Setembro 2007 · Número 111 44629 Uma série regular de notas ressaltando as lições recentes do programa operacional e analítico do Banco Mundial na Região da América Latina e do Caribe. BRASIL Iniciativas para melhorar a qualidade da despesa pública e a administração de recursos no setor da saúde Introdução e a gestão dos fluxos de financiamento que recebem estes Nos últimos 10 anos, o Brasil avançou significativa- fornecedores têm uma poderosa influência naqueles que os mente em matéria de desenvolvimento humano graças incentiva. Em matéria de saúde, a governança também se a uma série de políticas inovadoras e a igualdade de refere aos meios pelos quais se atribui responsabilidade a acesso tem aumentado consideravelmente. Em matéria uma organização fornecedora (por exemplo, um hospital), de saúde, a consolidação do investimento governamental seus administradores e pessoal, por suas ações (tais como em saúde, a organização do setor em um sistema unifica- administração dos recursos, planejamento, supervisão do do para todo o país (Sistema Unificado de Saúde ­ SUS) serviço, gestão financeira, etc.). A prestação de contas é e uma maior ênfase nos cuidados primários de saúde têm um conceito fundamental que abrange a responsabilidade sido fundamentais para conseguir estas melhorias. dos atores e as conseqüências que enfrentam segundo seu desempenho. Isto significa que um baixo desempenho é Enfrentam-se ainda desafios significativos relativos à punido, ao passo que um bom desempenho é premiado a ineficácia e à baixa qualidade dos serviços. Como a fim de promover a qualidade e o impacto. Quando não se dívida pública e as cargas tributárias são altas, a acessibi- atribui responsabilidade às pessoas, as que se sobressaem lidade e sustentabilidade do sistema podem parecer cada e as que se desempenham deficientemente são tratadas da vez mais ameaçadas, ao passo que os ganhos de capital mesma forma, resultando em um sistema injusto que com- materializados nos últimos anos poderiam ser difíceis promete a qualidade e o impacto. Em resumo, a gover- de sustentar. As autoridades financeiras estão alarmadas nança influencia a qualidade da despesa pública, a eficácia pelo aumento crescente do custo dos serviços de saúde da administração dos recursos e, por último, a eficiência e que já representam 11% da despesa pública. Segundo a qualidade da prestação dos serviços. os níveis atuais de ineficiência do sistema de saúde, a despesa total em saúde poderia aumentar de 8 a 12% do O relatório a que se faz referência neste artigo1 avalia a PIB até 2025, enquanto a despesa familiar em saúde ­ alocação e a gestão dos recursos, as funções de planeja- como percentagem da renda ­ poderia elevar-se de 5% a mento e alocação, bem como a execução orçamentária 11%. Aumentar a eficiência e a eficácia no uso dos recur- nos diferentes âmbitos governamentais no tocante à sos de saúde para deter os custos crescentes talvez seja o despesa pública em serviços de saúde. Enfatiza-se a com- maior desafio que enfrenta o sistema de saúde brasileiro. preensão dos incentivos criados para os prestadores de serviços, bem como a solidez geral dos princípios de re- Muitos dos desafios que enfrenta o setor da saúde estão sponsabilidade estabelecidos no sistema de despesas para vinculados a uma governança deficiente, especialmente os serviços de saúde pública. A análise visa a identificar a falta de incentivos e sistemas de prestação de contas pontos fracos na prestação de contas inerentes à presta- que garantam que os serviços sejam custeados e manten- ção dos serviços, pontos fracos oriundos da estrutura e ham uma qualidade razoável. A despesa pública é uma do processo dos fluxos de financiamento intergoverna- ferramenta eficaz para influenciar o desempenho dos mentais e orientados para os fornecedores, bem como das fornecedores que recebem fundos públicos. A estrutura práticas gerenciais pertinentes. 1.Extracted from Brazil: Governance in Brazil's Unified Health System (SUS): Raising the Quality of Public Spending and Resource Management", Banco Mun- dial Relatorio No 36601-BR, febrero 14 2007R O Sistema Unificado de Saúde · Os dados estratégicos e financeiros necessários para O Sistema Unificado de Saúde (SUS), financiado com desenvolver planos e orçamentos costumam estar fundos públicos, serve nominalmente a toda a população centralizados na Secretaria de Finanças ou de Plane- brasileira com uma gama completa de serviços gratuitos. jamento e geralmente não são postos à disposição da Na prática, é o único serviço de saúde que recebe mais Secretaria de Saúde e/ou dos gerentes de unidade. da metade da população e é o principal provedor de cui- · Os administradores da maioria das instituições públi- dados de saúde para os pobres. cas (primárias, de diagnóstico ou hospitais) carecem de autoridade ou têm uma autoridade limitada para A estrutura federal do Brasil e o caráter descentralizado planejar a prestação de serviços, definir seus orçamen- do SUS dificulta a supervisão e o acompanhamento dos tos, realocar recursos ou negociar as informações. fluxos financeiros, o que, por sua vez, complica e dificul- ta a atribuição de responsabilidades. Apesar da melhoria Execução orçamentária contínua, os atuais sistemas de informação não permitem Os pontos fracos no planejamento e na formulação de identificar de forma precisa como são alocados os recur- orçamentos manifestam-se ainda mais na prática gener- sos no contexto do SUS, nem como são executadas as alizada observada no âmbito subnacional de modificar despesas ou prestados os serviços no âmbito da unidade significativamente as atribuições durante a etapa de ex- de saúde. Faltam informações sobre quanto gasta o SUS ecução orçamentária, com freqüência ignorando as prio- como um todo (incluindo os governos federal, estatal ridades determinadas no processo de planejamento. e municipal), em assistência hospitalar e primária. Os · As mudanças significativas entre a alocação orça- níveis de eficiência na prestação dos serviços de saúde mentária inicial e o montante realmente disponível não são documentados de forma sistemática. limitam os benefícios do planejamento e das pro- jeções financeiras. As demoras freqüentes observadas Planejamento e alocação na liberação dos fundos orçamentários geram seu uso O processo de planejamento e alocação do SUS (semel- subótimo por parte dos administradores. Por exem- hante ao da maioria das instituições governamentais plo, alguns dos fundos "congelados" somente podem brasileiras) está bem estruturado, porém demasiadamente ser liberados no fim do ano, o que deixa muito pouca formalizado. Sua complexidade e formalismo burocrático margem de tempo para as aquisições. Os municípios limitam sua utilidade como ferramenta administrativa eficaz carecem da capacidade necessária para executar o e como base para responsabilizar as entidades públicas. orçamento adequadamente, uma vez que as secretarias · Os prazos estabelecidos por mandato legal para o de linha e as instituições de saúde não contam com processo de planejamento, preparação do orçamento e suficiente pessoal qualificado e têm uma limitada entrega são geralmente cumpridos com pouca demora, autonomia e autoridade para tomar decisões. mas a utilização dos dados e a análise para identificar os · A maioria dos Estados e muitos municípios não cum- problemas prioritários em uma determinada localidade e prem a percentagem mínima de fundos que devem como base do planejamento são pouco freqüentes. gastar em saúde segundo mandato constitucional, em- · Os Estados e os municípios carecem, em grande parte, bora alguns gastem um percentual consideravelmente da capacidade necessária para desenvolver planos mais alto. As transferências federais não compensam baseados na evidência que orientem suas políticas e esta disparidade na despesa. intervenções em matéria de saúde. · No âmbito das secretarias estaduais e municipais, o · Os planos apresentam objetivos e metas, mas quase sistema de supervisão, controle e informação orça- nunca definem estratégias e ações articuladas para mentária está bem estruturado, mas se concentra em cumpri-los. Em muitos casos, os planos constituem cumprir as normas legais e o controle financeiro, sem mais uma declaração de intenção do que um esquema preocupar-se demasiado com a avaliação dos resulta- de como alcançar os resultados desejados. dos. · A participação dos diversos atores envolvidos, inclu- · Produz-se uma multidão de relatórios paralelos vincu- indo as estruturas de atribuição de responsabilidades, lados a programas com fundos restritos e/ou mecanis- como os Conselhos de Saúde, é insuficiente, ampla- mos específicos de pagamento. mente ineficaz e potencialmente contraproducente. · A disponibilidade de dados discriminados sobre a · Não há vinculação entre o planejamento e a alocação, execução orçamentária é limitada. especialmente no âmbito local. · Setembro 008 · Número 111 Administração de fornecimentos e medicamentos decisões, o que contribui para a incapacidade de respon- No setor saúde, a administração de fornecimentos (por sabilizar os fornecedores por seu desempenho. exemplo, da aquisição à utilização), consome uma parcela substancial dos recursos financeiros (aproximadamente Os dados arrecadados pelo estudo demonstram, por ex- 20% do total) e pode ser uma causa importante de in- emplo, que os médicos trabalham menos horas do que o eficácia e perda. As normas que governam atualmente o número de horas pelas quais foram contratados, embora processo de aquisições governamentais são eficazes em atendam ao mesmo número de consultas. Esta situação é limitar (mas não eliminar) a probabilidade de uma dotação típica nas instituições públicas, onde as horas de trabalho indevida dos recursos mas, ao mesmo tempo, seu rigor e "reais" são negociadas entre os médicos e os administra- falta de flexibilidade geram distorções significativas. dores e mantêm pouca relação com as horas "contrata- das". A qualidade da atenção pode ser comprometida Administração de equipamentos e instalações pelo fato de se dedicar menos tempo ao paciente. Além disso, segundo o estudo, 40% dos cancelamentos de A aquisição e a manutenção de equipamentos e plantas cirurgias já programadas são devidos a problemas admin- físicas figuram entre os elementos mais onerosos de istrativos internos e ao uso ineficiente dos recursos, por qualquer sistema de saúde. A ineficiência neste campo exemplo, ausência de pessoal médico auxiliar, falta de pode, portanto, ser uma fonte significativa de aumento materiais, omissão de esterilização do equipamento, etc. de custos. Nos últimos anos, o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais e municipais de saúde têm procu- O estudo aprofundou os principais problemas que afe- rado fazer um planejamento mais racional em matéria tam o serviço oferecido e sua qualidade. Os principais de aquisição e distribuição de equipamentos. O relatório problemas, identificados pelos administradores estaduais, revela que a maioria das unidades ainda enfrenta sérias municipais e institucionais, incluem: escassez de medi- dificuldades para manter as instalações e o equipamento, camentos, falta de pessoal, capacidade instalada limitada o que exerce um impacto altamente negativo sobre a para manejar a demanda nas unidades de serviços ambu- qualidade e a eficácia do tratamento, mas, até esta data, latórios e falta de materiais médicos. Tudo isto se rela- não se tem atribuído responsabilidade às instituições pela ciona com as deficiências nas práticas de administração administração de equipamentos e instalações. de recursos detalhadas neste estudo. Os administradores hospitalares também informam uma qualificação precária Administração do pessoal. do pessoal e baixa qualidade das práticas de higiene A rigidez da legislação que governa os recursos humanos (por exemplo, elevam o risco de infecções adquiridas do setor da saúde dificulta e obstaculiza a administração no hospital), enquanto os administradores de serviços dos mesmos. No entanto, os problemas de administração ambulatórios citam a falta ou a pouca disponibilidade de de pessoal identificados nas secretarias e unidades de equipamento de diagnóstico e terapêutico. saúde (principalmente no setor público) não são devidos unicamente a limitações e distorções impostas pela legis- PRINCIPAIS DESAFIOS E RECOMENDAÇÕES lação. Muitos dos problemas relacionam-se com práticas administrativas que geram um uso ineficiente dos recur- sos e, em alguns casos, a ausência de uma administração. Fragmentação do processo de planejamento e alocação E, o que é ainda mais fundamental, baseiam-se na ausên- Sincronizar e alinhar os processos de planejamento, cia total de responsabilização dos administradores. alocação, execução e informação e orientá-los para o desempenho. O planejamento deveria ser a base para Administração da produção e da qualidade definir as metas de desempenho. Os planos deveriam conter um número limitado de objetivos de desempenho A administração dos serviços e da qualidade ainda está facilmente comensuráveis. A quantificação dos custos na sua infância. São poucas as secretarias ou as unidades das atividades seria um complemento importante. Como de saúde que arrecadam periodicamente dados sobre tal, o Ministério de Saúde deveria apoiar a instalação de produtividade, eficácia ou qualidade. Em alguns casos, sistemas de contabilidade de custos no nível de institu- são monitorados os indicadores clássicos de produtivi- ição, especialmente em hospitais. dade (estada média em hospital, rotatividade de leitos, taxa de ocupação) e qualidade (mortalidade, infecções Consolidar a transferência de fundos, recurso por re- hospitalares), mas raramente são utilizados na tomada de curso, e vincular um maior financiamento a um melhor Setembro 008 · Número 111 · desempenho, premiando assim o bom desempenho e saúde. Essas técnicas incluiriam a administração de pes- penalizando o baixo desempenho. As transferências ex- soal descentralizado; a gestão de compras e inventário, istentes podem ser integradas plenamente com base em a qual facilita o processo de estimar as necessidades, a categorias funcionais/programáticas amplas que já ten- programação das aquisições e um melhor controle dos ham sido bem aceitas pelo setor (por exemplo, Atenção inventários; a administração do equipamento e das in- Primária, Tratamento Hospitalar de Complexidade Média stalações, o que permite supervisionar as condições do e Alta, etc.). Os Estados e os municípios poderiam então equipamento e sua manutenção contínua; a avaliação alocar os fundos recebidos mediante estas transferências dos custos e da eficiência das atividades; a avaliação em bloco a programas específicos, baseando-se em seus dos resultados em termos de indicadores de cobertura próprios planos e orçamentos. A fórmula para determinar e desempenho relativos à eficácia e qualidade dos ser- a distribuição das transferências deveria basear-se em viços. Seria necessário renovar as políticas em matéria critérios de política explícitos, tais como: (i) atenuar as de recursos humanos (por exemplo, estruturar melhor desigualdades inter-regionais/jurisdicionais nos resulta- as carreiras administrativas e de assistência de saúde, dos da saúde e no acesso aos serviços; ou (ii) melhorar o política de capacitação sistemática) a fim de que as car- desempenho no nível de unidade (ou seja, maior eficiên- reiras no setor de saúde pública sejam mais atraentes. cia e melhor qualidade, medidas segundo indicadores específicos orientados para os resultados). Aplicar mecanismos que reforcem a prestação de contas, tais como contratos de administração que Inflexibilidade e complexidade na execução orçamentária levem os administradores a se concentrarem em ob- Desenvolver e introduzir disposições organizacionais jetivos específicos e resultados quantificáveis. Este que dêem às unidades administrativas um maior grau mecanismo pode servir como base do planejamento, de liberdade de ação e autoridade para tomar decisões supervisão e avaliação. Quando se concede maior sobre a administração dos recursos. No entanto, o grau autonomia a instituições específicas, esta deve equi- em que se concede essa autonomia deve ser equilibrado parar-se a expectativas de desempenho bem definidas de acordo com a capacidade demonstrada por cada uni- (metas) e responsabilidade ex-post. Ao utilizar con- dade e com a capacidade do organismo central (por ex- tratos de administração, tais como ferramenta para emplo, secretaria da saúde) para supervisionar e controlar atribuir responsabilidade, deve-se evitar a aplicação seu desempenho. À guisa de teste, poder-se-ia conceder mecanicista de "prêmio e castigo". Em seu lugar, de- a alguns dos grandes hospitais (por exemplo, unidades veriam ser utilizadas as metas de desempenho como de referências) e talvez aos distritos regionais de saúde, referências, mediante as quais a secretaria e a unidade uma autonomia total para administrar suas finanças e re- possam fazer análises contínuas, manter diálogos e cursos humanos e materiais. Seria melhor começar com aplicar medidas corretivas apropriadas para melhorar o os hospitais que já são unidades orçamentárias oficiais e, desempenho da unidade. portanto, têm certa experiência na gestão autônoma de informações. As unidades menores, com capacidade ad- Informações administrativas inadequadas ministrativa mais limitada, poderiam ser encarregadas de Estabelecer sistemas sólidos de supervisão orienta- aspectos específicos da autoridade para tomar decisões. dos a melhorar o desempenho organizacional. Estes Algumas delas poderiam transformar-se em unidades sistemas deveriam proporcionar informação clara e orçamentárias, enquanto outras poderiam requerer que valiosa à administração interna, incluindo dados sobre se lhes concedesse menos autonomia. Deve-se fazer um o desempenho do programa/unidade que facilitem a estudo preparatório de cada caso, a fim de determinar o comparação com as metas e também entre as próprias grau exato de autonomia na tomada de decisões que se unidades. deve conceder a cada uma das autoridades. Sobre os Autores Falta de autonomia gerencial, incentivos e capacidade Bernard Couttolenc é Consultor; GerardA. Forgia é Especialista Fortalecer e profissionalizar a capacidade de gestão. O em Saúde Pública para a Região daAmérica Latina e do Caribe Ministério da Saúde poderia promover a adoção de téc- do Banco Mundial; e Yasuhiko Matsuda é Especialista Sênior em nicas modernas de gestão nas secretarias e unidades de Gestão do Setor Público para a Região da Ásia Oriental e Pacífico. "en breve" é produzido pela Equipe de Gestão do Conhecimento da Divisão de Operacões para a Região da Amérca Latina e o Caribe do Banco Mundial1. · Setembro 008 · Número 111