, para além de proteger o Estado de situações de ilegalidade, poderá ajudar a reduzir as deficiências do sector em termos de recursos humanos e financeiros, ao maximizar as oportunidades de redução de custos, de organização institucional e de aprendizagem e até de captação de receitas. Paulatinamente, num cenário de observância legal rigorosa, serão igualmente colmatadas as deficiências no âmbito da consulta e coordenação multissectorial, bem como no âmbito das consultas públicas e comunitárias, criando-se assim um ambiente propício para uma governação efectivamente participativa. A importância e necessidade de intervenção dos distintos órgãos do Estado é notória no sector de gestão e administração de terras, onde se impõe uma melhor distinção e distribuição de funções de formulação, de implementação e de arbitragem, para a redução de situações de conflitos de interesse que prejudicam a implementação correcta da PNT, através da necessária prestação de contas e responsabilização. IV. Conclusões e Recomendações Gerais 1. Conclusões 1. A Lei de Terras e o respectivo Regulamento preconizam a protecção de direitos das comunidades legais e da posse de boa-fé, estabelecendo os meios de protecção e titulação de tais direitos. Porém, devido à conjuntura social moçambicana, aliada à fragilidade institucional, tais prerrogativas não são devidamente asseguradas. 2. A procura já elevada de terra tem vindo a aumentar com o crescimento da economia. E muito embora os direitos locais gozem de protecção legal, a maior parte permanece por registar e está “fora do cadastro”, encontrando-se ainda vulnerável e exposta a ser capturada por grupos mais poderosos. A abordagem adoptada pela PNT de 1995 e pela Lei de Terras de 1997 – acesso participativo e negociado à terra local que gere benefícios em termos de alívio da pobreza para os titulares de direitos existentes que cedam esses direitos – ainda aparenta ser a melhor maneira de conciliar as necessidades, muitas vezes divergentes, de diferentes utilizadores. Por outras palavras, os seus objectivos sociais ainda são válidos. 3. Em relação à questão das “consultas comunitárias”, que é uma das características fundamentais da Lei de Terras de 1997 e a principal garantia de cariz prático dos direitos locais à terra (DUAT), adquiridos por ocupação costumeira, os críticos alegam, e com razão, que a Lei e o Regulamento são muito parcos em detalhes sobre como devem ser realizadas as consultas, quem representa a comunidade, e quais os efeitos legais. 4. No que toca ao processo de delimitação de terras, importante instrumento de titulação de posse das comunidades locais, este encontra ainda grandes desafios devido: (i) à falta de provedores de serviços qualificados e com capacidade para conduzir a delimitação dentro das regras estabelecidas; (ii) à 301 necessidade de apropriação do processo pelas comunidades; (iii) à falta de sinergias entre os processos de delimitação e os representantes dos governos distritais e necessidade de incluir a delimitação nos planos de orçamento e de desenvolvimento dos distritos. 5. Com a criação do MITADER, Moçambique tem finalmente o potencial para implementar cabalmente a progressista e altamente conceituada Lei de Terras de 1997. Com as mudanças acima propostas de elevação das suas credenciais económicas deixando o seu propósito social intacto, e com um quadro institucional novo, beneficiando de forte apoio de doadores (ao nível nacional e distrital), a implementação cabal do quadro pode ser agora possível. 6. A necessidade de regularização e harmonização do quadro legal de terras e florestas e demais recursos minerais/ordenamento território, não só no que concerne aos direitos de uso e aproveitamento da terra, mas também relativamente às formas de ocupação da terra, aos direitos dos ocupantes e à indicação clara das formas de resolução dos conflitos é uma constatação amplamente partilhada. 7. A Lei de Terras não é clara, tornando-se muitas vezes dúbia em relação aos vários procedimentos atinentes à ocupação da terra. A ocupação precisa de ser regulamentada, tanto nas áreas urbanas como rurais, por forma a esclarecer o âmbito de aplicação, tanto da Lei de Terras como do Regulamento do Solo Urbano. 8. Moçambique caminha a passos largos para uma rápida urbanização. O fenómeno da urbanização não tem estado a ser acompanhado por estratégias e programas específicos de desenvolvimento urbano. O país ainda não colocou a questão urbana na agenda prioritária da governação. Entretanto, os centros urbanos vão crescendo como podem e, cada vez mais, os assentamentos informais tomam forma, estimando-se que até 2015 cerca de 70% dos habitantes dos centros urbanos do país residiam na parte informal. 9. É reconhecido o grande desenvolvimento de instrumentos jurídico-legais para o planeamento, gestão e administracção do solo urbano. Todavia, há que considerar que subsistem alguns desafios. Os actuais sistemas de administração de terras e direitos de propriedade de bens sobre a terra gerem apenas uma proporção pequena das actuais necessidades da população. Os procedimentos existentes são basicamente concebidos para atender aos requerentes de terras pela primeira vez - maioritariamente investidores. A procura, em comparação com a população e o número de agregados familiares, é muito baixa, quer pela aparente dificuldade em obter um DUAT, quer porque o título em si e as leis subjacentes a ele não são adequadamente entendidos pelos ocupantes de terra. Números exactos são difíceis de obter mas não devem passar dos 2 a 3 % de cidadãos nacionais que têm títulos formais de DUAT’s, a maior parte dos quais provisórios. 10. O actual sistema de pedido de novos DUAT’s – de facto, o primeiro registo do direito de um dado titular – é precário. Os direitos dos ocupantes, se não têm um DUAT formal, não são documentados e 302 registados. Isto quer dizer que, esporadicamente, pedidos de DUAT possam ser feitos sobre terras onde recaiam outros direitos de uso e aproveitamento. Não há nenhum sistema formal de registo de direitos de uso da terra para a maioria que já ocupa a terra e nenhuma previsão de registo sistemático. 11. A jusante dos problemas do DUAT situam-se as questões do licenciamento da construção e do registo de propriedade. É sabida a independência das instituições tutelares, mas é preciso reconhecer que esta separação torna os processos ainda mais complexos. Esta é uma componente importante da administração de terras em Moçambique e é a fonte de vários dos seus problemas. 12. Não existe uma distinção clara, em termos de responsabilidades institucionais e de procedimentos de gestão, entre terras sob o domínio público (tanto do Estado, como das Autarquias e Comunidades Locais), e terras passíveis de ocupação e uso por via de DUAT’s. 13. Há uma grande falta de confiança no Estado de Direito em Moçambique, sentimento partilhado por todos os investidores e pelos que os apoiariam. O desafio de “fazer negócio” em Moçambique é muito complexo e ainda muito arriscado. 14. A capacidade extremamente fraca da administração pública de terras para implementar eficazmente qualquer quadro jurídico, inviabiliza os esforços de melhorias do ambiente de negócios bem como mina esforços para que os mesmos sejam implementados de maneira social, ambiental e economicamente sustentável. 15. O estabelecimento de sistemas eficazes e consistentes de recolha, sistematização e disponibilização de informação sobre a gestão da terra constitui um dos principais desafios a que Moçambique deve responder, rumo à boa governação fundiária. A forte pressão sobre a terra, nomeadamente por parte de investidores estrangeiros, esbate-se com uma alta fragilidade institucional do Estado, a qual, vezes sem conta, resulta em situações de incumprimento, ou mesmo de clara violação da lei, geralmente em prejuízo das comunidades locais, detentoras de direitos sobre a terra não formalizados. Uma das consequências mais imediatas desta realidade é a irrupção de conflitos de terras. 16. A disponibilidade pública de informação sobre o registo e cadastro da terra constitui um dos factores estratégicos de primeira linha, indispensáveis para uma boa governação fundiária. Este factor torna-se tanto mais relevante, quanto é forte a pressão sobre este recurso estratégico, qualificado pela Constituição da Republica como o "meio universal de criação da riqueza e do bem-estar social". 17. Uma garantia de acesso a informação segura sobre o cadastro de terras implica a existência de sistemas de recolha, processamento e gestão de dados, com base em métodos fiáveis e com apoio de sistemas tecnológicos adequados. Na posse de um sistema eficiente de registo e cadastro de terra, o Estado fica habilitado a tomar decisões sobre o uso deste recurso, numa base de racionalidade, ao mesmo tempo que habilita todas as partes interessadas a prosseguir os seus interesses com maior segurança e racionalidade económica. 303 18. A introdução recente do SiGIT, visando permitir a disponibilização de informação fiável e em tempo útil sobre terras, para o uso por instituições públicas e privadas na prossecução dos seus objectivos é uma louvável iniciativa. Porém, constrangimentos importantes ao pleno funcionamento do SIGIT- como a fiabilidade da energia e a conectividade - aconselham a quem de direito a tomar as devidas precauções, sob o risco da nova tecnologia não responder ao correspondente custo de investimento. 19. A qualidade das instituições existentes, o seu funcionamento e as normas ou práticas através das quais recolhem, processam e disponibilizam informação sobre a gestão da terra são ainda inadequadas para: (a) garantir que o Governo tome decisões informadas e seguras; (b) garantir que o sector privado tome decisões de investimento de forma célere e economicamente viável; (c) assegurar que as comunidades e os indivíduos vejam os seus direitos de posse de terra reconhecidos e exercidos de forma transparente e economicamente acessível. 20. Persiste uma evidente fraqueza no sistema de recolha, tratamento, actualização e manutenção de informações relativas ao uso e aproveitamento da terra e de avaliação e cobrança de taxas. 21. O registo dos titulares de DUAT’s tem passado por várias fases, em diferentes bases de dados, particularmente daqueles que os obtêm por autorização, que, salvo as isenções estabelecidas, são passíveis de taxas. 22. É evidente que o sistema de informação precisa de ser reforçado, especialmente no que respeita à velocidade com que se procede à migração de dados, assim como à sua eventual abertura ao público e à capacidade de processamento mais célere dos pedidos de registo. 23. A observação desapaixonada do contexto social, político e ambiental conduz ao entendimento de que o desenvolvimento do sistema de gestão e administração de terra em Moçambique é uma prioridade menor, embora mereça atenção. Na realidade, o quadro jurídico e a realidade actual não apontam para uma necessidade urgente de reforma. Existem problemas maiores: o estabelecimento e manutenção de um clima de paz, o ajuste das condições económicas de aproveitamento e uso da terra, em particular da gestão macroeconómica do país no que se refere à política fiscal ou, mais especificamente, à relação entre o orçamento, a dívida pública e a capacidade de geração de receitas, em que a receita proveniente das taxas de terras tem um peso reduzido. 24. A baixa pressão sobre a necessidade de reforma permite uma revisão mais cuidadosa e de conjunto do quadro jurídico e legal pertinente, para tratar de questões que podem vir a ter um impacto significativo na valorização e cobrança de taxas de terras: revisão do quadro de isenções, ligação entre o Cadastro e o Registo Predial, ligação entre os sistemas de cobrança relacionados com o uso da terra e o sistema nacional de tributação, resolução de dúvidas sobre a possibilidade ou não de arrendamento, etc. 25. Os resultados do presente exercício de avaliação podem mudar este cenário, especialmente se forem capazes de suscitar o debate sobre as melhores formas de gestão participativa e de aumento das receitas 304 públicas a partir do recurso terra. 26. Vigorando sociologicamente uma pluralidade de instâncias de resolução de conflitos e/ou ordenamentos jurídicos, o Estado não tem o monopólio da resolução de conflitos. Antes partilha essa função com outras instâncias (comunitárias), enraizadas em historicidades e identidades locais, cuja legitimidade não deriva necessariamente da lei escrita. No entanto, o pluralismo jurídico deve ser assumido apenas como um ponto de partida para analisar as complexidades normativas e cognitivas vigentes e a forma como as mesmas são manipuladas nas interacções sociais. A fragmentação das instâncias comunitárias e o facto de não ser regulada a sua relação com a justiça formal, contribui para que não seja clara a distribuição de responsabilidades na função de resolução de conflitos de terra. As partes podem canalizar os litígios paralelamente para várias instâncias, sendo que estas apenas de forma ad hoc partilham as evidências e as decisões. Significa que Moçambique não terá ainda um sistema integrado de administração da justiça. 27. As instancias informais tendem a proferir decisoes de acordo com a equidade, o bom senso e com justiça (nalguns casos alicerçadas nas normas costumeiras), assumindo-se a mediaçao como uma tecnica privilegiada de resoluçao de conflitos. Apesar das características positivas e das potencialidades que se apontam as instancias informais, reconhece-se que sera muito difícil, ou mesmo impossível, traçar-lhes um perfil universal. Tambem se registam exemplos de instancias (ou simplesmente de casos) em que nao sao tomadas medidas equitativas, se privilegia a força de coaçao na regulaçao de conflitos e se desrespeita os direitos elementares dos cidadaos. 28. As instancias informais contribuem para o processo de titulaçao formal da terra, participando nos mecanismos de consulta comunitaria. Esta intervençao tem particular importancia para a prevençao de conflitos. 29. Em mais de 40 anos de independência, não foi possível estender com eficácia a rede judiciária para todo o país, apesar dos avanços que se registam. Embora tal não seja determinante, a verdade é que potencia a intervenção de actores não-estatais na função de resolução. De qualquer modo, mesmo nos locais onde temos tribunais judiciais em funcionamento e uma oferta consistente de serviços jurídicos estatais, o protagonismo das instâncias comunitárias não se dissolve. 30. A organização judiciária é a pedra angular sobre a qual gravitam quase todas as questões relativas ao sistema de administração da justiça. A opção de fazer coincidir a divisão judicial com a divisão administrativa tem conduzido a um esforço gigantesco de extensão de tribunais judiciais em todos os distritos, independentemente das características de que disponham, da população habitante, do grau de desenvolvimento sócio-económico, das particularidades da procura sócio-jurídica. A par dos tribunais deverão ser implantados em todos os distritos outras instituições que desempenham papel relevante na administração da justiça. Esta ambição está longe de ser concretizada, desde logo porque os serviços de advocacia e de assistência jurídica se concentram nas capitais provinciais e são muito caros. 305 31. A actual estrutura da DINAT inclui um sector de resolução de conflitos. O principal desafio que decorre desta nova estruturação é a necessidade de dotar o sector de meios necessários para funcionar de forma eficaz, assim como assegurar a sua articulação com as instituições locais de resolução de conflitos. 32. Mesmo nos casos onde existem tribunais, estes estão instalados nas capitais distritais. No que respeita à jurisdição administrativa, apenas recentemente foram instalados tribunais nas capitais provinciais. Estes factores, entre outros, contribuem para que o acesso à justiça formal seja muito selectivo em Moçambique. 33. Os custos dos processos judiciais são elevados, embora os cidadãos que não tenham condições para os suportar possam beneficiar de isenções. Contudo, sendo nalguns casos (sobretudo no contencioso administrativo) obrigatória a constituição de advogados, os custos tornam-se proibitivos para a maior parte dos moçambicanos. 34. Relacionado com a questão da precariedade do acesso e dos custos, não obstante a abundância de relatos de litígios relacionados com a terra em Moçambique, trata-se de uma conflitualidade praticamente ausente nas instâncias formais de administração da justiça. Acresce que a duração dos processos é muito elevada. 35. O “Projecto Terra Segura” abriu uma oportunidade real de massificação da titulação e de registo sistemático de terras. 2. Recomendações 1. Os imperativos sociais ditam que a abordagem e a estratégia subjacentes ao actual quadro legal estão ainda, em grande medida, alinhadas com o que Moçambique precisa hoje. O desafio, então, é como fazer face as estas necessidades económicas sem lesar as realizações, muito reais, da PNT e da Lei de Terras de 1997 na área da protecção de direitos, e criar um quadro para o acesso negociado à terra e aos seus subsequente uso “sustentável e equitativo”. 2. É necessário manter o importante e inovador instrumento das “consultas comunitárias”, devendo clarificare-se os aspectos relacionados com a “representação e actuação” da comunidade, formalmente prevista no artigo 30 da Lei de Terras de 1997, com recurso às experiências de quem tenha feito consultas comunitárias nos últimos anos, em especial as organizações da sociedade civil que apoiam as comunidades neste processo, aparentemente simples mas, na realidade, complexo. 3. Muitos dos aspectos que hoje se apresentam como dificuldades poderiam ficar solucionados se houvesse um trabalho exaustivo de mapeamento do quadro jurídico-legal da legislação de terras e do ordenamento territorial, parte íntegra de um Plano de Implementação do novo quadro legal, bem como a clarificação ‘definitiva’ das competências e poderes dos Governos Provinciais/Dis tritais e das 306 Autarquias no que diz respeito à matéria da gestão fundiária e do ordenamento e clarificação de alguns aspectos da legislação actual, com especial enfoque, designadamente, nas seguintes matérias:  conferir maior força legal aos títulos do DUAT e licenças especiais, destacando-se a necessidade reformar e operacionalizar de forma eficiente o relacionamento entre o Cadastro e a Conservatória do Registo Predial;  harmonizar conceitos e definições em todo o regime de terras;  melhorar os critérios para determinação de quando os títulos podem ser transmitidos, designadamente e tendo em conta a distinção entre prédios rústicos e urbanos e o planeamento/zoneamento territorial, reduzindo desta forma a discricionariedade e a corrupção;  compatibilizar o regime de transferência de DUAT no caso de prédios rústicos e urbanos;  articular a transmissão de DUAT relativos a prédios rústicos com as Leis do Ordenamento Territorial e reduzir ao máximo a incerteza jurídica nos processos de transmissão;  clarificar o conceito de benfeitorias;  conferir maior segurança e interesse na detenção dos títulos, designadamente pela clarificação perante investidores nacionais e estrangeiros de que o regime jurídico dos DUAT é um regime seguro;  tornar mais fácil o acesso ao crédito bancário por parte de titulares de DUAT;  permitir maior angariação de receitas pelo Estado resultantes da aplicação de taxas/impostos devidos ligados a estas transacções, clarificando os poderes das entidades com poder jurídico para efectivamente cobrar impostos e/ou taxas (por exemplo, evitando a cobrança ilegal por parte das Autarquias de taxas de ocupação inconstitucionais);  articular melhor a legislação de terras com a legislação sobre o reassentamento populacional, ambiente e ordenamento territorial e ainda com a legislação geral e sectorial relevante;  clarificar os mecanismos de parcerias entre as comunidades locais e investidores, bem como mecanismos mais eficazes para uma boa, transparente e informada participação das comunidades nas negociações com os investidores;  clarificar a dinâmica das diferentes transacções que poderiam ter lugar com a detenção do título do DUAT;  melhorar, dinamizar e tornar mais seguro o mercado de acesso à terra no país, sem se descurar das garantias legais para as questões sociais ligadas ao uso da terra no país;  garantir maior rentabilidade da terra; 307  melhorar a relaçãonencoordenação institucional entre os diversos órgãos públicos envolvidos em matérias conexas com os direitos e registo de terras. 4. Na área das florestas, a recomendação vai no sentido da delimitação das áreas florestais, da indicação clara de responsabilidades e de sancionamento dos infractores, o que, no quadro da reforma institucional recente do sector, pressupõe a capacitação dos agentes, a melhoria e aplicação eficiente das sanções, e, principalmente, o reajuste da legislação ao contexto actual do país. 5. A necessidade de encorajar todos os utilizadores da terra a obterem o título de posse, face a um pano de fundo de uma população crescente, de procura crescente de terras para investimento e do grande crescimento do mercado informal de terras, mostra-se cada vez mais urgente. 6. Propostas de solução devem ser feitas tendo em conta a grande questão sobre que tipo de administração de terras e de prestação de serviços ao público Moçambique precisa, face à actual situação sócio-económica e que torne possível a implementação dos dispositivos legais existentes de igual modo para todos os ocupantes da terra. 7. Há um pressuposto implícito, segundo o qual racionalizar e melhorar os sistemas de acesso, registo e documentação, bem como a prestação de serviços na administração e gestão de terras, em todos os aspectos, irá trazer maior procura desses serviços. Uma maior oferta irá, por sua vez, desencadear o aumento da procura, gerando postos de prestação de serviço melhorados e mudanças proporcionais nos diversos níveis institucionais. Isto iria clarificar os direitos existentes sobre a terra, através de um sistema de registo de direitos mais exacto e claro e reduzir os conflitos de terras e outros afins. 8. Propõe-se igualmente, como um dos grandes objectivos a atingir, partindo-se das capacidades de intervenção e iniciativas identificadas, que se enverede por um processo gradual de regularização e ordenamento da ocupação do solo, mais sustentável, mais seguro e com perspectivas de maiores ganhos na melhoria das condições de vida da população no futuro. 9. No presente relatório destacámos a necessidade de distinção clara, em termos de responsabilidades institucionais e procedimentos de gestão, entre as terras sob o domínio público, tanto do Estado, como das Autarquias e Comunidades Locais, e as terras passíveis de ocupação e uso por via de DUAT’s. A coexistência do pluralismo jurídico impõe que o regime jurídico do domínio público comunitário sobre a terra e os recursos naturais seja adoptado com urgência, processo no qual se deverá dar atenção à necessidade de identificação e preparação de mecanismos de transição gradual da oralidade para a escrita na gestão e administração de terras no meio rural. 10. Referimos igualmente a necessidade de o Estado se organizar de modo a que o sector de gestão e administração de terras mantenha uma base da dados completa e actualizada sobre as diferentes categorias territoriais, e que sejam adoptados e usados de forma permanente e rigorosa instrumentos essenciais de apoio ao processo de tomada de decisões, com destaque para os planos de zoneamento e planeamento territorial, e para o sistema de informação sobre gestão de terras, especialmente ao nível 308 dos distritos. A descentralização e desconcentração administrativa precisa de prosseguir num sentido que permita uma maior e melhor intervenção dos governos distritais e das autoridades comunitárias na gestão de terras, com clareza de mandatos e competências, com a disponibilização de técnicos qualificados e suficientes para responder à demanda do sector, e com a disponibilização dos recursos materiais indispensáveis para a gestão eficaz e eficiente do cadastro nacional de terras. 11. As mudanças na ocupação de terras para dar espaço a investimentos públicos ou privados, em muitos casos com consequências sociais e ambientais nefastas, impõem a ponderação dos critérios que objectivamente devem determinar a existência de utilidade, necessidade e interesse público. Onde não seja possível evitar situações de expropriação de direitos e reassentamentos involuntários, o Estado tem a responsabilidade legal e social de assegurar sempre condições melhores para as pessoas afectadas. Pela sua importância, e sobretudo pelo alto potencial de serem focos de instabilidade social, os projectos de investimento que impliquem expropriação de direitos e reassentamentos involuntários, e sobre os quais se deva declarar a existência de necessidade, utilidade e interesse públicos, deveriam obter o parecer prévio de comissões relevantes da Assembleia da República. 12. Tal como foi recomendado pelas avaliações mais recentes ao sector de terras, a avaliação do quadro político-legal para investimentos deve ser feita num contexto mais alargado de análise de outros constrangimentos que transcendem aspectos meramente legais. 13. Um esforço mais robusto para o alargamento da delimitação de terras comunitárias, com a subsequente atribuição de DUATs, mostra-se como uma das vias mais rápidas e eficientes de construir um registo e cadastro de terras mais consistente, para garantir, quer os interesses do Estado, quer o dos investidores privados e do sector familiar e comunitário. 14. A publicação da atribuição de DUAT’s no Boletim da República deve ser retomada com carácter urgente, como um dos mecanismos de transparência da administração pública e de disponibilização da informação ao público. 15. O MITADER deve adoptar um mecanismo prático que permita maior acesso público à informação sobre a terra, implementando a Lei do Direito à Informação, em particular no que se refere ao princípio da máxima divulgação de informação (artigo 6°). 16. Os mecanismos e processos actualmente exigidos para a formalização da ocupação legítima, reconhecida pela lei, ou para a regularização de ocupação informal de terrenos nos meios urbanos devem ser mais simplificados e disseminados junto das populações do meio rural e das zonas suburbanas. 17. O MITADER deverá prestar uma atenção particular sobre um conjunto de factores determinantes para a alteração do cenário prevalecente na actualidade, visando alcançar os seguintes objectivos fundamentais: 309  Capacidade institucional reforçada, nomeadamente no sentido de uma maior harmonização e entrosamento entre os diferentes serviços da instituição lidando com a gestão da terra;  Maior harmonização e intercomunicação entre os diferentes sistemas de recolha, processamento e disponibilização de informação sobre a gestão da terra;  Introdução de reformas nas condições de acesso público ao registo e cadastro de terra a vários níveis, tendo em linha de conta os princípios de uma administração pública aberta, tal como regulada pela Lei do Direito à Informação e demais legislação relevante. 18. Sugere-se a adopção de um sistema uniformizado de gestão de informação sobre terras, seguindo o modelo do Portal do Cadastro Mineiro, adoptado pelo Ministério dos Recursos Minerais e Energia. 19. Impõe-se realizar uma revisão do direito fundiário moçambicano no que respeita à valorização da terra, eventualmente visando a abertura ao mercado de títulos e/ou à locação por parte do proprietário (Estado) e sublocação pelos titulares de direitos definitivos de DUAT, sob condições (por exemplo, a limitação do direito de sublocação a não mais de 1/3 da área adjudicada). Seriam incluídas, ainda outras questões: revisão do quadro de isenções, ligação entre o Cadastro e o Registo Predial, ligação entre os sistemas de cobrança relacionados com o uso da terra e o sistema nacional de tributação, resolução de dúvidas sobre a possibilidade ou não de arrendamento. 20. Há também a necessidade de reforçar a capacidade das instituições públicas de administração de terras, com recursos dedicados à avaliação do valor das terras e com autoridade para acompanhar e realizar estudos sobre o mercado ilegal de terra. 21. Igualmente se recomenda o reforço e a generalização da implementação e utilização dos sistemas de informação existentes, considerando a convergência de vários sistemas municipais actuais e o SIGIT, para a exaustiva identificação do potencial de receitas provenientes das taxas de DUAT. 22. Devem testar-se e implementar-se meios de cobrança e de pagamento electrónico, a partir da infraestrutura já existente (ATM’s, pagamentos através das redes de telefonia móvel, descontos automáticos a partir dos registos de contribuinte (NUIT), entre outros, já sugeridos - FCT, 2013), com participação da Autoridade Tributária e o e-Sistafe. 23. Sugere-se, de igual modo, o aumento das percentagens de consignação destinadas aos órgãos que realizam as cobranças. Em particular, deve rever-se a percentagem que é actualmente atribuída ao Fundo de Desenvolvimento Agrário, orientando-a (a) para os serviços de cadastro, e (b) em particular, para os órgãos locais encarregados da cobrança. 24. Urge aprofundar os estudos e a monitoria do sistema de administração da justiça, incluindo a sua relação com a governação fundiária. 25. Deve prosseguir o debate sobre a reforma judiciária e a busca por caminhos que permitam responder da melhor forma à diversidade de procura jurídica. 310 26. Moçambique conta com alguns tribunais de competência especializada em funcionamento, nomeadamente o Tribunal de Menores da Cidade de Maputo e o Tribunal de Polícia (que julga fundamentalmente transgressões ao Código de Estrada). Existem também secções de competência especializada para as áreas cível, comercial, laboral e penal. Será, por certo, oportuno estudar a viabilidade de criação e instalação de tribunais/secções especializados na resolução de conflitos de terras/ambientais. 27. A conflitualidade latente relacionada com o exercício de direitos sobre a terra e os recursos naturais reforça a necessidade de revitalizar os tribunais comunitários e de regulamentar adequadamente o seu funcionamento. 28. Também nesta área específica da conflitualidade social se justifica uma regulamentação apropriada das formas de articulação entre a justiça formal e a informal. 29. Um factor importante de prevenção de conflitos e de melhoria da qualidade da administração da justiça é a promoção da informação jurídica aos cidadãos. 30. Na mesma linha de pensamento, é de recomendar a promoção da distribuição de legislação relevante às instituições e agentes públicos, com vista à melhoria da sua implementação. 31. De vital importância se mostra, igualmente, a disseminação dos serviços de informação e assistência jurídica às populações mais desfavorecidas, especialmente às mulheres. 32. Uma maior eficácia na implementação e execução do “Projecto Terra Segura” contribuirá, certamente, para uma melhor gestão dos recursos, para a segurança da posse e a prevenção de litígios. 311 VI. ANEXOS 312 ANEXO A AVALIAÇÃO DA GOVERNAÇÃO DE TERRAS MOÇAMBIQUE 2015-16 (LGAF-MZ) RELATÓRIO INICIAL Por: João Carlos Trindade (Coordenador Nacional Alda Salomão (Investigadora Sénior) 313 ÍNDICE 1. Introdução 1.1. Objectivo Global 1.2. Enquadramento Estratégico Nacional 2. Tipologia de Direitos Fundiários 3. Quadro Institucional e Evolução da Governação Fundiária 3.1. Quadro Institucional 3.2. Oportunidades e Desafios 4. Revisão da Metodologia do LGAF 4.1. Temas, Painéis, Indicadores e Dimensões 5. Equipa Nacional 5.1. Coordenação e Peritos 5.2. Temas e Painéis 6. Participação e Fontes de Informação 7. Cronograma de Actividades 8. Orçamento Anexo 1: Base Bibliográfica Inicial Anexo 2: Equipa Nacional – Perfil Técnico 314 1. INTRODUÇÃO 1.1. Objectivo Global O Quadro de Avaliação da Governação de Terras (LGAF), foi criado com o objectivo geral de auxiliar os países na identificação das principais questões associadas à gestão e administração de terras, na identificação dos principais constrangimentos e oportunidades, bem como no acompanhamento permanente e sistemático das medidas recomendadas para a sua abordagem. Tal como descrito em documentos de referência do processo279, o LGAF é um instrumento de diagnóstico participativo que permitirá também aos países identificar prioridades estratégicas do sector de gestão e administração de terras e monitorar o seu progresso, com vista à promoção do desenvolvimento sustentável dos países. A realização da avaliação em Moçambique em 2015 (LGAF-MZ) acontece num momento crucial da vida do país, caracterizado por uma pressão sem precedentes sobre a terra resultante da expansão dos centros urbanos, da construção de infra-estruturas públicas de diversa ordem, da implantação no meio rural de projectos de larga escala baseados na terra, da necessidade premente de fazer face aos impactos das mudanças climáticas, entre outros factores. Todas estas realidades destacam a complexidade e o carácter vital do sector de terras, especialmente no que concerne à necessidade de proteger os direitos e interesses legítimos dos cidadãos, ao mesmo tempo que se criam condições apropriadas para que o país se desenvolva social e economicamente de forma sustentável. Assim, o LGAF-MZ será uma oportunidade também para, de forma abrangente, detalhada e colectiva, fazer-se uma radiografia ao sector de gestão e administração de terras, para orientar as opções e prioridades estratégicas para os próximos anos, e tentar reverter o quadro actual caracterizado por dispersão de mandatos e descoordenação institucional, desajustamento e lacunas legais, ocupação desordenada e desplanificada da terra rural e urbana, conflitos e tensões permanentes entre investidores e populações locais, e fragilidades ético-morais dentro da administração pública. Pretende-se ainda que esta avaliação sirva para que, de forma sistemática e participativa, se acompanhe a evolução do sector nas diferentes dimensões acima apontadas, fornecendo dados com a profundidade necessária para alimentar os debates e processos de tomada de decisões no sector de terras. 1.2. Enquadramento Estratégico Nacional Moçambique possui uma extensa área territorial, com uma população de cerca de 24 milhões de habitantes. A maior parte desta população vive nas zonas rurais e continua a dedicar-se maioritariamente à actividade agrícola. As terras e os recursos naturais são geridos por uma combinação de princípios constitucionais, legislação ordinária e normas e práticas costumeiras (devendo estas últimas conformar-se aos princípios constitucionais). Na última década foram dados passos importantes em várias vertentes importantes para a organização e monitoria do sector de terras, motivadas sobretudo pelo interesse de se melhorar o uso e produtividade da terra, acomodando iniciativas de investimentos económicos, mas assegurando também a protecção dos direitos legítimos dos cidadãos e comunidades nacionais. Dentre os desenvolvimentos mais importantes na perspectiva de uma gestão de terras virada para o reforço da segurança de direitos de posse da terra, para a melhoria do seu uso, para a atracção de investimentos e para a promoção do desenvolvimento rural, podem destacar-se a Iniciativa para Terras comunitárias- 279 Banco Mundial. 2013. Marco de Avaliação Fundiária. 315 iTC (2006)280, o Fórum de Consultas sobre a Terra-FCT (2010)281 e, mais recentemente, a Campanha Terra Segura-CTS(2015)282. Indubitavelmente, a questão da segurança de posse de direitos sobre a terra, especialmente dos cidadãos e comunidades rurais, constituiu prioridade nos debates e recomendações do sector, sendo o objectivo geral estabelecido tanto para a iTC, como para a CTS, e tendo, de um modo ou de outro, ocupado um espaço substancial e permanente nos temas abordados pelo FCT desde a sua criação. A título de exemplo, as primeiras quatro sessões ordinárias do FCT foram dedicadas à discussão e aprovação283 de directrizes para o reforço da segurança de posse da terra pelas comunidades rurais no contexto de investimentos privados, formuladas à luz das directrizes da FAO e da União Africana, mas sobretudo sistematizando os princípios de boa governação de terras já plasmados no quadro político legal nacional, a começar pela Constituição da República. A adopção de uma metodologia de delimitação e certificação de terras comunitárias integrando a preparação social das comunidades para a criação de capacidades locais e adopção de instrumentos orientadores do desenvolvimento comunitário, já foi reconhecida como tendo potencial de transformar os cidadãos e comunidades rurais de meros espectadores e vítimas, em actores activos e interventivos no processo de desenvolvimento rural284. Parece poder dizer-se hoje, que a iTC contribuiu para a transição das comunidades beneficiadas, da vitimização à actuação consciente e informada, e à interacção activa e relevante tanto com o governo, como com o sector privado que investe no meio rural. Muito embora o número de delimitações comunitárias efectuadas e certificados emitidos, assim como de títulos individuais, seja ainda irrisório, os primeiros passos no sentido certo já foram dados e só precisam de ser consolidados. Será esta a percepção que eventualmente terá ditado a priorização, pelo governo actual, do reforço da segurança de posse de terras, tal como indicado no programa do Governo para o período 2015-2019.285 Simultaneamente, o país enveredou por um processo activo de atracção e acomodação de investimentos privados para os diversos sectores económicos, com destaque para as áreas de mineração e de hidrocarbonetos, da agricultura industrial e de plantações florestais, com o objectivo de tornar a renta mais rentável e acelerar o processo d e redução da pobreza no país. No entanto, estes dois movimentos – por um lado a preocupação pela protecção de direitos dos cidadãos e comunidades sobre a terra e, por outro lado, a atracção de grandes investimentos baseados em terras rurais – nem sempre foram conduzidos de maneira harmoniosa, dando aso, em muitos casos, a conflitos de terras. Perante este cenário, e como foi referido anteriormente, pretende-se que a avaliação LGAF-MZ ofereça subsídios para uma melhor compreensão da dinâmica da gestão e administração de terras no país, e orientações concretas para que as diferentes iniciativas em curso ou projectadas para o sector de terras, concorram para um movimento de consolidação da organização e capacidade da administração pública para o desempenho correcto das suas funções nesta área; para o enquadramento correcto, social e ambientalmente responsável, das iniciativas de investimentos sobre a terra, tanto no meio rural como no meio urbano; bem como para a consolidação da participação informada dos cidadãos em assuntos ligados à terra, com vista ao seu maior e melhor uso e aproveitamento. 280 Um programa de apoio à delimitação de terras comunitárias, financiado por um consórcio de doadores, inicialmente para as províncias de Gaza, Manica e Cabo Delgado e, subsequentemente, expandido em 2010 para as províncias da Zambézia, Nampula e Niassa, através do programa de apoio ao sector de terras do Millenium Challenge Account. (MCA) 281 Plataforma multissectorial para o aconselhamento do governo nesta área, criada pelo Decreto nº 42/2010, de 20 de Outubro. 282 Veja-se agenda e síntese da IV e V Sessões Ordinárias do Fórum de Consultas sobre a Terra 283 Lançamento efectuado pelo Presidente da República no Distrito da Manhiça, Província de Maputo, a 22 de Março de 2015, por ocasião do Dia Mundial da Terra. 284 iTC, 2014. Boletim Informativo; Rights and Resources Initiative, 2010. 285 Aprovado pela 4ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros, de 17 de Fevereiro de 2015 316 Espera-se também, neste contexto, que o FCT, seja efectivamente o espaço privilegiado para a revisão das constatações e seguimento das recomendações do LGAF-MZ, sendo, por isso, desejável que este exercício seja realizado de forma regular. 2. TIPOLOGIA DE DIREITOS FUNDIÁRIOS a) Direito de Propriedade: O Estado detém, de forma absoluta, o direito de propriedade sobre a terra e todos os recursos naturais existentes no solo e no subsolo, bem como na plataforma marítima. Este princípio constitucional prevalece desde a Constituição de 1975. Por força dos limites e obrigações que o próprio Estado se impôs em relação aos cidadãos, trata-se de um direito através do qual o Estado desempenha uma função social e distributiva, diferente da propriedade pura, em que o titular pode usar fruir e dispor dos seus bens a seu bel prazer e para seu benefício individual e exclusivo. Em relação à terra, o Estado é, de facto, “proprietário guardião”, assumindo esta posição jurídica perante a terra e outros recursos naturais em nome e para benefício dos cidadãos, e para salvaguarda dos interesses nacionais. É por isso que, apesar de ser sua propriedade, a proibição de venda, alienação sob qualquer forma, bem como hipoteca e penhora, recaem não só sobre os titulares de direitos de uso e aproveitamento da terra (DUATs), mas também sobre o próprio Estado286. b) Direito de Posse: Os cidadãos têm acesso livre e seguro à terra, por via do reconhecimento de um direito de posse da terra, o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT), reconhecido ou atribuído pelo Estado. O DUAT é, no contexto moçambicano, um quase-direito de propriedade, em função não só do reconhecimento automático e livre de formalidades de que a maior parte dos cidadãos beneficia, mas considerando também as limitações rígidas que o Estado se auto-impôs para a sua extinção. Regra geral, o DUAT só pode ser extinto, por necessidade, interesse ou utilidade públicos, seguindo um processo de expropriação, e dando isso direito aos lesados à recepção de uma justa e prévia indemnização287. c) Direito de Uso: Tal como a designação do direito demonstra, o DUAT pressupõe não apenas a posse da terra mas também o seu uso para os fins para os quais foi atribuído ou reconhecido. Prescreve a Constituição que a terra é um meio universal de criação de riqueza e, como tal, todo o cidadão moçambicano tem direito ao seu acesso e uso288. Importa fazer notar, neste contexto, que existem casos excepcionais em que o direito de uso não está adstrito ao DUAT por impedimento legal. De facto, é vedada por lei a possibilidade de autorização de DUATs para parcelas de terra que integradas em zonas de domínio público, como é o caso de zonas de protecção total e parcial. 286 Artigo 109 da Constituição da República; Artigo 3 da Lei de Terras 287 Artigos 82, nº 2, 109, nº 3 e 111, da Constituição da República. 288 Artigo 109, nº 1, da Constituição da República 317 Nestes casos, a título excepcional, e salvaguardados os objectivos para os quais as zonas foram criadas, o Estado pode emitir licenças especiais289. d) Direito de Servidão de Passagem: A legislação impõe que os titulares de DUAT’s assegurem a possibilidades de terceiros acederem a parcelas de terra sobre as quais o direito recai, para acesso a espaços ou bens públicos e privados que só possam ser acedidos por essa via, como, por exemplo, o acesso a recursos hídricos290. O direito de servidão de passagem é um direito real de gozo sobre coisa alheia cujo conteúdo propicia ao seu titular a possibilidade de fruir das utilidades do prédio serviente (neste caso, o terreno sujeito à servidão), em função do prédio dominante (o que dela beneficia), por intermédio dele e com vista a permitir um melhor e mais completo aproveitamento das suas próprias qualidades. Encarada pelo lado passivo – como o faz a definição legal (art. 1543º do Código Civil) – a servidão predial configura um encargo imposto num prédio, denominado serviente, em proveito exclusivo de outro prédio, o dominante, pertencente a dono diferente291. 2.1. Formas de Aquisição de Direitos Fundiários Nos termos do Artigo 111 da Constituição da República, o Estado reconhece e protege os direitos adquiridos por herança ou ocupação, salvo havendo reserva legal ou se a terra tiver sido legalmente atribuída a outra pessoa ou entidade. Nos termos do Artigo 12 da Lei de Terras, o DUAT é adquirido por: a) ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo normas e praticas costumeiras no que não contrariem a Constituição; b) ocupação por pessoas singulares que, de boa fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos dez anos; c) autorização de pedido apresentado por pessoas singulares ou colectivas na forma estabelecida na lei. Como se pode perceber, por força do principio da pluralidade jurídica292, os cidadãos no meio rural adquirem o direito de uso e aproveitamento da terra por via das respectivas normas costumeiras. Tais direitos, se devidamente legitimados pelas autoridades locais, e quando não contrariem preceitos constitucionais, possuem perante a lei o mesmo valor que os direitos atribuídos pelo Estado. Nas zonas 289 Artigo 9 da Lei de Terras 290 Artigo 14 da Lei de Terras 291 São quatro as notas destacadas nesse conceito legal: a) a servidão é um encargo; b) o encargo recai sobre um prédio; c) aproveita exclusivamente a outro prédio; d) devendo os prédios pertencer a proprietários diferentes. – Cfr. “Código Civil Anotado”, Pires de Lima e Antunes Varela, vol. III, 2.ª edição, pág. 613. 292 Aritgo 4 da Constituição da República 318 urbanas, com a cedência ou venda de benfeitorias é automaticamente adquirido o DUAT sobre a parcela onde as mesmas estejam implantadas293. 2.2. Domínio Público sobre Terras Nos termos do Artigo 98 da Constituição da República (2004), existem três tipos de domínio público sobre terras e recursos naturais, nomeadamente o domínio público do Estado, o domínio público das autarquias e o domínio público comunitário. Embora toda a terra seja propriedade do estado, nem todo o território está sob domínio público do Estado. A própria Constituição determina quais as áreas que integram o domínio público do estado, sendo nisso complementada pela Lei de Terras. Tal como se indica na tabela abaixo, ainda está por ser adoptada a legislação que indicará as áreas que integram o domínio público autárquico e comunitário. Tabela 1. TIPOLOGIA DE DIREITOS, MODALIDADES DE AQUISIÇÃO E DOMÍNIO PUBLICO SOBRE TERRAS Tópico Tipos Beneficiários/Fonte 1. Propriedade (direito exclusivo do Estado sobre todo Estado o território nacional) 2. Posse (uso e aproveitamento – equivalente à Cidadãos, comunidades Tipologia de propriedade mas com proibição de venda ou alienação) e empresas Direitos 3. Uso (áreas de domínio público) 4. Servidão de passagem (acesso a estradas e recursos hídricos) 1. Ocupação e herança costumeira Comunidades e cidadãos (reconhecimento automático) nacionais rurais 2. Ocupação de boa-fé e pacífica por 10 anos Cidadãos nacionais no Modalidades (reconhecimento automático) meio rural e periurbano de Aquisição Indivíduos ou entidades 3. Autorização do Estado nacionais ou (submissão de pedido) estrangeiros, no meio rural ou urbano 1. Domínio Público do Estado (zona marítima; espaço Artigo 98 da CRM Domínio aéreo; património arqueológico; zonas de protecção da Público sobre natureza; potencial hidráulico; potencial energético; as Artigos 7 e 8 da Lei de Terras estradas e linhas férreas; as jazidas minerais; os demais Terras bens como tal classificados por lei.) 293 Artigo 12 da Lei de Terras 319 Artigo 98 da CRM 2. Domínio Público das Autarquias Lei ordinária por aprovar Artigo 98 da CRM 3. Domínio Público Comunitário Lei ordinária por aprovar 3. QUADRO INSTITUCIONAL E EVOLUÇÃO DA GOVERNAÇAO FUNDIÁRIA 3.1 Quadro Institucional a) Governo Central Desde a proclamação da independência em 1975, a gestão e administração de terras foi colocada sob a alçada do Ministério da Agricultura (MINAG), onde também eram geridos outros recursos naturais como florestas e a fauna bravia e questões ambientais. Ao longo do tempo este Ministério foi alargando e contraindo as suas áreas de intervenção, tendo chegado a integrar as pescas e o desenvolvimento rural. Apesar destas metamorfoses orgânicas, o sector de terras permaneceu sob a alçada do MINAG por 40 anos, tendo este Ministério liderado o processo de formulação e adopção da legislação sobre terras vigente no país neste momento. Contudo, embora o mandato para gestão e administração de terras recaísse primeiramente sobre o MINAG, esta responsabilidade foi partilhada com outros sectores do Estado. O Ministério da Administração Estatal (MAE) é um desses sectores, por força do seu mandato de gestão da administração territorial do Estado e controle da administração pública. O Ministério da Justiça, integra o Registo Predial, instituição encarregue de registar imóveis e benfeitorias. Em 1995, foi criado pela primeira vez o sector responsável pela área ambiental, o Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), com competências para intervir a ocupação de terras através do licenciamento ambiental. O sector mineiro também teve sempre um forte peso no sector de terras por força da prevalência de direitos mineiros sobre outros direitos, incluindo direitos adquiridos de uso e aproveitamento de terras para outros fins, tal como vinha determinado na legislação mineira vigente até 2014. Em 2014 foi aprovada uma nova Lei de Minas, onde este princípio foi de algum modo suavizado por via da introdução de disposições conducentes a uma maior protecção de direitos sobre a terra294. Com a revisão institucional realizada no inicio do ciclo governamental de 2005, o MICOA passou a integrar uma direcção nacional de ordenamento territorial, enquanto o desenvolvimento rural foi transferido, na forma de uma direcção nacional295, do MINAG para um novo Ministério, designadamente o Ministério da Planificação e Desenvolvimento (MPD). No entanto, logo no mandato seguinte (2009), essa direcção foi novamente transferida para o Ministério da Administração Estatal (MAE). Por seu turno, o sector da conservação da biodiversidade, responsável pela gestão de parques, reservas e 294 Lei nº 20/2914, de 18 de Agosto (Lei de Minas) 295 Direcção Nacional de Promoção do Desenvolvimento Rural 320 fazendas do bravio, e que esteve no MINAG desde 1975, transitou para o Ministério do Turismo (MITUR) em 2005, integrado na Direcção Nacional de Áreas de Conservação (DINAC). A reforma institucional de Janeiro de 2015, introduziu as seguintes alterações ao quadro institucional da gestão da terra e das florestas: 1. Extinção do MICOA e criação do MITADER 2. Integração de todas as componentes do MICOA no MITADER 3. Transferência do sector de terras, florestas e fauna do MINAG para o MITADER 4. Transferência do sector de Desenvolvimento Rural do MAE para o MITADER 5. Consolidação da ANAC (agencia nacional de áreas de conservação que substituiu a DINAC, tendo, nesse processo, implicado a saída das áreas de conservação do MITUR para o MICOA no mandato passado). De acordo com o seu estatuto orgânico, o novo Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) integra as seguintes áreas (Resolução Nº 5/2015, de 26 de Junho): DIRECÇÕES E DEPARTAMENTOS INSTITUIÇÕES NACIONAIS SUBORDINADAS Centro Nacional de Inspecção da Terra, Ambiente e Desenvolvimento 1 Cartografia e Teledetecção Rural (CENACARTA) Instituto Médio de 2 Direcção Nacional do Desenvolvimento Rural Planeamento Físico e Ambiente (IMPFA) Instituto de Formação em 3 Direcção Nacional de Florestas Administração de Terras e Cartografia (INFATEC) 4 Direcção Nacional do Ambiente INSTITUIÇÕES TUTELADAS 5 Direcção Nacional de Terras Fundo do Ambiente (FUNAB) Direcção Nacional do Ordenamento Territorial e Administração Nacional de 6 Reassentamento Áreas de Conservação (ANAC) Agência Nacional para o 7 Direcção de Planificação e Cooperação Controlo de Qualidade Ambiental (AQUA) 8 Gabinete Jurídico 9 Gabinete do Ministro 10 Departamento de Administração e Finanças 11 Departamento de Aquisições 321 12 Departamento de Recursos Humanos 13 Departamento de Comunicação e Imagem b) Governos Locais Até finais de 2014, a gestão da terra ao nível provincial foi assegurada pelos governadores provinciais e pelas instituições que representavam o MINAG a esse nível, nomeadamente as direcções provinciais de agricultura (DPA’s) e os serviços provinciais de geografia e cadastro (SPGCs). A partir de Janeiro de 2015, o MITADER herdou os SPGCs, tendo as DPAs permanecido no MASA. Os governadores provinciais mantêm ainda a sua função nesta área, sendo responsáveis pela atribuição de DUATs para parcelas de 0 a 1000ha de terra, nos termos do Artigo 22 da Lei de Terras. Ao nível distrital, o papel dos governos locais foi de algum modo impulsionado pela aprovação da Lei que estabelece os princípios e normas de organização dos órgãos locais do Estado (Lei No.8/2003, de 19 de Maio). A aprovação da legislação sobre ordenamento e planeamento territorial em 2007296, veio reforçar o papel reservado a estas entidades na legislação relativamente à gestão da terra e doutros recursos naturais ao nível local, destacando a importância crucial da aprovação de planos distritais de uso da terra. Note-se que, por força da Lei de Terras, a falta de planos distritais de uso da terra e de serviços distritais de cadastro impede que os governos distritais tomem decisões sobre o uso da terra na sua área de jurisdição297. c) Municípios Com a aprovação a Lei das Autarquias Locais em 1997 (Lei nº 2/97, de 18 de Fevereiro), e subsequente criação de novas autarquias a partir de 1998, o solo urbano passou a ser gerido por estas entidades, nas zonas onde se criaram autarquias. Uma vez que se optou por uma abordagem gradual na criação de autarquias, nem todas as cidades e vilas foram autarcizadas em 1998, tendo isso acontecido por vagas de 10 autarquias criadas a cada 5 anos. Neste momento, o número total de municípios é de 53. d) Autoridades Comunitárias Para além das disposições relevantes da legislação sobre terras e florestas298, as quais são consistentes no reconhecimento da importância da participação das comunidades locais e suas instituições na gestão de recursos naturais, com base no direito costumeiro e dentro dos limites legais, o papel e a intervenção das autoridades comunitárias foi de algum formalizado através da aprovação de legislação aprovando 296 Lei nº 19/2007, de 18 de Julho 297 Artigo 23, da Lei de Terras 298 Artigo 13, nº 3 e Artigo 24 da Lei de Terras; Artigo 95 do Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia 322 as formas de articulação dos órgãos locais do Estado com as autoridades comunitárias299, e as formas de articulação das autarquias locais com as autoridades comunitárias300. Ainda em 2004, a actual versão da Constituição da República, foi integrado o Domínio Público Comunitário sobre Recursos Naturais301. 3.2. Oportunidades e Desafios De acordo com as avaliações cujos relatórios serviram de base para este relatório inicial302, o sector de terras tem sido caracterizado pela dispersão de mandatos por várias instituições e sectores, de forma pouco harmonizada e coordenada. Esta situação tem resultado em intervenções no terreno nem sempre alinhadas em termos de objectivos, oportunidade e desafios. A seguir estão listados alguns dos assuntos preliminarmente identificados nos relatórios de referência, que em função da maneira como forem abordados, podem constituir constrangimentos sérios ou grandes oportunidades a aproveitar, e que merecerão a atenção do presente processo do LGAF-MZ. Estes e outros assuntos serão melhor aprofundados e clarificados pelos Peritos nacionais envolvidos no processo do LGAF-MZ, durante a produção dos relatórios temáticos e do relatório final. 3.2.1. Aspectos legais e institucionais A experiência dos últimos 17 anos decorridos desde a aprovação da lei de terras ofereceu lições valiosas que devem ser aproveitadas para afinar ainda mais um quadro legal e institucional que tem, muito merecidamente, recebido elogios ao nível mundial. Nesta área, já se mostra premente a necessidade clarificação/abordagem das seguintes questões: a) Conceito de “comunidade local”; ocupação e uso comunitário de terras”; “área/jurisdição comunitária”; b) Regime jurídico do Domínio Público Comunitário previsto pela Constituição da República de 2004, incluindo o regime jurídico da delegação de poderes de gestão de recursos naturais, prevista na legislação sobre florestas e fauna bravia; c) Mecanismos para uma maior conformidade das normas e práticas costumeiras aos princípios constitucionais; d) Processo de descentralização, assegurando a transferência de poderes efectivos de gestão de terras e outros recursos aos governos locais; e) Mecanismos para a eficiência do actual formato institucional, usando o novo Ministério como uma base de coordenação de mandatos e parcerias entre todos os todos os níveis e sectores do governo; de planificação estratégica e preventiva; de identificação e angariação de fundos para a criação de 299 Decreto nº 15/2000, de 20 de Junho, regulamentado pelo Diploma Ministerial nº 107-A/2000, de 25 de Agosto 300Diploma Ministerial nº 80/2004, de 14 de Maio 301 Artigo 98, nº 3, da Constituição da República 302 MCA, 2010; DFID, 2010; USAID/SPEED,2015. 323 uma capacidade institucional adequada para a sua complexa missão de coordenação e fiscalização; de reflexão aberta e contínua envolvendo todos os sectores da sociedade; e de investigação, estudos e testagem de metodologias; f) Viabilidade e estratégia para a autonomização do sector de terras. 3.2.2. Aspectos sociais A reversão da marginalização sofrida pelas mulheres rurais que, simultaneamente, constituem a maioria da população rural e dos trabalhadores da terra, é um imperativo do desenvolvimento rural sustentável que não pode continuar a ser secundarizado. Os esforços para reforço da segurança de posse de terras, para a promoção de actividades sustentáveis de gestão e uso da terra e outros recursos para a geração de rendimentos, bem como para a integração de actores locais na tomada de decisões sobre o uso da terra e outros recursos, devem privilegiar e priorizar este grupo social. As questões do género têm sido destacadas na actualidade no contexto da abordagem dos impactos dos processos de reassentamento involuntário das populações resultante da implantação de projectos económicos. O esforço por atrair investimentos para o meio rural e por facilitar o ambiente de negócios e o acesso das empresas aos recursos naturais tem sido feitos nem sempre com a devida preparação prévia por parte do Estado, por forma a evitar injustiças. 3.2.3. Aspectos ambientais Moçambique possui hoje um quadro político e legal para a protecção ambiental e promoção do desenvolvimento sustentável que oferece uma boa base para a sustentabilidade das diferentes intervenções do processo de desenvolvimento nacional. O zoneamento e o planeamento ecológico, o planeamento do uso da terra, e a avaliação do impacto ambiental são instrumentos de gestão ambiental fundamentais para esse objectivo, e que se forem melhor usados e de forma sistemática, ajudarão a prevenir as grandes pressões e perigos decorrentes dos seguintes fenómenos globais: a) Crescimento demográfico, b) Urbanização acelerada, c) Megaprojectos e reassentamentos d) Mudanças climáticas 4. REVISÃO DA METODOLOGIA DO LGAF 4.1. Temas, Painéis, Indicadores e Dimensões Tal como abaixo se indica, as áreas temáticas propostas na metodologia do LGAF são essenciais também para Moçambique, cujo panorama actual é muito brevemente descrito a seguir, com a indicação, onde isso se aplica, das áreas ou questões específicas do país que implicam adaptações em relação aos indicadores e respectivas dimensões. De um modo geral, tanto os indicadores como as respectivas dimensões são aplicáveis ao contexto moçambicano, com as adaptações e ajustamentos (de natureza 324 conceitual e terminológica) que caso a caso forem tidas como necessárias. Um aspecto de grande importância para a avaliação e que precisará de ser resolvido à priori tem a ver com a maneira como deverão ser geridas as dimensões que necessitam de dados estatísticos quando estes não existam, como é o caso, por exemplo de dados sobre a totalidade do território nacional ocupado por zonas urbanas, comunidades rurais, áreas de domínio público do Estado, percentagem de ocupações tituladas, percentagem de ocupações rurais tituladas/certificadas e registadas, número de processos judicias sobre terras, etc. A seguir apresenta-se uma breve apreciação dos temas, com considerações sobre os respectivos painéis, indicadores e dimensões. Tema 1 - O Reconhecimento e Respeito dos Direitos Existentes Moçambique tem sido extensamente citado pelo tratamento progressista que dá aos seus cidadãos e comunidades em relação aos direitos de acesso à terra e outros recursos naturais e de possuir um quadro político e jurídico ajustado. Embora se tenha estabelecido o princípio de que a terra é propriedade do Estado, sendo reservada aos cidadãos apenas a possibilidade de possuírem direitos de uso e aproveitamento da terra (DUATs), o Estado impôs-se a si próprio limites cuja dimensão confere aos seus titulares um conteúdo e protecção que muito se assemelha à protecção dada aos titulares de direitos de propriedade. Assim poder-se-á dizer que o DUAT é, na verdade, um quase-direito de propriedade. O reconhecimento de direitos sobre a terra está consagrado na Constituição da República, assim como na legislação sobre terras, sendo de destacar a supressão de qualquer tipo de formalidade para o reconhecimento de direitos adquiridos por herança e ocupação de boa-fé, categoria na qual se encontra a maior parte da população nacional303. Do reconhecimento ao respeito pelas normas vai, infelizmente, uma distância considerável, pois a prática mostra haver sérios constrangimentos no processo de interpretação e implementação da legislação, os quais, em regra, prejudicam os cidadãos e grupos (comunidades locais) cujos direitos são geridos por normas costumeiras, isto é, à margem do formalismo da administração pública, e cujo despreparo, falta de informação e de peso político as torna vulneráveis a situações de desrespeito e violação de direitos. Em relação a este tema, as avaliações do sector sugerem a necessidade de se discutir e abordar, entre outros, os seguintes assuntos da actualidade: 1. Conceito de comunidade local 303 Artigo 12 (a), Artigo 13, nº 2 e Artigo 15 (b), da Lei de Terras 325 2. Conceito de terra, ocupação e jurisdição comunitárias 3. Conceito de uso 4. Diferença entre fins de subsistência e fins económicos 5. Directrizes para a definição do regime jurídico do domínio público comunitário 6. Directrizes para a compatibilidade entre direitos sobre a terra e direitos sobre outros recursos naturais Relevância e Adaptabilidade de Indicadores e Dimensões Este tema está subdividido em dois painéis. O Painel 1, que aborda o “ Reconhecimento de Direitos Fundiários”, tem em vista medir dois indicadores, nomeadamente: 1. Reconhecimento da posse da terra 2. Respeito e cumprimento dos direitos Ambos os indicadores são aplicáveis ao contexto moçambicano. Todavia, no âmbito do primeiro indicador, a quarta dimensão requer que se clarifique se a expressão “indígena” é equivalente a “comunidade local”. No léxico político e jurídico moçambicano a palavra “indígena” tem uma conotação negativa, por estar associada ao passado colonial, ainda recente, cuja legislação estabelecia uma distinção expressa entre “cidadãos” e “indígenas”, negando aos segundos o gozo dos direi tos civis e políticos que reconhecia aos primeiros304. Hoje, considerando que em Moçambique todos os cidadãos são iguais perante a lei, pode ser que esta dimensão deva ser eliminada, substituindo-se pelo conceito de “comunidade local”, que está definido legalmente. No âmbito do segundo indicador, a quarta dimensão levanta a questão de que a terra não pode ser vendida em nenhuma circunstância, pelo que toda a venda será necessariamente ilegal. Por outro lado, a sexta dimensão pressupõe a existência de tratamento particular dado às mulheres quando, por imperativo constitucional e legal, a legislação moçambicana não diferencia os direitos dos cidadãos, sejam eles reais ou doutra natureza, em função do género305. O Painel 2, aborda os Regulamentos de “Uso de Direitos à Floresta, Terras Comuns e Rurais”, tem em vista medir dois indicadores: 1. Direitos à floresta e às terras comuns 2. Eficácia e equidade das regulações do uso de terras Em relação ao Indicador 1, que integra 9 dimensões, será necessário começar por esclarecer o que se entende por “claramente identificadas na lei”. Se considerarmos que a lei prevê a existência de florestas 304 Cfr. Trindade, João Carlos (2003), “Rupturas e continuidades nos processos políticos e jurídicos”, in Boaventura de Sousa Santos e João Carlos Trindade (orgs.), Conflito e Transformação Social: uma Paisagem das Justiças em Moçambique , Afrontamento, Porto, I Volume, pp. 97-128. 305 Artigo 36, da Constituição da República 326 e de terras comuns como sendo o significado de “claramente identificadas por lei”, poderemos considerar positiva a resposta, mas já não poderemos dizer que a responsabilidade do seu uso está claramente designada. Ou seja, parece não haver nenhuma resposta possível das sugeridas no questionário, para o caso de Moçambique, já que a resposta teria que ser, por exemplo, «As florestas / terras comuns estão claramente identificadas, mas o seu uso não está claramente designado». Será, por isso, necessário averiguar nos documentos e no painel de que forma é que se poderá responder a estas duas primeiras dimensões. Como já foi referido, em Moçambique não existe “indígenas” como minoria diferenciada da restante população. Tema 2 - Ordenamento, Gestão e Tributação de Terras A maior parte do território nacional encontra-se nas zonas rurais, cujas terras são geridas com base em normas costumeiras, combinadas com a legislação formal sobre terras, dando corpo ao já citado princípio do pluralismo jurídico. As zonas urbanas, que integram as cidades de grande e média dimensão (capital nacional e capitais provinciais) e vilas (sedes de distritos), foram desde 1998 sujeitas a um regime diferente decorrente da aprovação da Lei das Autarquias Locais, em 1997306, e do Regulamento do Solo Urbano em 2006307. A ocupação desordenada de terras tanto rurais como urbanas, é um dos grandes problemas do sector. No meio urbano, a crescente migração campo-cidade não tem estado a ser acompanhada por medidas de preparação prévia dos espaços urbanos e periurbanos em termos de planeamento, o que faz com que se assista à proliferação de assentamentos informais e desordenados, em alguns casos em situações que são autênticos atentados à saúde e à dignidade humana. Por outro lado, muito embora a terra não possa, legalmente ser vendida, ela é um recurso com base no qual o Estado poderia e deveria gerar uma boa parte da renda de que tanto necessita para o desenvolvimento socioeconómico do país. No entanto, a maior parte da população nacional não paga qualquer taxa pela ocupação e uso da terra. Ademais, o valor das taxas cobradas aos titulares de DUATs formais, incluindo o sector privado, é simplesmente irrisório. Com relação a este tema, as avaliações sectoriais levantam questões que merecem tratamento prioritário, nomeadamente: 1. Mecanismos para a conversão de categorias territoriais para criação de autarquias, e impactos sobre direitos adquiridos dos cidadãos rurais; 306 Lei nº 2/97, de 18 de Fevereiro 307 Decreto nº 60/2006, de 26 de Dezembro 327 2. Zoneamento agro-ecológico, urbano e rural, e planeamento do uso da terra (distritos e municípios); 3. Metodologias, critérios e objectivos da delimitação de terras comunitárias no contexto do planeamento territorial; 4. Megaprojetos rurais e urbanos e ordenamento territorial, 5. Metodologias de planeamento territorial para adaptação e mitigação de mudanças climáticas em zonas rurais e urbanas; 6. Opções para o alargamento da base tributaria e do valor das taxas sobre a terra e florestas; 7. Opções para o financiamento do sector de terras e recursos naturais. Relevância e Adaptabilidade dos Indicadores e Dimensões Este tema será tratado por dois painéis, nomeadamente o Painel 3, sobre “Uso, Planeamento e Desenvolvimento de Terras Urbanas”, e o Painel 7, sobre “Taxação da Terra e Tributação”. O Painel 3 tem 5 Indicadores, nomeadamente: 1. Restrições sobre direitos 2. Transparência das restrições do uso de terras 3. Eficiência do processo de planeamento do uso de terras urbanas 4. Velocidade e previsibilidade da execução do uso de terras restringidas 5. Esquemas de regularização de propriedades em áreas urbanas. A revisão destes indicadores e respectivas dimensões não suscitou questões dignas de registo neste momento, excepto a preocupação em relação a dados quantitativos. O Painel 7 tem em vista medir dois indicadores: 1. Transparência das Taxações 2. Eficiência da Cobrança Com relação ao Indicador 1, não sendo a terra passível de entrar no mercado, por toda pertencer ao Estado sem possibilidade de venda ou qualquer forma de alienação, é difícil acomodar a Dimensão 1. Existe a possibilidade de se pretender medir impostos sobre as benfeitorias (IPRA, impostos sobre sucessões e doações, sisa) dado que nestes casos são possíveis as transmissões). Estes impostos aplicam-se apenas a prédios urbanos. A transmissão do DUAT nos termos do Regulamento do Solo Urbano é automática com a transmissão das benfeitorias. Tanto nas áreas urbanas como nas áreas rurais, quando há que efectuar expropriações e correspondentes compensações por necessidade, interesse ou utilidade pública, a avaliação também apenas incide sobre benfeitorias – construções, árvores e culturas. Esta questão está tratada no Painel 4 sobre a Gestão das Terras Públicas, já que todas as terras no território nacional são públicas. 328 Parece, pois, que se deve pedir esclarecimentos sobre a manutenção de todo o indicador ou, pelo menos, da dimensão 1, para se saber como o tema foi tratado em outros países em que a terra é nacionalizada, sem possibilidade de transmissão ou arrendamento. Parece haver uma interpretação que diz que é possível ser arrendada, já que este conceito foi eliminado do dispositivo constitucional onde anteriormente constava. No entanto, se considerarmos o arrendamento uma forma de alienação, então a terra não pode ser arrendada, já que a CRM indica que ela “não deve ser vendida ou por outra qualquer forma alienada”. Provavelmente seria de se criar um indicador sobre transmissibilidade dos direitos, classificando (a) a sua possibilidade, (b) a existência ou não de um mercado real de terras, reprimido ou tolerado. Quanto ao segundo indicador, é preciso clarificar se é possível trabalhar sobre a cobrança de taxas, utilizando com fonte as bases de dados da instituição por ela responsável, a Direcção Nacional de Terras. Tema 3 - Gestão de Terras Públicas O território moçambicano está organizado administrativamente em províncias, distritos, postos administrativos, localidades e povoações. As zonas urbanas estruturam-se em cidades e vilas. Em Moçambique, e por ditame constitucional, toda a terra é pública, no sentido de que pertence ao Estado. No entanto no contexto das limitações legalmente impostas ao próprio Estado para permitir ocupações e uso de terras pelos cidadãos e entidades, nem toda a terra está sob o domínio público do Estado. De facto o Artigo 98 da CRM determina a existência de 3 áreas de domínio público sob a jurisdição de entidades diferentes nomeadamente: 1. Domínio Público do Estado; 2. Domínio Público das Autarquias Locais, 3. Domínio Público Comunitário Infere-se que no Domínio Público Comunitário se integrarão as áreas de uso comum dentro dos territórios ocupados e geridos pelas comunidades locais. A legislação ordinária para a determinação do regime jurídico específico desta componente ainda não foi aprovada. Facto interessante a ressaltar neste tema será a maneira como o Estado, na sua qualidade de proprietário da terra e dos recursos naturais, se posiciona em relação aos direitos legítimos dos titulares de DUATs, em face de propostas de investimentos baseados na terra e que alteram a categoria territorial, incluindo o domínio público, das terras em questão. Este tema suscita questões muito pertinentes e actuais, que o LGAF deverá ajudar a abordar e discutir, nomeadamente: 1. Mecanismos para a criação e alteração de áreas de domínio público e impactos sobre direitos adquiridos; 2. Mecanismos de conversão de terras de domínio municipal ou comunitário, em terras de domínio público do Estado, e de protecção de direitos legítimos; 329 3. Avaliação da legitimidade das expropriações no contexto de implementação de projectos económicos privados; 4. Determinação da justeza e equidade das compensações pela perda temporária ou definitiva de direitos sobre terras e florestas; 5. Critérios e modalidades para o cálculo de compensações; Relevância e Adaptabilidade dos Indicadores e Dimensões Este tema será tratado pelo Painel 4, sobre “Gestão de Terras Públicas”, que pretende medir três indicadores, nomeadamente: 1. Identificação de Terras Públicas e Gestão Clara 2. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação 3. Transparência e Justiça dos Procedimentos de Expropriação A primeira grande questão a colocar aqui é de natureza conceitual, pois importa clarificar o que se deve entender por “Terras Públicas”. Serão as terras do Fundo Estatal de Terras, ou serão apenas as terras integradas nas zonas de domínio público? Será correcto ou não considerar que, em Moçambique, todas as terras são Públicas, atendendo que “A terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida ou, por qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada”. (Artigo 3 da Lei no. 19/97, de 1 de Outubro). Por outro lado, o Artigo 4 da mesma lei define que “Na República de Moçambique, toda a terra constitui o Fundo Estatal de Terras”. O esclarecimento destas questões é essencial, pois a medição dos indicadores com as respectivas dimensões pode ser difícil e, em alguns casos, não aplicável. Há que decidir o tratamento a dar à Dimensão 5 do terceiro indicador, uma vez que nenhuma das letras é aplicável. Tema 4 - Prestação Pública de Informações sobre Terras A obrigação de prestação de informações sobre assuntos de interesse público é um imperativo constitucional, cuja materialização tem sido difícil de conseguir. Ao longo dos anos e não obstante a aprovação de vários instrumentos legais incluindo disposições nesse sentido, a Administração Pública moçambicana, incluindo o sector de administração e gestão de terras e florestas, secundarizou sempre a necessidade de criação de condições técnicas e materiais para a sua implementação. Na verdade a cultura de secretismo no aparelho do Estado levou a inclusão de Moçambique na lista de países com menor transparência da administração pública. A falta de transparência do sector de terras ditou, inclusivamente, a que a reversão desta situação fosse colocada como condição sine qua-non para o acesso a alguns programas de apoio financeiro e técnico, como o Millenium Challenge Account (MCA). 330 Importa mencionar que, durante alguns anos, a atribuição do DUAT era publicada no Boletim da República (BR). No entanto, isso deixou de acontecer, sem que se saiba porquê. Na última década, e no âmbito do apoio concedido pelo MCA, foram introduzidos alguns mecanismos e programas direccionados a, por um lado, apoiar o sector na sua organização interna, incluindo a organização do serviço de cadastro, aumentando-lhe a eficiência e a coordenação. Por outro lado, e embora menos conseguido, o objectivo foi também o de tornar a informação contida no cadastro de terras acessível ao público. O projecto para a criação de um sistema de gestão de informação sobre terras (SIGIT), apoiado pelo MCA, é exemplo disso. Embora seja de aplaudir o progresso representado pela criação do SIGIT em matéria de organização e acesso à informação sobre terras, a avaliações ao sector e ao projecto identificaram a prevalência de problemas que urge resolver, sobretudo em face da recente aprovação da Lei de Acesso à Informação308, nomeadamente: 1. Aumento efectivo da transparência e eficiência 2. Controle da fidelidade das informações e dados sobre terras 3. Condições para a provisão de informações para o nível local (governos distritais e municípios) 4. Condições para a provisão de informações de modo adequado para os diferentes segmentos do público urbano e rural interessado 5. Compatibilidade entre restrições de acesso à informação sobre terras prevalecentes no SIGIT com as disposições da Lei de Acesso à Informação Relevância e Adaptabilidade dos Indicadores e Dimensões Este tema é discutido pelo Painel 6, que avalia a “Disponibilização Pública de Informação sobre Terras: Registo e Cadastro”, tendo 5 Indicadores, nomeadamente: 1. Mecanismos para o reconhecimento de direitos 2. Integridade do registo de terras 3. Confiabilidade da Informação do Registo 4. Custo-eficiência e sustentabilidade dos serviços de administração de terras 5. Transparência na determinação de tarifas sobre a terra Na Dimensão 2 do Indicador 2 pretende-se saber da qualidade das informações registadas, respeitantes a "terras privadas" ou "terras particulares". Não está claro se as expressões "terras privadas" ou "terras particulares" significam terras sob regime de propriedade privada ou se estas expressões podem ser traduzidas por terras sobre as quais foram emitidos DUATs (terras ocupadas com registo). 308 Lei nº 34/2014, de 31 de Dezembro 331 Na tentativa de sanar esta dúvida, consultei o Relatório do Vietname (onde a terra é propriedade do Estado) e notei que esta dimensão foi avaliada, sim: não distinguido informação de registo de "terras particulares", mas de registo das terras de uma forma geral. O que me leva a concluir que a expressão "terras particulares" deve ser entendida como significando terras ocupadas com registo (DUAT). Será esta interpretação correcta? Porque, caso contrário, esta dimensão não é aplicável para Moçambique - onde não existem "terras privadas". O Indicador 1, Dimensão 4, e o Indicador 2, Dimensão 1 referem-se respectivamente a: I: Nível das taxas de registo dos direitos pela primeira vez …comparativamente ao valor da propriedade. II. Percentagem do custo total para registar uma transferência de propriedade, relativamente ao valor da propriedade. Em relação a isto, uma vez que a terra em Moçambique é toda ela propriedade do Estado - não podendo ser vendida, hipotecada ou de qualquer forma alienada - não existe, portanto, no País, um mercado formal de terras, em cujos termos se pode determinar o “valor da propriedade”. Nos termos da Lei, apenas se poderia falar de impostos sobre as benfeitorias- já que apenas estas são passiveis de transacção, caso em que se podem considerar impostos sobre estas (IPRA, impostos sobre sucessões e doações, sisa). Estes impostos aplicam-se apenas a prédios urbanos. A transmissão do DUAT nos termos Do Regulamento do Solo Urbano é automática com a transmissão das benfeitorias. Como, então, avaliar estas duas dimensões? Poder-se-ia considerar avaliar apenas todas as despesas inerentes ao processo burocrático de aquisição do DUAT, independentemente do valor da propriedade? Tema 5 - Resolução de Litígios e Gestão de Conflitos A última década registou um aumento de conflitos de terras em todo o país, mas sobretudo nas zonas onde foram aprovados grandes projectos de investimento, nomeadamente em Gaza e Nampula (agricultura), Manica e Zambézia e Niassa (plantações florestais), Cabo-Delgado e Tete (mineração e hidrocarbonetos), conservação ambiental (Gaza). Os processos de reassentamento populacional involuntário associados a alguns destes projectos, como os de mineração e hidrocarbonetos, agricultura e conservação ambiental, continuam a ocupar o espaço da mídia e a mobilizar intervenções sobretudo das organizações da sociedade civil. No entanto, para além destes conflitos, muitos outros foram registados, associados a expansão urbana e construção de infraestruturas públicas como estradas e pontes. A incapacidade do Estado de prevenir e dirimir adequada e atempadamente estes e outros conflitos, e de assegurar a intervenção correcta das instituições de administração da justiça em todos os sectores e níveis, tem sido extensamente documentada. 332 Neste contexto, sobressaem as seguintes preocupações, que o LGAF deverá procurar abordar: 1. Massificação da literacia jurídica no meio rural 2. Revitalização de tribunais comunitários e regulamentação do seu funcionamento 3. Massificação da assessoria jurídica às populações mais desfavorecidas e localizadas em zonas remotas 4. Eliminação de espaços para subornos e corrupção nas instituições de administração da terra e da justiça 5. Mecanismos para monitoria independente dos processos de licenciamento do uso de terras Relevância e Adaptabilidade dos Indicadores e Dimensões O tema 5 é abordado pelo Painel 8, sobre “Resolução de Litígios”, contendo dois indicadores nomeadamente: 1. Atribuição de responsabilidades 2. Proporção de terras afectadas por conflitos pendentes é baixa e decrescente No respeitante a este tema não há, de momento, sugestões de revisão. No entanto, para além da questão da quantificação que parece ser uma dificuldade comum, os indicadores tendem a generalizar o que muitas vezes é contextual ou mesmo contingencial. Há também algumas diferenças conceptuais que, presume-se, resultam do facto de o manual ter como referência outros sistemas jurídicos que não o Moçambicano. 5. EQUIPA NACIONAL 5.1. Coordenação e Peritos A avaliação será conduzida por uma equipa de coordenação técnica orientada pelo Coordenador Nacional (CN), coadjuvado um Investigador Sénior (IS), cujos CV’s se juntam em anexo. O CN e o IS são responsáveis pela compilação da documentação relevante existente sobre o sector de gestão e administração de terras, sobretudo relatórios de avaliação produzidos por instituições dos diferentes sectores (Governo, parceiros de cooperação, instituições de pesquisa, sector privado e organizações não governamentais). São também responsáveis pela produção do Relatório Inicial e do plano esquemático para os relatórios temáticos de base (RTB), pela identificação de Peritos para cada tema, bem como pela produção do Relatório Final . A equipa integra também especialistas identificados para a abordagem dos diferentes temas (Peritos), os quais procederão à revisão documental e à produção dos relatórios temáticos de base, produzirão as respectivas notas explicativas, conceberão e facilitarão os painéis e produzirão os Aid Memoires para cada painel. O CN e o IS assumirão a responsabilidade de produzir facilitar o Painel 9 e de produzir o respectivo RTB, o qual versará sobre arranjos e políticas institucionais. A aprovação dos RBTs e dos Aid 333 Memoires será feita em sessão conjunta envolvendo a equipa de coordenação e todos os peritos temáticos. Por forma a reduzir custos, facilitar a coordenação e assegurar o cumprimento do cronograma da avaliação, propõe-se a contratação de apenas 6 Peritos, sendo um para cada um dos temas do LGAF, os quais serão responsáveis pela abordagem dos respectivos subtemas e pela facilitação dos respectivos painéis. Embora a metodologia preveja que cada subtema seja tratado de forma individualizada, e assim será também com este processo, mas a decisão da equipa de coordenação foi a de responsabilizar os peritos pela abordagem de todos os subtemas que lhe digam respeito e desde que os assuntos tenham muita afinidade, como é o caso dos temas 1 e 2. Este princípio não será aplicado ao tema 3, uma vez que os subtemas versam sobre matérias claramente distintas, tendo imposto, por isso, a contratação de 2 peritos distintos para cada subtema. Por outro lado, em virtude da complexidade e especialidade de algumas matérias, alguns temas poderão ter a intervenção de mais do que um perito, para a redacção e/ou revisão dos relatórios. A tabela abaixo apresenta a distribuição dos peritos por painéis. O perfil técnico da equipa de coordenação e dos peritos consta do Anexo 2. 334 LGAF MOÇAMBIQUE 2015-16 - TEMAS E PAINÉIS AREAS TEMÁTICAS SUB-TEMAS E PAINÉIS PAINEIS E PERITOS Painel 1 O reconhecimento e respeito dos 1. O reconhecimento da posse da terra Lucinda Cruz 1 direitos existentes (legal e 2. Direitos à floresta e terras comuns e normas de uso da Painel 2 institucional) terra rural Lucinda Cruz Painel 3 3. Gestão da terra pública Alda Salomão 2 Gestão de Terra Pública 4. Processo e benefício económico de transferência de Painel 4 terras públicas para uso privado Alda Salomão Painel 5 5. Uso do solo urbano, planeamento e desenvolvimento Ordenamento do Território, Luís Laje 3 Gestão e Fiscalidade Painel 6 6. Valorização da terra e a fiscalidade João Carrilho Painel 7 Prestação Pública de Informações 4 7. O fornecimento público de informação sobre a terra T. V. Mário sobre Terra Salvador Jossias Painel 8 5 Resolução de Litígios 8. Resolução de litígios André Cristiano Arranjos e Políticas Institu- Painel 9 9. Arranjos e Politicas Institucionais cionais João Trindade 335 6. PARTICIPAÇÃO E FONTES DE INFORMAÇÃO O LAGF-MZ será uma avaliação participativa e prevê um mínimo de entrevistas individuais a serem realizadas pelo CN com os peritos seleccionados e outras entidades, uma mesa redonda com todos os peritos para a apresentação e discussão conjunta dos relatórios temáticos de base, assim como um workshop nacional alargado envolvendo os membros do Grupo de Reflexão do Fórum de Consultas sobre a Terra (GR/FCT) e alguns convidados, para a apresentação e validação do relatório final. Está também prevista a realização de três seminários provinciais para aproximadamente 25 participantes, em Niassa, Zambézia e Inhambane, para a partilha das conclusões dos painéis. Como fonte documental principal, serão revistos os relatórios de avaliação do sector de terras e florestas, particularmente os produzidos na última década (2005-2015), pelo Governo (MINAG, MPD, MAE, MICOA, MIREM, ITC); pelos parceiros de financiamento do sector (HOLANDA, DFID, MCA, USAID, BANCO MUNDIAL, FAO, ICRAF, etc) e pelo sector privado (CTA, etc), e por instituições de pesquisa nacionais e internacionais (IESE, OMR, UNAC, ORAM, GRAIN, ILC, CTV, etc). O Anexo 1 contém uma lista da base documental inicial, usada para a preparação do presente relatório inicial. 7. CRONOGRAMA DE ACTIVIDADES O processo do LAGF-MZ 2015 será conduzido num período de 5 meses, com início a 1 de Outubro de 2015 e fim a 28 de Fevereiro de 2016, conforme indicado na tabela abaixo. ACTIVIDADES E PRODUTOS CALENDÁRIO 1 Proposta Técnica e Financeira 30/07 2 Selecção de Peritos 01-4/10 Compilação de Documentos, Preparação do Relatório 3 01 -18/10 Inicial (Inception Report) e entrevistas com peritos 4 Preparação de Relatórios Temáticos de Base 05/10-30/11 Revisão do Inception Report e dos Relatórios 5 01-15/12 Temáticos de Base pela Coordenação 6 Submissão da Versão Final dos RTBs à DINAT 15/01/2016 7 Revisão dos RTBs pela DINAT e Banco Mundial 16-25/01 8 Submissão da Versão Final dos RTBs 31/01 9 Encontros dos painéis e produção de Aide Memoires 08-12/02 Revisão de Aide Memoires dos Painéis e Seminários 10 15-27/02 Provinciais (Quelimane, Niassa e Inhambane) 11 Produção do Relatório Final – Esboço 1 01-04/03 Apresentação ao Grupo de Reflexão do FCT/Conselho 12 08-10/03 Consultivo do MITADER 13 Submissão do Relatório Final 20/03 8. ORÇAMENTO O orçamento total para a produção do relatório do LAGF-MZ 2015 é de US$82.000 (oitenta e dois mil dólares americanos), conforme indicado na tabela abaixo. Para um melhor alinhamento com a abordagem metodológica do LGAF, sugere-se que se contemple a possibilidade de se envolver actores das províncias no processo de consultas, daí a proposta de realização de pelo menos 3 seminários provinciais em Inhambane (zona sul); Quelimane (zona centro) e Lichinga (zona norte) envolvendo pelo menos 25 pessoas. Para a redução dos custos logísticos em Maputo, propomos usar as facilidades existentes na DNT e no Centro Terra Viva (CTV) para a realização dos encontros dos painéis, havendo eventualmente que cobrir apenas os custos de cafés e almoços, quando necessário. Estimamos que o relatório final venha a ter um máximo de 150 páginas. Anexo1: BASE BIBLIOGRÁFICA INICIAL 1. AGRA. 2015. Land Policies and their Implications for Smallholder Agriculture in Africa: A Review of Policies in Six Countries 2. Banco Mundial. 2013. Marco de Avaliação Fundiária. 3. DFID. 2013. A Political Economy Analysis of Mozambique’s Land Sector. 4. MCA Moçambique. 2010. Análise à Política e Legislação sobre Terras de Moçambique 5. MCA Moçambique. 2010. Avaliação das Necessidades da Administração da Terra 6. MCA Moçambique. 2010. Acesso e Posse da Terra em Moçambique: uma Análise Socio- Económica e de Género – ASEG 7. MCA Moçambique. 2010. Análise ao Quadro de Políticas e Legislação sobre Terras de Moçambique: Proposta de Roteiro para o Processo de Consulta 8. MINAG. 2013. Análise situacional, constrangimentos e oportunidades para o crescimento agrário em Moçambique 9. Rights and Resources Initiative. 2010. Reconhecer Direitos sobre os Recursos Naturais em Moçambique. 10. UNDP. 2012. The Political Economy of Large-Scale Agricultural Land Acquisitions: Implications for Food Security and Livelihoods/Employment Creation in Rural Mozambique 11. USAID/CTA. 2015. Avaliação do quadro legal de terras com vista à promoção do investimento privado na terra ANEXO 2: EQUIPA NACIONAL – PERFIL TÉCNICO 1. Coordenação Técnica a) João Carlos Trindade (Juíz Conselheiro Jubilato) b) Alda Salomão (Mestre em Direito Ambiental/Doutoranda em Governação de Terras) 2. Peritos Temas Peritos Perfil Técnico Reconhecimento de Direitos Taciana Peão Lopes Jurista Gestão de Terras Públicas Alda Salomão Jurista Ambiental Luís Laje Arquitecto Gestão de Terras Urbanas Albino Mazembe Arquitecto Tributação de Terra João Carrilho Engenheiro Ambiental Tomás Vieira Mário Jornalista e Jurista Acesso à Informação Salvador Jossias Geógrafo Gestão de Conflitos André Cristiano José Jurista ANEXO B AIDE MÉMOIRES AIDE MEMOIRE 1 DO PAINEL SOBRE PROTECÇÃO DE DIREITOS FUNDIÁRIOS 1. INTRODUÇÃO O Painel para a discussão do tema acima mencionado foi reunido no dia 17 de Maio de 2016, das 9.30h às 12.45h, na Faculdade de Agronomia e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane, tendo tido a participação de 12 pessoas, representando vários sectores, conforme lista contida na tabela inclusa no presente documento. Após apresentação dos participantes e uma breve apresentação dos objectivos do processo LGAF feita pelo Coordenador Nacional, o perito responsável pela produção do relatório temático, Taciana Peão Lopes, iniciou a sua intervenção abordando o contexto político legal, social e económico em que o tema foi avaliado, bem como os constrangimentos e oportunidades, seguindo a estrutura base do relatório. Em seguida apresentou a proposta de classificação das diferentes dimensões, sobre a qual recaíram os comentários que se seguem. 2. DISCUSSÃO E CLASSIFICAÇÃO Indicador 1: Reconhecimento de um continuum de direitos: A legislação reconhece uma gama de direitos dos indivíduos e dos grupos (incluindo direitos secundários e direitos por parte das minorias e das mulheres). Dimensão 1: Os direitos rurais e de posse dos indivíduos estão (a) legalmente reconhecidos e (b) protegidos na prática. A opção A pode ser a escolhida com a ressalva de que na prática os direitos não estão assim tão protegidos. As dimensões aglutinam mais do que um tema na mesma dimensão, o que dificulta a classificação. A justificação da escolha feita é muito importante. Dimensão 2: Os direitos de posse consuetudinários são reconhecidos legalmente e são protegidos na prática. 1. A opção escolhida é a “B”, pois a legislação moçambicana é toda no sentido de proteger direitos e promover partilha de benefícios. Na realidade, contudo, a prática não está em conformidade com o que está previsto na legislação. Embora não se deva saltar etapas processuais, nem utilizar outros procedimentos diferentes do que estão na lei, nem sempre somos rigorosos no cumprimento da lei. Pecamos muito pela falta de rigor no cumprimento da lei, apesar de se manifestarem melhorias. 2. As comunidades estão numa situação desvantajosa com relação às consultas por falta de informação, desconhecimento, situação económica. Ainda temos espaço para melhoria. Dimensão 3: Os direitos indígenas à terra e à floresta são reconhecidos legalmente e são protegidos na prática. 1. A Opção B parece ser a mais correcta. Na verdade, existe protecção legal mas reconhecimento parcial na prática. É preciso indicar sempre que onde se lê “indígena” no manual do LGAF, deve entender-se “comunidades locais”. 2. No caso das florestas, por exemplo, seria importante perceber melhor em que medida é que o direito das comunidades está protegido. 3. O acesso à floresta e materiais de construção é óbvio. As comunidades continuam a fazer o uso de acordo com as suas práticas. Em alguns casos temos a comercialização da lenha e carvão que também é tolerada. Existe também a questão dos benefícios do 20% que são atribuídos às comunidades. No entanto, é preciso notar que na prática estes benefícios não são distribuídos. As comunidades estão prontas para receber dinheiro? Porquê 20%? Como chegamos a este valor? 4. Na Zambézia há casos em que é consultada uma comunidade A mas o recurso é explorado na comunidade B, recebendo esta os benefícios indevidamente. É preciso analisar profundamente as componentes de cada dimensão do ponto de vista da protecção: como é que os consultados se posicionam, para negociar parcerias? Estão preparados para perceber qual o valor do recurso que está em causa, e qual a sua relação com os rendimentos que estão em causa? Dimensão 4: Os direitos de posse de terras urbanas são reconhecidos legalmente e são protegidos na prática. 1. Deve ser a Opção A porque a estrutura jurídica providencia protecção total. No entanto, é preciso ter em atenção vários aspectos. 2. O processo de regularização de ocupações em zonas urbanas assenta numa declaração emitida pelo chefe do quarteirão e contendo o número de casa, quarteirão e célula (experiência recolhida do processo de regularização no Conselho de Municipal de Maputo). Sem este papel, os processos seguintes não existem. Mas nem todos os ocupantes de terras urbanas têm esta certidão do Chefe de Quarteirão. Esta é a fonte de titulação das zonas urbanas. 3. Existem parcelas urbanas que contêm machambas que têm sido alvo de ocupação ou reordenamento forçado. O Município recorre-se dessas áreas e os direitos das populações residentes não são protegidas. 4. Diferença entre zona urbana e jurisdição Municipal (a zona urbana vai para além da zona Municipal). Como criámos Municípios, com relação a direitos pré-existentes. Quando se altera a categoria territorial da parcela de um indivíduo por efeitos de criação de um Município, que procedimentos são seguidos? 5. Como conciliar mecanismos formais e não formais de administração de terras e o papel das autoridades locais nas zonas peri-urbanas? Como harmonizar o direito formal e o direito costumeiro? Qual o regime que prevalece na zona urbana, ou que deve prevalecer? Como harmonizar estes dois regimes? É nos municípios onde se constata maior violação dos direitos costumeiros por processos de expropriação por utilidade pública, muitas vezes sem direito a indemnização. 6. Relacionamento entre os Municípios e os planos de ordenamento territorial e o sistema de administração central de terras. Os Municípios não registam os DUATs no Cadastro de Terras. Temos processo de harmonização entre o plano de uso de terra dos Distritos e o plano de urbanização dos municípios? Planificação e ocupação de terra em zona rural e municipal. Indicador 2: Respeito e Cumprimento dos direitos. Dimensão 1: Existem oportunidades acessíveis para a individualização da posse. 1. Opção B com a ressalva de que os custos são elevados, burocracia, tempo elevado na resolução e encaminhamento do processo. 2. Foi referido que existe pouca experiência de desanexação de parcelas individuais por cada membro da comunidade, mas há algumas experiências em Monapo e em outros distritos de Nampula. Os membros da comunidade não têm conhecimento nem condições para iniciar o processo todo, que é lento e caro (emolumentos, contactar as Direcções Provinciais de Cadastro). A média de áreas tituladas é de 1 ha, mas há indivíduos com áreas acima de 10 ha. 3. Em caso de desanexação, as pessoas têm a possibilidade de requerer a individualização da sua parcela mas mantendo acesso às áreas comuns (pastagens). Foi dito que é deste conhecimento antropológico que precisamos de ter para averiguar as mudanças de costume para a organização do espaço. Dimensão 2: Os terrenos individuais nas áreas rurais estão registados e cartografados. O número de DUATs registados é realmente muito baixo. Temos menos de 30% DUATs registados. Dimensão 3: Os terrenos individuais nas áreas urbanas estão registados e cartografados. Temos menos de 30% DUATs registados e é preciso considerar que a população da cidade cimento é menor que a população peri-urbana. Dimensão 4: O número de vendas ilegais de terras é baixo. 1. A opção D é a mais correcta, com a salvaguarda de que se deve retirar a última parte da frase. 2. É preciso explicar o que é o mercado de terras e indicar que no nosso contexto, esta dimensão não pode ser avaliada porque não existem transacções comerciais sobre a terra. Em teoria só existe a possibilidade de transmitir infraestruturas ou DUATs com autorização, mas na prática a realidade é outra. Os cidadãos estão a vender e comprar terras. O Estado tem que se organizar para controlar este aspecto da realidade. Dimensão 5: O número de transacções de arrendamento ilegal é baixo. 1. É preciso esclarecer definitivamente se o arrendamento é de facto ilegal 2. A outra questão que se coloca é sobre a razão de se não regulamentar o arrendamento, do mesmo modo que se está a fazer em relação à cessão de exploração? Na verdade, poder-se-ia usar o mesmo instrumento para regulamentar os dois assuntos. Dimensão 6: Os direitos de uso e aproveitamento das mulheres às terras, estão registados segundo Leis relevantes. 1. Clarificar que por “direitos de propriedade” se deve entender “direito de uso e aproveitamento”. Em termos jurídicos estão protegidos, mas na prática não estão registados. 2. Existem também questões culturais que mantém o controle da terra no homem (sociedades matrilineares). As questões de género reflectem um dos principais problemas de conformidade do direito costumeiro à CRM. Temos princípios na CRM sobre igualdade de tratamento de homens e mulheres que são ignorados e violados pelo direito costumeiro. Esta situação é grave porque significa que a vida da maioria da população moçambicana, que é constituída por mulheres, é gerida por um regime à margem de valores democráticos e de princípios de boa governação. Não se deveria continuar a permitir que em matéria de direitos fundamentais, como é o caso de direitos ambientais, mormente o direito de acesso e uso da terra, continue a vigorar a uma pluralidade jurídica desarmonizada. 3. CONCLUSÃO O painel foi dinâmico e teve discussões interessantes enriquecidas pela experiência trazida tanto pelos represnetantes do governo, como pelos represnetantes da sociedade civil, tendo estes últimos ajudado a trazer para a discussão a experiência prática na implementação da legislação sobre terras e os desafios que ainda prevalecem para a proteção satisfatória de direitos. 4. PARTICIPANTES NOME INSTITUIÇÃO 1. João Trindade Coordenador Nacional 2. Taciana Peão Lopes Jurista-Consultora 3. José Manuel Gonçalo MITADER 4. Lavínia Bechardas MITADER-DINAT 4. Remígio Paulo Timbrine MITADER 5. Odete Mugomela MITADER-DINAT 6. Dulce Mavone ORAM 7. Suzete Marisse MITADER-DINAT 8 Manuela Wing Centro Terra Viva - ProInfo AIDE MEMOIRE 2 DO PAINEL SOBRE PROTECÇÃO DE DIREITOS SOBRE FLORESTAS E TERRAS COMUNS E RURAIS 1. INTRODUÇÃO O Painel para a discussão do tema acima mencionado foi reunido no dia 18 de Maio de 2016, das 9.00h às 11.45h, na Faculdade de Agronomia e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane, tendo tido a participação de 12 pessoas, representando vários sectores, conforme lista contida na tabela inclusa no presente documento. Após apresentação dos participantes e uma breve apresentação dos objectivos do processo LGAF feita pelo Coordenador Nacional, o perito responsável pela produção do relatório temático, Taciana Peão Lopes, bem como os constrangimentos e oportunidades, seguindo a estrutura base do relatório. Em seguida apresentou a proposta de classificação das diferentes dimensões, que recebeu os comentários que se seguem. 2. DISCUSSÃO E CLASSIFICAÇÃO 1. Indicador 1: Direitos à Floresta e às Terras Comuns Dimensão 1: As florestas estão claramente identificadas na lei e a responsabilidade de uso está claramente designada Parece que as florestas estão bem definidas na lei mas a sua identificação prática é que é ambígua, por isso a melhor opção é a Opção B. Dimensão 2: As terras comuns estão claramente identificadas na lei e a responsabilidade de uso está claramente designada. A opção é “A” com a ressalva de que, reconhecendo-se a protecção jurídica destes direitos, o facto é que existe um desfasamento entre a protecção legislativa e a prática. Dimensão 3: Os direitos de grupos rurais são reconhecidos formalmente e podem ser cumpridos. A posse grupal em áreas rurais é formalmente reconhecida e existem claras normas sobre sua organização interna e representação legal 1. A opção é “C”. 2. Referir as experiências que existem sobre a representação das comunidades locais – consultas comunitárias, comités de gestão de terra – e referir os aspectos positivos e negativos. É discutível até que ponto é que se tem de regulamentar a representação dos grupos locais e até que ponto não será melhor deixar os costumes e dinâmicas locais gerirem esta questão. Até que ponto esta regulamentação é positiva? Dimensão 4: Os direitos dos usuários aos recursos naturais fundamentais (incluindo a pesca) estão reconhecidos legalmente e são protegidos na prática 1. Do ponto de vista formal, os recursos naturais são propriedade do Estado. O acesso para o consumo das comunidades locais é livre e gratuito no que não contraria a lei. 2. O uso comercial, mesmo quando é feito pelas comunidades, deve seguir os procedimentos legais. Algumas comunidades têm, por exemplo, concessões comunitárias (acesso comercial). 3. Do ponto de vista prático, as comunidades não têm a capacidade de aferir os requisitos legais. Muitas vezes estão dependentes de projectos financiados por doadores. Dimensão 5: Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre as terras comuns e os recursos naturais nas terras em questão 1. A opção “B” está correcta. 2. Levanta-se aqui a questão do conflito entre o direito costumeiro e o formal. Qual o regime que se deve usar perante um conflito entre o investidor e uma comunidade? Há um ano atrás fez-se a revisão sobre as consultas, tendo-se acrescentado uma segunda consulta para assegurar que as comunidades sejam efectivamente ouvidas e os seus interesses efectivamente respeitados. É preciso avaliar em que medida este objectivo está a ser realmente atingido. Dimensão 6: Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre a mesma parcela de terra e seus recursos (por exemplo, árvores). 1. Qual a prioridade dos direitos se os usos de recursos são diferentes? Na caça, por exemplo, os que têm as fazendas e coutadas, invocam que as comunidades caçam ilegalmente. A abordagem desta questão é complexa. 2. A Opção C é a mais adequada. Dimensão 7: Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre a terra e a exploração de outros recursos subterrâneos localizados na mesma parcela. 1. A opção mais correcta é a “D”. 2. Algumas questões levantam-se à volta deste assunto, nomeadamente: Porque é que não é possível a coexistência? 3. Pode haver redimensionamento no caso de existir um DUAT anterior. É uma revogação parcial. Agora o DUAT passa para o Estado e o Estado faz a concessão mineira. Quando terminar a concessão volta para o Estado e depois o antigo titular do DUAT tem preferência na nova atribuição de DUAT. Os DUATs para concessão mineira têm que coincidir com a área de concessão. Dimensão 8: Existem oportunidades acessíveis para mapear e registar os direitos de grupos 1. É a Opção B com a nota de que os procedimentos não são economicamente acessíveis. 2. A delimitação de uma terra comunitária custa pelo menos USD 8.000, o que é demasiado caro. Dimensão 9: Demarcação de limites de terras comuns. 1. A delimitação é diferente da demarcação. Considerou-se a delimitação para esta análise. 2. Não existem dados concretos sobre o número de comunidades locais existentes em Moçambique. Indicador 2: Eficácia e equidade das regulações do uso de terras rurais Dimensão 1: As restrições com respeito ao uso das terras rurais são justificadas e são executadas A intenção está lá, mas na prática a grande questão é sobre como assegurar a materialização. Dimensão 2: As restrições sobre a transferibilidade de direitos rurais servem efectivamente os objectivos de políticas públicas 1. É preciso saber como enquadrar o tema da transmissibilidade dos direitos das comunidades locais no debate sobre cessão de exploração. 2. De que forma a transmissão por herança serve propósitos públicos (diferenciação entre direitos privados e direitos públicos). Dimensão 3: São elaborados/alterados os planos de uso das terras rurais através de processo público e os encargos resultantes são compartilhados 1. Existem muitas reticências quanto às consultas públicas, as quais são feitas sobretudo como cumprimento de uma formalidade. 2. Muitas vezes o resultado das consultas não informam as decisões tomadas posteriormente. 3. A opção mais correcta é a “B.” A participação pública é de facto muito rudimentar, e na maior parte das vezes a metodologia adequada também não é levada em linha de conta. Dimensão 4: As terras rurais, cujo uso é alterado, são rapidamente transferidas para o uso destinado. Na maior parte dos casos as alterações são feitas na prática sem qualquer relação com algum plano pre- existente e devidamente aprovado. Dimensão 5: O rezoneamento do uso da terra rural segue um processo público que salvaguarda os direitos existentes A opção certa é “B”. O reassentamento não é bem feito, nem são salvaguardados os direitos existentes. Dimensão 6: Para o uso de terras rurais protegidas (florestas, pastagens, áreas húmidas, parques nacionais, etc.) os planos correspondem ao real. 1. Opção D é a mais correcta. 2. O uso das terras rurais, na maior parte dos casos, não é feita de acordo com algum plano específico. 3. CONCLUSÃO A principal conclusão deste painel foi de que os processos de classificação no zoneamento ecológico não tomam em conta realidade. Ou a classificação é errada ou a orientação dos usos é que é má. (Ex: Quirimbas que é um parque criado quando já havia comunidades vivendo no seu interior). 4. PARTICIPANTES NOME INSTITUIÇÃO 1. João Trindade Coordenador Nacional Alda Salomão Jurista Ambiental-Centro Terra Viva 2. Bruno Vedor Arquitecto e Planeador Físico 3. Issufo Tankar Agrónomo-Centro Terra Viva 4. João Carrilho DINAT 5. João Mosca OMR 6 Manuela Wing CTV https://pt.dreamstime.com/fotos-de-stock-superfcie-da-terra-arvel-image12691143 AIDE MEMOIRE 3 DO PAINEL SOBRE USO, PLANEAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE TERRAS URBANAS 1. INTRODUÇÃO O painel reuniu no dia 7 de Março, das 9h às 12.30h, e iniciou com uma breve apresentação dos presentes. O Coordenador Nacional fez uma recapitulação dos objectivos do processo LGAF e do encontro, antes de passar a palavra à equipa de peritos responsáveis pelo relatório temático sobre “Uso, Planeamento e Desenvolvimento de Terras Urbanas”, Lúis Lage e Albino Mazembe. Antes de entrar na análise do capítulo, os peritos partilham a metodologia que orientou o trabalho. A apresentação do relatório temático seguiu a estrutura do capítulo, abordando, nomeadamente, a actualidade e relevância do tema, e os constrangimentos e oportunidades decorrentes do trabalho, precedendo a análise dos cinco indicadores em discussão, dimensões e as classificações atribuídas. As discussões foram francas e muito animadas. Em muitos momentos os participantes encontravam-se divididos em relação aos seus pontos de vista e opiniões. Os participantes estiveram de acordo com 50% das classificações sugeridas pelos peritos. Uma nota que norteou os debates foi em relação ao ponto central das discussões: a propriedade de terra. Foi concordado que, de acordo com o articulado legal, no país, o conceito de propriedade de terra deveria ser equiparado ou interpretado como o direito de uso e aproveitamento da terra (DUAT). 2. DISCUSSÃO E CLASSIFICAÇÃO Os participantes fizeram algumas alterações e comentários em relação à classificação dos indicadores apresentada pelos peritos. Os comentários foram tecidos em relação às seguintes dimensões: a) Em relação às restrições relativas à transferência da propriedade das terras e a efectividade em relação aos objectivos das políticas públicas. Os participantes consideraram que, apesar de existerem regulamentos embora não muito explicitos sobre a transferência de propriedade de terras estes sao executados de uma forma deficiente. b) Em relação às restrições sobre o uso de terras urbanas (risco de desastres) servirem efectivamente os objectivos das políticas públicas. Os participantes entendem que apesar do país possuir instrumentos legais orientados para a prevenção de riscos de desastres, estes tem estado a afectar parte considerável dos habitantes urbanos fruto da execução deficente dos mesmos. c) Em relação às solicitações aprovadas para mudança no uso das terras urbanas se esta são prontamente seguidas pelo desenvolvimento destas parcelas de terra. Os participantes consideraram haver avanços significativos em relação à manutenção dos usos de terras urbanas resultantes de solicitações para alteração de uso. Defendem esta posição pelo facto de, as mudnças de uso para além de surgirem por necessidades de ordenamento territoreial também surgem por solicitação colectiva dos habitantes urbanos. Estimam que a manutenção dos novos usos está acima dos 70%. d) Em relação ao facto do planeamento do uso da terra orientar efetivamente a expansão espacial urbana na maior cidade do país. Os participantes reconheceram existir, na maior cidade do país, a cidade capital, grandes avanços no que tange ao planeamento e ordenamento territorial emconformidade com a hierarquia de planos de uso da terra especificada por lei. No entanto referiram que, na prática, a expansão espacial urbana ocorre ainda de maneira ad hoc, sendo a infraestrutura fornecida algum tempo depois da urbanização. e) Em relação a contribuição do planeamento do uso da terra na orientação efectiva do desenvolvimento urbano nas quatro maiores cidades do país. Os participantes foram unanimes em afirmar que, nas quatro maiores cidades do país, começa a haver algums iniciativas de planeamento do uso da terra respondendo ao preceituado na lei de ordenamento territorial. Na maioria dos casos, na prática, o desenvolvimento urbano ocorre de maneira ad hoc, com o fornecimento de pouca ou nenhuma infraestrutura na maioria das novas áreas em desenvolvimento. f) Em relação à obtenção de maneira rápida e a baixo custo de uma licença de construção para uma moradia residencial Os participantes reconheceram, o facto, de nos últimos anos sobretudo na cidade capital do país terem sido desenvolvidos esforços para a redução do período de tempo para a obtenção de uma licença de construção. Foram de opinião de que, nos últimos dias, todos os pedidos de alvarás de construção recebem uma decisão dentro de um período de 6 meses. g) Em relação à viabilidade e acessibilidade da formalização de moradias urbanas Os participantes referiram que os requisitos para a formalização de moradias em áreas urbanas não são claros, objetivos nem acessíveis, mas, apesar disso, muitos candidatos de áreas informais estão conseguindo preencher esses requisitos. h) Em relação à existência de uma estratégia viável para a segurança da propriedade, da infraestrutura e da habitação nas cidades com a propriedade informal. Os participantes reconheceram a Existência uma estratégia para regularizar os direitos de terras e FORNECER serviços aos ocupantes informais existentes, porém as regulações existentes proporcionam incentivos para novas ocupações informais. Esta constação foi sustentada pelo facto de existirem oeprações de formalizção o fenómeno de ocupação informal não estabilizar. 3. CONCLUSÃO O evento atingiu os resultados esperados que, se saldaram na apreciação da classificação e pontuação dos diferentes indicadores que estavam em discussão. 4. PARTICIPANTES NOME INSTITUIÇÃO 1 João Carlos Trindade Coordenador Nacional do LGAF 2 Jorge Chicuè DINAT 3 César Cunguara Conselho Municipal de Maputo 4 José M. Caldeira Jurista 5 Lúis Lage Arquitecto e Planeador Físico – Director UEM, FAPF 6 Odete Mugumela DINAT 7 Lavínia Bechicaras DINAT 8 Maria dos Anjos do Rosário Arquitecta e Consultora Independente, docente ISCTEM 9 Júlio Carrilho Arquitecto – Docente UEM-FAPF 10 Carlos C.T. Tindade Arquitecto, Docente UEM-FAPF 11 Bruno Vedor Arquitecto e Planificador Físico – Consultor 12 Teodósio Emerson Martins Centro Terra Viva 13 Albino J.Mazembe Arquitecto e Planeador Físico – Docente UEM, FAPF AIDE MEMOIRE 4 DO PAINEL SOBRE GESTÃO DE TERRAS PÚBLICAS 1. INTRODUÇÃO O Painel para a discussão do tema acima mencionado foi reunido no dia 6 de Abril de 2016, das 9.30h às 12.45h, na Faculdade de Agronomia e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane, tendo participado vários sectores, conforme lista contida na tabela inclusa no presente documento. Após apresentação dos participantes e uma breve apresentação dos objectivos do processo LGAF feita pelo Coordenador Nacional, o responsável pela produção do relatório temático, Alda Salomão, iniciou a sua intervenção abordando o contexto político legal, social e económico em que o tema foi avaliado, bem como os constrangimentos e oportunidades, seguindo a estrutura base do relatório. Em seguida apresentou a proposta de classificação das diferentes dimensões. 2. DISCUSSÃO E CLASSIFICAÇÃO Indicador 1: Identificação de Terras Públicas e Gestão Clara Dimensão 1: Os critérios para a propriedade de terras públicas estão claramente definidos e designados para o nível certo do Governo. A classificação correcta é “C” uma vez que há ainda muito a melhor no respeitante ao processo de descentralização na gestão e administração de terras, sendo de destacar a limitada e marginal intervenção dos governos distritais e das autoridades comunitárias Dimensão 2: Existe um registo completo das terras públicas. 1. É preciso lançar as zonas de protecção total e parcial no cadastro e nos mapas. Além da identificação em mapas, é preciso que isso também seja feito no terreno. 2. Os SPGCs devem calcular a dimensão total das diferentes categorias territoriais 3. Os planos de ordenamento territorial devem ser mapeados numa escala que permita uma gestão eficiente 4. Classificação C Dimensão 3: A informação sobre as terras públicas é acessível publicamente. 1. Existe informação mas não é total e só alguma é que é acessível para algumas pessoas 2. O sector mineiro está mais avançado nesta matéria e isso deveria ser imposto aos outros sectores 3. Classificação D Dimensão 4: A responsabilidade de gestão dos diferentes tipos de terras públicas está designada sem ambiguidades. A classificação mais correcta é “C”. Dimensão 5: As instituições públicas responsáveis têm suficientes recursos para suas responsabilidades de gestão de terras. A classificação “D” está certa, porque reflecte a realidade. Dimensão 6: Todas as informações essenciais sobre alocação de terras públicas para interesses privados são acessíveis ao público. A classificação C está certa, porque há muitas deficiências na disponibilização de informação do sector ao público. 2. Indicador 2: Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação 2.1. Dimensão 1: Existe transferência mínima de terra expropriada para interesses privados. A classificação “D” é correcta e reflecte a realidade. Dimensão 2: A terra expropriada é transferida para uso destinado de maneira oportuna. 1. Seria interessante clarificar o conceito de “oportunidade”. 2. O grande problema é que não se discutem as opções de desenvolvimento do país, daí que as expropriações nem sempre são fundamentadas com base nos critérios estabelecidos na lei. 3. A Classificação correcta é “A” em relação ao uso formalmente anunciado e que justifica a expropriação. No entanto é preciso notar que muitos são os casos em que, pelo menos uma parte da terra expropriada não é usada para o fim destinado. 4. Nos casos em que a terra expropriada não é usada para os fins destinados a comunidades afectadas deveriam ter a oportunidade de reagir e de ser consultadas sobre a mudança de planos. Dimensão 3: A ameaça de expropriação de terras não conduz a uma acção preventiva do sector privado. 1. No conceito de “sector privado” devem ser incluídos tanto os investidores como todos os outros titulares de DUATs não estatais. 2. A classificação mais correcta é B porque de facto as pessoas rebelam-se contra as expropriações que têm estado a acontecer, conseguindo, em alguns casos impedir ou que as mesmas ocorram, como é o aso do Prosavana. Indicador 3: Transparência e Justiça dos Processos de Expropriação Dimensão 1: Está prevista compensação pela expropriação de todos os direitos sem importar a condição de registo. 1. A classificação C é correcta porque à terra estão associados laços familiares inter-geracionais, redes sociais, base de segurança alimentar e económica que geralmente são incorrectamente excluídos das negociações sobre compensações por expropriações. 2. É preciso perceber que a indeminização deve recair tanto sobre os bens tangíveis perdidos por força da expropriação, incluindo a perda do próprio direito e de tudo aquilo que ele representava em termos materiais, espirituais, culturais, etc. 3. A simples titularidade do direito dá o direito à compensação, facto que deve ser incluído no cálculo do valor da compensação. Dimensão 2: É compensada a alteração do uso da terra que resulte em perda selectiva de direitos. 1. A classificação correcta é “C”, porque embora se dê alguma coisa às pessoas, elas nunca conseguirão ter bens comparáveis aos que tinham nas várias componentes relevantes para as suas vidas, sendo reducionista considerar que dar uma casa nova e/ou outra parcela de terra seja igualmente bom. 2. No contexto do cálculo de compensações é preciso determinar de quem deve ser a visão e o interesse com base no qual se determinam os indicadores da existência de uma situação melhor. Dimensão 3: Os proprietários de terras expropriadas são compensados imediatamente. 1. Se houver rigor no seguimento dos procedimentos legalmente impostos para a expropriação, muito dificilmente será possível que as compensações sejam pagas imediatamente. 2. A classificação “D” é correcta, pois não é possível seguir todos os procedimentos impostos para situações de expropriação de direitos sobre terras em tempo curto. Dimensão 4: Existem vias independentes e acessíveis para apelar contra a expropriação. 1. Classificação mais correcta é a “C”, pois os tribunais comunitários não são independentes. Em teoria, os tribunais judiciais são independentes mas podem ou não estar acessíveis. 2. Os presidentes dos tribunais comunitários estão associados ao partido no poder. O seu funcionamento não está até hoje regulamentado e, ao contrário do que devia acontecer, quem os controla é o Ministério da Justiça violando-se assim, o principio da separação de poderes. Dimensão 5: São tomadas decisões oportunas acerca das reclamações relativas a desapropriações. 1. Classificação “D” é certa e corresponde ao contexto actual do país. 2. O sistema administrativo é muito moroso, sendo em alguns casos mais moroso do que o sistema judicial. 3. No sistema judicial, e em primeira instância, ainda se consegue que os casos sejas julgados com alguma celeridade. Mas se houver recurso, o caso arrasta-se indefinidamente. 4. A falta de dados dificulta muito a avaliação desta dimensão. Os comentários dos participantes e discussão subsequente podem ser resumidos no seguinte: 3. CONCLUSÃO A principal conclusão deste painel foi de que é urgente que as diferentes categorias territoriais sejam clarificadas em termos de localização, dimensão, regime jurídico, e mandatos institucionais. Os participantes deste painel consideraram também que o problema da falta de dados como grave e preocupante e recomendam que seja resolvido com urgência pois foi sentido em todos os temas, tendo dificultado o processo de avaliação das diferentes dimensões. 4. PARTICIPANTES NOME INSTITUIÇÃO 1. José Manuel Gonçalo MITADER-UMFI 2. Remígio Paulo Timbrine MITADER-UMFI 3. Carlos Mugoma MITADER-UMFI 4. Oksana Manjate IESE 5. Jeremias Vunjana UNAC 6. Dulce Mavone ORAM 7. Lavínia Bechardas MITADER-DINAT 8. Lello Xavier Lichive MUBAMBE CONSULTORIA 9. Fátima Mimbire CIP 10. Vânia Ngovene LIVANINGO 11. Odete MITADER-DINAT 12. Manuela Wing CTV http://pt.depositphotos.com/71610017/stock-video-green-wheat-sprouts-field-and.html AIDE MEMOIRE 5 DO PAINEL SOBRE TRANSFERÊNCIA DE TERRAS PÚBLICAS PARA INVESTIDORES 1. INTRODUÇÃO O Painel para a discussão do tema acima mencionado teve lugar no dia 12 de Maio de 2016, das 9.15h às 12.30h, na Faculdade de Agronomia e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane, cujos participantes constam da lista contida na tabela inclusa no presente documento. Após apresentação dos participantes e uma breve apresentação dos objectivos do processo LGAF feita pelo Coordenador Nacional, o responsável pela produção do relatório temático, Alda Salomão, iniciou a sua intervenção introduzindo o tema de acordo com a estrutura base do relatório. Em seguida apresentou a proposta de classificação das diferentes dimensões que serviu de base para o debate. 2. DISCUSSÃO E CLASSIFICAÇÃO Indicador 1: A Transferência de Terras Públicas para Uso Privado segue um Processo Claro e Competitivo e os Pagamentos são Recebidos 1. A metodologia do BM está mais ajustada a uma realidade de mercado de terras, o que dificulta a compreensão dos indicadores e dimensões. 2. Não se pode avaliar esta dimensão com base numa situação de arrendamento. É preciso clarificar se o arrendamento é ou não permitido no país, mas de qualquer modo. É preciso clarificar a posição do Estado em relação aos diferentes actores. 3. Ao dizermos apenas que não se aplica não estaremos a omitir uma realidade que é contrária ao princípio legal de proibição de compra e venda de terras. É preciso ressaltar que o Estado tem de tomar uma atitude e posicionar-se em relação ao facto de que existe um enorme mercado informal de terras à margem do seu controle. 4. O facto de haver indicadores e dimensões que não se aplicam ao país remete para a necessidade de as próximas avaliações serem concebidas e organizadas pelos próprios países para que tanto os temas, como os respectivos indicadores e dimensões sejam ajustados à realidade e ao contexto político legal do país. 5. O exemplo da Bacia do Rovuma mostra que parece haver excepções ao principio da incomerciabilidade da terra. Dimensão 1: As transacções de terra pública são conduzidas de maneira aberta e transparente Não se aplica. Dimensão 2: As terras públicas são arrendadas e/ou vendidas a preços de mercado. Não se aplica. Dimensão 3: As terras públicas são negociadas a preço de mercado salvo que estejam orientadas por objectivos de património. Não se aplica. Dimensão 4: O público recebe os benefícios resultantes das alterações na permissão de uso da terra. 1. Sem informação e dados sistematizados fica difícil classificar. 2. Existem instrumentos e mecanismos de canalização de benefícios, mas a forma como são canalizados não é clara. A distinção entre falta de transparência e arbitrariedade não é clara. 3. Este indicador não se aplica porque a comparticipação nas receitas serve apenas as instituições públicas. Os benefícios que vão para as comunidades são sobre o uso de recursos e não sobre as receitas provenientes do uso da terra. 4. Houve uma discussão sobre se se poderia usar o modelo das florestas para o sector de terras, mas ainda não se chegou lá. 5. É preciso clarificar o conceito de “benefícios” e a respectiva tipologia, bem como o significado de “público”. É preciso entender que os benefícios não se resumem a questões monetárias, podendo incluir oportunidades de desenvolvimento local. 6. É preciso entender que nem sempre que há alterações no uso de terras resultam benefícios, pois temos exemplos de casos em que houve muitos prejuízos e perdas para as pessoas afectadas. 7. Classificação “D” Dimensão 5: Existe uma política para melhorar a equidade no acesso e uso de activos por parte dos pobres, implementa-se de maneira efectiva e é monitorada. 1. A questão da terminologia e de conceitos levanta-se sobre esta dimensão. 2. Reconhecendo o esforço que tem sido feito no país, embora os resultados possam não ser os desejados ainda, a classificação deve ser “B” Indicador 2: Estratégia de Investimento Privado Dimensão 1: As terras que serão disponibilizadas aos investidores são identificadas de maneira transparente e pública de acordo com os direitos dos benificiários. 1. O exercício de zoneamento agroecológico teve como objectivo identificar terras para serem disponibilizadas para investidores. Resta saber se o mesmo está a ser usado para esse efeito 2. Faltam directrizes para orientar a alocação de terras para investidores com base no zoneamento mas de modo a que não conflituem com outros interesses e usos, como assentamentos populacionais e produção alimentar 3. Classificação “D” Dimensão 2: Os investidores são seleccionados com base em impactos económicos, socioculturais e ambientais, e em processos abertos. 1. É preciso estudar com profundidade os impactos sociais e ambientais dos projectos. A existência de estudos de impacto social e ambiental não é suficiente de per se. 2. É preciso prestar atenção ao que acontece antes de serem despoletados os processos de avaliação ambiental e social para o licenciamento de projectos. 3. É necessário priorizar a sequencia de entrada de pedidos e não apenas o peso económico das propostas 4. Classificação “C”. Dimensão 3: As instituições públicas que transferem terras a investidores estão claramente identificadas e regularmente auditadas. 1. Nem sempre se reconhece o papel das instituições locais. A questão de quem toma as decisões dentro da administração pública é importante. 2. O papel da província e do distrito deve ser valorizado. Muitas vezes o governo central toma decisões e o governo provincial e distrital tem apenas de cumprir. Foi isto que aconteceu no caso da Portucel em que as direcções provinciais de agricultura foram obrigada a encontrar terras onde não havia. 3. O Conselho de Ministros sobrepõe-se até sequencialmente, aos outros níveis do governo que intervêm na autorização de DUATs, tomando decisões sem consulta. 4. Que mecanismos se podem integrar para obrigar o CM a respeitar os pareceres dos governos locais? 5. NO lugar de uma auditoria financeira, propõe-se que O FCT lidere a promoção de auditorias sociais e ambientais ao sector d terra 6. Classificação “C” Dimensão 4: Os organismos públicos que transferem terras aos investidores compartilham informação e realizam coordenações para minimizar e resolver as sobreposições (incluindo o subsolo). 1. Existem politicas que impõem coordenação multissectorial, mas na prática ela não é efectiva. 2. Classificação “A”, com a ressalva de que a existência de políticas de per se não é suficiente pois a prática tem de estar alinhada aos instrumentos orientadores do sector. Em Moçambique existem boas políticas mas não são aplicadas eficazmente na pratica. 3. O ex-Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, agora MITADER, precisa de ser mais activo no seu envolvimento e na coordenação dos processos de licenciamento. 4. Nota-se que em alguns casos os funcionários das instituições não sabem quais são as instituições que devem ser consultadas 5. É preciso assegurar que a participação ocorra também dentro das próprias instituições do governo Dimensão 5: O cumprimento das obrigações contratuais é monitorado regularmente e são tomadas acções correctivas se for necessário. 1. Há um monitoramento mas somente parte dos resultados são acessíveis ao público. 2. Deveria ser a primeira parte do C. As limitações no acesso a informação afectam inclusivamente os próprios funcionários das instituições. 3. Os planos de exploração são monitorados pelos serviços provincial e é um monitoramento sectorial, mas não é regular. 4. Os relatórios das monitoriais são internos. 5. Embora não haja um contrato como tal, a atribuição do DUAT contém obrigações de cariz contratual. As acções correctivas também são tomadas esporadicamente. Classificação “C”. Dimensão 6: As salvaguardas reduzem efectivamente o risco de efeitos negativos por investimentos de grande escala relacionados com terras. 1. Classificação ”C”. 2. Embora existam bons procedimentos não são cumpridos com rigor decorrendo daí impactos sociais e ambientais negativos Dimensão 7: O espaço para o reassentamento esta claramente circunscrito e existem procedimentos para lidar com ele de acordo com as melhores práticas. 1. Não existe uniformidade nem de entendimento nem de praticas sobre como lidar com assuntos de reassentamento. 2. Classificação “C”. 3. Em muitos casos de reassentamento os próprios princípios do Banco Mundial sobre reassentamento não são seguidos e o próprio Banco nem sempre exige rigor na verificação da salvaguardas, como foi o caso da Portucel. Indicador 3. A Implementação de Políticas é Eficaz, Consistente e Transparente Dimensão 1: Os investidores fornecem suficiente informação para permitir a avaliação rigorosa dos investimentos propostos. 1. No processo para a obtenção do DUAT o requerente não inclui detalhes sobre o investimento. Só no processo de pedido da licença sectorial é que os detalhes são fornecidos. 2. Esta dimensão levanta também a questão da capacidade nacional para avaliar a informação que é fornecida pelos investidores. 3. Classificação “D” Dimensão 2: A aprovação de planos de investimento segue um processo claro com cronogramas razoáveis. 1. O tempo de aprovação depende muito da informação fornecida pelos investidores e da complexidade dos projectos. 2. Classificação “B” Dimensão 3: Os benificiários e os investidores negociam de maneira livre e directa com acesso pleno à informação relevante. 1. Classificação “D”. 2. O acesso à informação é muito limitado. Dimensão 4: As disposições contratuais com respeito a compartilhar benefícios são divulgadas de maneira pública. Classificação “D”. Indicador 4: Os Contratos que Envolvem Terras Públicas são Públicos e Acessíveis Dimensão 1: Encontra-se disponível publicamente informações sobre a extensão espacial e a duração das concessões aprovadas. 1. A informação espacial, que se limita às coordenadas, está disponível e até é publicada no jornal, mas os detalhes adicionais, completos e consolidados ou não existem ou só estão disponíveis para alguns funcionários do sector. 2. O sector mineiro fez muito progresso nesta matéria que deveria ser refer6encia para outros sectores, especialmente o de terras Dimensão 2: O cumprimento das salvaguardas sobre concessões se monitora e executa de maneira efectiva e consistente. 1. Ao nível do sector mineiro existe uma avaliação regular (due diligence) feita por instituições financeiras, para uso exclusivo das mesmas e não para disponibilização de informação ao público 2. Classificação “C”. Dimensão 3: Existem vias para lidar com o não cumprimento e obter decisões oportunas e justas. A classificação “D” está certa. 3. CONCLUSÃO Necessidade alinhamento da actuação da administração publica sobre politicas, estratégias e legalidade. O Estado tem bases sobre as quais deve actuar mas nem sempre as respeita. A questão institucional , em termos de capacidade, organização e recursos para enfrentar a pressão de investimentos, especialmente a avaliação licenciamento e fiscalização de grandes investimentos. A questão dos procedimentos para atribuição de DUATs e a duração dos processos. Alguns sectores do governo estão a avançar melhor do que outros o que denota falta de uniformidade na intervenção do governo 4. PARTICIPANTES NOME INSTITUIÇÃO 1. João Trindade Coordenador Nacional 2. Alda Salomão Jurista Ambiental-Centro Terra Viva 3. Bruno Vedor Arquitecto e Planeador Físico 4. Issufo Tankar Agrónomo-Centro Terra Viva 5. João Carrilho DINAT 6. João Mosca OMR 7. Manuela Wing CTV AIDE MEMOIRE 6 DO PAINEL SOBRE DISPONIBILIZAÇÃO PÚBLICA DE INFORMAÇÃO SOBRE TERRAS: REGISTO E CADASTRO 1. INTRODUÇÃO No dia 18 de Março de 2016 teve lugar, DAS 9.30H ÀS 13.30H, nas instalações da Faculdade de Arquitectura da Universidade Eduardo Mondlane, a sessão de debate em torno do Painel 6, Relatório Temático sobre Disponibilização Pública de Informação sobre Terras: Registo e Cadastro. O painel iniciou com uma breve apresentação dos presentes. João Carlos Trindade fez uma recapitulação dos objectivos LGAF e do encontro, antes de passar a palavra ao perito responsável pelo capítulo sobre Disponibilização Pública de Informação sobre Terras: Registo e Cadastro. Antes de entrar na análise do capítulo, o perito partilhou a metodologia que orientou o trabalho, e apresentou, de seguida, a estrutura do capítulo de acordo com as diferentes dimensões inclusas nos indicadores integrantes do tema, nomeadamente: • Mecanismos para o Reconhecimento de Direitos • Integridade do Registo de Terras • Fiabilidade da Informação do Registo • Efectividade do Custo e Sustentabilidade dos Serviços de Administração de Terras • Forma transparente de determinação das tarifas. 2. DISCUSSÃO E CLASSIFICAÇÃO Dos aspectos mais destacados em torno da análise das diferentes dimensões, foi dada enfase à análise das seguintes dimensões: Indicador 1: Mecanismo para o Reconhecimento de Direitos Dimensão 2: Provas não documentais são efectivamente usadas para ajudar a determinar os direitos Apesar do acordo em manter a opção B, os participantes enfatizaram que em Moçambique, na lei e na prática, as provas testemunhais são de grande relevância, nomeadamente em situações de disputas do direito de uso e aproveitamento da terra. Foi destacado a relevância deste factor em sede da forma de aquisição do DUAT com base nas práticas costumeiras. Indicador 2: Integridade do Registo de Terras Dimensão 7: Os registos de informação de terras são de acesso fácil O debate ocorrido em torno desta dimensão enfatizou que, sendo o registo de informação de terras facilmente acessível no plano interno das instituições, deve entender-se que a acessibilidade aqui questionada é em relação aos cidadãos, isto é, a partir de fora para dentro das instituições. Nessa medida, o acesso aos registos de informação de terras continua deficitário. Por isso foi mantida a opção B. Indicador 3: Fiabilidade da Informação do Registo Dimensão 1: A informação nos registos públicos está sincronizada para assegurar a integridade de direitos e reduzir o custo das transacções. Neste domínio, o painel enfatizou dois factores críticos no registo e cadastro de terras em Moçambique, que requerem revisão urgente: (a) falta de sincronia entre o cadastro de terras e o registo predial; (b) anacronismo do Código de Registo Predial, o qual, vigorando desde há quase 50 anos, acha-se, evidentemente, desactualizado e profundamente desajustado face ao actual contexto legislativo e às significativas alterações políticas, económicas, sociais e tecnológicas ocorridas desde a independência do País em 1975. Por isso foi mantida a opção C. Dimensão 4, do Indicador 1: O registo dos direitos pela primeira vez a pedido do interessado inclui salvaguardas apropriadas e o acesso não está restrito por tarifas altas. Dimensão 1, do Indicador 2: O custo total para registar uma transferência de propriedade é baixo Estas duas dimensões procuram avaliar os valores de tramitação de DUAT ou de sua transferência, como percentagem do valor da terra no mercado. O painel concordou, por unanimidade, considerar estas dimensões não aplicáveis no caso de Moçambique, onde a terra não é transacionável. 3. CONCLUSÃO O painel concordou com a larga maioria das opções de classificação propostas no relatório, tendo enriquecido os quadros de análise com informação de actualização ou de maior precisão dos dados considerados. As sugestões de revisão consensualizadas foram integradas no documento e marcadas a vermelho para melhor verificação pela equipa de coordenação da pesquisa. 4. PARTICIPANTES NOME INSTITUIÇÃO 1 João Carlos Trindade Coordenador Nacional do LGAF 2 Jacinto Tualufo DINAT 3 Odete Mugumela DINAT 4 Lavínia Bechicaras DINAT 5 Bruno Vedor Arquitecto e Planificador Físico – Consultor 6 Pedro Ivo Matos Neves EXI 7 Rossana Carimo Soares EXI AIDE MEMOIRE 7 DO PAINEL SOBRE VALOR DA TERRA E COBRAÇA DE TAXAS 1. INTRODUÇÃO O painel iniciou com uma breve apresentação dos presentes. João Carlos Trindade fez uma recapitulação dos objectivos LGAF e do encontro. Fez notar e indicou também a razão das ausências de: 1. Amílcar Nhamona, da Autoridade Tributária; 2. Tatiana Mata, do CTA, Confederação das Associações Económicas 3. Samuel Chissico, da FENAGRI, Federação Nacional dos Agricultores. Colectivamente, decidiram os presentes prosseguir com o painel. Foi feita uma apresentação do relatório temático de base, de acordo com a sua estrutura do relatório e realçando os aspectos em que o autor entendeu ter informação insuficiente. Antes da discussão da avaliação das dimensões dos indicadores temáticos, colocou-se a necessidade de o glossário tratar de esclarecer as diferenças entre taxas, impostos e outros tributos, propriedade e terra (ou terreno). Foi também comentada a cobertura do relatório: não foram cobertos os temas de impostos de superfície, relativos à exploração mineira, ou outros impostos relativos à transmissão de direitos por herança ou sisa309 que é efectivamente cobrada por alguns municípios. Foi, em geral, aceite a correspondência entre “imposto sobre propriedade fundiária” e “taxa de uso e aproveitamento da terra”. 2. DISCUSSÃO E CLASSIFICAÇÃO Uma nota particular ao painel sobre resolução de conflitos é que os participantes estiveram de acordo com todas as classificações sugeridas pelo perito. No entanto, acrescentaram alguns comentários em relação às seguintes dimensões: Indicador 1: Transparência das Taxações Dimensão 1: Existe um processo claro de avaliação de propriedades. Foi brevemente discutida a circunstância de a legislação não permitir, nem o ambiente político tolerar310, o mercado de terras ou dos seus direitos de uso. É atribuído valor as benfeitorias, mas não à terra, muito embora se reconheça que a terra tem vale económico e social. Entretanto, as taxas devidas são conhecidas no momento da adjudicação dia direitos de uso e os procedimentos de cálculo são públicos. Em função disso, houve concordância na classificação D: A avaliação de terras/propriedades para fins de tributação não se baseia claramente nos preços de mercado. Dimensão 2: As listas de avaliação são acessíveis ao público. Em função da discussão da dimensão anterior, o Painel concordou que não é aplicável a classificação desta dimensão. Na eventualidade de, por razões metodológicas, ser indispensável atribuir uma classificação, a mais adequada será D: Não existe nenhuma política que determine que as listas de avaliações sejam acessíveis ao público. Indicador 2: Eficiência da Cobrança Dimensão 1: As isenções de impostos sobre propriedade são justificadas e transparentes. 309 Neste caso, faz-se um contrato de compra e venda de uma benfeitoria ainda não existente, e é sobre o valor estimado dessa futura benfeitoria que se paga a sisa. 310 Isto é, não é o facto de a terra pertencer ao Estado que implica a não existência de um mercado de terras ou de direitos com elas relacionados. O Painel concordou com a classificação B: Existem isenções limitadas ao pagamento de impostos sobre propriedade e as isenções existentes são claramente baseadas em aspectos de equidade ou eficiência, mas não são aplicadas de forma transparente e coerente. Dimensão 2: Os proprietários responsáveis pelo pagamento de impostos sobre propriedade são listados na relação de impostos. O Painel concordou com a classificação D: Menos de 50% dos proprietários responsáveis por impostos sobre propriedade são listados na relação de impostos. Dimensão.3: Os recebimentos dos impostos sobre propriedade excedem o custo de arrecadação. Nesta dimensão houve as principais dúvidas em relação à qualidade da informação. Note-se que o Painel tinha vários membros da Direcção Nacional de Terras. Duas pessoas consideram que é correcta a informação contida no RTB, ao que corresponderia a classificação recomendada pelo relatório, isto é, A: Mais de 80% dos impostos sobre propriedade avaliados são arrecadados. Um dos presentes considera que a informação fornecida refere-se ao potencial actual. Dadas as dúvidas, e porque a não realização do potencial não resulta apenas da lei311, sendo que outra parte resulta de atrasos na tramitação de processos, esse membro do Painel recomenda a classificação D: Menos de 50% dos impostos sobre propriedade avaliados são arrecadados. Tal classificação poderia estimular uma maior celeridade na tramitação de processos, no mesmo espírito da classificação da dimensão 7.2.2. Dimensão 4: Os recebimentos dos impostos sobre propriedade excedem o custo de arrecadação. O Painel concordou com a classificação proposta B: O valor dos impostos sobre propriedade arrecadados excede entre 3 e 5 vezes o custo do pessoal encarregado da arrecadação. 3. CONCLUSÃO Tal como se mencionou acima, os participantes condocrdaram com a proposta de classificação apresnetada pelo perito para as diferentes dimensões. 4. PARTICIPANTES NOME INSTITUIÇÃO 1 João Carlos Trindade Coordenador Nacional do LGAF 2 Jorge Chicuè DINAT 3 César Cunguara Conselho Municipal de Maputo 4 José M. Caldeira Jurista 5 Lúis Lage Arquitecto e Planeador Físico – Director UEM, FAPF 6 Odete Mugumela DINAT 7 Lavínia Bechicaras DINAT 8 Maria dos Anjos do Rosário Arquitecta e Consultora Independente, docente ISCTEM 311O cálculo de potencial não pode basear-se apenas no registo do pedido, dado que (a) só se podem cobrar taxas depois de concluído o processo de tramitação e (b) só se podem cobrar taxas a partir de um ano após a autorização do pedido. 9 Júlio Carrilho Arquitecto – Docente UEM-FAPF 10 Carlos C.T. Tindade Arquitecto, Docente UEM-FAPF 11 Bruno Vedor Arquitecto e Planificador Físico – Consultor 12 Teodósio Emerson Martins Centro Terra Viva 13 Albino J.Mazembe Arquitecto e Planeador Físico – Docente UEM, FAPF AIDE MEMOIRE 8 DO PAINEL SOBRE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS 1. INTRODUÇÃO O painel teve lugar no dia 7 de Março, das 9h às 12.30h, na Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane. Iniciou com uma breve apresentação dos presentes, seguida da recapitulação dos objectivos LGAF e do encontro pelo Coordenador Nacional. Depois disso a palavra foi dada ao perito responsável pelo capítulo sobre resolução de conflitos, André Cristiano José. Antes de entrar na análise do capítulo, o perito partilhou a metodologia que orientou o trabalho. A apresentação seguiu a estrutura do capítulo abordando, nomeadamente, o actual contexto económico e social, a actualidade e relevância do tema, e os constrangimentos e oportunidade do trabalho, antes de entrar na análise dos indicadores, dimensões e de proceder às classificações. 2. DISCUSSÃO E CLASSIFICAÇÃO Neste painel, as discussões e comentários dos presentes giraram à volta sobretudo das seguintes dimensões: Indicador 1 Dimensão 2: Existem mecanismo de resolução de conflitos acessíveis Concordando que a opção B estaria correcta, acrescentaram que as instituições informais enfrentam dois desafios importantes: garantir a independência dos seus membros; e o conhecimento da lei. Acrescentaram os participantes que será importante clarificar a distribuição de competências por parte das instituições informais, especialmente no seu papel de gestão de recursos e de prevenção de conflitos. Ainda em relação a esta questão, sugere-se uma intervenção do Estado no âmbito das consultas comunitárias, no sentido de assegurar que os direitos das comunidades locais sejam respeitados. Dimensão 3: Incentivam-se acordos aceites mutuamente através de sistemas informais de resolução de conflitos Foi unânime a escolha da opção B. Contudo, os participantes realçaram o facto de não obstante as instituições informais, pelas características que se lhe apontam -oralidade, celeridade, proximidade física e cultural, etc - tenderem a ser equitativas, a sua actuação nem sempre respeita os direitos das camadas mais vulneráveis, especialmente das mulheres. É precisamente nesse sentido que foi feita a análise desta dimensão no capítulo. Indicador 2. Dimensão 1: Os conflitos de terra constituem uma pequena percentagem de casos no sistema jurídico formal Em relação a esta dimensão, os participantes teceram um comentário que deverá ser incluído nas recomendações finais: a necessidade de criação e instalação de tribunais de competência especializada para a resolução de conflitos de terra, de modo a responder a crescente demanda. Dimensão 2: Os conflitos de terra no sistema formal são solucionados de maneira oportuna Em relação a esta dimensão, foi acrescentada uma explicação adicional do problema da morosidade processual: por vezes a resolução de conflitos requer que se faça uma recolha de informações complementares noutras instituições. Normalmente regista-se uma resposta tardia dos serviços de administração de terras às solicitações do sistema judiciário. Para além esta dificuldade, não existe uma memória institucional consolidada que permita que os interessados tenham acesso à informação fiável. Ademais, o facto de ser corrente encontrar nas instituições públicas interpretações diferentes da legislação, traduz-se numa constante incerteza quanto ao exercício de direitos por parte dos cidadãos. 3. CONCLUSÃO Uma nota particular ao painel sobre resolução de conflitos é que os participantes estiveram de acordo com todas as classificações sugeridas pelo perito. 4. PARTICIPANTES NOME INSTITUIÇÃO 1 João Carlos Trindade Coordenador Nacional do LGAF 2 Altino Moisés Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) 3 Carmino Machavane Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) 4 Carlos Mugoma DINAT 5 Jorge Chicué DINAT 6 Célia Meneses Advogada-Consultora 7 Nélia Correia Presidente da Associação dos Magistrados do Minstério Público 8 Manuela Wing Centro Terra Viva AIDE MEMOIRE 9 DO PAINEL SOB RE ARRANJOS E POLÍTICAS INSTITUCIONAIS 1. INTRODUÇÃO O Painel que discutiu o relatório sobre “Arranjos e Politicas Institucionais” reuniu no dia 19 de Maio de 2016, das 9.30h às 12.30h, na Faculdade de Agronomia e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane. A abertura e moderação do painel foi feita pela Investigadora Sénior, Dra Alda Salomão, que, após a apresentação dos participantes e uma breve apresentação dos objectivos do processo LGAF, passou a palavra para o Coordenador Nacional, que produziu o relatório na qualidade de perito. A apresentação do relatório seguiu a estrutura do texto tendo abordado o contexto político legal, social e económico em que o tema foi avaliado, os constrangimentos e oportunidades, bem como a relevância do tema e adaptabilidade de indicadores e dimensões ao contexto Moçambicano. 2. DISCUSSÃO E CLASSIFICAÇÃO Os participantes teceram os seguintes comentários em relação à proposta de classificação apresentada para as diferentes dimensões: Indicador 1. Clareza de Mandatos e Práticas Dimensão 1: A formulação, implementação e arbitragem de políticas de terras estão separadas para evitar conflitos e interesses. 1. Dada a especificidade dos assuntos que se levantam nesta área, já se mostra clara a necessidade de um tribunal especializado para a área ambiental. 2. O papel dos tribunais administrativos deve ser discutido, no respeitante à facilidade do seu acesso e celeridade na resolução de reclamações sobre terras. 3. É preciso analisar também a dimensão da separação de poderes no contexto intra-governamental, isto é dentro das próprias instituições do governo. 4. Classificação sugerida D Dimensão 2: As responsabilidades dos ministérios e agências que se ocupam das terras não se sobrepõem (sobreposição horizontal). 1. Incluir a questão da actuação dos municípios, sobretudo a sua inconsistência na interpretação legal, bem como a questão dos procedimentos para transferência de processos autorizados antes da criação dos municípios; 2. Discutir a função do cadastro nacional no âmbito da gestão da informação municipal 3. Classificação C Dimensão 3: A sobreposição administrativa (vertical) é evitada. 1. Necessidade de resolver o problema da intervenção dos governos distritais, através de uma reforma legal que indique a área territorial sobre a qual o governo distrital poderia atribuir DUATs, considerando que nos termos do Artigo 22 da Lei de Terras não sobra espaço territorial para a intervenção deste órgão. 2. Classificação B Dimensão 4: Os órgãos públicos partilham informação sobre a atribuição de direitos e sobre o uso das terras, e regularmente são divulgadas informações importantes que são de acesso publico. 1. O governo está a investir no SIGIT desde 2012 mas esta ferramenta ainda não está totalmente funcional. 2. O mais importante é operacionalizar o cadastro nacional de terras, com a constante colaboração dos outros sectores, como o registo predial e os municípios, que devem organizar a informação de forma padronizada e uniforme. 3. Classificação D Dimensão 5: As sobreposições de direitos (baseadas em tipologia de posse) são mínimas e não causam fricciones ou litígios. 1. Esta dimensão está formulada de maneira problemática, contendo muitos aspectos que deveriam ter tratamento separado. Seria necessário especificar o fim de cada norma e procedimento (v.g. licenciamento de terras, planeamento territorial, etc). 2. Os instrumentos de orientação da tomada de decisões, como é o caso dos planos distritais de uso da terra (PDUTs), não são usados com consistência, o que faz com que algumas decisões de atribuição de DUATs em terras rurais sejam feitas de forma ad hoc e com prejuízo para interesses a direitos locais. 3. Na avaliação da governação é preciso analisar os vícios dos processos, incluindo a corrupção. 4. Classificação D Dimensão 6: A ambiguidade nos mandatos institucionais (com base no mapeamento institucional) não causa problemas. A classificação C, mas é preciso que se discutam mais questões sobre eficiência e lacunas nos mandatos. Indicador 2: Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões Dimensão 1: As políticas e legislação de terras são desenvolvidas de maneira participativa envolvendo todas as partes interessadas relevantes. a) O FCT deve ser usado adequadamente como plataforma de alargamento e consolidação da participação em processos decisórios b) Classificação B Dimensão 2: As políticas de terras incluem equidade e metas de redução da pobreza e o seu progresso é monitorado publicamente. A classificação correcta é C Dimensão 3: As políticas fundiárias incorporam metas ecológicas e meio ambientais e o seu progresso é monitorado publicamente. 1. A classificação correcta é “C” 2. A AQUA tem a responsabilidade também de fazer a monitoria dos planos de gestão ambiental, mas não o faz. 3. Ainda não foi incorporada a vistoria ambiental dos DUATs o que tem de ser corrigido. 4. Tem de haver harmonização entre as consequências da não implementação do plano de gestão ambiental e a não implementação do plano de exploração. Dimensão 4: A implementação da política fundiária é orçamentada, comparada com os benefícios e possui os recursos adequados. 1. A classificação correcta é “D”. 2. Em tempos houve uma tentativa de orçamentar os custos de divulgação da lei apenas, mas mesmo isso não avançou. Dimensão 5: Existem relatórios regulares e públicos que indicam o andamento da implementação da política. 1. O FCT deve exigir informação e prestação de contas ao governo sobre o nível de implementação da Política Nacional de Terras. 2. A classificação correcta é “D”. Dimensão 6: As políticas fundiárias ajudam a melhorar o uso da terra por parte dos grupos de baixa renda e por aqueles que experimentaram injustiça 1. A classificação mais correcta é “B”, pois as comunidades mais vulneráveis não pagam taxas, não precisam de planos de exploração e outras obrigações, participam no processo de titulação, têm os 20% e outros benefícios que os investidores e o Estado. 2. Apesar disso há necessidade de criação de capacidade nas comunidades para que elas possam aproveitar as oportunidades que existem de elas gerarem rendimentos com base na terra e outros recursos. Dimensão 7: As políticas fundiárias reduzem de maneira proactiva e efectiva riscos futuros de desastres. A classificação correcta é “D”. 3. CONCLUSÃO O painel concluiu que, na análise do quadro institucional, há várias dimensões que devem ser consideradas. A separação de poderes deve ser avaliada tanto em relação a órgãos distintos, como em relação à maneira como ela ocorre dentro de cada órgão. Muito embora se registem alguns progressos, também se conlcuiu que o funcionamento das instituições é ainda muito deficiente no que respeita à planificação, implementação e fiscalização coordenada. O painel considerou que o problema da corrupção constitui um grave entrave à melhoria do desempenho institucional no sector de terras e noutros sectores do governo. 4. PARTICIPANTES NOME INSTITUIÇÃO 1. João Trindade Coordenador Nacional 2 Alda Salomão Jurista Ambiental-Centro Terra Viva 3 Carlos Mugoma MITADER-UMFI 4 José Gonçalo MITADER-UMFI 5 Remígio Timbrine MITADER-UMFI 6 Jorge Chicué DINAT 7 Odete Mugumela DINAT 8 Lavínia Bechardás DINAT 6 Manuela Wing CTV http://celuloseonline.com.br/dia-nacional-da-conservacao-do-solo-sua-historia-e-um-alerta-da-fao/ ANEXO C RESUMO DAS CLASSIFICAÇÕES TEMA1: RECONHECIMENTO DE DIREITOS FUNDIÁRIOS Reconhecimento de um continuum de direitos: A legislação reconhece uma gama de direitos dos indivíduos e dos grupos Painel Ind. Dim. (incluindo direitos secundários e direitos por parte das minorias e mulheres) Os direitos rurais e de posse dos indivíduos estão (a) legalmente 1 1 1 reconhecidos e (b) protegidos na prática. A: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de mais de 90% da população rural, tanto por meio de sistemas consuetudinários ou estatutários de posse de terra Os direitos de posse consuetudinários são reconhecidos legalmente 1 1 2 e são protegidos na prática. B: Existe reconhecimento legal de todos os direitos consuetudinários, porém estes são apenas parcialmente protegidos na prática Os direitos indígenas à terra e à floresta são reconhecidos 1 1 3 legalmente e são protegidos na prática. B: Reconhecimento de todos os direitos indígenas porém protegidos somente parcialmente Os direitos de posse de terras urbanas são reconhecidos legalmente 1 1 4 e são protegidos na prática A/B A: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de mais de 90% da população urbana, tanto por meio de sistemas consuetudinários quanto estatutários de posse de terra. B: A estrutura jurídica existente reconhece direitos de 70%-90% da população urbana, tanto por meio de sistemas consuetudinários quanto estatutários de posse de terra. Painel Ind. Dim. Respeito e cumprimento dos direitos 1 2 1 Existem oportunidades acessíveis para a individualização da posse. B: Quando conveniente, a legislação fornece oportunidades para as pessoas que detêm a posse de terra em sistema consuetudinário, em grupo ou coletivo para individualizar total ou parcialmente a propriedade/o uso da terra. Os procedimentos para isso têm um custo acessível e incluem salvaguardas básicas contra o abuso, mas nem sempre são seguidos na prática e são geralmente aplicados de modo arbitrário. Os terrenos individuais nas áreas rurais estão registrados e 1 2 2 cartografados D – Menos de 50% das terras privadas em áreas rurais são formalmente registradas Os terrenos individuais nas áreas urbanas estão registrados e 1 2 3 cartografados. D: Menos de 50% das terras privadas em áreas urbanas são formalmente registadas 1 2 4 O número de vendas ilegais de terras é baixo D: O número de transações ilegais de terras é alto e nenhuma é identificada sem ambiguidade de maneira rotineira 1 2 5 O número de transações de arrendamento ilegal é baixo D: As restrições legais existentes sobre o arrendamento de terras são rotineiramente negligenciadas Os direitos de propriedade das mulheres às terras, estão registrados 1 2 6 segundo as leis relevantes D: Menos de 50% dos casos estão efectivamente registrados TEMA2: REGULAMENTOS DE USO DE DIREITOS À FLORESTA ASSIM COMO ÀS TERRAS COMUNS E RURAIS Painel Ind. Dim. Direitos à Floresta e às Terras Comuns As florestas estão claramente identificadas na lei e a 2 1 1 responsabilidade de uso está claramente designada D: As florestas não estão claramente identificadas e a responsabilidade do uso da terra não está definida As terras comuns estão claramente identificadas na lei e a 2 1 2 responsabilidade de uso está claramente designada A: As terras comuns estão claramente identificadas e a responsabilidade do uso da terra é designada sem ambiguidade Os direitos de grupos rurais são reconhecidos formalmente e podem ser cumpridos. A posse grupal em áreas rurais é formalmente 2 1 3 reconhecida e existem claras regulações sobre sua organização interna e representação legal C: A posse da maioria de grupos em áreas rurais está formalmente reconhecida, porém a maneira para se obter a representação legal não está regulada Os direitos dos usuários aos recursos naturais fundamentais 2 1 4 (incluindo a pesca) estão reconhecidos legalmente e são protegidos na prática B: Os direitos dos usuários a recursos naturais fundamentais estão reconhecidos legalmente, porém somente alguns estão protegidos efectivamente na prática ou sua execução é difícil e leva muito tempo. Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre as terras 2 1 5 comuns e os recursos naturais nas terras em questão B: É possível a coexistência por lei e é respeitada na prática, porém os mecanismos para resolver conflitos muitas vezes são inadequados Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre a mesma 2 1 6 parcela de terra e seus recursos (por exemplo, árvores) C: A coexistência é legalmente possível, porém raramente respeitada na prática Podem coexistir legalmente direitos múltiplos sobre a terra e a 2 1 7 exploração de outros recursos subterrâneos localizados na mesma parcela B: É possível por lei a coexistência de direitos fundiários e minerários que são respeitados na prática, porém os mecanismos para resolver os conflitos muitas vezes são inadequados Existem oportunidades acessíveis para mapear e registrar os 2 1 8 direitos de grupos B: A lei prevê oportunidades para aqueles que possuem terras grupais sob posse consuetudinária, de grupo ou colectiva para registar e mapear estes direitos, se eles assim o desejarem. Os procedimentos para fazê-lo são acessíveis economicamente e incluem salvaguardas básicas contra o abuso 2 1 9 Demarcação de limites de terras comuns D: Menos de 10% da área que se encontra em terras comuns e/ou indígenas tem limites demarcados com levantamento e as reivindicações associadas à demarcação estão registadas Painel Ind. Dim. Eficácia e equidade das regulações do uso de terras rurais As restrições com respeito ao uso das terras rurais são justificadas e 2 2 1 são executadas B: As restrições com respeito às regulações sobre o uso de terras rurais servem efectivamente propósitos públicos, porém a sua execução é fraca As restrições sobre a transferibilidade de direitos rurais servem 2 2 2 efetivamente aos objetivos de políticas públicas B: Existem regulações que geralmente servem propósitos públicos, porém não são executadas São elaborados/alterados os planos de uso das terras rurais através 2 2 3 de processo público e os encargos resultantes são compartilhados B: É necessária e busca-se a contribuição pública na preparação e reforma dos planos de uso de terras rurais (incluindo rezoneamento, mas as decisões são tomadas em processo não transparente As terras rurais, cujo uso é alterado, são rapidamente transferidas 2 2 4 para o uso destinado D: Menos de 30% das terras que teve uma alteração na designação do uso da terra nos últimos 3 anos tendo mudado para o uso destinado (por exemplo floresta, pastagens, áreas úmidas, parques nacionais, etc.) O rezoneamento do uso da terra rural segue um processo público que 2 2 5 salvaguarda os direitos existentes A: Os processos para rezoneamento são públicos e transparentes com mecanismos efectivos de salvaguarda dos direitos existentes e a compensação em caso de perda em áreas onde o uso da terra deve ser restringido Para o uso de terras rurais protegidas (florestas, pastagens, áreas 2 2 6 húmidas, parques nacionais, etc.) os planos correspondem ao real C: A parcela de terras destinada a um uso específico que é utilizada para fins não especificados em contravenção às regulamentações existentes varia entre 30% e 50% TEMA 3: USO, PLANEAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE TERRAS URBANAS Painel Ind. Dim. Restrições sobre os Direitos As restrições relativas à transferência da propriedade das terras 3 1 1 servem efetivamente aos objetivos das políticas públicas B: Existe uma série de regulações que, na sua maioria, servem a propósitos públicos, porém a execução é deficiente As restrições sobre o uso de terras urbanas (risco de desastres) 3 1 2 servem efetivamente aos objetivos das políticas públicas B: Existe uma série de regulações que, na sua maioria, servem a propósitos públicos, porém que não são executadas Painel Ind. Dim. Restrições sobre os Direitos O processo de expansão urbana/o processo de desenvolvimento de 3 2 1 infraestrutura é transparente e respeita os direitos existentes A: A informação sobre a expansão urbana planificada e o desenvolvimento de infraestrutura está disponível ao público com suficiente antecipação e existe um processo para que os afetados possam lidar com os direitos fundiário que corresponde às normas internacionalmente reconhecidas As mudanças nos planos de uso das terras urbanas estão baseadas 3 2 2 em um processo público claro e nas contribuições de todos os interessados. A: A contribuição do setor público é solicitada na preparação e correção dos planos de uso da terra e as respostas do público são mencionadas explicitamente no relatório preparado pelo organismo público responsável pela preparação dos novos planos públicos. Esse relatório é acessível ao público As solicitações aprovadas para mudança no uso das terras urbanas 3 2 3 são prontamente seguidas pelo desenvolvimento destas parcelas de terra A: Mais de 70% das terras que tiveram uma mudança na designação do uso da terra nos últimos 3 anos foi desenvolvida para seu uso destinado Painel Ind. Dim. Restrições sobre os Direitos Existem políticas para garantir a entrega de moradias e serviços de 3 3 1 baixo custo e foram implementados progressivamente D: Não existe política para as moradias e serviços de baixo custo, também não existem disposições que exijam aos empreendedores privados atender ao segmento mais baixo do mercado de vivendas O planeamento do uso da terra orienta efetivamente a expansão 3 3 2 espacial urbana na maior cidade C: Na maior cidade do país, embora uma hierarquia de planos de uso da terra regionais/detalhados seja especificada por lei, na prática, a expansão espacial urbana ocorre de maneira ad hoc, sendo a infraestrutura fornecida algum tempo depois da urbanização O planeamento do uso da terra orienta efetivamente o 3 3 3 desenvolvimento urbano nas seguintes quatro maiores cidades D: Nas quatro maiores cidades do país, uma hierarquia de planos de uso da terra regionais/detalhados pode ou não ser especificada por lei e, na prática, o desenvolvimento urbano ocorre de maneira ad hoc, com o fornecimento de pouca ou nenhuma infraestrutura na maioria das novas áreas em desenvolvimento Os processos de planeamento devem enfrentar o crescimento 3 3 4 urbano. C: Na maior cidade do país o processo/autoridade de planeamento urbano está se esforçando para fazer frente à crescente demanda de unidades/terras atendidas, conforme comprovado pelo fato de que as novas moradias são, em sua maioria, informais Velocidade e previsibilidade da execução do uso de terras Painel Ind. Dim. restringidas As disposições para as licenças de construções residenciais são 3 4 1 apropriadas, acessíveis economicamente e são executadas D: Os requisitos para obter uma licença de construção são excessivamente complicados desde o ponto de vista técnico e de engenharia e não são acessíveis economicamente Uma licença de construção para uma moradia residencial pode ser 3 4 2 obtida de maneira rápida e a baixo custo B: Todos os pedidos de alvarás de construção recebem uma decisão dentro de 6 meses Painel Ind. Dim. Esquemas de regularização de propriedades em áreas urbanas 3 5 1 A formalização de moradias urbanas é viável e acessível C: Os requisitos para a formalização de moradias em áreas urbanas não são claros, objetivos nem acessíveis, mas muitos candidatos de áreas informais estão conseguindo preencher esses requisitos Nas cidades com a propriedade informal existe uma estratégia viável 3 5 2 para a segurança da propriedade, da infraestrutura e da habitação B: Existe uma estratégia para regularizar os direitos de terras e fornecer serviços aos ocupantes informais existentes, porém as regulações existentes proporcionam incentivos para novas ocupações informais Um regime de condomínio permite uma gestão efetiva e o registo da 3 5 3 propriedade urbana C: A propriedade comum nos condomínios está reconhecida porém a lei (ou as regulações) carecem de clareza para o manejo e a publicidade dos registros relevantes TEMA 4: GESTÃO DE TERRAS PÚBLICAS Painel Ind. Dim. Identificação de Terras Públicas e Gestão Clara Os critérios para a propriedade de terras públicas estão claramente 4 1 1 definidos e designados para o nível certo do Governo C: A propriedade das terras públicas está justificada pela prestação de bens públicos, porém a responsabilidade da gestão muitas vezes está no nível incorrecto do Governo 4 1 2 Existe um registo completo de terras públicas D: Menos de 30% das terras públicas está claramente identificado no terreno ou nos mapas 4 1 3 A informação sobre terras públicas é acessível publicamente D: Nenhuma informação no inventário de terras públicas é acessível ao público A responsabilidade de gestão dos diferentes tipos de terras públicas 4 1 4 está designada sem ambiguidades B: A responsabilidade pela gestão dos diferentes tipos de terras públicas está designada sem ambiguidades, mas isso nem sempre é consistente com os objectivos de equidade e eficiência ou as instituições nem sempre estão equipadas apropriadamente, de modo que, às vezes, estes não são alcançados. As instituições públicas responsáveis têm suficientes recursos para 4 1 5 suas responsabilidades de gestão de terras. D: Existem recursos significativamente inadequados ou uma capacidade organizacional bastante ineficiente, resultando em uma gestão mínima ou inexistente de terras públicas Toda as informações essenciais sobre alocação de terras públicas 4 1 6 para interesses privados é acessível ao público C: As informações-chave para as alocações de terras (a localização e a área da alocação de terras, as partes envolvidas e os termos financeiros da alocação de terras) são registadas ou parcialmente registadas, mas não estãopublicamente disponíveis Painel Ind. Dim. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação Existe transferência mínima de terra expropriada para interesses 4 2 1 privados D: Mais de 50% das terras desapropriadas nos últimos três anos são utilizados para fins privados A terra expropriada é transferida para uso destinado de maneira 4 2 2 oportuna A: Mais de 70% das terras que sofreram alteração na designação do uso da terra nos últimos 3 anos mudaram para o uso destinado. A ameaça de expropriação de terras não conduz a uma acção 4 2 3 preventiva do sector privado A: Alguma Painel Ind. Dim. Justificação e Eficiência do Tempo dos Processos de Expropriação Está prevista compensação pela expropriação de todos os direitos 4 3 1 sem importar a condição de registo C: Quando a propriedade é desapropriada, é paga uma indemnização, em espécie ou em dinheiro, mas as famílias deslocadas não têm bens comparáveis e não podem continuar mantendo sua situação social e económica anterior É compensada a alteração do uso da terra que resulte em perda 4 3 2 selectiva de direitos B: Quando a propriedade é desapropriada, é paga uma indemnização, em espécie ou em dinheiro, para que as famílias deslocadas tenham bens comparáveis, mas essas famílias não podem continuar mantendo sua situação social e económica anterior Os proprietários de terras expropriadas são compensados 4 3 3 imediatamente D: Menos de 50% dos proprietários de terras desapropriadas recebem indemnização dentro de um ano Existem vias independentes e acessíveis para apelar contra a 4 3 4 expropriação D: As vias para apresentar uma queixa contra desapropriação não são independentes São tomadas decisões oportunas acerca das reclamações relativas a 4 3 5 desapropriações D: Foi alcançada uma decisão em primeira instância para menos de 30% das reclamações acerca de desapropriações apresentadas nos últimos três anos TEMA 5: TRANSFERÊNCIA DE TERRAS PÚBLICAS PARA INVESTIDORES A Transferência de Terras Públicas para Uso Privado segue um Painel Ind. Dim. Processo Claro e Competitivo e os Pagamentos são Recebidos As transacções de terra pública são conduzidas de maneira aberta e 5 1 1 transparente N/A As terras públicas são arrendadas e/ou vendidas a preços de 5 1 2 mercado N/A As terras públicas são negociadas a preço de mercado salvo as que 5 1 3 estejam orientadas por objectivos de património N/A O público recebe os benefícios resultantes das alterações na 5 1 4 permissão de uso da terra D: Os mecanismos que permitem que o público capte uma parcela significativa dos ganhos obtidos com as alterações no uso da terra não são utilizados ou não são aplicados de forma transparente Existe uma política para melhorar a equidade no acesso e uso de 5 1 5 activos por parte dos pobres, implementa-se de maneira efectiva e é monitorado B: Existe uma política para melhorar o acesso e o uso produtivo de bens por parte de grupos pobres e marginalizados, aplica-se na prática, porém não é efectiva Painel Ind. Dim. Estratégia de Investimento Privado As terras que serão disponibilizadas aos investidores são 5 2 1 identificadas de maneira transparente e pública de acordo com os direitos dos benificiários D: Não existe uma política para identificar as terras disponibilizadas aos investidores de modo que qualquer transferência baseia-se em demandas ad-hoc dos investidores Os investidores são seleccionados com base em impactos económicos, 5 2 2 socioculturais e ambientais, em processos abertos C: Existe um processo, porém muitos investimentos que estão em andamento não estão em concordância com a política As instituições públicas que transferem terras a investidores estão 5 2 3 claramente identificadas e regularmente auditadas C: As instituições que tomam decisões estão identificadas claramente, porém carecem de capacidade ou de incentivos para assegurar resultados socialmente benéficos, ou suas decisões nem sempre são implementadas Os organismos públicos que transferem terras aos investidores 5 2 4 compartilham informação e realizam coordenações para minimizar e resolver as sobreposições (incluindo o subsolo) A: Existe uma política para uma coordenação interministerial efectiva a fim de garantir que as decisões sobre o uso da terra e os direitos fundiários estejam bem coordenados entre sectores e sejam aplicados efectivamente O cumprimento das obrigações contratuais é monitorado 5 2 5 regularmente e são tomadas acções correctivas se for necessário C: O monitoramento da execução é limitado ou somente parte dos resultados é acessível ao público As salvaguardas reduzem efectivamente o risco de efeitos negativos 5 2 6 por investimentos de grande escala relacionados com terras C: As salvaguardas (EIA, EIS, etc.) estão parcialmente em sintonia com as melhores práticas mundiais O espaço para o reassentamento esta claramente circunscrito e 5 2 7 existem procedimentos para lidar com ele de acordo com as melhores práticas C: Existe uma política de reassentamento, porém é aplicada em apenas uma parte dos casos Painel Ind. Dim. A Implementação de Políticas é Eficaz, Consistente e Transparente Os investidores fornecem suficiente informação para permitir a 5 3 1 avaliação rigorosa dos investimentos propostos D: Os planos de negócios dos investidores (documentos de solicitação) são insuficientes para avaliar a factibilidade técnica, a consulta à comunidade e a disponibilidade de recursos A aprovação de planos de investimento segue um processo claro com 5 3 2 cronogramas razoáveis D: O processo de revisão para os documentos relacionados às solicitações de investimentos não é uniforme nem estável no tempo e na maioria dos casos recebe-se uma resposta após 9 meses da data de apresentação Os benificiários e os investidores negociam de maneira livre e directa 5 3 3 com acesso pleno à informação relevante B: Os que têm direitos às terras com potencial para investimentos têm direitos e incentivos definidos claramente para negociar apropriadamente, porém as oportunidades de obter informação e ajuda relevantes a custo razoável são limitadas As disposições contratuais com respeito a compartilhar benefícios 5 3 4 são divulgadas de maneira pública D: A maioria de arranjos contratuais não inclui informação sobre partilha de benefícios Painel Ind. Dim. Os contratos que envolvem terras públicas são públicos e acessíveis Encontra-se disponível publicamente informações sobre a extensão 5 4 1 espacial e a duração das concessões aprovadas C: A informação espacial e temporal está disponível às instituições governamentais relevantes porém não é acessível ao público O cumprimento das salvaguardas sobre concessões se monitora e 5 4 2 executa de maneira efectiva e consistente C: Existe pouco monitoramento da execução das salvaguardas por parte dos investidores realizado por terceiros e os mecanismos para assegurar o cumprimento de maneira rápida e efectiva são de difícil acesso para as comunidades afectadas Existem vias para lidar com o não cumprimento e obter decisões 5 4 3 oportunas e justas D: Não existe um processo claro pelo qual as partes afectadas ou o público em geral podem apresentar reclamações relativas à conformidade do investidor com as salvaguardas TEMA 6: DISPONIBILIZAÇÃO DE INFORMAÇÃO PÚBLICA E CADASTRO Painel Ind. Dim. Mecanismos para o Reconhecimento de Direitos A posse da terra pelos pobres pode ser formalizada em 6 1 1 conformidade com as normas locais, em um processo eficiente e transparente B: Existe um processo claro e pratico para o reconhecimento formal de posse, mas esse processo não é implementado de forma efetiva, consistente ou transparente Provas não documentais são efetivamente usado para ajudar a 6 1 2 determinar os direitos B: Formas não documentais de evidências são usadas para obter o reconhecimento de uma reivindicação de propriedade, juntamente com outros documentos (p. ex.: receitas fiscais ou notas de compra informais), quando outras formas de evidências não estão disponíveis. Têmpraticamente o mesmo poder que os documentos fornecidos 6 1 3 É reconhecida formalmente a posse indisputada por longo prazo A: Existe uma legislação que reconhece formalmente a posse incontestada, de longo prazo e isso se aplica a terras públicas e privadas, apesar de diferentes regras poderem ser aplicadas O registo dos direitos pela primeira vez a pedido do interessado 6 1 4 inclui salvaguardas apropriadas e o acesso não está restrito por tarifas altas B: O registo de direitos pela primeira vez a pedido do interessado inclui salvaguardas apropriadas para impedir o abuso e que os custos não excedam 2% do valor da propriedade Painel Ind. Dim. Integridade do Registo de Terras O custo total para registar uma transferência de propriedade é 6 2 1 baixo N/A As informações contidas nos registos estão ligadas a mapas que 6 2 2 reflectem a realidade actual B: Entre 70% e 90% dos documentos para as terras particulares inscritas no registo são prontamente identificáveis nos mapas do registo ou cadastro 6 2 3 Todos os ónus privados relevantes são registados C: Ónus particulares relevantes são documentados, mas isso não é feito de forma consistente e confiável 6 2 4 Todas as restrições ou limites públicos relevantes são registados C: Restrições ou encargos públicos relevantes são documentados, mas isso não é feito de forma consistente e confiável Existe uma resposta oportuna aos pedidos de acesso aos assentos do 6 2 5 registo C: Geralmente leva mais de uma semana após a solicitação para que seja produzida uma cópia ou extracto dos documentos que atestam o direito à propriedade O registo (ou organização com informações sobre os direitos à 6 2 6 terra) pode ser pesquisado D: Os documentos do registo não podem ser pesquisados, nem pelo nome do titular do direito, nem pelo lote de terreno 6 2 7 Os registos de informação de terras são de acesso fácil B: As cópias ou extractos dos documentos que atestam os direitos à propriedade somente podem ser obtidos por intermediários e por aqueles que demonstrarem interesse na propriedade mediante pagamento da taxa formal necessária, se houver Painel Ind. Dim. Fiabilidade da Informação do Registo A informação nos registos públicos está sincronizada para 6 3 1 assegurar a integridade de direitos e reduzir o custo das transacções D: Não existem enlaces relevantes ou os que existem são poucos A informação do registo está actualizada e reflecte a realidade no 6 3 2 terreno C: Entre 50% e 70% das informações sobre propriedade do registo/cadastro estão actualizadas Custo, efectividade e Sustentabilidade dos Serviços de Painel Ind. Dim. Administração de Terras O registo é financeiramente sustentável através da cobrança das 6 4 1 tarifas para financiar suas operações D: O total de taxas cobradas pelo registo é inferior a 50% dos seus custos operacionais O investimento na administração de terras é suficiente para 6 4 2 atender a demanda de serviços de alta qualidade C: O investimento em recursos humanos e capital físico é suficiente para manter padrões médios de serviço porém não permitem adaptar-se proactivamente a novos desenvolvimentos Painel Ind. Dim. As tarifas são determinadas de maneira transparente As tarifas têm uma razão clara, seu cronograma é público e se 6 5 1 presta conta de todos os pagamentos A: O público tem acesso a um cronograma de tarifas claro e racional para distintos serviços e são emitidos recibos para todas as transacções 6 5 2 Pagamentos informais são desencorajados C: Em alguns escritórios de registo existem mecanismos para detectar e lidar com o comportamento ilegal dos funcionários 6 5 3 Os padrões de serviço são publicados e monitorados regularmente. B: Existem padrões de serviço publicados, porém o registo não monitora activamente seu desempenho em comparação com estes padrões TEMA 7: VALOR DA TERRA E COBRANÇA DE TAXAS Painel Ind. Dim. Transparência das Taxações 7 1 1 Existe um processo claro de avaliação de propriedades D: A avaliação de terras/propriedades para fins de tributação não se baseia claramente nos preços de mercado 7 1 2 As listas de avaliação são acessíveis ao público N/A Painel Ind. Dim. Eficiência da Cobrança As isenções de impostos sobre propriedade são justificadas e 7 2 1 transparentes C: As isenções ao pagamento de impostos sobre propriedade nem sempre são claramente baseadas em aspectos de equidade ou eficiência e nem sempre são aplicadas de forma transparente e coerente Os proprietários responsáveis pelo pagamento de impostos sobre 7 2 2 propriedade são listados na relação de impostos D: Menos de 50% dos proprietários responsáveis por impostos sobre propriedade são listados na relação de impostos 7 2 3 Os impostos sobre a propriedade avaliados são arrecadados A: Mais de 80% dos impostos sobre propriedade avaliados são arrecadados Os recebimentos dos impostos sobre propriedade excedem o custo de 7 2 4 arrecadação B: O valor dos impostos sobre propriedade arrecadados excede entre 3 e 5 vezes o custo do pessoal encarregado da arrecadação PAINEL 8: RESOLUÇÃO DE CONFLITOS Painel Ind. Dim. Atribuição de Responsabilidades Existe uma clara atribuição de responsabilidades para a resolução de 8 1 1 conflitos C: Há vias paralelas para a resolução de conflitos e é possível tratar casos em paralelo por intermédio de canais diferentes, mas o compartilhamento de evidências e decisões pode ocorrer de forma ad hoc 8 1 2 Existem mecanismos de resolução de conflitos acessíveis B: Instituições para fornecer uma primeira instância de resolução de conflitos estão acessíveis em âmbito local em menos da metade das comunidades, mas onde elas não estão disponíveis, existem instituições informais que desempenham essa função de uma forma que é reconhecida localmente Incentivam-se acordos aceites mutuamente através de sistemas 8 1 3 informais de resolução de conflitos B: Existe um sistema de resolução de conflitos local, informal que resolve um número significativo de conflitos de maneira efectiva e equitativa, porém que não se reconhece no sistema formal de resolução de conflitos judiciais ou administrativos Existe um processo, com preços acessíveis e oportuno para apelar as 8 1 4 sentenças disputadas C: Existe um processo para recorrer das decisões sobre os casos fundiários, mas os custos são elevados e o processo é muito demorado A proporção de terras afectadas por Conflitos Pendentes é Baixa e Painel Ind. Dim. decrescente Os conflitos de terra constituem uma pequena percentagem de casos 8 2 1 no sistema jurídico formal A: Os conflitos de terras no sistema judiciário formal representam menos de 10% do total de casos judiciários 8 2 2 Os conflitos no sistema formal são solucionados de maneira oportuna D: Uma decisão relacionada a conflito de terras é alcançada em tribunal de primeira instância dentro de 2 anos em mais de 90% dos casos PAINEL 9: ARRANJOS E POLÍTICA INSTITUCIONAIS Painel Ind. Dim. Clareza de Mandatos e Práticas A formulação, implementação e arbitragem de políticas de terras 9 1 1 estão separadas para evitar conflitos e interesses. D: Em situações que possam implicar conflitos de interesse ou que sejam passíveis de abuso (por exemplo transferências de direitos de terras) não existe uma separação clara entre as funções de formulação de políticas, implementação de políticas por meio de gestão e administração da terra e a arbitragem de quaisquer conflitos que possam surgir como resultado da implementação da política As responsabilidades dos ministérios e agências que se ocupam das 9 1 2 terras não se sobrepõem (sobreposição horizontal) C: As responsabilidades atribuídas das várias autoridades que lidam com questões de administração de terras são definidas, mas a sobreposição institucional com as de outros órgãos do sector fundiário e a inconsistência constituem um problema 9 1 3 A sobreposição administrativa (vertical) é evitada B: A divisão das responsabilidades relativas à terra entre os diferentes níveis de administração e governo é clara e com pequenas sobreposições Os órgãos públicos partilham informação sobre os direitos e o uso das 9 1 4 terras, e regularmente são divulgadas informações importantes que são de acesso publico D: As informações relativas aos direitos sobre a terra não estão disponíveis às instituições interessadas por questões de política ou prática As sobreposições de direitos (baseadas na tipologia de posse vigente) 9 1 5 são mínimas e não causam fricções ou litígios D: As normas e os procedimentos legais para questões relacionados com terras (incluindo os recursos renováveis e do subsolo) se ocupam de maneiras muito diferentes dos assuntos relacionados com terras e não existem mecanismos efectivos para resolver a sobreposição A ambiguidade nos mandatos institucionais (com base no 9 1 6 mapeamento institucional) não causa problemas. C: As distintas instituições públicas se ocupam de matérias relacionadas com as terras agem de modo muito diferente porém existem mecanismos de coordenação que funcionam e são utilizados de maneira regular Painel Ind. Dim. Equidade e Não Discriminação no Processo de Tomada de Decisões As políticas e a legislação de terras são desenvolvidas de maneira 9 2 1 participativa envolvendo todas as partes interessadas relevantes B: Existe uma política de terras abrangente ou se pode inferir através da legislação existente, que os sectores da comunidade afectados por estas decisões são informados, porém usualmente não se busca a retroalimentação ou não são utilizadas na tomada de decisões As políticas de terras incluem equidade e metas de redução da 9 2 2 pobreza; seu progresso é monitorado publicamente C - As políticas fundiárias possuem alguns objectivos de equidade, mas eles não são monitorados de forma regular e significativa As políticas fundiárias incorporam metas ecológicas e meio 9 2 3 ambientais e o seu progresso é monitorado publicamente C: As políticas fundiárias incorporam alguns objectivos de sustentabilidade ambiental, porém estes não são monitorados de maneira regular e significativa A implementação da política fundiária é orçamentada, comparada 9 2 4 com os benefícios e possui os recursos adequados D: Os custos da implementação da política fundiária não foram levantados e o orçamento, os recursos e a capacidade são inadequados para implementar a política Existem relatórios regulares e públicos que indicam o andamento da 9 2 5 implementação da política D: As instituições fiduciárias formais informam sobre a implementação das políticas apenas em circunstâncias excepcionais ou nem informam As políticas fundiárias ajudam a melhorar o uso da terra por parte 9 2 6 dos grupos de baixa renda e por aqueles que experimentaram injustiça B: Existe uma política para melhorar o acesso e uso produtivo de bens por grupos pobres e marginalizados, aplica-se na prática, porém não é efectiva As políticas fundiárias reduzem de maneira proactiva e efectiva riscos 9 2 7 futuros de desastres D: Não existe política para impedir o assentamento em áreas de alto risco ou riscos futuros antecipados ANEXO D MATRIZ DE RECOMENDAÇÕES ANEXO D: MATRIZ DE RECOMENDAÇÕES PAINEL 1: Reconhecimento de Direitos Fundiários Recomendação Curto Médio Longo Assunto Responsabilidade Indicadores (prioridades) Prazo Prazo Prazo  Regulamento sobre Cessão de Exploração e Parcerias Aprovação de um Regulamento sobre Cessão FCT no uso da terra e recursos naturais aprovado 1. Acesso de Exploração e Parcerias para o Uso da Terra x negociado à terra MITADER  % de contratos de cessão de exploração e de parcerias e Recursos Naturais entre comunidades e/ou indivíduos e investidores 2. FCT Representação, Aprovação de um Regulamento sobre  Regulamento sobre Consultas e Representação Consultas e x MITADER Consultas e Representação Comunitária Comunitária aprovado Consentimento Comunitários MAE Clarificação e mapeamento de mandatos e FCT 3. Clarificação de competências dos diferentes níveis do governo  Mandatos e competências do governo (central, mandatos e (central, provincial, distrital), bem como das MITADER provincial, distrital), das autarquias locais e das autoridades comunitárias, na gestão e x x competências MAE autoridades comunitárias formalmente revistos e institucionais administração de terras clarificados; CM 4. Aprovação de Elaboração de um plano e estratégia de um plano e implementação da legislação sobre terras, FCT  Plano de Acção e Estratégia Quinquenal para a estratégia para incluindo a de ordenamento e planeamento Implementação da Legislação sobre Terras 2017-2021 implementação territorial, com prioridades e sequência MITADER aprovado da legislação claramente definidas PAINEL 2: Protecção de Direitos sobre Florestas e Terras Comuns e Rurais Recomendação Curto Médio Longo Assunto Responsabilidade Indicadores (prioridades) Prazo Prazo Prazo Delimitação de áreas florestais públicas (estatais 1. Gestão de e autárquicas) e comunitárias, clarificação de  % de áreas florestais claramente delimitadas e com recursos mandatos institucionais, capacitação de agentes, x MITADER regimes e responsabilidades de gestão claramente florestais melhoria da fiscalização e sancionamento de definidos infracções  Número de pedidos de emissão de títulos FCT submetidos por iniciativa dos cidadãos/comunidades MITADER e devidamente atendidos pelo governo Encorajar e estimular a formalização (titulação) 2. Titulação de de direitos sobre terras e florestas através de uma x MAE/MIN. direitos Campanha Terra II JUSTIÇA SOC. CIVIL Elaboração, aprovação e implementação de  Estudo sobre o enquadramento das terras 3. Ordenamento instrumentos de ordenamento territorial (Planos comunitárias na divisão territorial administrativa do e Regularização de Zoneamento e Uso da Terra), com prioridade MITADER país e das autoridades comunitárias na administração Gradual mas para o nível local (distritos e autarquias), com pública nacional; Consistente da adequada integração entre a divisão x MAE Ocupação da administrativa territorial e a delimitação de Número de distritos e comunidades com planos de uso Terra Urbana e terras comunitárias, assim como entre o SOC CIVIL da terra devidamente aprovados Rural planeamento distrital/autárquico e o planeamento comunitário Numero de comunidades com terras delimitadas PAINEL 3: Uso, Planeamento e Desenvolvimento das Terras Urbanas Assunto Recomendação Curto Médio Longo Responsabilidade Indicadores prazo (prioridades) prazo prazo 1. Informalidade  % pessoas com títulos emitidos por ano; na ocupação de terras  número de assentamento informais; rurais e Massificação da organização, regularização e Governos locais e  organizados/urbanizados urbanas e X X titulação da ocupação de terras urbanas e rurais municípios acomodação  % de áreas distritais e municipais reservadas para a territorial do criação ou expansão organizada de assentamentos crescimento humanos; demográfico urbano 2. Adequabilidad  Percentagem de municípios e distritos com serviços e do sistema Municípios básicos e funcionais de cadastro, incluindo sistemas de gestão de Uniformidade de princípios de administração e informatizados gestão e gestão de terras, e eficiência na prestação pública MITADER X  Percentagem de municípios e distritos com sistemas administração de informação e serviços de cadastro aos cidadãos MAE de disponibilização de informação sobre terras de terras às tanto no meio rural como no meio urbano necessidades e  Percentagem de municípios e distritos com planos de realidade ordenamento territorial actual 3. Estímulo da procura de Melhorar a oferta de serviços de informação, MITADER/SPGCs X  Redução do tempo e custos de tramitação de pedidos serviços de registo e documentação Municípios cadastro 4. Melhoria da segurança de Municípios e posse de Processo gradual de regularização e ordenamento  Percentagem de ocupações regularizadas, de áreas direitos e de da ocupação do solo nas aldeias, vilas e cidades. Administrações planeadas e de instrumentos de ordenamento melhoria da urbano Distritais territorial urbano e rural aprovados e implementados qualidade ambiental dos assentamentos humanos rurais e urbanos PAINEL 4: Gestão das Terras Públicas Recomendação Curto Médio Longo Assunto Responsabilidade Indicadores (prioridades) prazo prazo prazo Mapeamento das diferentes categorias  Plano Nacional de Ordenamento Territorial aprovado 1. Base de dados territoriais e clarificação dos bens que integram com a indicação clara dos áreas integradas no domínio sobre categorias cada categoria bem como do regime jurídico FCT público do Estado, das Autarquias e das Comunidades territoriais, aplicável locais, nas quais a ocupação é feita por via de licenças MITADER especiais responsabilidad X es institucionais Definição de regime jurídico do Domínio Público MAE  Planos de uso da terra (PUTs) aprovados para áreas Comunitário sobre a Terra e Recursos Naturais, e regimes com clarificação do mandato e competências das de domínio público (ADPs) Conselho Ministros jurídicos autoridades tradicionais sobre gestão e  Regulamento sobre o Regime Jurídico do Domínio administração de terras comunitárias Público Comunitário de Terras aprovado  Número de distritos com PDUTs e serviços de 2. cadastro funcionais Descentralização Revisão das competências e mandatos dos  Número de comunidades com áreas delimitadas e e MIATDER governos distritais, municípios e autoridades comités comunitários formalmente criados e desconcentração X comunitárias para uma melhor e maior MAE funcionais da gestão e intervenção na gestão e administração de terras administração  Número de comunidades com planos comunitários de terras de uso da terra (PCUTs) e planos de desenvolvimento comunitário (PDCs) aprovados e respeitados 3. Estudos para identificação de áreas de conflito Compatibilidade para o alinhamento entre as normas e práticas costumeiras e princípios constitucionais, bem FCT  Relatório do estudo e respectivo plano e estratégia de entre o regime X formal e o assim o alinhamento entre aquelas e às ACADEMIA operacionalização das recomendações regime disposições do regime jurídico formal do sector costumeiro de de terras gestão e administração da terras PAINEL 5: Transferência de Terras Públicas para Investimentos Recomendação Curto Médio Longo Assunto Responsabilidade Indicadores (prioridades) prazo prazo prazo 1. Justificação de Decisões sobre Definição de critérios claros e objectivos para aferir a existência de utilidade, necessidade e Parlamento  Diploma Legal sobre Reassentamento Involuntário e Reassentamentos X Involuntários utilidade pública que justifiquem decisões de Conselho Ministros Justa Compensação e Indemnização reassentamento populacional involuntário Os reassentamentos involuntários de populações, independentemente da causa, devem constituir casos excepcionais e são da responsabilidade exclusiva do Estado, devendo ser previstos e integrados em  Regulamento sobre Reassentamento Involuntário processos de ordenamento e planeamento revisto e claramente integrado na legislação sobre 2. Prevenção de ordenamento territorial e abrangendo causas que territorial que precedem a aprovação e casos de transcendem actividades económicas públicas ou implantação de projectos de investimento reassentamento privadas, (como adaptação/mitigação do impacto de público ou privado, e seguindo processos e MITADER involuntário e X mudanças climáticas); procedimentos transparentes de tomada de assegurar justa decisão e de implementação, com  Lista de casos e causas de reassentamento compensação envolvimento decisivo do FCT e do Parlamento apresentados às sessões ordinárias do FCT, com o O Estado deve assegurar assessoria jurídica parecer do Grupo de Reflexão. qualificada a todas os indivíduos, famílias e comunidades afectados por reassentamentos involuntários, especialmente nos processos consultas e de negociação de compensações e indemnizações Parecer prévio da Assembleia da República 3. Transparência (Comissão de Assuntos sociais e Ambientais) MITADER (DINAT) e Legitimidade (CASGA) e do Fórum de Consultas sobre Terras  Número de pedidos de ocupação de terras envolvendo das Decisões (Grupo de Reflexão) (GRFCT) sobre propostas X FCT reassentamento involuntário apresentados, e de sobre de projectos públicos ou privados que pareceres emitidos pelo GRFCT e pela CASGA Reassentamento Parlamento impliquem reassentamento populacional Involuntário involuntários 4. Restauração Produzir de um guião de monitoria da do tecido moral e governação de terras a ser usado tanto em  Metodologia Nacional para Avaliação da Governação ético no sector de processos regulares de auto-avaliação MITADER de Terras aprovado pelo FCT; terras institucional, como de avaliação independente MAE (Inspecção da (Administração da governação de terras, ao nível distrital, X  Relatórios regulares de avaliação da governação de Função Pública) Pública) provincial e nacional, cujos relatórios deverão terras publicados regularmente ser anualmente apresentados em seminários CONDES distritais, provinciais e na sessão ordinária do FCT. PAINEL 6: Disponibilização de Informação Pública: Registo e Cadastro Recomendação Curto Médio Longo Assunto Responsabilidade Indicadores (prioridades) prazo prazo prazo Retomar a publicação da  Número de títulos de DUATs e/ ou alterações atribuição/extinção/revogação de DUATs no 1. Transparência publicados no BR Boletim da República da x MITADER  Número de Planos de Uso da terra Publicados Administração Publicar os Instrumentos de Ordenamento do Pública Território no Boletim da República  Número de Planos de Reassentamento oficialmente aprovados e publicados no BR Divulgar os Planos de Reassentamento  Número de funcionários com conhecimento e cópias da Adopção de mecanismos para o cumprimento legislação (lei e regulamento) sobre o direito de acesso à 2. Acesso à MITADER rigoroso da Lei do Direito à Informação x informação Informação Procuradoria  Número de pedidos de informação satisfeitos nos termos da lei (prazo e conteúdo)  Cadastro de terras acessível ao público 3. Cadastro de  Sistema uniformizado de gestão de informação sobre Uniformização dos sistemas de recolha, Terras e outros terras segundo o modelo do Portal do Cadastro Mineiro processamento e divulgação de informação Recursos x MITADER sobre recursos naturais (terras, florestas, Naturais recursos hídricos, florestas, etc) Harmonizado PAINEL 7: Valoração e Tributação da Terra Recomendação Curto Médio Longo Assunto Responsabilidade Indicadores (prioridades) prazo prazo prazo Realizar uma revisão do direito fundiário  Estudo realizado, com indicação de abordagens legais moçambicano no que respeita à valorização da do assunto, incluindo áreas específicas que requeiram terra, eventualmente visando a abertura ao alterações à Constituição e/ou à legislação de terras mercado de títulos e/ou à locação por parte do MITADER 1. Valorização da proprietário (Estado) e sublocação pelos  Revisão do regime de propriedade para distinção de X CM categorias de terras e outros recursos passíveis de terra titulares de direitos definitivos de DUAT, sob condições a determinar à luz das directrizes da Parlamento apropriação privada e transacções comerciais nos Política Nacional de Terras termos da Política Nacional de Terras FCT  Parecer do Conselho Constitucional para interpretação 2. Eliminação do Regulamentação da cessão de exploração e/ou do actual texto constitucional no concernente à mercado ilegal arrendamento de terras, e da transferência de X MITADER possibilidade de arrendamento de terras de terras títulos MITADER 3. Aumentar a  Repartição criada capacidade Realizar inquéritos sobre formas e valor de DINAT institucional de aquisição de terras X  Formulários revistos avaliação (valor) MASA de terras INE Expandir do registo informatizado de títulos  % de títulos registados no SIGIT Publicação informações sobre titulação de DINAT 4. Aumentar a terras, através de portal oficial, com base em  Portal da DINAT acessível e actualizado transparência do critérios de transparência e publicidade X SPGCs cadastro de  % de distritos que afixam listas terras Melhoria da articulação entre os SPGCs e Municípios Governos distritais para a afixação das listas dos devedores de taxas Descentralização da cobrança de taxas, em FCT articulação com a Autoridade Tributária 5. Aumentar os MITADER  % taxas cobradas no distrito rendimentos Aumento da percentagem de consignações gerados pelo DINAT  Diploma Ministerial76/99 revisto destinadas aos órgãos que realizam cobranças X sector de terras e SPGCs  Diploma Ministerial ou Circular aprovados a eficiência na Regulamentação do regime de isenções para sua utilização uniformização /esclarecimento de dúvidas Municípios DINAT 6. Aumentar o SPGCs nível de Expandir meios electrónicos de cobrança e Autoridade  % de cobrança de taxas por meio electrónico e outros cobrança e X pagamento de taxas Tributária meios pagamento de taxas Governos Distritais Municípios PAINEL 8: Prevenção e Resolução de Conflitos Assunto Recomendação Curto Médio Longo Responsabilidade Indicadores prazo (prioridades) prazo prazo Incluir questões da terra nos estudos sobre a 1. Adequação do administração da justiça e assegurar o MIN. JUSTIÇA sistema de cumprimento das recomendações  Número de eventos realizados sobre a temática da justiça às Procuradoria da reforma judiciária e com resultados publicados Os debates sobre a reforma do sistema judicial X necessidades da República governação devem acompanhar a evolução e dinâmica do  Número de recomendações implementadas fundiária país também na componente de gestão de conflitos sobre a terra 2. Sistema Conselho Superior Criação de tribunais/secções especializados de Magistratura judiciário para sobre questões de terras, recursos naturais e X Judicial  Número de tribunais ou secções especializados criados promoção da outros interesses difusos justiça ambiental Parlamento Regulamentação da articulação entre a justiça 3. Pluralismo formal e a informal X MIN. JUSTIÇA  Legislação aprovada e publicada jurídico Actualização e regulamentação da legislação sobre tribunais comunitários MIN. JUSTIÇA Promoção da literacia e divulgação de  Legislação aprovada, publicada e divulgada; informação jurídica aos cidadãos IPAJ 4. Literacia Inquéritos de opinião; jurídica da Provisão de serviços de informação e x ONGs sociedade civil  Número de programas de rádio-difusão abordando assistência jurídica às populações MITADER assuntos de terras e recursos naturais (RM e rádios (especialmente a mulheres) comunitárias) MIN. GENERO  Existência de cópias de legislação ambiental em todas 5. Literacia MITADER as administrações distritais e municípios; Capacitação jurídica e distribuição da legislação jurídica na às instituições e agentes públicos a todos os X MIN.JUSTIÇA  Número de cursos de capacitação sobre gestão e administração níveis administração de terras realizados para agentes do pública MAE estado em todos os níveis Implementar o Programa Terra Segura  Número de comunidades delimitadas, com títulos, e direccionado para o reforço da segurança de com agendas de desenvolvimento comunitário 6. Segurança da Posse de Direitos posse, prevenção de conflitos e promoção do x  Número de investimentos sem conflitos entre sobre a Terra desenvolvimento local investidores e comunidades  Consultas comunitárias no âmbito do licenciamento de Monitorar sistematicamente o cumprimento de projectos de investimento organizadas e conduzidas por 7. Redução de procedimentos legais nos processos de entidades independentes; conflitos em autorização de ocupação de terras para  Relatórios de auditoria jurídica independente aos investimentos investimentos públicos e privados x processos de licenciamento ambiental e de ocupação de baseados na Monitorar processos de reassentamento terras; terra involuntário  Relatórios de monitoria independentes de processos de reassentamento involuntário; PAINEL 9: Arranjos e Políticas Institucionais Recomendação Curto Médio Longo Assunto Responsabilidade Indicadores (prioridades) prazo prazo prazo Avaliação regular da governação de terras  Relatório de avaliação da governação de terras para melhorar a eficiência e eficácia do sector publicado e apresentado ao FCT regularmente (anual ou de terras, na promoção da protecção de bienalmente) 1. Boa governação x FCT direitos, no planeamento e uso da terra, na valoração e rentabilização da terra, e na promoção do desenvolvimento local inclusivo Rigor no cumprimento da legislação por parte  Auditoria independente aos processos de atribuição de das instituições do Estado, especialmente em FCT DUATs realizadas anualmente 2. Promoção da processos de licenciamento e de resposta a x Procuradoria Auditoria jurídica a processos de licenciamento Legalidade solicitações dos cidadãos SOC. CIVIL ambiental e de uso da terra e outros recursos realizadas anualmente Criar um quadro institucional eficaz e  Programa de reforma institucional produzido, com 3. Reforma eficiente para a gestão e administração de x Cons. Ministros prioridades e intervenções sequenciadas, e apresentado institucional terras que permita uma distinção e ao GR-FCT distribuição clara de funções de formulação de políticas e estratégias, de implementação  Programa de reforma institucional iniciado de programas e projectos, de fiscalização e resolução de conflitos, para eliminar situações de conflitos de interesse intra- institucionais ou de sobreposição de mandatos, e para elevar a capacidade do sector de harmonizar interesses sectoriais. ANEXO E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ACIS. 2012. O Quadro Legal para o Reconhecimento e Obtenção de Direitos de Terra em Áreas Rurais em Moçambique. 2. Carvalho, A. 2010. Colectânea de Legislação sobre Registo Predial. Ministério da Justiça. Centro de Formação Jurídica e Judiciaria, Maputo. 3. Benjamin, A. 2009. Alguns aspectos do regime jurídico da posse e do direito de uso e aproveitamento da terra e os conflitos emergentes em Moçambique. UNISA. South Africa 4. Locke, A. 2014. Mozambique Land Policy Development: Case Study, March 2014 5. Baleira, S., Buquine, E., Gusse, C. (2010), Estudo sobre Conflito de Interesses na gestão e exploração da terra em Moçambique (Os casos dos Distritos de Massinga, Zavala, Macomia e Mecufi). ORAM 6. Banco Mundial. 2006. ‹‹Agricultural Development Strategy Stimulating Smallholder Agricultural Growth››. Report No. 32416-MZ 7. Banco Mundial. 2013. Marco de Avaliação da Governança Fundiária . Washington, DC: Banco Mundial. 8. Calengo, A. 2005. Lei de Terras Comentada e Anotada, Maputo, Centro de Formação Jurídica e Judiciária; 9. CAMBAZA, V. 2009. A Lei de Terras, de Minas e Sistema de Direitos Consuetudinários 10. Carrilho, J., Norfolk, S. 2013. Beyond Building the Cadastre: Next Steps for Mozambique in Participatory Land Governance and Decentralized Land Rights Administration. 11. Carrilho, J. 2013. Poderá o arrendamento, contribuir para a alocação eficiente de terras em Moçambique? 12. Castel-Branco, C. 2013. Desenvolvimento, economia extractiva e opções para Moçambique. 13. CEDH. 2006. Melhoramento dos Assentamentos Informais, Análise da Situação & Proposta de Estratégias de Intervenção. 14. Centro de Integridade Pública. 2009. Gestão do solo urbano e corrupção em Moçambique. Maputo: Centro de Integridade Pública, 15. Chemonics. 2006. Mozambique General Services Contract, Land Tenure Services-Final Report 16. Chiziane, E. (2007). Implicações Jurídicas do Debate sobre a Implementação da Legislação de Terras. Maputo: Universidade Eduardo Mondlane. 17. Cotula, L., 2011. Land Deals in Africa: What is in the Contracts? IIED. London 18. COTULA, L., MAYERS, J. 2009. Tenure in REDD – Start-point or afterthought? Natural Resource Issues No. 15. International Institute for Environment and Development, London, UK. 19. CTV. 2012. Relatório Anual de Monitoria da Governação Ambiental. 20. CTV. 2015. Parecer Jurídico sobre o Processo de Licenciamento do Projecto de Liquefacção de Gás de Palma. 21. Dang, H. V., Nguyen, v. T., & T&C Consulting. 2013. Improving Land Sector Governance in Vietnam (Draft Report): Implementation of Land Governance Assessment Framework (LGAF). Ho Chi Min. 22. De Wit, P., Norfolk, S. 2010. Reconhecer Direitos sobre Recursos Naturais em Moçambique, Documento de trabalho para Rights and Resources Iniciative, Janeiro de 2010; 23. De Witt, P. 2010. Delimitações, Planos de Uso da terra e Desenvolvimento Local. 24. Deininger, K., Selod, H., & Burns, A. 2012. The land governance assessment framework: identifying and monitoring good practice in the land sector. Washington, DC: World Bank. 25. DFID Mozambique. 2013. A Political Economy Analysis of Mozambique’s Land Sector 26. DIFID Mozambique. 2013. Uma Análise da Economia Política do Sector de Terras em Moçambique. 27. DFID Mozambique. 2014. Evaluation of the Mozambique Community Land Use Fund. Final Report. 28. DNTF. 2011. Situação actual e perspectivas para o futuro da Administração de Terras em Moçambique (Apresentação Gráfica). Maputo. 29. DNTF. (sem data). Normas e Instruções Técnicas para a Implementação da Lei de Terras e seu Regulamento. Maputo: Direcção Nacional de Terras e Florestas. 30. Documento de apresentação na reunião nacional sobre delimitação de terras comunitárias. ORAM (2010). 31. Faculdade de Arquitectura e Planeamento Fisico. 2005. Regularização do solo urbano nas áreas informais da cidade de Maputo. Workshop sobre Gestão do Ciclo do projecto - Aplicação da matriz do quadro lógico (Maputo 25 de Maio – 10 de Junho) 32. FAO, Reforming forest tenure – Issues, principles and process, Forestry Paper, n. º 165, Rome, 2011; 33. FAO. 1976. A Framework for Land Evaluation. II. Rome: FAO. Obtido em 19 de Novembro de 2015, de http://www.fao.org/docrep/x5310e/x5310e00.htm#Contents 34. FCT. 2013. Reflexāo sobre o Melhoramento da Colecta de Taxas do DUAT (Apresentação Gráfica de Halima Nequice). Lichinga: Ministério da Agricultura. 35. FCT. 2015. Declaração Final da VII Sessão do FCT. Beira: Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural. 36. Gomes, Conceição; Fumo, Joaquim; Mbilana, Guilherme; Santos, Boaventura de Sousa (2003). «Os tribunais comunitários». in Santos, Boaventura de Sousa; Trindade, João Carlos (orgs.), Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique. Porto: Edições Afrontamento, II Vol. pp 189-334. 37. Hilhorst, D. 2013. The land governance assessment framework (LGAF): an approach for participatory benchmarking, monitoring, and dialogue (Graphic Presentantion). Washington, DC: World Bank. 38. Human Rights Watch. 2013. What’s a House Without Food?: Mozambique’s Coal Mining Boom and Resettlements. 39. IESE. 2012. Moçambique - Descentralizar o Centralismo: Economia Politica, Recursos e Resultados. 40. IESE. 2013. Desafios para Moçambique 2013. Maputo 41. Muvi, I. 2010. Colectânea de Legislação sobre Registo Predial. Ministério da Justiça. Centro de Formação Jurídica e Judiciaria, Maputo, 2010 42. Jenkins, P. 2011. Mercados de terras urbanas no Moçambique pós-socialismo - Seu impacto sobre a população vulnerável: Alternativas para melhorar o acesso à terra e o processo de desenvolvimento urbano. Universidade Eduardo Mondlane - Centro De Estdudos De Desenvolvimento Do Habitat (Projecto de pesquisa-acção nas áreas peri-urbanas de Maputo) 43. Jenkins, P. 2004. - "Beyond the formal/informal dichotomy: access to land in Maputo, Mozambique". In Hansen, Karen Tranberg e Vaa, Mariken (ed.) - Reconsidering informality: perspectives from urban Africa. 1ª ed. Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 44. José, A. 2009. Avaliação do PARPA II no acesso à justiça. CIP: Maputo. 45. Kloeck-Jenson, S. 2000. Mozambique Series, Working Paper, n.° 32, Land Tenure Center, University of Wisconsin - Madison, February, 2000; 46. Royston, L. and Du Plessis, J. 2014. A continuum of land rights: evidence from Southern Africa. Paper prepared for presentation at the 2014.World Bank Conference on land and poverty. Washington dc, March 24-27. 47. Lavieque, G. 2015. Conflitos de uso e aproveitamento de terra em Nampaco (1998-2013): Nampula: Universidade Pedagógica. [Tese de Mestrado] 48. Locke, A. 2014. Mozambique Land Policy Development Case Study, ODI/DFID 49. Mandamule, U. 2015. Discursos à volta do Regime de Propriedade da Terra em Moçambique. Observador Rural, nº 32. 50. Marques, M., Pedroso, J., André Cristiano, J. 2003. «A justiça cível nos tribunais provinciais», in Boaventura de Sousa Santos e João Trindade (Orgs); Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique. Porto: Afrontamento, pp. 351-403. 51. Matavel, N., Dolores, S., Cabanelas, V. 2011. Os senhores da terra - análise preliminar do fenómeno da usurpação de terras em Moçambique. Maputo: Justiça Ambiental e UNAC. 52. Matos Fernandes, T. 2007. Descentralizar é fragmentar? Riscos do pluralismo administrativo para a unidade do Estado em Moçambique, Revista Crítica de Ciências Sociais, CES, Coimbra, 53. MCA Moçambique. 2011. Análise Institucional do Sector de Terras e Planos de Trabalho para Capacitação. 54. MCA Mozambique. 2013. MCA Land Component. Final Report. 55. Melo, Vanessa - Tese de Doutoramento - A produção recente de periferias urbanas africanas. Discursos, práticas e configuração espacial: Maputo versus Luanda e Joanesburgo, 2015 56. Ministério da Agricultura - Direcção Nacional de Terra e Florestas (DNTF) - Millenium Challenge Account (MCA), M Análise à Política e Legislação sobre Terras de Moçambique, 2010 57. Ministério da Agricultura - Direcção Nacional de Terra e Florestas (DNTF) - Millenium Challenge Account (MCA), Análise Institucional e Planos de Trabalho para Capacitação, Março de 2011 (Mourana and Serra) (Norfolks and De Wit) (Serra) (Cambaza ) (ORAM) (Alfredo) 58. Ministério da Agricultura. 2015. Processo de Distribuição das Taxas Consignadas de DUAT e Sua Aplicação (Apresentação Gráfica de Cremilde Maússe). Maputo: Ministério da Agricultura. 59. MITADER. 2015. Estudo para Definição da Linha de Base das Actividades a Serem Desenvolvidas no âmbito do GESTERRA. Relatório Final. 60. Monteiro, O. 2006. O Estado Moçambicano – Entre o Modelo e a Realidade Social. 61. MOURANA, B., Serra, C.M. 2010. 20 Passos para a sustentabilidade Florestal em Moçambique Edição Amigos da Floresta/Centro de Integridade Pública 62. Negrão, José. 1996. Que Política de Terras para Moçambique – A propósito da Conferência Nacional de Terras, Maputo, Núcleo de Estudos da Terra; 63. Nhantumbo, I. Salomão, A. 2010. Biofuels, Land Access and Rural Livelihoods in Mozambique, IIED. London 64. Norfolk, S. 2009. Policy, Legal and Institutional Assessment Framework: Large-Scale Land Acquisition for Agricultural Production in Mozambique 65. Norfolk, S., Compton, J. 2012.Strategic Review of Land Issues in Mozambique. DFID 66. Norfolk, S. 2004. Examining access to natural resources and linkages to sustainable livelihoods – A case study of Mozambique. LEP Working Paper n. º 17, FAO; 67. Okland Institute. 2011. Understanding Investment Land Deals in Africa. Country Report: Mozambique 68. Oppenheimer, J. e Raposo, I. 2002. A Cooperação direcionada para os grupos vulneráveis no contexto da concentração urbana acelerada. A pobreza em Maputo (Ministério do Trabalho e da Solidariedade / Departamento de Cooperação, Lisboa. 69. ORAM. 2007. Comunicação da ORAM por ocasião da passagem dos 10 Anos da Lei de Terras, Maputo, 70. ORAM. 2010. Estudo sobre Conflitos de Interesses na Gestão e Administração da Terra em Moçambique: Os casos dos Distritos de Massinga, Zavala. Macomia e Mecufi. 71. Palmer, D., Fricksa, S., & Whermann, B. 2009. Towards Improved Land Governance. Obtido de http://www.fao.org. 72. Pedroso, J., José, A. 2003. A Justiça nos Tribunais Distritais. In Boaventura de Sousa Santos e João Trindade (Orgs); Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique. Porto: Afrontamento, pp. 475-517. 73. PIRES, I. 2004. O Caso da comunidade de Goba. In Manual de Direito da Terra, Maputo, Centro de Formação Jurídica e Judiciária; 74. Programa Quinquenal do Governo 2010-2014 75. Quadros, M. (Coord.). 2004. Manual de Direito de Terra, CFJJ, Maputo, 76. Ribeiro, F. 2006. A questão fundiária em Moçambique – Dinâmicas globais, actores e interesses locais, Congresso africanista na Covilhã; 77. Rose, I. M. 2014. Análise da Proposta de Regulamento para a Cessão de Exploração: um mecanismo viável para activar o mercado do arrendamento de terras? Maputo: USAID-Speed. 78. Royston, L., Du Plessis, J. 2014. A Continuum of land rights: evidence from Southern Africa. Paper prepared for presentation at the “2014 World Bank Conference on Land and Poverty”, The World Bank – Washington DC 79. Salomão, A., Zommers,A. 2013. Large Scale Land Acquisitons and Land Grabbing in Mozambique: Ways Forward in Pro-poor and Participatory Land Governance. The World Bank. Washington DC 80. Salomão, A., Matose, F. 2007. Towards community-based forest management of miombo woodlands in Mozambique. CIFOR Occassional Papers (www.cifor.org/miombo/docs/CBNRM Mozambique 1207.pdf) 81. Santos, B. 2003. O Estado heterogéneo e o pluralismo jurídico. In Santos, B. e Trindade, J. (orgs.). Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique. Porto: Edições Afrontamento, Vol. I, pp. 47-95. 82. Sekelekani. 2015. Acesso à Informação sobre Indústria Extractiva em Moçambique 83. Serra, C. e Carrilho, J. (Coord.). 2013. Dinâmicas da Ocupação e do Uso da Terra em Moçambique. Editora Escolar, Maputo 2013. 84. Serra, C. 2007. Colectânea de Legislação sobre a Terra. Ministério da Justiça. Centro de Formação Jurídica e Judiciaria, Maputo, 2007. 85. SERRA, C. (sem data). Direitos das Comunidades – Da Retórica à Prática 86. Serra, C. (2007), Domínio Público do Estado, Autárquico e Comunitário – Essência, Constrangimentos e Desafios, Documento apresentado na Conferência sobre os 10 Anos da Lei de Terras, Maputo; 87. Serra, C., Salomão, A. (Coord.) 2012. 1.º Relatório de Boa Governação na Gestão Ambiental e dos Recursos Naturais em Moçambique 2010 – 2011. Centro Terra Viva. Maputo 88. Serra, C. 2013. Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais – Avanços e Recuos na Construção do Direito Moçambicano. Tese de Doutoramento. Universidade Técnica de Lisboa/ISCTM 89. Sitoe, A., Guedes, B. S. Guedes, Maússe, S. 2007. Avaliação dos modelos de maneio comunitário de recursos naturais em Moçambique, Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal, FAO e Ministério da Agricultura, Maputo. 90. Sitoe, A.; Braga, C., Cavane, E., German, L. 2014. Relatório Temático da Delimitação de Terras Comunitárias. Maputo: UEM e ITC. 91. SPEED/USAID, 2015. O Quadro Legal e o Investimento: Como Melhorar a Legislação Fundiária em Moçambique. Maputo 92. Takacs, d. 2009. Forest Carbon – Law and Property Rights, Conservation International, Arlington VA, USA 93. Tanner, C. 2013. Valorizar a Terra em Moçambique: um processo inclusivo ou divisivo? Em C. M. Serra, & J. Z. Carrilho, Dinâmicas de Ocupação e do Uso da Terra em Moçambique. Maputo: Editora Escolar. 94. Tanner, C., Lopes, T., Cristiano. 2015. O Quadro Legal e o Investimento: Como Melhorar a Legislação Fundiária em Moçambique. USAID/SPEED. Maputo 95. Tanner, C. 2002. Law Making in an African Context: The 1997 Mozambican Land Law, FAO Legal paper; 96. Tanner, C. 2004. A Relação entre a Posse de Terra e os Recursos Naturais, documento apresentado na 3.ª Conferência Nacional sobre o Maneio Comunitário dos Recursos Naturais, Maputo, 21 de Julho de 2004; 97. Tanner, C. 2011. Decentralized Land Governance: Case studies and local voices form Botswana, Madagascar and Mozambique, “Chapter 4 – Mozambique”, Cape Town, University of the Western Cape, EMS Faculty, School of Government,Institute for Poverty, Land and Agrarian Studies; 98. Tanner, C . Land Rights and Enclosures: Implementing the Mozambican Land Law in Practice. 99. The Okland Institute. 2011. Understanding Land Deals in Africa: Country Report Mozambique 100. Tique, J. 2009. "Enquadramento legal das intervenções urbanas em Moçambique". In “Seminário sobre Projectação Arquitectónica e Gestão Urbana Sustentáveis, Maputo: Centro de Estudos e Desenvolvimento do Habitat, Universidade Eduardo Mondlane, Mpauto 101. Tique, João - Habitação e meio ambiente: critérios operativos e instrumentos metodológicos para o planeamento (etapas de selecção de áreas e projecto) de empreendimentos habitacionais de interesse social. Roma: Università degli Studi di Roma "La Sapienza", Facoltá di Architettura ITACA, Dissertação de "Projectação Ambiental" apresentada à Università degli Studi di Roma "La Sapienza", para obtenção do grau de Doutor em 2007 102. Tique, João; Jorge, Silvia; Melo, Vanessa. "Ocupação e gestão do solo urbano em Moçambique: o caso de Maputo". IN Raposo, Isabel (coord.) Reconversão e reinserção de bairros de génese ilegal. Lisboa: 2011. 103. Trindade, João Carlos 2003. «Rupturas e continuidades nos processos políticos e jurídicos». In Santos, Boaventura de Sousa; Trindade, João (orgs.). Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique. Porto: Edições Afrontamento, Vol. I, pp. 97-127. 104. Trindade, J., Negrão, J. et. al. 2002. O papel dos tribunais comunitários na prevenção e resolução de conflitos de terra e outros. Maputo: CFJJ, FAO-Projecto GCP/MOZ/NET. Acessível em http://www.iid.org.mz/Tribunais_Comunitarios.pdf. 105. U.S. Department of State.2015. Investment Climate Statement 106. UNDP Mozambique. 2013. Natural Resources Management and Extractive Industries in Mozambique: A UN Mozambique Study. 107. UN-Habitat - What are slums (www.unhabitat.org). 2007 108. UNHABITAT, Perfil do Sector Urbano em Moçambique, 2007 109. United Nations. 2013.Natural Resources and Extractives Industries: A UN Mozambique Study 110. USAID - O processo de licenças de construção em Moçambique análise e recomendações, SPEED 2012 111. USAID Country Profile. (sem data). Property Rights and Resource Governance. Mozambique 112. USAID/SPEED. 2014. Uma Análise da Proposta de Regulamento da Cessão de Exploração: Um Mecanismo Viável para Activar o Arrendamento de Terras? 113. USAID/SPEED. 2015. O Quadro Legal e o Investimento: Como Melhorar a Legislação Fundiária. 114. VHUGEN, D., MINER, J. 2011 Carbon Rights Case Study – Mozambique (Draft) Landesa 115. Viana, D. 2015. Organização e Forma Urbana: Combinando diferentes abordagens morfológicas na análise de Maputo - Relatório de pós-doutoramento, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, 2015. 116. World Bank. 2005. Enabling the Business of Agriculture – EBA. Washington, DC 117. World Bank. (2013). Land Governance Assessment Framework: Implementation Manual. Wahsington, DC 118. World Bank; FAO. (2011). Policy Note: Rural Land Taxation in Mozambique. Maputo http://www.gorongosa.org/sites/default/files/styles/home_slideshow/public/mozambique_2012_3696.jpg?itok=j9LkM5M0 ANEXO F REFERÊNCIAS LEGAIS 1. República de Moçambique. 1994. Lei dos Municípios. Lei n.º 3/1994. Maputo: Boletim da República n.º 37, I Série, 13 de Setembro de 1994 2. República de Moçambique. 1995. Resolução n.º 10/1995- Política Nacional de Terras. Boletim da República n.º 9, I Série, 28 de Fevereiro de 1996 [a Resolução é de 17 de Outubro de 1995] 3. República de Moçambique. 1997. Lei de Terras. Decreto-Lei n.º 19/1997. Maputo: Boletim da República n.º40, I Série, 7 de Outubro de 1997 4. República de Moçambique. 1997. Lei nº 19/97 de 1 de Outubro, Lei de Terras. Boletim da República: I Série, no. 40, de 7 de Outubro de 1997, 3o. Suplemento 5. República de Moçambique. 1997. Lei nº 19/97 de 1 de Outubro, Lei de Terras. Boletim da República: I Série, no. 40, 3o. Suplemento. 6. República de Moçambique. 1998. Decreto n.º 66/1998 - Regulamento da Lei de Terras. Boletim da República n.º48, I Série, 8 de Dezembro de 1998 7. República de Moçambique. 1998. Decreto nº 66/98 de 6 de Dezembro, do Conselho de Ministros, aprova o Regulamento da Lei de Terras. Boletim da República: I Série, no. 48, de 8 de Dezembro de 1998, 3o. Suplemento 8. República de Moçambique. 1998. Decreto nº 66/98 de 6 de Dezembro, do Conselho de Ministros, que aprova o Regulamento da Lei de Terras. Boletim da República: I Série, no. 48, 3o. Suplemento. 9. República de Moçambique. 1999. Diploma Ministerial no. 76/99, de 16 de Junho, do Ministério da Agricultura e Pescas, que aprova a distribuição de receitas consignadas resultantes da cobrança de taxas. Boletim da República: I Série, no. 24, 1o. Suplemento. 10. República de Moçambique. 1999. Lei nº 10/99 de 7 de Julho, Lei das Florestas e Fauna Bravia. Boletim da República: I Série, no. 27, 4º Suplemento, de 12 de Julho de 1999 11. República de Moçambique. 1999. Decreto no. 77/99, de 15 de Outubro, do Conselho de Ministros, que estabelece as taxas anuais de uso da terra. Boletim da República: I Série, no. 41, 2o. Suplemento. 12. República de Moçambique. 2000. Diploma Ministerial n.º 29-A/2000-Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras. Boletim da República n.º 11, I Série, 17 de Março de 2000 13. República de Moçambique. 2013. Decreto no 17/201- Regulamento do Regime Juridico do Condomínio 14. República de Moçambique. 2002. Decreto n.º 12/2002 de 6 de Junho, Regulamento da Lei das Florestas e Fauna Bravia. Boletim da República: I Série, no. 22, 2º Suplemento, de 6 de Junho de 2002 15. República de Moçambique. 2003. Decreto n.º 11/2003 de 25 de Março, altera o n.º 5 do artigo 20, e alínea g) do n.º 1 do artigo 21 e a alínea e) do artigo 29 do Regulamento da Lei das Florestas e Fauna Bravia. Boletim da República: I Série, no. 13, de 26 de Março de 2003 16. República de Moçambique. 2003. Decreto nº 1/2003, de 18 de Fevereiro, do Conselho de Ministros, altera os artigos 20 e 39 do Regulamento da Lei de Terras, aprovado pelo Decreto no. 66/98, de 8 de Dezembro. Boletim da República: I Série, no. 7, de 18 de Fevereiro de 1998, 3o. Suplemento 17. República de Moçambique. 2003. Decreto nº 1/2003, de 18 de Fevereiro, do Conselho de Ministros, que Altera os artigos 20 e 39 do Regulamento da Lei de Terras, aprovado pelo Decreto no. 66/98, de 8 de Dezembro. Boletim da República: I Série, no. 7, 2o. Suplemento. 18. República de Moçambique. 2004. Constituição da República. Maputo: Boletim da República n.º 51,I Série, 22 de Dezembro de 2004 19. República de Moçambique. 2004. Constituição da República de Moçambique. 20. República de Moçambique. 2004. Constituição da República de Moçambique. Boletim da República: I Série, no. 51 de 2 de Dezembro de 2004 21. República de Moçambique. 2006. Decreto n.º 60/2006 de 26 de Dezembro, aprovou o Regulamento do Solo Urbano 22. República de Moçambique. 2006. Decreto n.º 60/2006 - Regulamento do Solo Urbano. Boletim da República n.º 51, I Série, 26 de Dezembro de 2006 23. República de Moçambique. 2006. Decreto n° 33/2006, de 30 de Agosto: Aprova o quadro legal de transferencia de funções e competencias dos órgãos do Estado para as autarquias locais. 24. República de Moçambique. 2006. Diploma Ministerial n.º 29/2000-A de 17 de Março, aprova o Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras, aprovado pelo Decreto no. 66/98, de 8 de Dezembro. Boletim da República: I Série, no. 11, de 17 de Março de 2000, Suplemento 25. República de Moçambique. 2007. Decreto nº 50/2007, de 16 de Outubro, do Conselho de Ministros, altera o artigo 35 do Regulamento da Lei de Terras, aprovado pelo Decreto no. 66/98, de 8 de Dezembro. Boletim da República: I Série, no. 41, de 16 de Outubro de 2007, 8o. Suplemento 26. República de Moçambique. 2007. Lei de Ordenamento do Território. Lei n.º 19/2007. Maputo: Boletim da República n.º 29, I Série, 18 de Julho de 2007 27. República de Moçambique. 2007. Resolução n.º 18/2007-Política Nacional de Ordenamento do Território. Boletim da República n.º 22, I Série, 30 de Maio de 2007 28. República de Moçambique. 2007. Lei nº 19/2007 de 18 de Julho, Lei do Ordenamento Territorial. Boletim da República: I Série, no. 29, de 18 de Julho 2007 29. República de Moçambique. 2008. Decreto n.º 23/2008 de 1 de Julho, Regulamento da Lei do Ordenamento Territorial. Boletim da República: I Série, no. 26, de 1 de Julho de 2008, 3º Suplemento 30. República de Moçambique . 2008. Decreto n.º 23/2008-Regulamento da Lei de Ordenamento do Território. Boletim da República n.º26, I Série, 1 de Julho de 2008 31. República de Moçambique. 2008. Lei nº 1/2008 de 16 de Janeiro, que define o regime financeiro, orçamental e patrimonial das autarquias locais e o Sistema Tributário Autárquico. Boletim da República: I Série, no. 3. 32. República de Moçambique. 2008. Resolução n.º 70/2008 de 30 de Dezembro, aprova os procedimentos para apresentação e apreciação de propostas de investimento envolvendo extensão de terra superior a 10.000 hectares. Boletim da República: I Série, no. 52, de 30 de Dezembro de 2008, 2º Suplemento 33. República de Moçambique. 2008. Resolução n.º 70/2008, de 30 de Dezembro, do Conselho de Ministros, que aprova os Procedimentos para Apresentação e Apreciação de Propostas de Investimento Envolvendo Extensão de Terra Superior a 10.000 Hectares. Boletim da República: I Série, no. 52, 12.o Suplemento. 34. República de Moçambique. 2010. Decreto nº 43/2010, de 20 de Outubro, do Conselho de Ministros, altera o n.º 2 do artigo 27 do Regulamento da Lei de Terras, aprovado pelo Decreto no. 66/98, de 8 de Dezembro. Boletim da República: I Série, no. 42 de 20 de Outubro de 2010 35. República de Moçambique. 2010. Decreto no. 42/2010, de 20 de Outubro, do Conselho de Ministros, que cria o Forum de Consulta sobre Terras. Boletim da República: I Série, no. 42. 36. República de Moçambique. 2010. Diploma Ministerial n.º 181/2010 de 3 de Novembro, aprova a Directiva sobre o Processo de Expropriação para efeitos de ordenamento territorial. Boletim da República: I Série, no. 44, de 3 de Novembro de 2010 37. República de Moçambique. 2010b. Dilpoma Ministerial no. 144/2010, de 24/08, dos Ministérios da Agricultura e Finanças, que actualiza as taxas a pagar pelos titulare se requerentes do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra. Boletim da República; I Série, no. 33, 4o. Suplemento. 38. República de Moçambique. 2010c. Decreto no. 61/2010 de 27 de Dezembro, do Conselho de Ministros, Aprova os mecanismos de determinação e correcção do valor patrimonial dos prédios urbanos situados no território das autarquias e sujeitos ao Imposto Predial Autárquico. Boletim da República: I Série, no. 51, 4o. Suplemento. 39. República de Moçambique. 2011. Diploma Ministerial n.º 158/2011 de 15 de Junho, adopta os procedimentos específicos para a consulta às comunidades locais no âmbito da titulação do direito de uso e aproveitamento da terra. Boletim da República: I Série, no. 24 de 15 de Junho de 2011 40. República de Moçambique. 2012. Decreto n.º 30/2012 de 1 de Agosto, define os requisitos para a exploração florestal em regime de licença simples e os termos e condições e incentivos para o estabelecimento de plantações florestais e revoga os artigo 16, 18 e 20 do Regulamento da Lei das Florestas e Fauna Bravia. Boletim da República: I Série, no. 31, de 1 de Agosto de 2012 41. República de Moçambique. 2014. Decreto n.º 31/2012 de 8 de Agosto, aprova o Regulamento sobre o Processo de Reassentamento resultante de actividades económicas. Boletim da República: I Série, no. 32 de 8 de Agosto de 2012 42. República de Moçambique. 2014. Diploma Ministerial n.º 156/2014 de 19 de Setembro, aprova a Directiva Técnica do Processo de Elaboração e Implementação dos Planos de Reassentamento. Boletim da República: I Série, no. 76, de 19 de Setembro de 2014 43. República de Moçambique. 2014. Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro, Lei de Revisão do Código Penal. Boletim da República: I Série, no. 105, 14o. Suplemento. 44. República de Moçambique. 2014. Lei n.º 20/2014 de 18 de Agosto, Aprova a Lei de Minas. Boletim da República: I Série, n.º 66, 2º Suplemento 45. República de Moçambique 2014. Lei n.º 21/2014 de 18 de Agosto, aprova a Lei dos Petróleos. Boletim da República: I Série, n.º 66, 2º Suplemento