A questão O Banco Mundial é uma das maiores fontes de apoio ao de gênero desenvolvimento no mundo, atuando em mais de cem MUNDIAL BANCO países como provedor de recursos e idéias para melhorar MUNDIAL a qualidade de vida e eliminar a pobreza em seus vários no Brasil aspectos. Com vistas a aumentar a eficácia de sua BANCO atuação, o Banco Mundial recomenda a realização de estudos sobre igualdade entre os gêneros em todos os países em que atua. Este livro é resultado dessa recomendação. A Unidade de Gênero da Região da América Latina e do Caribe no Banco Mundial já preparou estudos semelhantes na Argentina, Colômbia, Equador, Jamaica, Paraguai, República Dominicana e em todos os países da América Central. Nestes, constata-se a relação entre segregação de gênero e pobreza e, como conseqüência, recomenda-se que políticas de melhoria do bem-estar sejam necessariamente acompanhadas pela redução das desigualdades socioeconômicas entre homens e mulheres. Brasil A Cepia é uma entidade civil, sem fins lucrativos, no voltada para a execução de projetos que contribuam o para o fortalecimento da cidadania, especialmente nos setores que, na história do nosso país, vêm sendo gêner excluídos de seu pleno exercício. Trabalhando no marco dos direitos humanos e com uma perspectiva de de gênero, tem privilegiado as áreas de saúde sexual e reprodutiva, violência e acesso à justiça. Para isso, a Cepia desenvolve estudos, pesquisas, questão projetos de intervenção social e programas de formação A e capacitação, tendo a preocupação de difundir seus resultados, compartilhando-os com amplos setores da sociedade. Atua, também, na avaliação e Unidade de Gênero Departamento de Região da América Latina BANCO MUNDIAL acompanhamento do impacto de políticas públicas. Política Econômica e Caribe e Redução de Pobreza A questão de gênero no Brasil Unidade de Gênero Departamento de Política Econômica e Redução de Pobreza Região da América Latina e Caribe BANCO MUNDIAL Introdução JACQUELINE PITANGUY Copyright © BANCO MUNDIAL 2003 As idéias aqui expressas são das autoras e não refletem necessariamente posições oficiais do Banco Mundial ou de seu Diretório Executivo. É permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte. Coordenação editorial Maria Valéria Junho Pena Jacqueline Pitanguy Ilustração da capa Marcia Cisneiros "Cenas de um bar", 2002 Acrílico sobre tela, Coleção de Marta Neri Revisão Sonia Cardoso Projeto gráfico e diagramação Sonia Goulart Fotolito GR3 Impressão Gráfica Imprinta BANCO MUNDIAL SCN Quadra 02 Lote A Edifício Corporate Financial Center Conjunto 303/304 Brasília DF 70712-900 Tel (61) 329-1000 Fax (61) 329-1010 CEPIA Rua do Russel 694/2º andar Glória 22210-010 Rio de Janeiro RJ Telefax (21) 25586115 / 2205-2136 cepia @alternex.com.br www.cepia.org.br N as últimas décadas do século passado, as mulheres brasi- leiras alcançaram melhorias expressivas em suas condições de vida, com a diminuição de vários indicadores que medem a desigualdade de gênero e significativos ganhos em seus direitos. Não obstante esse progresso, persistem muitos desafios. Por permanecerem uma esperança para o futuro, a igualda- de de gênero e a diminuição da mortalidade materna são hoje consideradas formalmente pela maior parte dos países do mun- do como objetivos do milênio que se inicia. Até que aí chegue- mos, muitos esforços serão demandados por parte de governos, da sociedade civil e de organismos nacionais e internacionais. Este despretensioso relatório sobre a situação de gênero no Brasil é uma contribuição do Banco Mundial a esses esforços. Aqui se demonstra que a igualdade entre todos os seres, e par- ticularmente a de gênero, não é apenas um direito humano fun- damental, de valorização da vida e do espaço social, mas de uma condição para o desenvolvimento e a eliminação da pobreza. É com alegria que o publicamos no momento em que é criada a Secretaria dos Direitos da Mulher no Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e é com alegria redobrada que o fazemos no mês em que as mulheres de todo o mundo comemoram o seu dia. Vinod Thomas Diretor Departamento do Brasil Região da América Latina e do Caribe BANCO MUNDIAL A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL iii AGRADECIMENTOS As autoras deste relatório são Maria Valéria Junho Pena (Soció- loga Líder e Coordenadora para Gênero da Região da América Latina e Caribe) e Maria C. Correia (Especialista Líder em Desen- volvimento Social da Região da África), do Banco Mundial, com colaboração de Bernice van Bronkhorst. O trabalho sobre Gênero na América Latina e Caribe é reali- zado no âmbito do Departamento de Política Econômica e Re- dução de Pobreza, dirigido por Ernesto May. Para a realização deste livro, contou-se com a colaboração do Departamento de Desenvolvimento Ambiental e Social Sustentável, dirigido por John Redwood. O texto baseia-se em relatórios preparados por Lourdes Beneria e Fulvia Rosemberg e em pesquisa realizada por Angela Umbelino de Souza Albernaz, a quem as autoras são gratas pela qualidade de seus trabalhos e pela clareza conceitual e empírica. Debora Brakarz participou de sua versão preliminar em portu- guês, discutida com o Governo brasileiro em 2000. Muitas pessoas contribuíram para a publicação deste livro. No Banco Mundial, Anabela Abreu, Angela Furtado, Antônio Ma- galhães, Chis Parel, Daniel Gross, Geoffrey Chalmers, Guillermo Perry, Ernesto May, Gobind Nankani, Joachim von Amsberg, John Garrison, John Redwood, Selpha Nyairo e Wendy Cunningham. No Brasil, Alice de Paiva Abreu, Ana Lúcia Sabóia, Bila Sorj, Branca Moreira Alves, Hildete Pereira de Mello, Jacqueline Pitanguy, Lena Lavínas, Maria Luiza Heilborn, Ruth Cardoso, Schuma Schumauer e Thereza Lobo. Chris Humphrey auxiliou no processamento e formatação do texto. A Cepia aceitou publicá-lo e participar de sua divulgação no Brasil. Embora a aceitação não signifique necessariamente que o texto seja endossado em sua totalidade ou em suas partes, ter o aval do Banco Mundial significa uma abertura para o diálogo, item muitíssimo apreciado pela instituição. Deve-se gratidão especial a Jacqueline Pitanguy pela dedicação em trazer a dis- A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL v cussão das desigualdades de gênero para o centro nevrálgico dos di- reitos humanos e erradicação da pobreza no Brasil. Em última instância, são as autoras as responsáveis pelo texto fi- nal deste livro, mas ressalve-se que, embora discutido de modo am- plo com instituições e funcionários do Governo brasileiro e do Banco Mundial, ele pode não representar seus pontos de vista. Março de 2003 vi A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL SUMÁRIO Prefácio ........................................................................................................ xi Introdução .................................................................................................. xiii Resumo executivo ................................................................................... xxvii APRESENTAÇÃO ........................................................................................... 37 VISÃO GERAL DAS QUESTÕES DE GÊNERO E AS SUAS TENDÊNCIAS ............ 40 Demográficas ........................................................................................... 40 Saúde reprodutiva .................................................................................... 45 Saúde em geral ......................................................................................... 53 Saúde dos povos indígenas ..................................................................... 58 A violência e as relações privadas ........................................................... 60 Educação .................................................................................................. 66 Trabalho ................................................................................................... 72 Pobreza, ajuste estrutural e proteção social ............................................ 90 Órgãos governamentais / Organizações não governamentais dedicadas ao gênero ................................................................................ 94 RESUMO E IMPLICAÇÕES DAS CONCLUSÕES ................................................ 98 ESTRATÉGIA E RECOMENDAÇÕES .............................................................. 104 Estratégia geral ...................................................................................... 104 Saúde ...................................................................................................... 106 Violência ................................................................................................. 108 Educação ................................................................................................ 109 Trabalho ................................................................................................. 111 Pobreza, flutuações econômicas e redes de segurança social .............. 113 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 115 Lista de abreviaturas e siglas .................................................................... 119 LISTA DAS TABELAS Tabela 1a: Características demográficas da população: Brasil e Regiões, 2000 ................................................................................ 41 Tabela 1b: Características demográficas da população: Brasil e Regiões, 2000 ................................................................................ 41 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL vii Tabela 1c: Mortalidade infantil (crianças menores de cinco anos): Brasil e Regiões, 1996 ................................................................................ 42 Tabela 1d: Mortalidade infantil (crianças menores de cinco anos) segundo os anos de estudo da mãe e Regiões .......................................... 42 Tabela 2a: Uso de contraceptivos por mulheres entre 15-49 anos que vivem com um parceiro ....................................................................... 43 Tabela 2b: Taxa de fertilidade para mulheres entre 15-49 anos de acordo com os anos de estudo e Região, 1999 ..................................... 43 Tabela 3: Gravidez de risco: espaçamento entre gravidez e atenção pré-natal durante a gravidez e o parto, Brasil e Regiões, 1996 ................. 46 Tabela 4: Número de casos de Aids relatados, Brasil, 1991-98 .................. 55 Tabela 5: Taxas de homicídios por sexo e Região por 100.000, 1998 ....... 62 Tabela 6: Homicídios violentos e ferimentos corporais violentos registrados pela Polícia Civil, Rio de Janeiro (1991-97) .............................. 62 Tabela 7: Vítimas de homicídios registrados pela Polícia Civil, por sexo, Rio de Janeiro (1991-97) ............................................................. 65 Tabela 8: Taxas de analfabetismo para a população com 15 anos de idade ou mais, por sexo e Região .......................................................... 67 Tabela 9: Anos de escolaridade de crianças com 10 anos de idade ou mais, por sexo, Brasil 1999 .................................................... 68 Tabela 10: Escolaridade média para indivíduos com 10 anos de idade ou mais, por sexo e Região .......................................................... 69 Tabela 11: Razões para o abandono da escola entre as mulheres com idade entre 15-24 anos, de acordo com o local de residência (%) Brasil, 1996 ............................................................................................ 71 Tabela 12: Taxas de participação na força de trabalho, por sexo e idade, 1985-99 ......................................................................................... 74 Tabela 13: Indivíduos no mercado de trabalho, por sexo e idade, como percentual da força de trabalho, Brasil e Regiões, 1996 .................. 74 Tabela 14: Taxa de desemprego, por gênero, população com idades entre 15-65 anos, 1996 .............................................................................. 75 Tabela 15: Taxas de participação na força de trabalho, por gênero e anos de escolaridade, 1995 ..................................................................... 76 Tabela 16: Emprego, por sexo e setor (%), Brasil, 1985-99 .......................... 6 Tabela 17: Salário médio mensal, indivíduos com 10 anos de idade ou mais, por sexo (em # de salários mínimos) ........................................... 77 viii A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL Tabela 18: Ganhos médios por hora, por sexo e escolaridade em Reais ...... 78 Tabela 19: Renda por gênero, cor e educação, Brasil 1996 (em # de salários mínimos) ......................................................................... 83 LISTA DOS BOXES Box 1: O escopo do gênero ......................................................................... 37 Box 2: A lei do planejamento familiar ......................................................... 45 Box 3: O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher .................. 48 Box 4: As visões das mulheres da Zona Rural sobre a própria saúde ........ 58 Box 5: Indicadores de saúde entre as crianças indígenas no Rio Grande do Sul ....................................................................................... 59 Box 6: As condições do trabalho infantil .................................................... 87 Box 7: O lobby do batom ............................................................................ 94 Box 8: Integrando o gênero nos programas inovadores da Fundação Abrinq ......................................................................................... 95 LISTA DOS GRÁFICOS Gráfico 1: Mulheres que tiveram filhos nos cinco anos anteriores com menos de 24 meses entre a última e penúltima gravidez (%), Brasil e Regiões, 1996 .......................................................................................... 47 Gráfico 2: Mulheres que tiveram assistência pré-natal nos três primeiros meses de gravidez e durante o parto (%), Brasil e Regiões, 1996 .............. 50 Gráfico 3: Percentual de mulheres com gravidez de alto risco (1991-96) ........................................................................................... 52 LISTA DAS FIGURAS Figura 1: Trabalho e idade .......................................................................... 80 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL ix PREFÁCIO Este relatório resulta da recomendação do Banco Mundial de que, para tornar sua atuação mais eficaz, sejam empreendidas, em todos os países-membros, análises das principais questões re- lacionadas a desigualdades de gênero ou referidas ao âmbito específico feminino (v.g., mortalidade materna) ou masculino (v.g., violência entre jovens). Na América Latina e no Caribe, re- latórios semelhantes foram realizados, entre outros países, na Argentina, Colômbia, Equador, Jamaica, Paraguai, República Dominicana e em todos os países da América Central. Ao mes- mo tempo, a relação entre segregação entre papéis de gênero e pobreza tem sido assinalada em várias das Avaliações de Po- breza recentemente realizadas pelo Banco Mundial em nosso continente, como no caso da Argentina, Nicarágua, Guatemala, Paraguai, Uruguai e outros. Desde o início do projeto o até a sua publicação final em português, cinco anos decorreram. O longo período se deve às exigências do Banco Mundial no sentido de que os documentos oficiais, como este, sejam exaustivamente discutidos no seu in- terior, bem como com os Governos dos países aos quais se re- ferem. Este relatório seguiu todos os passos necessários: foi dis- cutido duas vezes com o Governo brasileiro e, adicionalmente, com representantes de diversas organizações não governamen- tais e da sociedade civil, bem como de outras organizações internacionais. Assim, muitas de suas estatísticas estão ultra- passadas por outras, geradas depois. Contudo, as tendências bá- sicas permanecem válidas, sugerindo importantes ênfases no diálogo do Banco Mundial com o Governo do Brasil e sua socie- dade civil. O fato de as avaliações de gênero não deverem ser exten- sas, para que possam enfatizar com mais força as áreas que requerem atenção mais imediata, fez com que várias questões importantes tenham sido apenas mencionadas. Em particular, A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL xi são necessários diagnósticos específicos quanto à conexão entre gê- nero e cor, que faz das mulheres negras, pardas e indígenas os gru- pos que requerem intervenções mais urgentes. Se a sociedade brasileira assistiu a importantes avanços no âmbito do gênero, várias das conclusões deste relatório reforçam a importân- cia de uma agenda sobre igualdade entre homens e mulheres no país, uma vez que o acesso e controle feminino aos recursos políticos, eco- nômicos, culturais e sociais se revelou muito precário em relação ao masculino. Esta agenda é necessariamente parte do processo de desen- volvimento do país e atesta a importância que nela possuem a dimi- nuição dos índices de desigualdade social e o concomitante aumento de bem-estar da população. Com ela, o Banco Mundial se comprome- teu, ao validar junto a outras agências internacionais e nacionais e Governos de todo o mundo, a igualdade de gênero e a valorização da vida feminina através da diminuição da mortalidade materna como Ob- jetivos do Milênio. Unidade de Gênero Departamento de Política Econômica e Redução de Pobreza Região da América Latina e Caribe BANCO MUNDIAL xii A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o Banco Mundial tem se preocupado com ques- tões ligadas à saúde, violência, pobreza e exclusão social, que têm sido, via de regra, pouco consideradas pelas instituições fi- nanceiras mundiais. Esta preocupação se traduziu, dentre outras iniciativas, em estudos que têm ressaltado o papel fundamental destas questões enquanto variáveis intervenientes no desenvol- vimento social. De forma bastante pioneira, em 1993 o Banco Mundial (Bird) realizou um estudo sobre as conseqüências da vi- olência sobre a saúde da mulher, demonstrando que seus efeitos incidiam também sobre a produtividade no trabalho e a esco- laridade das vitimas, afetando o processo de desenvolvimento.1 Existe hoje uma considerável produção nacional e internacio- nal de pesquisas, oriundas de universidades, centros de pes- quisas e organizações não governamentais (ONGs) analisando a situação da mulher na educação, no mercado de trabalho e na política, assim como estudos sobre saúde reprodutiva e a violência doméstica e sexual. São, no entanto, ainda relativa- mente escassos os trabalhos que tomam o gênero como matriz metodológica, incorporando uma perspectiva efetivamente re- lacional a suas análises. Esta publicação, que, a partir de análi- ses de dados secundários são abordadas, dentre outras, dimen- sões como trabalho, pobreza e ajuste estrutural, demografia, participação política, saúde reprodutiva e sexual, violência e edu- cação, combina estes dois elementos: trata-se de um olhar do Banco Mundial sobre questões de gênero no Brasil, com lentes ajustadas no sentido de enxergar as imbricações entre gênero e desenvolvimento. O conceito de gênero é uma construção sociológica relativa- mente recente, respondendo à necessidade de diferenciar o sexo 1 HEISE, Lori, PITANGUY, Jacqueline and GERMAIN, Adrienne. Violencia con- tra la mujer, la carga oculta sobre la salud, 1994, BIRD, Departamento de Población, Salud e Nutrición, Washington D.C. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL xiii biológico de sua tradução social em papéis sociais e expectativas de comportamentos femininos e masculinos, tradução esta demarcada pe- las relações de poder entre homens e mulheres vigentes na socieda- de. Cabe, no entanto, ressaltar que as informações com as quais se elaboram as estatísticas nacionais apresentam dados discriminados por sexo, e não por gênero, apesar de que, freqüentemente estão, de fato, espelhando relações de gênero, razão pela qual a análise de séries históricas de dados estatísticos permite uma leitura sobre mudanças nos padrões sociais e no relacionamento entre mulheres e homens na sociedade brasileira. A participação significativa das mulheres nos diversos níveis de educação formal, os avanços constitucionais assegurando maior igual- dade entre homens e mulheres no campo da família, do trabalho e dos direitos sociais, assim como transformações culturais levando a uma demarcação menos diferenciada entre o masculino e o feminino têm contribuído para a redução das diferenças entre gêneros, no sen- tido de estabelecer, em alguns campos, expectativas de comportamen- to e oportunidades mais similares para homens e mulheres. No campo da demografia, estas mudanças são particularmente ní- tidas, indicando claramente uma transformação no padrão reprodutivo do país, o que se deve, dentre outros fatores à mudanças de valores e comportamentos de mulheres e homens para quem a prole numerosa não só distancia-se do padrão de modernidade predominante nos gran- des centros urbanos (e veiculado através da mídia para todo o país), como representa, de fato, um peso econômico considerável para o or- çamento familiar e uma sobrecarga de trabalho para os adultos. Neste sentido, poder-se-ia propor que, apesar de caber fundamentalmente à mulher arcar com a responsabilidade pela contracepção, haveria sinto- nia nas relações de gênero quanto às escolhas reprodutivas. Homens e mulheres desejam ter menos filhos. Entretanto, se a acentuada queda na taxa de natalidade, hoje estimada em torno de 2,1, responde a expectativas de ambos, esta só foi alcançada graças ao comportamento reprodutivo das mulheres que, frente à escassez de opções contra- ceptivas, recorreram fundamentalmente à pílula e à esterilização. Quando, em 1983, o Governo brasileiro lançou, por primeira vez, um programa oficial de saúde que incluiu o planejamento familiar, tra- xiv A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL tou-se de um programa de saúde da mulher, e não de um programa de saúde reprodutiva com a perspectiva de gênero. Regulamentado em 1987, graças, em grande parte, à pressão exercida pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, CNDM, junto aos Ministérios da Saú- de e da Previdência Social, este era, no entanto, um programa avança- do para a época, apesar de não apresentar políticas de atendimento ao abortamento legal. Hoje este Programa de Atenção Integrada a Saú- de da Mulher (Paism) contempla ações mais diversificadas e antena- das com as diferenças entre as mulheres (raça, idade, região) inves- tindo também em capacitação de parteiras tradicionais, na especiali- zação da enfermagem, na prevenção e tratamento de DST/Aids, e no atendimento à mulher em situação de violência. Este último programa é particularmente importante pois regulamenta, através das Normas Técnicas elaboradas em 1999 pelo Ministério da Saúde, o atendimen- to à mulher vítima de violência sexual, que contempla a contracepção de emergência, a profilaxia das principais doenças sexualmente trans- mitidas, inclusive da Aids, a vacinação contra a hepatite B, o aborta- mento voluntário em gestação resultante de estupro, além de aconse- lhamento psicológico. Uma das preocupações do movimento de mulheres tem sido a de implementar estas Normas Técnicas a fim de que este tipo de atendi- mento passe a ser incorporado às rotinas de hospitais-maternidades, bem como as de emergências hospitalares para onde acorre grande número de mulheres vítimas de violência. A prevenção da gravidez indesejada constitui um direito humano das mulheres, cuja violação é ainda mais grave quando se trata de uma relação sexual resultante de estupro. Este direito é freqüentemente violado pela falta de aces- so à contracepção de emergência, que deve ser ministrada em curto prazo após a relação sexual. Uma das prioridades da Cepia (Cidada- nia, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), tem sido a de treinar as equipes mistas (profissionais de medicina, enfermagem, psicologia e serviço social) destas emergências, familiarizando-os com as diretri- zes do Ministério da Saúde, via de regra desconhecidas. Este traba- lho tem sido realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, tendo alcançado as cinco principais emergências do municí- pio do Rio de Janeiro. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL xv O relatório do Bird sugere que a pratica da esterilização deveria ser evitada. É sem dúvida aconselhável que a mulher tenha acesso a métodos contraceptivos reversíveis e seguros e só utilize a laqueadu- ra de trompas quando plenamente informada das dificuldades de re- versão. Entretanto, caberia ressaltar o esforço empreendido por orga- nizações de mulheres no sentido de retirar a esterilização voluntária do âmbito do proibido, da semiclandestinidade, em que se prestava a todo tipo de abusos e negociações, para alçá-la à categoria de um di- reito, regulamentado pela lei do planejamento familiar (Lei 9.267/97). Esta passagem política é significativa, pois se dá em um contexto pós- Conferências do Cairo e de Beijing e se coaduna com as conquistas destas Conferências, fortalecendo a esfera dos direitos reprodutivos no país. O gênero interfere, no entanto, na demanda pela esteriliza- ção posto que, seja enquanto prática semiclandestina ou como um direito reprodutivo, esta é, ainda, fundamentalmente feminina. Apesar de o país contar, há mais de 15 anos, com um programa como o Paism, a mortalidade materna é ainda alarmante, dado o nível de desenvolvimento do Brasil. Para o Bird esta é uma área prioritária, para a qual devem se congregar esforços públicos e iniciativas da socie- dade civil. Dentre as sugestões de baixo custo o documento apresen- ta a de ampliar a cobertura de antitetânica de mulheres em idade re- produtiva. A melhoria nos serviços de pré-natal e do atendimento ao parto, que acontece, em sua expressiva maioria, no ambiente hospi- talar, são outras medidas de caráter urgente. A estas, acrescentaria a necessidade de uma avaliação dos custos do aborto clandestino para a saúde da mulher, posto que esta seria a segunda causa da mortali- dade materna no país. As informações disponíveis indicam que, no Brasil, as mulheres dese- jam reduzir ainda mais sua fecundidade (a Taxa de Fecundidade Total Desejada seria de 1,9, segundo dados de 1998 da Bemfam), evidenciando uma demanda feminina não satisfeita por serviços de planejamento familiar. No caso dos homens, mesmo se compartilham o desejo por menos filhos, não se pode afirmar que exista uma demanda por tais servi- ços. Para este grupo, seria ainda necessário criar uma demanda contra- ceptiva que rompesse os padrões assimétricos vigentes entre os gêne- ros no que tange à responsabilidade pelo comportamento reprodutivo. xvi A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL Como ressalta este documento do Bird, esforços devem ser feitos, por entidades governamentais e privadas, no sentido de conclamar os homens para que assumam a responsabilidade pelas conseqüên- cias de sua atividade sexual, tanto no âmbito da reprodução quanto da saúde. É particularmente urgente a necessidade de suscitar nos ho- mens a consciência das conseqüências de seu comportamento sexual para com suas companheiras. É alarmante o crescimento do contin- gente de mulheres contaminadas pelo HIV/Aids. Hoje, no Brasil, esti- ma-se que exista uma mulher para cada dois homens infectados pela síndrome de imunodeficiência adquirida, sendo que a parcela mais expressiva deste contingente é composta por mulheres que vivem em união estável com seus parceiros. As relações de gênero jogam papel crucial na conformação deste quadro, no qual a opção do homem pelo uso do preservativo em relacionamentos estáveis, como forma de pro- teção para a mulher, é ainda rara e não encontra, por parte da mulher, pressão neste sentido. Mesmo reconhecendo que a dimensão da se- xualidade humana é complexa e permeada por sentimentos ambíguos, as hierarquias de poder (concreto ou simbólico) que permeiam as re- lações de gênero certamente colaboram para este perfil epidemiológico da Aids no Brasil. Ainda no âmbito da vida sexual e reprodutiva, este documento aponta a incidência da gravidez na adolescência como um problema a ser enfrentado. Este é um tema difícil, na medida em que incorpora dimensões que vão além da expansão da oferta de serviços de plane- jamento familiar para jovens. O presente relatório aponta que há uma correlação negativa entre maior escolaridade e incidência da gravidez juvenil, sugerindo que a educação e as oportunidades de realização pessoal são determinantes no retardamento da primeira gestação. Como indicam estudos sobre o tema, ao traçar programas de saú- de reprodutiva para a população jovem, deve-se considerar que a gra- videz juvenil é também tida como um valor, principalmente pelas mu- lheres que não tem acesso a outras formas de realização pessoal. Malu Heilborn (2002) sugere que o aumento da gravidez precoce no Brasil está relacionado à perda de valor da virgindade, salientando que esta pode também constituir, em muitos casos, uma estratégia matrimo- nial de obter um parceiro. Heilborn salienta também a dimensão de A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL xvii mobilidade social presente em certos casos de gravidez adolescente, no sentido de que a maternidade da jovem pode possibilitar uma mu- dança de status no interior da família "conferindo à moça um certo tipo de autoridade diante dos pais".2 Mais uma vez se faz presente o corte de gênero quando se aborda a questão da sexualidade e da reprodução na adolescência. Pratica- mente inexistem estatísticas que permitam visualizar o quadro dos jovens pais e os programas de atenção à adolescência, como o Pro- grama de Saúde do Adolescente, Prosad, tem uma clientela eminente- mente feminina. A necessidade de incluir os homens, jovens e adultos, no campo da saúde sexual e reprodutiva, campo este eminentemente relacional, tem sido levantada pelos movimentos de mulheres em todo o mun- do. Estes movimentos tiveram papel fundamental no processo prepa- ratório para a Conferência de População e Desenvolvimento do Cairo (1994), tendo realizado, no Rio de Janeiro, um grande encontro inter- nacional preparatório, do qual participaram cerca de 250 mulheres de 89 países. Neste encontro, intitulado Saúde Reprodutiva e Justiça, Conferência Internacional sobre a Saúde da Mulher, foi elaborado um documento com objetivos, estratégias e atividades a serem privilegia- das, dentre as quais já se chamava a atenção para a necessidade de "trabalhar com os homens, particularmente no sentido de incluí-los em programas de educação e aconselhamento sobre seu comporta- mento sexual e reprodutivo, sobre seu papel e sua responsabilidade" e ainda, de "abordar a desigualdade de poder nas relações de gênero, suscitar a consciência de gênero e discutir questões de sexualidade com homens e mulheres".3 O Plano de Ação da Conferência do Cairo ressalta o papel do ho- mem, nos seguintes termos: 2 HEILBORN, Malu. "Fronteiras simbólicas: gênero, corpo e sexualidade" in Cader- nos Cepia 5: Gênero, Corpo e Enfermagem. Rio de Janeiro, Cepia, 2002; pp.73-92. 3 Reproductive Health and Justice. Report of the International Women's Health Conference for Cairo'94 ­ editado por IWHC e Cepia, Rio de Janeiro, 1994, pp.26 e 27. xviii A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL "Esforços significativos devem ser feitos no sentido de enfatizar a co-res- ponsabilidade masculina e promover o efetivo envolvimento dos homens com relação à paternidade responsável e ao comportamento sexual e re- produtivo, incluindo-se aí o uso de anticoncepção em especial quando se trata da prevenção de gestações não desejadas ou de alto risco. O envolvimento masculino também deve ser estimulado em situações as- sociadas à saúde materno-infantil e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV/Aids; no que se refere a compartilhar o controle e a contribuição para a renda familiar, educação, saúde e nutrição das crianças de ambos os sexos. As responsabilidades masculinas na vida familiar devem ser incluídas nos conteúdos da educação infantil desde muito cedo. No contexto destes esforços a prevenção de violência contra mulheres e crianças requer uma atenção especial."4 Não há, portanto, divergências entre ativistas, ONGs e outras ins- tâncias defensoras dos direitos das mulheres sobre a necessidade de os homens assumirem sua responsabilidade no âmbito da sexualida- de e da reprodução. A ausência masculina tem, entretanto, raízes pro- fundas, pois reflete valores norteadores de um tipo ideal de masculi- nidade calcado na assimetria das relações de gênero e em uma visão de mundo onde homens e mulheres desempenham papéis diversos, particularmente no campo da reprodução e do cuidado das crianças e da casa. Na década de 1980, o Conselho Nacional dos Direitos da Mu- lher, em articulação com outros Conselhos e movimentos sociais, apre- sentou uma proposta no sentido de incluir, na nova Constituição, a licença-paternidade, justamente com o objetivo de trazer o homem para a casa no nascimento de um filho. Apesar de que, uma vez regu- lamentada, esta licença não exceda a uma semana, ela tem um efeito simbólico. Entretanto, ainda é predominante, nas relações de gênero, uma perspectiva demarcada pelo modelo tradicional de divisão sexual de tarefas, que justifica e legitima para homens e mulheres a ausên- cia masculina do espaço domestico mesmo quando, na realidade, a 4 Plano de Ação da Conferência de População e Desenvolvimento das Nações Uni- das, citada em Direitos Sexuais e Reprodutivos e Saúde das Mulheres, editado por HERA, 1997. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL xix mulher e seu companheiro dedicam tempo similar ao trabalho fora de casa. De fato, cada vez mais, pela necessidade de sobrevivência, ma- nutenção de um padrão econômico familiar e/ou por necessidade de realização pessoal, a mulher trabalha fora de casa. O número de mulheres chefes de família também aumenta de for- ma sistemática no Brasil e as estatísticas, mais uma vez, revelam o peso das desigualdades de gênero na sua configuração. Como aponta o relatório, quando os dados são controlados pela educação, onde é maior a escolaridade feminina, os domicílios encabeçados por mulhe- res têm uma probabilidade muito maior (46 por cento) de serem po- bres do que os domicílios encabeçados por homens. Além disso, os domicílios com crianças são mais vulneráveis e com maior probabili- dade de serem pobres do que os domicílios sem crianças menores de cinco anos de idade, o que reforça a necessidade de um maior inves- timento, governamental e privado, na educação pré-escolar. Caberia ressaltar o papel do gênero no sentido de que se são mais numerosas as famílias chefiadas por mulheres com crianças pequenas, isto se deve a que as mulheres tendem a incorporar os filhos em sua trajetória exis- tencial, mais do que os homens, configurando uma matriz matrilinear na família brasileira, particularmente na de menor renda. Ainda no âmbito dos espaços casa/rua, o Bird salienta o peso dos estereótipos veiculados pelos livros escolares e métodos educacionais no Brasil, no reforço à segregação de gênero, ligando os homens a todas as dimensões da vida pública e as mulheres à esfera privada do domicílio. Por outro lado, a desigualdade nos papéis de gênero, pelo menos em termos de expectativas, permite que, apesar da pobreza e de escolas inadequadas, as meninas permaneçam mais tempo na es- cola, enquanto um maior número de rapazes são levados ao mercado de trabalho com idade prematura. Esta divisão de espaços casa/rua, que conforma esferas simbóli- cas do masculino e do feminino, se atualiza concretamente nas análi- ses sobre gênero, violência e mortalidade apresentadas neste docu- mento. O acentuado peso dos fatores externos como acidentes, ho- micídios e suicídios na morte de homens, principalmente de homens jovens concorre para acentuar as diferenças das taxas de mortalidade por sexo, que se aproximam de países em situação de conflitos arma- xx A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL dos. Ainda no âmbito da influência do gênero no campo da violência, caberia salientar que, enquanto a maioria das agressões contra as mulheres ocorre em casa e praticada por pessoa conhecida, em rela- ção aos homens dá-se o padrão inverso. A Fundação Perseu Abramo realizou, em 2001, pesquisa com 2.500 mulheres, corroborando a tese de que, enquanto para os homens o perigo está na rua, para as mu- lheres ele mora em casa e os agressores são conhecidos da vítima. De fato, os resultados mostram que o marido é o maior agressor, aponta- do como responsável por 70% das quebradeiras, 56% dos espancamen- tos e 53% das ameaças com armas à integridade física. Em segundo lugar aparece o ex-marido, ex-companheiro, ex-namorado como au- tor das agressões. A pesquisa indica também que é ainda baixo o nú- mero de mulheres que recorrem à polícia, o que ocorre sobretudo quan- do esta atinge um grau extremo. Via de regra, as vítimas buscam a ajuda de familiares vizinhos ou amigos.5 Além da dimensão policial, a questão da violência de gênero deve ser vista também do ponto de vista jurídico. A Lei 9.099/95 do Códi- go Penal categoriza a violência doméstica como crime de menor po- tencial ofensivo doloso e estabelece penas alternativas para condena- ções de até um ano. Estas penas, aplicadas aos agressores de mulhe- res, têm sido pagas inclusive com métodos alternativos como doação de cestas básicas para entidades filantrópicas. Não se trata de questionar o valor desta legislação que privilegia a rapidez processual, requer a presença da vítima com voz ativa, reali- za audiências conciliatórias e prescinde da configuração da queixa cri- minal e da constituição da figura do réu. Na realidade, esta legislação representa um avanço para o tratamento de diversos tipos de crimes. Cabe no entanto questionar sua aplicação nos casos de violência do- méstica, pois a Lei 9.099/95 deixa as vítimas impotentes diante do agressor e de um tipo de violência cujo potencial ofensivo é maximizado por laços afetivos. É urgente a necessidade de aprofundar este debate, no qual já es- tão envolvidas diversas organizações defensoras dos direitos das mu- 5RUSCHE, Michelle. "O inimigo dorme do lado" in A mulher brasileira nos espaços público e privado, 2001. Núcleo de Opinião Pública Fundação Perseu Abramo. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL xxi lheres afim de que sejam propostas outras soluções jurídicas para os crimes de violência domestica. Como afirma a socióloga Heleieth Saffiotti, "a pena alternativa só faz sentido se tiver caráter pedagógico. Ela só é válida se reeducar o agressor. Por que, se ele é agressivo e é solto, ele chega em sua casa e diz que ela vai tomar duas surras por semana e não mais uma. Então na verdade quem está pagando a pena alternativa é a mulher".6 A propósito da "educação" do agressor, com razão este relatório chama a atenção sobre a necessidade de se investir na inter-relação entre gênero e violência masculina, pois a idéia de masculinidade as- sociada à violência é prevalente no Brasil entre homens jovens e adul- tos. Diferentes estratégias vêm sendo desenvolvidas por organizações da sociedade civil em vários países da América Latina, inclusive no Brasil, com o objetivo de conscientizar os homens sobre a necessida- de de se construir novos padrões de relações de gênero. Em seminá- rio promovido pela Society for International Development/SID, e pela Cepia em 2002, foram apresentadas e discutidas algumas das iniciati- vas em curso no Brasil, tais como os grupos reflexivos de gênero de- senvolvidos com homens, freqüentemente agressores, buscando con- tribuir para a análise e construção da masculinidade, tendo por base o respeito aos direitos das mulheres e a diversidade sexual. O reco- nhecimento da necessidade de incluir uma perspectiva de gênero na questão da violência doméstica e sexual não pode significar, no en- tanto, a desvalorização de iniciativas voltadas diretamente para as mulheres, meninas, jovens ou adultas, principais vítimas desta forma de violência e que experimentam, por razões culturais e econômicas, situações de maior vulnerabilidade a estas formas de agressão. A questão da visibilidade da violência de gênero e raça em nosso país deveria ser aprofundada pelos órgãos de direitos humanos, go- vernamentais e não governamentais. Durante séculos a violência de gênero não tinha existência social no Brasil. Nem mesmo o assassi- 6 SAFFIOTTI, Helleieth. Apud RUSCHE, op.cit. xxii A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL nato, considerado a expressão máxima da violência, era reconheci- do enquanto tal quando perpetrado por marido contra mulher, sobre a qual pesasse a suspeita de infidelidade. Até meados do século 19, o marido tampouco seria punido se matasse a mulher e o suposto amante, desde que este fosse de nível social inferior, evidenciando assim, de forma inquestionável, que a idéia de justiça se construía a partir dos eixos da classe social, sexo e cor. Em crimes de estupro ainda persiste também uma lógica perversa no sentido de que cabe à mulher comprovar que ela não seduziu o agressor nem instigou, por sua atitude ou comportamento, a agres- são sexual. Está lógica interpenetra as esferas policiais e jurídicas e interfere também na relação do profissional de saúde com a paciente que busca atenção médica nos hospitais. Para compreender por que persiste ainda um manto de invisibili- dade sobre a violência de gênero, é necessário indagar sobre a posi- ção da mulher em instâncias diversas da vida familiar, política e eco- nômica, não nos limitando ao que corresponderia ao domínio tradici- onal do que se entende por violência, quer sejam as agressões físi- cas, o estupro, o assassinato. A naturalização da desigualdade de gê- nero é o instrumento principal para sua aceitação social e sua incor- poração em leis, práticas ou comportamentos que se estendem aos campos da saúde, da violência, da educação e do trabalho. Neste âmbito, o presente relatório do Bird salienta as marcantes transformações ocorridas no campo do gênero e do trabalho, dentre as quais a diminuição da diferença salarial entre mulheres e homens, chamando entretanto a atenção para o fato de que no Brasil, onde as mulheres ganham cerca de 66 por cento do que recebem os homens, este índice corresponde a uma das maiores diferenças de salários en- tre os sexos na América Latina e no Caribe. Esta diferença permanece mesmo quando são levadas em conta a educação e as horas trabalha- das e aumenta com mais anos de educação. Outro indicador das hie- rarquias vigentes no mercado de trabalho diz respeito à posição na ocupação. No serviço público, por exemplo a participação das mulhe- res nos cargos comissionados é decrescente à medida que melhora o nível do DAS (Direção de Assessoramento Superior). De acordo com o Relatório apresentado ao Cedaw (Comitê para a Eliminação de todas A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASILxxiii as formas de Discriminação contra a Mulher) pelo Brasil em 2002 en- quanto que as mulheres ocupam 49,0% dos DAS-1, elas detém apenas 13% dos DAS-6. De todos os grupos, em setores públicos ou privados, as mulheres negras são as que têm mais desvantagens. A diferença de oportuni- dades para mulheres brancas e negras na educação reflete-se também nos padrões de rendimento das mulheres pertencentes a estes dife- rentes grupos. Como se depreende deste mesmo relatório, os rendi- mentos das mulheres não-brancas chegam a ser 70% inferiores aos rendimentos dos homens brancos e 53% inferiores aos rendimentos das mulheres brancas. São também 40% inferiores aos rendimentos dos homens não brancos.7 Estes dados revelam a imbricação cruel das variáveis de raça e sexo no país. Entretanto, graças a uma presença mais efetiva de ONGs e movimentos sociais de afro-descendentes, inclusive de organizações de mulheres negras, a década de 1990 trouxe maior visibilidade para a discriminação racial vigente no país e maior questionamento do mito da democracia racial que alimenta um imaginário social incongruente com a realidade. A invisibilidade do preconceito racial tem também raízes no fato de que no Brasil, durante cerca de 400 anos a escravi- dão, enquanto uma instituição social e econômica, tornava invisível para a sociedade a violência da privação da liberdade do negro e legi- timava o uso explícito da violência física e da tortura como instru- mento corretivo, prática ainda corriqueira no âmbito policial e freqüen- temente invisível quando exercida sobre pobres, negros e povos indí- genas. A propósito deste último grupo étnico, com razão as autoras do relatório chamam a atenção para a necessidade de privilegiar aná- lises e programas voltados para a mulher indígena, que enfrenta pro- blemas cruciais de saúde. Cabe ainda ressaltar a importância de um investimento maior dos partidos políticos, do executivo e do judiciário no sentido de assegu- rar maior igualdade de gênero no espaço político, do qual a mulher esteve ausente nos últimos governos e no qual tem presença ainda 7 Relatório Nacional Brasileiro ­ Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (Protocol; o Facultativo) Brasília 2002, p.112. xxiv A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL tímida no atual. Ainda hoje, os dados relativos à participação da mu- lher no poder legislativo e em altos cargos de executivo evidenciam que, no Brasil, as mulheres têm sido alijadas das esferas de decisão política, e ainda o são. A diferença entre homens e mulheres, no Con- gresso Nacional e nos altos escalões do executivo e do judiciário, não é meramente numérica. Ela é política, pois reflete relações de poder. É importante ter presente a carga simbólica que acompanha o exercí- cio do poder e o fato de que esta ausência tem efeitos perversos na conformação de uma percepção social da mulher como um ser inade- quado e incapaz para tais funções. Finalmente, gostaria de observar que, mesmo não concordando com todos os alcances e sugestões deste documento, considero inquestio- nável seu valor no sentido de utilizar o conceito de gênero como fio condutor de suas análises e considerações, salientando como os da- dos quantitativos revelam relações sociais e de poder vigentes na so- ciedade. Esta abordagem do Bird, que esperamos, se refletirá em suas ações programáticas, indica um olhar mais atento ao que há por de- trás dos números e afirma a necessidade de colaborar com o governo e a sociedade civil no sentido de encarar o desafio de construir rela- ções de gênero mais igualitárias no Brasil. Este relatório é também oportuno pois se insere em um momento político de grande transcendência, marcado pela consolidação demo- crática evidenciada nas recentes eleições majoritárias, e pela criação da Secretaria dos Direitos da Mulher, Sedim, que, esperamos, venha a articular e desenvolver políticas de gênero no âmbito federal. Jacqueline Pitanguy Diretora da Cepia Membro do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASILxxv RESUMO EXECUTIVO INTRODUÇÃO Este relatório documenta as conclusões de uma revisão sobre as ques- tões de gênero no Brasil realizada pelo Banco Mundial em 1999 e atua- lizada em 2001. Surgiu como uma resposta ao reconhecimento crescen- te ­ tanto no Banco Mundial como no Brasil ­ de que a igualdade de gênero é um elemento importante para o aumento do bem-estar econô- mico e social, bem como para a redução da pobreza. Esta revisão analisa relações de gênero em termos das tendências demográficas, dos indica- dores de saúde, das causas e dos efeitos da violência, dos indicadores educacionais, das tendências no mercado de trabalho e da proteção so- cial. A relevância setorial do gênero e a composição da carteira do Ban- co Mundial no Brasil foram os critérios mais importantes na seleção das áreas analisados. A revisão aqui empreendida possui o objetivo de me- lhorar a eficiência e eficácia do Banco Mundial em seu propósito de promover o desenvolvimento e reduzir a pobreza e a desigualdade nos vários aspectos em que se manifesta. Porque gênero é uma categoria relacional, este relatório inclui seus impactos tanto sobre homens como mulheres, referindo-se às diferentes experiências, preferências, necessidades, oportunidade e restrições en- frentadas por ambos em virtude dos seus papéis socialmente designados. Contudo, dado que o relatório se baseia primordialmente em fontes se- cundárias e que estudos sobre gênero tendem a focalizar com mais fre- qüência os impactos das relações de gênero sobre as mulheres, é limita- da a discussão sobre seus efeitos sobre os homens no Brasil. CONCLUSÕES PRINCIPAIS Em geral, o Brasil progrediu muito no tratamento das questões de gêne- ro e na redução das diferenças entre homens e mulheres. Três avanços importantes merecem ser mencionados: Primeiro, o acesso e uso de con- traceptivos aumentou enormemente, resultando em uma queda acentua- A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASILxxvii da na taxa de fecundidade e no tamanho das famílias. Segundo, o nível educacional das mulheres aumentou ao ponto de, na média, elas apresen- tarem agora mais escolaridade que os homens. E terceiro, embora os ho- mens ainda predominem no mercado de trabalho, a participação das mu- lheres tem aumentado constantemente nas duas últimas décadas ao mes- mo tempo em que diminuiu a diferença salarial entre os sexos. Estas mu- danças podem, em parte, ser atribuídas à crise prolongada no Brasil que alterou a alocação do trabalho masculino e feminino fora dos domicílios. A democratização rápida do Brasil, que estimulou uma demanda por di- reitos e tratamentos iguais na família e no mercado de trabalho, contribuiu também para maior igualdade entre os gêneros. Contudo, enquanto o Brasil testemunhou muitos avanços nesta área, ainda permanece uma série de questões que afetam o bem-estar de ho- mens e mulheres e as relações entre ambos. Por exemplo: § As taxas de mortalidade ligadas a fatores externos, tais como aciden- tes de trânsito, homicídios e suicídios, diferem enormemente por sexo, expressando diferenças de gênero. Durante o período de 1977 a 1993, por exemplo, a mortalidade devido a fatores externos aumentou 45 por cento entre homens e 13 por cento entre as mulheres. No Brasil, a diferença na expectativa de vida entre os sexos ­ 12 por cento maior para as mulheres ­ é maior do que em outros países na região como, por exemplo, o México, e nos países mais industrializados, como o Canadá e a Grécia. § Em termos de serviços de saúde, a atenção pré-natal para as mulheres grávidas continua inadequada. Quase a metade das mulheres brasilei- ras que deu à luz nos cinco anos anteriores a 1996 incorreu em riscos relacionados à carência de serviços apropriados. A mortalidade ma- terna é alta no Brasil e o problema é especialmente agudo entre as mulheres indígenas. Por outro lado, o uso de anticoncepcionais entre os homens é mínimo ­ somente seis por cento, segundo a pesquisa de 1996 da Sociedade Civil do Bem-Estar Familiar no Brasil (Bemfam) ­ colocando, desta forma, um risco significativo na expansão da sín- drome da imunodeficiência adquirida (Aids) e de outras doenças se- xxviiiA QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL xualmente transmissíveis. Finalmente, programas de saúde reproduti- va têm focalizado principalmente as mulheres, quando deveriam con- siderar também o comportamento sexual e reprodutivo dos homens como fator importante nas decisões relativas à saúde e ao planeja- mento familiar. § Informações quantitativas e qualitativas das organizações não gover- namentais e dos governos estaduais indicam que a violência entre homens jovens e adultos, a violência masculina contra as mulheres e a violência sexual contra meninos e meninas são elevadas. Os ho- mens são os principais perpetrantes de homicídios tanto contra ho- mens quanto contra mulheres. São também as vítimas mais freqüen- tes. Em 1998, segundos registros policiais, 93 por cento das vítimas de homicídios eram homens e um número igual de homens e mulhe- res foi vítima de agressões violentas. A incidência alta de violência na sociedade brasileira está afetando o sistema de saúde e afeta também a produtividade no trabalho e na qualidade de vida. A violência con- tra as mulheres reduz também a sua capacidade de negociar sexo se- guro e evitar as doenças sexualmente transmissíveis, dentre as quais o vírus da imunodeficiência humana (HIV)/Aids. § Estudos realizados no Brasil concluem que os livros didáticos e os métodos de ensino tendem a reforçar a segregação de gênero e os estereótipos. Os homens estão ligados à vida pública e em todas as suas dimensões de trabalho, ao lazer, à política, riqueza e poder, en- quanto que as mulheres estão relegadas à esfera privada do domicílio. A pobreza e as escolas inadequadas levaram, em especial, os rapazes a entrarem no mercado de trabalho com idade prematura, gerando impactos negativos em sua educação. § A disponibilidade de creches e de programas de educação pré-escolar permanece inadequada, especialmente para os mais pobres. Dado que o trabalho em casa continua a ser considerado feminino, a cobertura pequena das creches afeta desproporcionalmente as oportunidades para as mulheres no mercado de trabalho, especialmente para as mais ca- rentes, que dele mais necessitam. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASILxxix § Embora tenha diminuído, o Brasil continua a registrar uma das maio- res diferenças de salários entre gêneros na América Latina e no Caribe ­ as mulheres ganham 66 por cento do que ganham os homens. De todos os grupos, as mulheres negras são as que têm maiores desvanta- gens. A diferença permanece mesmo quando são levadas em conta o grau de educação formal e o número de horas trabalhadas; ainda, a diferença aumenta com a escolaridade. Os pesquisadores sugerem que fatores externos ao mercado de trabalho, tais como casamento, filhos ou interrupções no trabalho, possam explicar parte desta diferença. Dado que as mulheres têm níveis educacionais mais altos, os seus salários mais baixos em relação aos homens significa que os retornos da educação para as mulheres são mais baixos do que para os homens. § No Brasil, como no resto do continente, não existem evidências de que domicílios chefiados por mulheres sejam mais pobres que os che- fiados por homens. A rigor, esta comparação não pode ser feita por- que os dados não permitem saber se o que as estatísticas denominam como domicílios chefiados por homens sejam de fato, domicílios con- jugais. Se aceitarmos esta definição reconhecidamente precária de che- fia masculina, quando há o controle sobre a educação e sobre outras características individuais, os domicílios encabeçados por mulheres têm uma probabilidade muito maior (46 por cento) de serem pobres do que os domicílios encabeçados por homens. Talvez por serem es- tes conjugais. Além disso, os domicílios com crianças são mais vul- neráveis e com maior probabilidade de serem pobres do que os domi- cílios sem crianças menores de cinco anos de idade. ESTRATÉGIA E RECOMENDAÇÕES Sendo o Banco Mundial uma agência para o desenvolvimento, este relatório possui, necessariamente, também um caráter normativo, su- gerindo três linhas básicas de ação. A primeira recomenda que, tendo feito avanços significativos na reforma da estrutura jurídica e política ligada à igualdade de gênero, o Brasil deveria voltar-se agora para a alteração dos papéis e expectativas sociais a respeito de papéis femini- xxx A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL nos e masculinos, de modo que as mulheres e os homens usufruíssem das oportunidades a eles oferecidas por legislações e por políticas go- vernamentais. Diferentes estratégias, abarcando esferas diversas como o sistema de educação, a mídia, a família, as relações interpessoais, as práticas comunitárias e culturais devem ser utilizadas para que as ex- pectativas sociais relacionadas a gênero sofram transformações em di- reção a menores níveis de segregação e desigualdade. Todas estas es- feras atuam na socialização do homem e da mulher e afetam as esco- lhas que farão durante as suas vidas A segunda recomenda que se atue nas questões de gênero através também de organizações comunitárias, em nível local, e através de organizações da sociedade civil. Muitos dos problemas identificados neste relatório, tais como educação pré- escolar, saúde materna, gravidez juvenil, abuso sexual de crianças, abuso de substâncias, serviços de saúde reprodutiva e sexual, seriam melhor tratados se complementados pela participação de grupos locais e pela sociedade civil. A estratégia de se trabalhar em nível local apre- senta diversas vantagens: (a) as organizações locais estão mais próxi- mas dos grupos visados e têm uma compreensão melhor do seu con- texto; (b) trabalhar com as organizações locais e da sociedade civil fortalece as suas capacidades e contribui para o processo de democra- tização do Brasil; (c) a incorporação de grupos locais e civis maximiza a capacidade governamental existente; (d) o setor público enfrenta res- trições orçamentárias sérias e é incapaz algumas vezes de fornecer os tipos de serviços e atenção específicos a certos tipos de clientela. E terceira, o relatório recomenda que o trabalho com gênero vise tanto os homens como as mulheres, por duas razões: de um lado, as questões masculinas como violência, alcoolismo, baixo desempenho na escola, desemprego, etc. são questões sociais importantes que podem em par- te ser atribuídas às definições estreitas do papel dos homens; de outro, a efetividade de programas para mulheres exige, com freqüência, a cooperação e o envolvimento implícito ou explícito dos homens. As recomendações específicas setoriais são apresentadas a seguir. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL xxxi Saúde As recomendações para o setor da saúde incluem: a redução da taxa relativamente alta de mortalidade materna, que por si só demonstra o pouco valor social da vida feminina; melhoria no acesso da população mais pobre ao planejamento familiar e focalização nos homens como parceiros nos programas de saúde reprodutiva e sexual. O aumento das vacinações contra tétano entre as mulheres para reduzir o risco de infec- ções durante ou após a gravidez seriam medidas de custo relativamente baixo com rendimentos altos. E a inclusão dos pais nos programas como atendimento infantil e nutrição incentivariam os seus papéis de maridos/ parceiros, pais e provedores de atenção. Em termos de planejamento familiar, a esterilização, como um método anticoncepcional, deveria ser desencorajada, dado que representa uma despesa grande para o sistema de saúde, podendo levar a uma redução no uso de camisinhas e não ser uma opção para as mulheres jovens que planejam ter filhos mais tarde na vida. Os meios de controle de natalidade masculinos devem ser in- centivados intensamente, dada a baixa incidência no uso da camisinha e da esterilização masculina. Em áreas como o Nordeste, as atividades de planejamento familiar deveriam focalizar a redução da incidência de gravidez juvenil. Em termos dos melhores veículos para se prover os serviços, os programas governamentais existentes, incluídos o Progra- ma Agente Comunitário de Saúde ­ PACS e o Programa Saúde da Famí- lia ­ PSF, poderiam ter um papel importante se incorporassem uma pers- pectiva de gênero no seu interior. Além disso, as organizações locais, baseadas na comunidade, e as organizações não governamentais (ONGs) podem ser mobilizadas para fornecer informações e serviços básicos durante as diversas fases da gravidez, especialmente durante o primeiro trimestre, quando é maior o risco pela falta de acesso a serviços. Tais instâncias poderiam também prover atenção pós-parto, incluindo a in- formação sobre a nutrição infantil. Duas outras recomendações incluem: o desenho de programas de controle e prevenção da violência, depressão, suicídio e do comporta- mento de risco entre os homens através da realização de estudos epide- xxxii A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL miológicos sobre a incidência e fatores de riscos relacionados com gê- nero e associados com estes problemas, e a atenção aos problemas alar- mantes de saúde dos grupos indígenas que têm elos com o gênero, como por exemplo, altas taxas de mortalidade feminina e de mortalidade/ morbidade maternas. Violência Tendo em vista a grande incidência da violência no país e a sua estreita relação com a configuração de gênero, esta deveria ser uma área priori- tária para os estudos sobre gênero no Brasil. Mas tratar da violência, a partir de uma perspectiva de gênero, deveria ir além das iniciativas vol- tadas para a violência doméstica contra as mulheres, onde o Brasil obte- ve progressos importantes, não obstante sua incidência ser ainda alar- mante. A longo prazo, a atenção deveria direcionar-se para a prevenção, com a análise da influencia do gênero na violência masculina, ao mesmo tempo em que se indentificam caminhos para contrabalançar os efeitos dos papéis de gênero e de uma socialização voltada para a força física. O relatório identifica o sistema de educação, os programas comunitários e a mídia como veículos na prevenção da violência relacionada a gêne- ro. Em termos de educação, as intervenções possíveis incluem o treina- mento de professores e a eliminação nos livros didáticos dos estereóti- pos relacionados a gênero, bem como o desenvolvimento de programas especiais para capacitar os alunos para a resolução não violenta dos con- flitos, incentivando-se também os valores cívicos. Propostas de atuação no nível de comunidades poderiam oferecer programas informais de edu- cação, alertar o cidadão sobre as sanções legais contra a violência, esta- belecer estratégias de prevenção e fornecer serviços sociais para as víti- mas da violência. Educação Dado que o Brasil progrediu significativamente em termos de aumentar a educação das meninas, a atenção agora deveria voltar-se para assegu- rar que os meninos não fiquem para trás, assim como para a melhoria da A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASILxxxiii qualidade da escola como um todo. Alcançando-se a permanência das crianças nas escolas, principalmente dos meninos, o relatório apóia os esforços que atualmente estão sendo realizados para analisar o impacto diferenciado em gênero dos programas Bolsa Escola e Programa para Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) na melhoria da escolaridade e redução da entrada prematura no mercado de trabalho Em termos de qualidade da escola, medidas importantes poderiam ser tomadas para reduzir os estereótipos relacionados a gênero transmitidos pela educa- ção através de módulos de treinamento sobre gênero para professores e para remover as imagens e mensagens estereotipadas nos livros didáti- cos e em outros materiais da sala de aula. Tais medidas iriam muito além de afetar as escolhas de profissão para homens e mulheres, pois contri- buiriam também para alterar os processos de socialização que geram suavidade e passividade entre as meninas e agressão entre os meninos. As parcerias entre o Ministério da Educação e algumas ONGs têm sido uma forma efetiva de se cuidar dos estereótipos relacionados a gênero e aos processos de socialização ­ e deveria ampliar-se. O Brasil poderia aprender também com as experiências bem sucedidas na vizinha Argenti- na que, no final da década de 1980 e início da década de 1990, progrediu significativamente na remoção de linguagem e imagens sexistas dos livros escolares. Uma vez que a pré-escola representa um investimento futuro no capital humano do país, esta poderia ser uma prioridade no longo prazo. Prover treinamento e regulamentar as mães nas creches existen- tes poderia ser uma estratégia de curto prazo. Trabalho O Brasil precisa enfrentar o problema da diferença persistente de salário devido a gênero, que é muito maior do que em muitos dos seus vizinhos menos desenvolvidos. Para tal, poderia adotar a estratégia de assegurar uma adesão maior às leis contra a discriminação no trabalho através da análise dos mecanismos de fiscalização do seu cumprimento e do apoio institucional disponível para as trabalhadoras. Outra estratégia seria disponibilizar informações sobre os direitos trabalhistas para os traba- xxxivA QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL lhadores e empregadores. Empresários poderiam ser e educados de modo a compreender que licença-maternidade não é um benefício à mulher mas à vida em geral e à criança em particular, cuja saúde requer que seja amamentada como uma estratégia. Contudo, a discriminação no mercado de trabalho é somente um dos vários fatores que contribuem para a diferença salarial. Cuidar do dese- quilíbrio entre gêneros na divisão do trabalho doméstico, de modo que os homens e as mulheres compartilhem o cuidado dos filhos e as tarefas domésticas, deixando assim as mulheres mais livres para participar da força de trabalho e progredir no emprego, é uma outra condição para re- duzir as desigualdades no trabalho relativas a gênero. Uma igualdade de gêneros maior no local de trabalho exigirá também mudanças na forma em que o trabalho atualmente está organizado, permitindo, por exemplo, arranjos mais flexíveis. Os projetos e programas que trabalham com famí- lias poderiam iniciar também o incentivo às mudanças nos papéis relacio- nados aos gênero nos domicílios, seguindo o modelo do projeto do Banco Mundial na Argentina, Fortalecimento da Família e Promoção de Capital Social ou do projeto do mesmo Banco no México, Eqüidade de Gênero ­ Generosidad. Ambos possuem mecanismos financeiros que estimulam, através de ONGs, a maior tomada de consciência por parte das mulheres sobre seu poder e capacidades, ao mesmo tempo que capacitam e treinam homens para que aceitem, como uma questão de cidadania, dividir eqüita- tivamente o acesso a recursos econômicos, socioculturais e políticos. Duas outras recomendações implicam em ter grupos da sociedade civil e organizações comunitárias atuando como agências centrais de empregos, bem como fornecendo treinamento preparatório para a busca de emprego que contemplasse desde como preparar um currículo até como se apresentar e se comportar em uma entrevista para emprego. Pobreza, flutuações econômicas e segurança social Por último, as conclusões enfatizam a importância central de que as estratégias para a redução da pobreza diminuam as barreiras e atendam àsnecessidadesdasmulherespobres.Estasincluemoprovimentodoacesso A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASILxxxv a creches e planejamento familiar, melhorias continuadas na educação e a redução de barreiras para a participação no mercado de trabalho. Dado o estado permanente de volatilidade e risco associado com a globalização e a liberalização dos mercados, ter uma compreensão de como os domicílios são afetados pelas flutuações econômicas ajudaria a desenhar melhor as redes de segurança sociais. O relatório faz uma série de recomendações relacionadas a gênero, especialmente em relação à análise das informações. Primeiro, os dados intradomiciliares deveriam ser coletados e analisados de forma que capturassem melhor a heteroge- neidade das estruturas domiciliares, abandonando em vez velhas cate- gorias que se definem em termos do sexo de um presumido chefe da família, que nem sequer existe em domicílios conjugais, levando a aná- lises simplistas quando não equivocadas. E segundo, os dados intrado- miciliares precisam captar melhor a dinâmica, o processo decisório, as estratégias de sobrevivência e a resposta das famílias aos incentivos exis- tentes, através da composição do domicílio e dos papéis relacionados a gênero exercidos pelos membros do domicílio. Por fim, outra recomen- dação é a análise dos fatores de demanda e de oferta relacionados a gênero, associados com qualquer iniciativa emergencial de empregos que o Brasil consiga adotar. xxxviA QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL APRESENTAÇÃO 1. Este relatório documenta as conclusões de uma revisão das questões de gênero no Brasil realizada pelo Banco Mundial em 1999 e atuali- zada em 2001. Surgiu como uma resposta ao reconhecimento cres- cente, tanto no Banco Mundial como no Brasil, de que o gênero é uma variável importante na redução da pobreza e no aumento do bem- estar econômico e social. A revisão analisa o gênero em termos de tendências demográficas, indicadores de saúde, os efeitos e as causas da violência, indicadores educacionais, tendências na participação no mercado de trabalho e proteção social. A relevância do gênero e a composição da carteira do Banco Mundial fo- BOX 1 O ESCOPO DO GÊNERO ram critérios para a se- leção dos setores a serem Embora biologicamente fundamentado, o gênero é uma categoria relacional que aponta papéis e relações revistos. socialmente construídas entre homens 2. A revisão identifica as e mulheres. Nas palavras de Simone de Beauvoir, "não se questões de gênero entre nasce mulher, torna-se mulher". Tornar-se mulher, mas tornar-se homem também, são processos de aprendizado os setores com a perspec- nascidos de padrões sociais estabelecidos, que são tiva de melhorar a efi- reforçados através de normas, mas também através da coerção e são modificados no tempo, refletindo as cácia do desenvolvimen- mudanças na estrutura normativa e de poder dos to do Banco Mundial em sistemas sociais. três aspectos: a eficiên- Assim, neste relatório, gênero refere-se aos aspectos da vida social que são vivenciados diferentemente porque cia de suas operações; a homens e mulheres têm papéis diferentes que lhes são redução das desigualda- designados. Estes resultam em: des e diferenças de gê- § homens e mulheres manifestam preferências, interesses e prioridades diferentemente; nero; e a melhoria do § desigualdades e diferenças baseiam-se em ser bem-estar social. Discu- masculino ou feminino; te também as dimensões § homens e mulheres enfrentam oportunidades, obstáculos e desafios diferentes; de gênero, da pobreza e § homens e mulheres são afetados diferentemente por da exclusão social no e contribuem de modos diferente para o Brasil. desenvolvimento social e econômico. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 37 3. O gênero, neste relatório, engloba tanto homens como mulheres e se refere às experiências, preferências, necessidades, oportunidades e obstáculos diferentes que eles enfrentam devido aos papéis e ex- pectativas de gênero socialmente designados (ver Box 1). Contudo, dado que o relatório baseia-se primordialmente em fontes secundá- rias e em estudos de gênero anteriores ­ que tenderam a focalizar as mulheres ­ não abrange discussões sobre a questão masculina de gênero. 4. FONTES DE DADOS. O relatório está apoiado, principalmente, em informação secundária, baseando-se em: (a) uma revisão da litera- tura publicada e não publicada sobre gênero no Brasil; (b) uma revi- são dos projetos e estudos econômicos setoriais (ESW) financiados pelo Banco Mundial nas áreas de trabalho, saúde, pobreza rural e proteção social no Brasil; (c) informação estatística oficial produzi- da pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), parti- cularmente os censos e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domi- cílios (Pnad)1, a Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS) e a Sociedade Civil do Bem-Estar no Brasil (Bemfam); (d) entrevistas com autoridades governamentais, acadêmicos, represen- tantes da sociedade civil e de organizações de mulheres em Wa- shington, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e João Pessoa, e funcio- nários do Banco Mundial lotados em Washington e Brasília; e (e) visitas de campo por consultoras do Banco Mundial a projetos de desenvolvimento rural financiados pela Instituição no Nordeste, em Campina Grande, Galante, Chá dos Pereira e Juarez Távora, situa- das na Paraíba.2 1Pnad é uma pesquisa brasileira anual de domicílios realizada pelo Instituto Brasileiro de Geo- grafia e Estatística. A amostra é representativa de todo o território nacional, com exceção da área rural na região Norte, a qual é coberta somente nos anos de censos. 2Embora o tempo decorrido entre a produção e edição em português deste relatório tenha tornado acessível números estatísticos novos, uma breve revisão de suas tendências confirma que os que aqui são utilizados continuam válidos, como válidas são as conclusões da análise dos mesmos, em sua absoluta maioria. 38 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 5. ORGANIZAÇÃO. Este relatório está organizado em três partes. A primeira fornece uma visão geral das principais questões de gê- nero em diferentes setores e suas tendências no Brasil. A segunda resume e discute as implicações das conclusões principais. A última seção fornece uma estratégia para seguir adiante e faz recomenda- ções setoriais. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 39 VISÃO GERAL DAS QUESTÕES DE GÊNERO E AS SUAS TENDÊNCIAS Demográficas 6. POPULAÇÃO E TAXAS DE MORTALIDADE. De acordo com o cen- so de 2000, as mulheres superaram numericamente os homens no Bra- sil. Desde 1980, a proporção mulher/homem aumentou de 100:98,7 para 100:96,9. A população do Brasil está concentrada nas áreas ur- banas: quase 80 por cento dos cidadãos brasileiros encontram-se em centros urbanos. Mais de dois quintos dos brasileiros são negros ou pardos. A distribuição da população tem o formato de pirâmide, em- bora a sua base tenha se estreitado e o topo tenha alargado nos anos recentes como resultado tanto do declínio das taxas de mortalidade (um aumento de 14 anos na expectativa de vida entre 1960 e 1991) quanto das taxas de fecundidade (uma redução de 60 por cento nas duas últi- mas décadas). A mortalidade infantil é de 60,7/1.000 nascidos vivos para crianças com menos de cinco anos de idade, e (como mostrado no Tabela 1d) aumenta significativamente em função da baixa escolarida- de da mãe. Uma criança nascida no Brasil em 2000 tem uma expectati- va de vida de 68,4 anos, com o número correspondente de 64,6 anos para os meninos e de 72,3 anos para as meninas. A diferença entre homens e mulheres na expectativa de vida para o Brasil é aproxima- damente de 12 por cento, comparado a cerca de cinco por cento no Canadá, sete por cento na Grécia e 10 por cento no México.3 7. A POPULAÇÃO BRASILEIRA ENVELHECEU. O censo de 2000 su- gere que a proporção da população com mais de 65 anos aumentará mais do que toda a população. Entre 1940 e 1960, a população de idosos masculinos aumentou em proporção mais alta do que a da po- pulação feminina idosa; após 1960, esta tendência alterou-se como 3Tanto homens como mulheres vivem mais tempo no México do que no Brasil, a expectativa de vida no México é de 69,2 anos para os homens e de 75,9 anos para as mulheres. 40 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL resultado de uma taxa menor de mortalidade entre as mulheres. Os idosos, sobretudo as mulheres, tendem a se concentrar nas áreas urbanas (BELTRÃO & CAMARANO, 1997). As Tabelas 1a, 1b e 1c mostram as características demográficas principais da população brasileira. 8. Como indicado na Tabela 1c, as taxas de mortalidade são mais altas para os meninos do que para as meninas em todas as regiões. A mor- talidade masculina alta é mais significativa na faixa etária de 15 a 49 anos, resultante de causas externas tais como acidentes de trânsi- to, homicídios e suicídios, e está ligada a uma exposição maior do homem a situações de risco fora de casa (LAURENTI et al., 1998). A raça influencia também as tendências da mortalidade com taxas menores para as crianças brancas. Tabela 1a: Características demográficas da população: Brasil e Regiões, 2000 Região População Taxa de Taxa de Homens/ crescimento urbanização Mulheres da população Brasil 169.590.693 1,63 81,23 96,87 Norte 12.893.561 2,86 69,83 102,43 Nordeste 47.693.253 1,30 69,04 96,13 Sudeste 72.297.351 1,60 90,52 95,75 Sul 25.089.783 1,42 80,94 97,60 Centro-Oeste 11.616.745 2,37 86,73 99,38 Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000. Tabela 1b: Características demográficas da população: Brasil e Regiões, 2000 Região Taxa de Expectativa de Vida fertilidade total homem mulher Brasil 2,3 68,4 64,6 72,3 Norte 3,1 68,2 65,3 71,4 Nordeste 2,6 65,5 62,4 68,5 Sudeste 2,1 69,4 64,9 74,1 Sul 2,2 70,8 67,1 74,8 Centro-Oeste 2,2 69,2 66,0 72,7 Fonte: IBGE, Síntese de Indicadores Sociais 2000. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 41 Tabela 1c. Mortalidade infantil (crianças menores de cinco anos): Brasil e Regiões, 1996 Região Homem Mulher Branco Negro Brasil 65,5 56,0 45,7 76,1 Norte Urbano ­ ­ ­ ­ Nordeste 105,7 86,1 82,8 102,1 Sudeste 41,4 32,0 30,9 52,7 Sul 36,2 29,6 34,8 47,7 Centro-Oeste 46,1 34,9 31,1 51,4 Fonte: Pnad, 1996. Tabela 1d. Mortalidade infantil (crianças menores de cinco anos) segundo os anos de estudo da mãe e Regiões Região Menos de Quatro a Oito anos quatro anos sete anos e mais Brasil 93,0 47,4 29,7 Norte Urbano 60,2 55,1 37,4 Nordeste 124,7 69,5 45,0 Sudeste 62,3 35,4 24,4 Sul 74,9 36,2 18,5 Centro-Oeste 68,1 36,6 24,3 Fonte: IBGE, Síntese de Indicadores Sociais 2000. 9. TAXAS DE FECUNDIDADE. Desde a década de 1960, a tendência histórica de uma taxa de fecundidade estável porém elevada foi rever- tida no Brasil. A fecundidade total declinou de 6,3 para 4,3 entre 1960 e 1980 e para 2,4 em 1999. A mudança deveu-se à introdução e utilização freqüente do controle de natalidade, especialmente entre mulheres jovens (embora fosse disponível apenas uma estreita faixa de escolha (CARRANZA, 1994). Entretanto, a Taxa de Fecundidade Total Desejada é tida como de 1,9 para o Brasil como um todo (BEMFAM, 1998). Isto indicaria que ainda há uma demanda substan- tiva não satisfeita por serviços de planejamento familiar, informações e recursos de alta qualidade e confiáveis. Em 1986, de acordo com a Pnad, com exceção de poucos estados, mais de 50 por cento das mu- lheres entre 15 e 49 anos de idade e vivendo com um parceiro utili- 42 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL zam alguma forma de controle de natalidade. Uma década mais tarde, a proporção aumentou para 77 por cento. Em algumas regiões, tais como o Centro-Oeste, esta proporção atingiu 85 por cento. Como indicado na Ta- bela 2a, embora a esterilização do homem seja uma intervenção mais sim- ples, mais segura e menos custosa, a esterilização da mulher tornou-se a forma mais freqüente de controle de natalidade utilizada pelas mulheres bra- sileiras. Porém, os anticoncepcionais injetáveis ganharam rápida populari- dade nos anos recentes. Tabela 2a. Uso de contraceptivos por mulheres entre 15-49 anos que vivem com um parceiro Região Qualquer Esterilização Esterilização Pílula Nenhum método Feminina Masculina Brasil 76,7 40,1 2,4 20,7 23,3 Norte 72,3 51,3 0,0 11,1 27,7 Nordeste 78,2 43,9 0,4 12,7 31,8 Sudeste 77,8 38,8 2,6 21,8 22,2 Centro-Oeste 88,3 29,0 3,5 34,1 19,7 Sul 84,5 59,5 1,8 16,1 15,5 Rio de Janeiro 83,0 46,3 1,0 22,5 17,0 São Paulo 78,8 33,6 5,3 21,4 21,2 Fonte: Bemfam ­ PNDS, 1996. Tabela 2b. Taxa de fertilidade para mulheres entre 15-49 anos de acordo com os anos de estudo e Região, 1999 Região Menos de Quatro a Oito anos quatro anos sete anos ou mais Brasil 3,1 2,6 1,6 Norte 3,4 2,9 1,9 Nordeste 3,4 2,7 1,7 Sudeste 2,8 2,5 1,6 Sul 3,4 2,8 1,9 Centro-Oeste 2,3 2,3 1,9 Fonte: Pnad, 1999. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 43 10. GRAVIDEZ JUVENIL. Uma revisão das estatísticas disponíveis mos- tra que a fertilidade entre jovens com 15 a 19 anos de idade aumen- tou entre 1970 e 1990, mas estabilizou finalmente durante o período 1990-95. Em 1995, 13 por cento das mulheres adolescentes entre 15 a 19 anos de idade já tinham dado à luz uma criança, de acordo com a Pnad de 1995. A fecundidade juvenil é mais alta e está aumentan- do atualmente no Norte e Nordeste, com 24 por cento das mulheres adolescentes tendo vivenciado pelo menos uma gravidez. A freqüên- cia baixa à escola tem sido associada com a gravidez entre jovens. As estatísticas da Bemfam indicam que 54 por cento das mulheres adolescentes com um ano de escolaridade eram mães, em contraste com somente quatro por cento entre aquelas com 9 a 11 anos de escolaridade. 11. PLANEJAMENTO FAMILIAR. O setor público não fornecia oficial- mente acesso aos anticoncepcionais até 1985. Entretanto, até 1995, 71 por cento das esterilizações foram realizadas ou em hospitais pú- blicos ou pagas pelo governo através do Sistema Único de Saúde (SUS) (BEMFAM, 1996).4 Em 1996, 88 por cento das mulheres que utiliza- vam anticoncepcionais orais os comprava em farmácias (ibid.). 12. Até 1996, a esterilização era proibida, tanto pelo código penal como pelo código de ética médica. Como conseqüência, para ser esteriliza- da, a paciente e o seu médico planejavam uma cesariana ­ freqüente- mente paga pelo sistema público de saúde ­ após a qual o procedi- mento de esterilização era realizado. Os médicos recebiam, algumas 4O sistema de saúde brasileiro é único na América Latina e comparável aos sistemas de saúde no Canadá e em diversos países europeus. Como definido pela Constituição e na lei do SUS: (a) o sistema é um pagador único; (b) a cobertura é universal; (c) os benefícios da saúde são todos inclusivos e grátis quando usados; (d) o financiamento provém, na maior parte, dos impostos; (e) os recursos são alocados aos estados e municípios baseados em orçamentos negociados; (f) a maio- ria das atenções à saúde são fornecidas por provedores particulares que concorrem pelos pacientes; (g) os provedores são reembolsados com base nos serviços; e (h) a propriedade e administração dos serviços públicos estão descentralizadas parcialmente para os municípios e estados. Os prin- cípios do SUS incluem a participação social através de consultas às comunidades e a participação nos conselhos de saúde municipais e estaduais. Os seguros de saúde privados têm um papel com- plementar significativo para cerca de 38 milhões de pessoas (cerca de um quarto da população). 44 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL vezes, pagamento adicional por este serviço (BERQUO, 1996). Em 1998, quando pela primeira vez as estatísticas tornaram-se públicas, o número alto de esterilizações levou à suspeita de que estava sendo realizada uma política racista não explícita, especialmente naqueles estados com uma proporção alta de negros. O Congresso brasileiro criou, assim, uma comissão para analisar a alegação, mas foi incapaz de estabelecer uma ligação. Contudo, a controvérsia levou à regula- mentação do planejamento familiar (Lei 9.263/96, resumida no Box 2). A lei fornece às mulhe- res e homens um acesso BOX 2 maior à informação pre- A LEI DO PLANEJAMENTO FAMILIAR cisa sobre planejamento A Lei do Planejamento Familiar estabelece: familiar, assim como uma § O direito a esterilização cirúrgica (homem-mulher) para gama mais ampla de es- os maiores de 25 anos de idade e para aqueles menores de 21 anos de idade com dois filhos vivos. colhas. Proibiu também § O acesso ao controle de natalidade e o aconselhamento os médicos de realizarem através de uma equipe multidisciplinar com o objetivo esterilizaçãofeminina jun- de desencorajar a esterilização precoce. tamente com os partos, § A proibição da esterilização cirúrgica de mulheres após o parto ou após um aborto. exceto diante de circuns- As exceções são permitidas nos casos de necessidade tâncias excepcionais. Não comprovada, por exemplo por razões de saúde e se sabe até que ponto a lei cesarianas sucessivas anteriores. § A obrigação para homens e mulheres de obterem o é cumprida. consentimento de seus parceiro(a)s para a realização dos procedimentos de esterilização. Saúde reprodutiva § A notificação compulsória por parte do SUS de todas as esterilizações cirúrgicas realizadas. 13. GRAVIDEZ DE RISCO. § A proibição da esterilização instigada ou induzida. Quase a metade das mu- § O registro, a fiscalização e o controle pelo Ministério lheres brasileiras que deu da Saúde das instituições e serviços que realizam os à luz nos cinco anos an- procedimentos e pesquisa de planejamento familiar para assegurar que as instituições ofereçam todas as teriores a 1996 teve ris- opções de controle de natalidade e que as cos (ver Tabela 3). Em contracepções e esterilização cirúrgicas sejam todas as regiões, pelo autorizadas. § As penalidades para os médicos que desobedecerem menos um terço foi de a lei. gravidez de risco. No A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 45 Nordeste a proporção foi de dois terços. Como mostrado na Tabela 3 e no Gráfico 1, o espaçamento foi somente de 24 meses em cerca de um terço das mães. A proporção de mulheres que não tiveram atenção à saúde durante os primeiros três meses da gravidez foi também de cerca de um terço. Um estudo de 1993 de 307 partos na Clínica Obsté- trica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo confirma que a gravidez de risco está relacionada ao peso baixo da mãe, idade (mais de 35 anos de idade), espaçamento entre gravidez e qualidade da atenção pré-natal (SPALLIACCI, 1997). No Brasil, os estudos de- monstraram que partos com espaçamento curto afetam negativamen- te o crescimento da criança. Também, à medida que o número de filhos aumenta, aumenta também o número de crianças com desen- volvimento seriamente prejudicado. Tabela 3. Gravidez de risco:5 espaçamento entre gravidez e atenção pré-natal durante a dravidez e o parto, Brasil e Regiões, 1996 Área/Região Gravidez Gravidez c/<24 meses Mulheres c/atenção Mulheres c/atenção de risco (%) entre a última e a pré-natal durante os de saúde durante penúltima gravidez (%) três primeiros meses o parto (%) da gravidez (%) Brasil 45,5 29,2 66,0 87,7 Urbano 39,8 26,9 72,7 92,3 Rural 59,1 33,3 45,7 73,3 Rio de Janeiro 38,7 20,5 79,4 96,2 São Paulo 34,1 24,7 75,9 96,5 Sul 37,8 17,4 79,7 93,1 Minas Gerais e Espírito Santo 46,9 30,6 67,3 94,8 Nordeste 54,9 37,7 51,9 76,3 Norte Urbano 49,1 33,3 55,7 75,0 Centro-Oeste 34,4 22,4 71,7 96,4 Fonte: Bemfam, 1996. 5 A gravidez de risco foi definida como aquela da mulher grávida com menos de 18 anos e mais de 35 anos de idade, de mães com mais de quatro gravidezes e de mães cujas duas gravidezes anteriores tiveram espaçamento menor do que 24 meses entre elas. 46 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL Gráfico 1. Mulheres que tiveram filhos nos cinco anos anteriores com menos de 24 meses entre a última e a penúltima gravidez (%), Brasil e Regiões, 1996 Fonte: Bemfam, Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, 1996. 14. USO DOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO MATERNA. Entre as mulheres que tiveram filhos nos cinco anos anteriores à pesquisa do Bemfam, 87 por cento tiveram alguma forma de atenção pré-natal. Na maioria das vezes (81 por cento) a atenção foi dada por um médico. O nível de escolaridade da mãe, o local de residência e a idade, assim como a ordem de nascimento das crianças afetam a utilização dos serviços de atenção pré-natal. As mulheres com idade entre 20 e 34 anos e aque- las vivendo a primeira gravidez foram, mais provavelmente, as que buscaram o atendimento. O estudo mostrou também que quase 50 por cento das mulheres visitaram um médico mais de sete vezes. As mu- lheres no Rio de Janeiro visitaram mais freqüentemente os serviços de atenção à saúde (66 por cento delas tinham sete visitas, pelo me- nos, em contraste com somente cinco por cento que não tinham feito visita alguma). No Nordeste, somente 27 por cento das mulheres ti- nham feito sete ou mais visitas e 26 por cento não tinham feito visita alguma. A falha na busca pelos serviços de saúde materna está asso- ciada fortemente à taxa de mortalidade materna. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 47 15. MORTALIDADE MATERNA. Embora não exista consenso claro so- bre a taxa de mortalidade maternal no Brasil, diferentes autores con- cordam que esta taxa é muito alta para o nível de desenvolvimento BOX 3 O PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER A configuração atual dos serviços de assistência à saúde da mulher é resultado da integração do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (Paism), criado em 1984, e o Sistema Único de Saúde (SUS), que foi efetivado com a Constituição de 1988. A consolidação do Paism no âmbito dos SUS tem sido complexa e árdua. O Paism é um programa de cima para baixo do Ministério da Saúde, em contraste com o SUS, que é um sistema descentralizado em nível municipal e tem um estilo de implementação horizontal. O Paism foi desenhado para oferecer uma assistência ampla a todas as necessidades das mulheres em todas as fases da vida. Durante os últimos anos, contudo, o seu escopo foi reduzido. O programa responde agora principalmente às necessidades das mulheres durante os seus anos de fertilidade e enfatiza a saúde reprodutiva. As prioridades atuais do Ministério da Saúde sobre a saúde das mulheres e a assistência materno-infantil são: (a) melhorar a qualidade da assistência durante os períodos pré-natal e pós-parto visando reduzir a mortalidade materna e neonatal.; (b) superar as distorções prevalecentes no acesso a anticoncepcionais, incluindo a educação para o planejamento familiar; (c) fornecer exames cervicais e de prevenção do câncer; e (d) integrar melhor os programas, especialmente o HIV-Aids e o Programa de Saúde do Adolescente (Prosad). Um estudo recente que analisou os postos de saúde municipais e estaduais (mas cobrindo somente as capitais de estados) concluiu que: (a) a cobertura dos serviços de saúde pertinentes ao Paism foi menos de 40 por cento em 81 por cento dos postos de saúde municipais nestas capitais e de 67 por cento nos postos de saúde estaduais; (b) quase 38 por cento dos postos de saúde municipais e 44 por cento dos postos de saúde estaduais forneciam assistência pré-natal para menos de 20 por cento das mulheres grávidas em suas áreas respectivas; (c) a cobertura da assistência ginecológica é menos de 10 por cento em 25 por cento das instituições estudadas; e (d) o controle do câncer cervical cobre menos de 10 por cento da população feminina em 44 por cento dos postos de saúde municipais nas capitais e 36 por cento dos postos de saúde estaduais. Fonte: Costa, A.M., Uma Política de Assistência Integral à Saúde da Mulher a Ser Resgatada (1999). 48 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL social e econômico do Brasil, que a mortalidade materna está subindo e que pode ser evitada (CARRANZA, 1994; MINISTÉRIO DA SAÚ- DE, 1994; BERQUÓ, 1996). De acordo com as estatísticas oficiais brasileiras de 1996, as mortes por parto foram de 55,8 por 100.000 nascidos vivos. Entretanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) es- timam que a taxa de mortalidade materna seja consideravelmente mai- or, isto é, 220 por 100.000 nascidos vivos. Para uma visão comparativa deste problema deve-se considerar que nos EUA esta taxa é de 12 mor- tes maternas por 100.000 nascidos vivos, no México de 110 por 100.000 e no Chile de 63 por 100.000 nascidos vivos. As variações nas taxas do Brasil devem-se às diferenças metodológica empregadas e podem ser devidas, por exemplo, a ausência de comunicação regular de atesta- dos de óbitos ao Ministério da Saúde (TANAKA, 1994.) Vale notar que em 1995, o Ministério criou o Plano Nacional para Reduzir a Mor- talidade Materna para monitorar as taxas de mortalidade materna. 16. A mortalidade materna é causada, em ordem decrescente, por hi- pertensão específica da gravidez, hemorragias, infecções puerperais e/ou aborto (TANAKA, 1994). A taxa alta de mortes maternas re- sultante de infecções e hemorragias em um país onde 95 por cento dos nascimentos ocorrem em hospitais sugere problemas graves na qualidade da assistência de saúde e planejamento familiar. Uma outra causa provável de infecções é a suspeita de que as mulheres não ti- vessem sido imunizadas contra tétano; contudo, as informação exis- tentes são insuficientes para confirmar esta especulação. Alguns au- tores associam também a taxa alta de mortalidade materna com o percentual alto de partos por cesarianas. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 49 Gráfico 2. Mulheres que tiveram assistência pré-natal nos três primeiros meses de gravidez e durante o parto (%), Brasil e Regiões, 1996 Fonte: Bemfam, Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, 1996. 17. A alta proporção de cesarianas realizadas no Brasil coloca as mu- lheres grávidas em risco e aumenta os custos de saúde. Estima-se que mais da metade dos partos no Brasil seja realizada através de cesaria- nas.6 Os dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) indicam que em três regiões de São Paulo, as cesarianas fo- ram realizadas em dois terços dos partos. Em 12 das regiões, as cesari- anas são realizadas em três quintos dos partos e, em outras 28 regiões, são realizadas em mais de 70 por cento dos partos (BERQUÓ, 1999). Um estudo recente do Jornal Britânico de Medicina concluiu que das mulheres entrevistadas um mês antes do parto em Porto Alegre, São Paulo, Natal e Belo Horizonte, 80 por cento prefeririam ter um parto normal (vaginal). Isto indica uma discrepância real entre o que as mulheres desejam e o que acontece na sala de parto realmente.7 6A OMS recomenda que a taxa de partos cesarianos não deva ser superior a 15 por cento. 7Gazeta Mercantil, 7 de dezembro de 2001. 50 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 18. ABORTO. Dado que o aborto é ilegal no Brasil (com exceção dos casos de estupro e quando a saúde da mãe estiver em risco), é difícil estabelecer até que ponto esta prática é realizada. De acordo com as estatísticas coletadas pelo Instituto Alan Guttmacher em seis países selecionados na América Latina e no Caribe, estima-se que foram realizados, em 1991, 1.443.350 abortos (FLACSO, 1995). Isto era o equivalente a 44 para cada 100 nascidos vivos, ou uma taxa anual de 3,7 para 100 mulheres no grupo etário de 15 a 49 anos de idade (ibid.). Com base nestes dados, cerca de um terço de todas as gravidezes no Brasil foram voluntariamente interrompidas, taxa semelhante à do Chile e Peru, mas superior à da Colômbia (um quarto de todas as gravidezes) e da República Dominicana e do México (um sexto de todas as gravidezes) (ibid.). Entretanto, nos anos recentes, o número de abortos declinou sensivelmente. O Instituto Alan Guttmacher esti- ma um declínio, no Brasil, de 37 em cada 1.000 mulheres em 1991 para 27 em cada 1.000 mulheres em 1996. A disponibilidade ampla de métodos de planejamento familiar, a maior divulgação da contra- cepção de emergência, disponível em alguns serviços de saúde e a dis- ponibilidade de pílulas abortivas ilegais, mas facilmente encontradas, são tidas como as razões por trás deste declínio.8 De fato, o número de internações hospitalares devido às complicações de abortos caíram de 350.000 por ano no início da década de 1990 para 238.000 em 2000. Os números de mortes registradas devido complicações de abortos também caíram de 80 para 27 durante este período.9 8Embora a pílula tenha sido importante para auxiliar na redução das internações hospitalares e nas mortes relacionadas aos abortos, freqüentemente seu uso resulta em abortos parciais e outras complicações quando as pílulas são tomadas sem a supervisão médica adequada. 9Ministério da Saúde, como citado na revista Veja, 28 de novembro de 2001. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 51 Gráfico 3. Percentual de mulheres com gravidez de alto risco (1991-96) Fonte: Bemfam, Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, 1996. 19. O PAPEL DO HOMEM NA SAÚDE REPRODUTIVA. Os programas de saúde da família e de planejamento familiar foram quase exclusi- vamente direcionados para as mulheres. Só recentemente os progra- mas de saúde reprodutiva para homens tornaram-se foco de atenção no Brasil, especialmente entre grupos acadêmicos e ativistas. Assim, não é surpresa alguma que as alterações no uso de anticoncepcionais por parte dos homens tenha sido lenta, mesmo que a sua utilização seja ascendente. Em 1996, apesar de quase todos os homens pesqui- sados dizerem estar cientes das alternativas anticoncepcionais, so- mente seis por cento usavam camisinha e 4 por cento haviam feito vasectomia (BEMFAM, 1996). Também, muitos homens não conhe- ciam as funções e sistemas básicos de reprodução, o que afeta as suas escolhas de anticoncepcionais. De acordo com um estudo baseado em 200 entrevistas longas com homens e mulheres de baixa renda na cidade de Porto Alegre (RS), 50 por cento dos homens e mulheres acreditavam que as mulheres eram férteis durante a menstruação en- quanto que somente 15 por cento da amostra, a maioria mulheres, estavam familiarizadas com o conhecimento científico atual relacio- nado com a fertilidade (LEAL, 1998). 52 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL Saúde em geral 20. MORTALIDADE. A causa primordial de mortalidade entre homens e mulheres é a doença cardiovascular. A segunda é o câncer, que subiu nas duas últimas décadas. De acordo com os dados de 1993, o câncer no pulmão (com uma taxa de 17 para 100.000), no estômago (13,7 para 100.000) e o câncer na próstata (9,6 para 100.000) foram as principais causas de morte entre os homens. O câncer na mama (12,6 para 100.000) e o do útero (11 para 100.000) são os tipos mais fre- qüentes desta doença entre as mulheres, e ambos têm aumentado na última década (LAURENTI et al., 1998). Em 1998, o Ministério da Saúde lançou uma campanha para atingir quatro milhões de mulheres com idade entre 25 a 49 anos como parte de um programa de preven- ção do câncer. Entretanto, não foi feito esforço semelhante nos casos dos tipos de câncer dos homens. A Box 3 fornece uma visão geral da estratégia do Ministério da Saúde para a saúde da mulher. O Ministé- rio não tem um plano comparável para os homens. 21. Gênero e idade afetam as causas e os custos das internações hospita- lares no SUS. Em 1994, o tratamento psiquiátrico era a principal ra- zão para a admissão de homens entre 25 a 54 anos de idade (NUNES & PIOLA, 1998). Para os homens no grupo de 25 a 34 anos de idade, as admissões psiquiátricas absorveram 33 milhões de dólares ameri- canos, com um custo médio de 347 dólares americanos por internação. Este custo somente é ultrapassado pela Aids, que correspondeu a um custo de 600 dólares americanos por paciente neste mesmo grupo etário. Entre as mulheres com idade de 15 a 44 anos, a causa mais freqüente de admissão foi a assistência obstétrica, com uma taxa alta de partos por cesariana e cirurgias pós-natal no sistema reprodutivo. Em 1994, o SUS internou 1,9 milhão de mulheres para partos nor- mais e 811.000 mulheres para cesarianas, com um custo médio de 125,30 dólares americanos e de 191,50 dólares americanos, respecti- vamente, por internação (NUNES & PIOLA, 1998). 22. AIDS. A Aids apareceu pela primeira vez em 1980 no Brasil, cerca de dois anos após o surgimento nos países desenvolvidos. A epidemia A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 53 HIV/Aids cai na categoria de epidemia "concentrada", isto é, a preva- lência do HIV ultrapassou cinco por cento em um ou mais subgrupos populacionais presumivelmente com comportamento de alto risco, mas a prevalência entre as mulheres que freqüentavam clínicas urbanas de pré-natal (talvez um grupo de baixo risco de contrair a doença) está ainda abaixo de cinco por cento. Até agosto de 1997, o Brasil ocupa- va o quarto lugar no mundo em termos de casos (aproximadamente 116.000). Contudo, classificado de acordo com a incidência relativa, o Brasil ocupa o 40° lugar com 730 casos por milhão de habitantes. O número de casos relatados de Aids subiu de 550 em 1985 para 8.201 em 1990, parecendo ter atingido o pico com quase 21.000 ca- sos em 1997, mas desacelerou nos três anos subseqüentes. Até 1996, estimava-se que de 338.000 a 488.000 indivíduos (entre 15 a 49 anos de idade) estivessem infectados com o HIV. 23. A primeira onda da epidemia de Aids foi concentrada entre homens homossexuais que constituíam três quartos dos infectados em 1984. Alguns anos mais tarde, adquiriu relevância a proporção de infectados entre os usuários de drogas injetáveis, a maioria dos quais também homens. Os casos atribuídos ao compartilhamento de agulhas conta- minadas subiram de três por cento em 1984 para 20 por cento em 1995. Mais tarde, a doença se espalhou entre os trabalhadores do sexo, as parceiras de homens bissexuais e de usuários de drogas injetáveis, o que provocou o aumento na proporção de heterossexuais de dois por cento em 1984 para 28 por cento em 1995. Dos casos relatados em 1995, cerca de 55 por cento foram atribuídos à transmissão sexu- al, 20 por centro entre usuários de drogas injetáveis, quatro por cento contaminados por transfusões contaminadas, três por cento pela trans- missão mãe-filho, e o restante de causas desconhecidas. Embora dois terços de todos os casos ainda sejam diagnosticados na região Sudes- te, a epidemia espalhou-se para outras áreas do Brasil. Todos os esta- dos no país foram afetados e aproximadamente a metade de todos os municípios relatou pelo menos um caso de Aids. A média etária dos pacientes também tornou-se mais baixa com o tempo. Embora os da- 54 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL dos sobre níveis de renda não sejam disponíveis, a evidência sugere um elo entre a Aids e a educação, sendo afetada a população de renda mais baixa.10 24. A incidência da Aids por gênero alterou-se com os anos. Inicialmen- te, quase todos os casos eram de homens, mas agora cerca de 50 por cento dos casos novos são de mulheres (ver Tabela 4). As mulheres têm uma chance muito maior de contrair Aids por razões físicas. As relações de poder tornam as mulheres mais vulneráveis à Aids e a outras doenças sexualmente transmissíveis. No início, os programas de Aids eram executados principalmente por grupos de homossexuais mas- culinos e visavam os homossexuais masculinos. Contudo, o foco do programa alterou-se com os anos, quando tornaram-se disponíveis as informações sobre os grupos de risco e as tendências da Aids. Por exem- plo, o Projeto Aids II financiado pelo Banco Mundial, desenvolve in- tervenções direcionadas aos subgrupos de maior risco de contrair HIV, tais como usuários de drogas injetáveis, trabalhadores do sexo, adoles- centes, presos, motoristas de caminhão e outros, além dos homossexu- ais masculinos. Além disso, as ações preventivas são orientadas tanto para as mulheres e homens como para as populações de renda baixa. Tabela 4. Número de casos de Aids relatados, Brasil, 1991-98 Ano Homens Mulheres 1991 9.616 1.992 1992 11.815 2.890 1993 12.905 3.623 1994 13.771 4.179 1995 14.455 4.944 1996 15.029 5.976 1997 14.452 6.473 1998 12.662 6.112 Fonte: IBGE, 1999. 10Informação fornecida pelo Projeto Aids II, financiado pelo Banco Mundial. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 55 25. ALCOOLISMO E ABUSO DE DROGAS. Embora a informação esta- tística seja notoriamente inadequada, especialistas em desenvolvimento enfatizam que a América Latina e o Caribe têm uma das incidências de consumo de álcool mais altas no mundo11, com uma taxa três vezes maior do que no resto do mundo (LONDONO, 1996). Dentro da América Latina, o Brasil apresentou aumento da taxa de consu- mo de álcool (BANCO MUNDIAL, 1997a). De 1970 a 1989, o uso do álcool aumentou em 242 por cento no Brasil, comparado a 72 por cento na Colômbia, 45 por cento na Costa Rica e 21 por cento no México. Em contraste, a Argentina, Venezuela e Chile tiveram que- das no consumo (ibid.). Anualmente, o álcool é a causa de dois mi- lhões de mortes em todo o mundo. De acordo com Cercone (1993) ­ como citado no Banco Mundial, 1997a ­, estima-se que o consumo de álcool continue a subir devido, em parte, aos esforços mercadoló- gicos agressivos por parte das companhias de bebidas que perderam mercados nos países mais industrializados. 26. Segundo um estudo do Hospital da Universidade de Valladolid (Espanha) realizado entre 1980 e 1984, as internações por abuso ou dependência do álcool tendem a ser de homens pobres. A pesquisa realizada com base nos registros de 150 casos do Departamento de Psiquiatria do hospital indicou que os pacientes eram tipicamente tra- balhadores braçais sem qualificações, com nível educacional baixo (somente o curso primário), com idade entre os 45 anos, casado, vi- vendo em áreas urbanas e com renda baixa (CONDE LOPEZ, 1990). As ONGs confirmam que o abuso do álcool é comprovadamente mui- to maior entre os homens de renda baixa e com pouca escolaridade. Embora não existam dados disponíveis confiáveis, há alguma evidên- cia de que o consumo de drogas é considerável e está em alta, especial- mente entre os jovens. O uso do craque, derivado da cocaína, e da cocaína injetável parecem ter-se tornado comuns entre os grupos mar- ginalizados, tais como as prostitutas e aqueles que vivem nas ruas. 11As medidas de consumo basearam-se nas vendas. 56 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL Foram relatados casos de crianças de até sete e oito anos usando cra- que e cocaína injetável. 27. As estatísticas do Ministério da Saúde indicam que, em 1995, os custos associados aos pacientes internados com doenças diretamente provocadas por abuso de entorpecentes, incluindo o álcool, as drogas e o tabaco representaram um terço dos custos totais das internações de saúde mental, totalizando 113 milhões de dólares americanos. Custos adicionais relacionados ao abuso de entorpecentes incluem as compensações pagas por dias de trabalho perdidos sob a forma de auxílio-doença. 28. AS DIFERENÇAS INTRAGÊNERO: RISCOS DE SAÚDE ENTRE MU- LHERES DA ZONA RURAL. As trabalhadoras rurais enfrentam riscos e problemas específicos de saúde em relação aos seus pares urbanos. Um estudo financiado pelo Centro de Pesquisa do Desenvolvimento Internacional (IDRC) fez uma amostragem entre as mulheres da zona rural na região Nordeste do Brasil e ressaltou que elas trabalham mais horas do que os homens e, como tal, são mais vulneráveis aos riscos de saúde. As dores de cabeça que as mulheres classificaram como o seu sofrimento mais freqüente, podem ser causadas pela fadiga, ten- são emocional, infecções, exposição excessiva ao sol e às substâncias tóxicas (FISCHER & ALBUQUERQUE, 1997). Este é freqüentemente o caso dos trabalhadores em áreas de irrigação, independente do seu sexo. No universo das mulheres, os seus afazeres domésticos somam- se à fadiga e a outros sintomas. Por exemplo, 60 por cento das entre- vistadas indicaram que têm dores de cabeça com freqüência. A co- lheita e plantio são efetuados tipicamente por mulheres e, por exigi- rem que os trabalhadores realizem estas tarefas curvados, causam dores crônicas nas costas e problemas com a coluna dorsal. Os problemas ginecológicos vividos pelas mulheres em áreas de irrigação também são comuns. A falta de água limpa ou a presença de água contamina- da por defensivos agrícolas no local de trabalho provoca dor de cabe- ça, náusea, perda do apetite, parasitoses e coceiras entre as mulheres. As infecções por esquistossomas também são um problema nas áreas A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 57 BOX 4 de irrigação. As mulhe- AS VISÕES DAS MULHERES DA ZONA RURAL res estão mais expostas SOBRE A PRÓPRIA SAÚDE do que os homens aos § "As mulheres adoecem mais do que os homens. Se os riscos de esquistosso- homens fizessem o mesmo trabalho que as mulheres, míase porque são res- eles adoeceriam também." (Trabalhadora em cana-de- açúcar) ponsáveis pela lavagem § "Cuidar de feijão é mais trabalho de mulher do que de da roupa e dos pratos, homem. Nós trabalhamos com os sacos em nossas assim como por buscar costas e plantamos o feijão à medida que andamos. Meus ombros incham e minha coluna está me água, o que faz com que matando porque, além do peso dos sacos, eu tenho estejam muito em conta- que trabalhar curvada o tempo todo para colher o feijão." (Trabalhadora em cultura de feijão) to com a fonte de infec- § "Se eu tivesse saias longas, camisas de manga ção. Plantar e transplan- comprida, luvas e botas para os espinhos, eu não teria tar arroz no rio São Fran- problemas de saúde. O patrão deveria fornecer tudo isto, mas ele não faz isso." (Trabalhadora em cultura cisco, outra tarefa da de arroz) mulher, exige que elas § "Eu bebo a água quente do canal. Eu não posso trazer fiquem dentro d'água água de casa porque eu moro muito longe. Eu acho que a água faz mal para a gente. Tem muitos enquanto trabalham. caramujos nos canais e eles portam doenças. A água O Box 4 ilustra como as quente e as pulverizações trazem muitas doenças trabalhadoras rurais no para as mulheres." (Trabalhadora em cultura de tomate) Nordeste relacionam o § "A irmã de minha avó (uma trabalhadora de tomate) trabalho à sua própria morreu por causa de veneno. Causou-lhe infecção saúde. urinária. O médico disse que ela contraiu a doença na lavoura. Ele disse que era uma doença do útero. Ela morreu de câncer." (Trabalhadora em cultura de tomate) A Saúde dos povos indígenas 29. TAXAS DE MORTALIDADE E DE FECUNDIDADE INDÍGENAS. As informações estatísticas sobre a saúde indígena é claramente inade- quada. A evidência disponível, contudo, indica que a taxa de mortali- dade para a população indígena amazônica é acentuadamente maior do que a média nacional brasileira. Além disso, importantes diferen- 58 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL ças de gênero existem entre os indígenas. A expectativa de vida das mulheres Tyroyó, por exemplo, é quase 50 por cento maior do que dos homens. As taxas de mortalidade entre os grupos indígenas são maiores do que as taxas para o Norte do Brasil como um todo, onde vive a maioria dos povos indígenas. O HIV/Aids tornou-se uma preo- cupação de saúde grave e o suicídio é um risco crescente. A taxa de fecundidade também é muito alta. Esta taxa, assim como o tamanho da família estão intimamente relacionados com a pobreza e a desnu- trição. Apesar da diversidade de culturas entre os grupos indígenas na Amazônia, os etnólogos concordam sobre os fatores associados com as altas taxas de fecundidade: as meninas iniciam a vida sexual ainda bem jovens, as atividades reprodutivas entre as mulheres estendem- se durante quase todo o curso dos seus ciclos de vida, e é atribuído valor positivo a grandes famílias; o casamento é BOX 5 quase universal tanto INDICADORES DE SAÚDE ENTRE AS CRIANÇAS INDÍGENAS NO RIO GRANDE DO SUL para homens como para mulheres e devido às ta- Os resultados da pesquisa realizada pela Coordenação Nacional do Índio/Fundação Nacional de Saúde apontam xas altas de mortalidade para problemas graves nas condições de saúde das infantil, as famílias têm crianças indígenas na reserva Guarani e Caingangue do mais filhos para com- Rio Grande do Sul, um dos estados mais desenvolvidos no Brasil. De 905 crianças examinadas (440 meninos e pensar pelos mortos 465 meninas), as mães de 53 por cento das crianças não (COIMBRAJR.&SAN- tiveram atenção pré-natal e somente 16 por cento TOS, 1994). tiveram atenção pré-natal durante os três primeiros meses de gravidez, 28 por cento das mães não tinham 30. A AIDS ENTRE OS IN- qualquer tipo de ajuda durante o parto e dois terços DÍGENAS. A Aids é uma delas não tinham sido imunizadas contra tétano, o que está associado com a mortalidade neonatal. Um déficit questão emergente entre na altura/idade (deficiência) era prevalecente em 47 por os povos indígenas no cento das crianças, duas vezes mais do que no Nordeste, Brasil. Acredita-se que a a região mais pobre do Brasil, e o déficit peso/idade era prevalente em 16 por cento das crianças, uma vez e meia epidemia tenha se espa- maior do que no Nordeste. lhado para o Brasil pe- los Ianomamis, que cir- Fonte: Fundação Nacional de Saúde (1999) e Mapa da Fome Entre as Populações Indígenas no Brasil (1995). culam livremente entre a A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 59 Venezuela e o Brasil e que disseminam a epidemia através da migra- ção (em 1990, a OMS relatou 1.061 casos de Aids na Venezuela). Acredita-se que os garimpeiros que viajam entre o sul da Venezuela e o Brasil tenham introduzido a Aids nas áreas próximas à fronteira venezuelana. Está relatado que a Aids tornou-se comum entre os ga- rimpeiros do Mato Grosso que infectaram a população local através da prostituição. As mulheres indígenas de certos grupos são do mes- mo ou de grupo de risco maior do que as mulheres dos garimpeiros, devido à incidência de estupro e da prostituição. Existem diversos arranjos sociais e econômicos diferentes entre as mulheres indígenas e os que migram para as suas áreas. Ter esposas temporárias é um destes arranjos. Entre alguns povos indígenas, tais como os Ianomamis, as mulheres que têm relação sexual com os estranhos enfrentam pou- ca reprovação social, o que constitui também um fator positivo para o aumento da transmissão do HIV/ Aids. 31. COBERTURA MÉDICA. Enquanto que o sistema brasileiro de saú- de como um todo esteve sujeito a reformas importantes nos anos re- centes, esforços específicos foram feitos para aumentar a atenção mé- dica culturalmente apropriada para os grupos indígenas. Os Distritos Sanitários Especiais Indígenas fornecem esta atenção, sendo contro- lados pelos Conselhos Distritais, e são organizados através de repre- sentantes dos governos estadual e municipal, das ONGs e das comu- nidades indígenas. Entretanto, o acesso à atenção médica permanece muito inadequado, tanto nas comunidades indígenas como na comu- nidade em geral. A violência e as relações privadas 32. Ambos, homens e mulheres, enfrentam a violência no Brasil. Os dados indicam que os tipos prevalecentes de conflito variam por gênero, resultando em um padrão bipolar público/privado. Os ho- mens estão envolvidos mais na violência relacionada ao trabalho e ao crime. As mulheres, muito provavelmente, estão envolvidas nos conflitos relacionados com separação conjugal e outros tipos de 60 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL conflitos domésticos. Os mesmos padrões de vítimas ­ públicas (ho- mens) e privadas (mulheres) ­ confluem, uma vez que o gênero da vítima e do agressor é levado em conta. Por exemplo, a agressão contra os homens tende a envolver conhecidos e estranhos, mas ra- ramente os membros da família. Por outro lado, as mulheres são atacadas igualmente por conhecidos, estranhos e parentes (PNAD, 1988). Como mostrado nas Tabelas 5, 6 e 7, a violência em geral, e especificamente os homicídios envolvendo homens, são mais fre- qüentes do que aqueles envolvendo mulheres, porém, mulheres e homens são vítimas quase na mesma proporção de atos violentos com ferimentos corporais. Além do custo econômico (por ex., renda perdida) e os custos mais óbvios dos sistemas judiciário e de saúde, o medo e a intimidação podem impedir mulheres e homens de se engajarem em atividades produtivas. 33. A EXPOSIÇÃO DOS HOMENS À VIOLÊNCIA. A exposição dos ho- mens à violência inicia-se desde muito cedo. Meninos de 0-9 anos de idade enfrentam situações violentas com mais freqüência do que as meninas, e o fazem em diversas situações, incluindo o lar, a escola, a rua, no transporte público e nos centros esportivos. Isto sugere que a socialização de gênero leva a comportamentos masculinos mais vio- lentos, tornando-os também mais aceitáveis quando praticados pelos homens. De acordo com Jorge, M. H. P. de M (1998), as taxas de mortalidade ligadas aos fatores externos (acidentes de trânsito, homi- cídios e suicídios) são muito diferentes de acordo com o sexo: 114 e 25 por 100.000 homens e mulheres, respectivamente. Este padrão de mortalidade homem/mulher no Brasil é semelhante ao de outros paí- ses (LAURENTI et al., 1998), com uma incidência alta de homicídios entre homens jovens (161 por 100.000 para o grupo etário de 15-49 anos de idade). A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 61 Tabela 5. Taxas de homicídios por sexo e Região, por 100.000, 1998 Região Homens Mulheres Brasil 48,1 4,3 Norte Urbano 35,1 3,8 Nordeste 35,0 2,6 Sudeste 67,2 5,6 Sul 26,1 3,5 Centro-Oeste 45,9 5,4 Fonte: Ministério da Saúde /Fundação Nacional de Saúde/Centro Nacional de Epidemiologia. 34. Os hospitais do SUS confirmam a freqüência da violência entre ho- mens, especialmente entre homens jovens. Por exemplo, a violência é a causa principal das internações nas instalações do SUS entre ho- mens com 15 a 24 anos de idade. Em 1995, perto de 108.000 internações de homens em hospitais (sete por cento do total) foram por causa de envenenamento ou outras agressões físicas, enquanto que o número equivalente para as mulheres foi de 36.000 (LAURENTI et al., 1998). A população carcerária no Brasil também é predominantemente mas- culina ­ 95 por cento de 170.000 (Censo Penitenciário, 1997). Tabela 6. Homicídios violentos e ferimentos corporais violentos registrados pela Polícia Civil, Rio de Janeiro (1991-97) Casos Percentual Homicídios violentos Total de vítimas 50.729 100,0 Homens 47.065 92,8 Mulheres 3.664 7,2 Ferimentos corporais violentos Total de vítimas 250.197 100,0 Homens 125.197 50,0 Mulheres 125.139 50,0 Fonte: Polícia Civil/Registros de Ocorrência (1998, p. 115). 62 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 35. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Dentro da família, a violência é relacio- nada, por um lado, à subordinação das mulheres aos homens e, por outro, das crianças pelos adultos.12 A violência doméstica é generali- zada no Brasil, assim como em outros países da América Latina e mesmo nos países desenvolvidos.13 O estudo de Barker, de 1998, so- bre homens jovens vivendo nas áreas pobres do Rio de Janeiro forne- ce uma visão importante sobre a percepção dos homens relacionada à violência contra as mulheres e a relação entre a violência masculina e a afirmação da identidade masculina. O estudo de 58 adolescentes (15-19 anos) e de 32 homens jovens (19-30 anos) vivendo em vizi- nhanças de baixa renda e em favelas concluiu que: (a) ser homem está relacionado a trabalhar duro, ser responsável, ser o provedor finan- ceiro e ser sexualmente ativo; (b) tornar-se um homem é um ato pú- blico, algo a ser mostrado para outros: "Para ser um homem, você tem que ser completo, não se pode desviar ou escorregar ­ como se não fosse homem, como se fosse gay ou alguma coisa. Não se pode ter um lado feminino e ser homem"; (c) o tom básico das relações homem-mulher é a de desconfiança das mulheres; e (d) a violência contra as mulheres representa covardia, mas, em algumas circunstân- cias, é compreensível e aceitável. Um homem jovem entrevistado ex- plicou a regra não escrita sobre a convivência: se os homens são os provedores financeiros, eles podem esperar certas coisas das mulhe- res em troca, por ex., a fidelidade, cuidar das crianças e da casa. Um homem é visto como tendo o direito de usar a violência contra a mu- 12 O problema não está limitado aos homens; as mulheres também são violentas com as suas crianças. 13 De acordo com os dados da OMS, na Suíça, 20 por cento das mulheres relataram terem sido fisicamente molestadas (com base em uma amostra de 1.500 mulheres entre 20-60 anos de ida- de) e nos Estados Unidos, 16 por cento das mulheres relataram terem sido fisicamente abusadas pelos esposos, de acordo com uma amostra representativa nacionalmente. Na América Latina, 26 por cento das mulheres chilenas relataram pelo menos um episódio de violência por um parceiro em uma amostra representativa das mulheres entre 22 a 50 anos de idade em Santiago. No Méxi- co, 30 por cento das mulheres em uma amostra representativa de 650 mulheres com maridos ou parceiros da região metropolitana de Guadalajara relataram terem sido fisicamente abusadas pelos seus parceiros durante o último ano da pesquisa (WHO, 1999). A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 63 lher se ela não satisfizer estas normas não escritas. De acordo com o entrevistado, "a um homem é permitido bater em uma mulher se ela não alimentar as crianças, quando ela fofoca o tempo todo e quando ela não limpa a casa". 36. O Brasil tomou diversas medidas para tratar da violência contra as mulheres, incluindo: (a) a criação de 200 delegacias de polícia para as mulheres, lotadas e dirigidas por mulheres (120 destas delegacias estão localizadas no estado de São Paulo); (b) o treinamento de indi- víduos contra a violência física e sexual contra as mulheres em seto- res tais como a polícia, o sistema judiciário e de saúde; (c) a cons- cientização através de campanhas na mídia (enquanto que a televisão e especialmente as telenovelas brasileiras comprovadamente conti- nuam a exaltar a violência contra as mulheres); (d) a pressão do mo- vimento social para alterar a lei de forma a distinguir a violência se- xual contra a pessoa e o comportamento sexual que viola as normas costumeiras, como o exibicionismo; (e) a criação de abrigos para apoiar as vítimas da violência e os seus filhos; (f) o estabelecimento de uma cota de 20 por cento num projeto de moradias da Prefeitura de Porto Alegre para as mulheres vítimas de violência doméstica; e (g) servi- ços de apoio psicológico aos agressores num esforço para evitar a repetição dos atos violentos. 37. A violência sexual está na agenda do movimento das mulheres no Brasil desde o final da década de 1970. Atualmente é a prioridade maior das ONGs, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e outros conselhos de mulheres que funcionam em níveis estadual e municipal. O estado do Rio de Janeiro desenvolveu um plano integrado de prevenção da violência que envolveu a criação de um Conselho de Segurança Pública, investindo em investigações inteligentes, reformando os sistemas policiais civil e militar, estabe- lecendo um programa de trabalho e outras alternativas para os pre- sos, reduzindo a violência contra as mulheres, buscando alternati- vas para incorporar os autores na vida civil (visando, em particular, os jovens). 64 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL Tabela 7. Vítimas de homicídios registrados pela Polícia Civil por sexo, Rio de Janeiro (1991-97) Ano Homens Mulheres Total Número Percentual Número Percentual 1991 6.691 92,8 521 7,2 7.212 1992 6.750 93,6 461 6,4 7.211 1993 6.691 93,4 469 6,6 7.160 1994 7.342 93,0 553 7,0 7.895 1995 7.303 93,1 539 6,9 7.842 1996 6.308 92,0 546 8,0 6.854 1997 5.980 91,2 575 8,8 6.555 Fonte: Polícia Civil/Registros de Ocorrência (1998, p. 115). 38. A VIOLÊNCIA CONTRA AS CRIANÇAS E O ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS. Como em outros países da América Latina, a prostitui- ção infantil é notável nas áreas turísticas das cidades costeiras do Brasil. Em cidades como Fortaleza e Salvador, o comércio do sexo entre crianças tornou-se óbvio. De acordo com a Unicef, as meninas negras pobres sofrem os abusos piores. A Interpol também relatou que em 48 casos de crianças desaparecidas que foram rastreadas pelo órgão, 23 eram do Brasil e 16 destas tinham sido estupradas antes de serem assassinadas. Como reconhecimento do problema, o governo brasileiro lançou uma campanha contra o abuso sexual de crianças, mantendo nos aeroportos e hotéis cartazes com os dizeres: "A explo- ração de menores para turismo sexual. Fique atento, o Brasil está de olho em você". 39. Uma avaliação do abuso sexual entre crianças em diversos municí- pios do Mato Grosso, realizada pelo Instituto Brasileiro de Inovação em Saúde Social (Ibiss) fez as seguintes recomendações em relação ao abuso sexual de crianças e à prostituição infantil: (a) criar um ban- co de dados sobre o abuso sexual entre crianças e adolescentes; (b) apoiar os processos de investigação policial; (c) estabelecer uma rede para dar assistência às vítimas; (d) apoiar os Conselhos Tutelares (ins- tituições jurídicas responsáveis pela aplicação das leis relacionadas A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 65 às crianças); (e) colocar campanhas de conscientização sobre a mag- nitude e gravidade do problema; e (f) fornecer treinamento para pro- fissionais em educação, saúde e assistência social para capacitá-los a identificar e cuidar dos abusos sexuais (Ibiss, 1998). As recomenda- ções foram apresentadas, em 1996, no Fórum para a Luta contra o Abuso Sexual em Crianças e Adolescentes, apoiado pelo Unicef e realizado em Campo Grande (MS). 40. ALCOOLISMO E VIOLÊNCIA. O efeito do alcoolismo sobre a vio- lência recebeu pouca atenção na literatura. Contudo, informações dis- poníveis sugerem uma correlação forte entre os dois. Por exemplo, um estudo no México concluiu que quase 50 por cento dos condena- dos por homicídio admitiram ter consumido bebida alcoólica antes de cometerem o crime (BANCO MUNDIAL, 1997a). Unidades espe- ciais contra a violência doméstica no estado do Rio de Janeiro tam- bém encontraram o álcool como fortemente ligado aos incidentes de violência. Como afirmado antes, o Brasil viveu um dos maiores au- mentos na taxa de consumo de álcool na América Latina e Caribe, além do abuso de bebidas alcoólicas ser significativamente maior en- tre os homens do que entre as mulheres. Educação 41. TENDÊNCIAS NA EDUCAÇÃO. No Brasil, como em outras partes da América Latina e Caribe e em contraste com outros países em desenvolvimento fora da região, os níveis de instrução das mulheres são superiores aos dos homens. Como mostra a Tabela 8, o analfabe- tismo entre as mulheres é o mesmo que entre os homens para a popu- lação com mais de 14 anos de idade. A Tabela 9 indica, também de acordo com a Pnad, que em 1999 somente 14 por cento dos homens com 10 anos de idade ou mais não tinham qualquer escolaridade. A proporção para as mulheres era menor (13 por cento). Entretanto, 18 por cento dos homens tinham mais de 10 anos de escolaridade, comparados aos 20 por cento para as mulheres. A probabilidade, em 1990, de matrículas na escola era de 85 por cento para uma criança 66 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL branca e de somente 65 por cento para uma criança negra, enquanto que a probabilidade de uma criança branca completar a primeira série era de 57 por cento, caindo para 36 por cento para uma criança negra (SANT'ANNA & PAIXÃO, 1999). 42. A escolaridade média para indivíduos com dez anos de idade ou mais é ligeiramente superior para as mulheres (5,7) do que para os homens (5,5). Como ilustra a Tabela 10, existem diferenças regionais na escolaridade, com o Nordeste ficando para atrás de outros estados. Também, as diferenças entre a escolaridade de homens e mulheres são maiores no Nordeste e desaparecem quase por completo no Su- deste. Em 1995, a taxa conjunta de matrícula para as mulheres no ensino fundamental, no segundo grau e no ensino superior era de 72 por cento, proporção ligeiramente superior àquela para os homens (69 por cento). A diferença entre gênero é menor do que nos Estados Unidos (98 por cento para as mulheres e 93 por cento para os ho- mens), na Argentina (80 por cento para as mulheres e 69 por cento para os homens), no Uruguai (80 por cento para as mulheres e 65 por cento para homens) e na Colômbia (71 por cento para mulheres e 63 por cento para homens). Mas a diferença é maior do que no Canadá (100 por cento para ambos) e na Noruega (93 por cento pra mulheres e 92 por cento para homens). Tabela 8. Taxas de analfabetismo para a população com 15 anos de idade ou mais, por sexo e Região Região Total Homens Mulheres Brasil 13,3 13,3 13,3 Norte 11,6 11,7 11,5 Nordeste 26,6 28,7 24,6 Sudeste 7,8 6,8 8,7 Sul 7,8 7,1 8,4 Centro-Oeste 10,8 10,5 11,0 Fonte: IBGE, Síntese dos Indicadores Sociais, 2000. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 67 Tabela 9. Anos de escolaridade de crianças com 10 anos de idade ou mais, por sexo, Brasil 1999 Ano Total Homens Mulheres Sem escolaridade/menos de um ano 13,4 13,6 13,2 1 - 3 anos 18,3 19,4 17,2 4 - 7 anos 34,2 34,5 34,0 8 - 10 anos 14,6 14,5 14,7 11 anos ou mais 19,0 17,5 20,4 Fonte: Pnad, 1999. 43. O DESEMPENHO EDUCACIONAL DOS MENINOS. Uma série de fatores podem explicar por que os meninos têm, em termos comparati- vos, desempenho inferior ao das meninas na escola. Muitos deles estão ligados aos papéis e expectativas relacionadas a gênero. Por exemplo: § Culturalmente, espera-se que as meninas precisem mais de prote- ção do que os meninos e as escolas são vistas como mais protetoras do que a rua ou o mercado de trabalho. § O comportamento "feminino" tradicional é mais compatível com o ambiente da escola. Os diretores das escolas públicas brasileiras são centrados no papel firme dos professores que exigem que os alunos sejam passivos e premiam o comportamento obediente, a ordem e a limpeza; as meninas tendem a ser socializadas para agir desta manei- ra, deste modo sentem-se mais confortáveis no ambiente escolar. § Os meninos sentem uma pressão grande para trabalhar fora de casa, especialmente se não têm bom desempenho na escola. § As mulheres podem sentir-se obrigadas a se superarem na escola para compensar as práticas discriminatórias da força de trabalho segregada no gênero; as mulheres vêem a escolaridade como um ins- trumento para atualizar as suas capacidades. § Tanto nas áreas rurais como urbanas, o trabalho doméstico (pelos quais as meninas tendem a ser responsáveis) é mais compatível com os horários da escola do que do trabalho fora (que os meninos tendem a realizar). Para compensar, com freqüência os meninos se matricu- lam em cursos vespertinos, especialmente os meninos que vivem nas 68 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL áreas urbanas. Os cursos vespertinos tendem a ser pobres em qualidade e têm altas taxas de fracasso e de atritos (FRANCO & ZIBAS, 1997). As mulheres tentam evitar as aulas noturnas por razões de segurança. Tabela 10. Escolaridade média para indivíduos com 10 anos de idade ou mais, por sexo e Região Regiões Homens Mulheres Brasil 5,5 5,7 Norte Urbano 5,3 5,6 Nordeste 3,8 4,0 Sudeste 6,3 6,4 Sul 6,0 6,1 Centro-Oeste 5,6 6,0 Fonte: Pnad, 1996. 44. O DESEMPENHO EDUCACIONAL DAS MENINAS. Os dados dis- poníveis, em termos do desempenho das meninas, sugerem que elas não estão na escola por uma série de razões (ver Tabela 12). A mais importante delas está relacionada à pobreza, tais como a falta de recurso para pagar a matrícula ou porque as meninas são retiradas da escola para trabalhar ou para ajudar as suas famílias de outras maneiras. Uma segunda razão está relacionada com as característi- cas do sistema de ensino, por exemplo, a inacessibilidade das esco- las ou a incapacidade de as escolas atraírem estudantes do sexo fe- minino. A inacessibilidade é problemática especialmente nas áreas rurais, sendo este o fator mais importante para explicar as diferen- ças nas taxas de matrículas entre as mulheres jovens nas áreas rural e urbana. A proporção destas jovens que abandonam a escola por causa da necessidade de ajudar as suas famílias é pequena, tanto nas áreas rurais como urbanas, mas todavia é duas vezes maior na área rural. Finalmente, a proporção de meninas que abandonam por cau- sa de trabalho é a mesma tanto nas áreas rurais como nas urbanas, como é a proporção daquelas que abandonam a escola por falta de interesse. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 69 45. OS PAPÉIS RELACIONADOS A GÊNERO TRANSMITIDOS PELA EDUCAÇÃO. Alguns estudos concluíram que os livros didáticos bra- sileiros tendem a reforçar a segregação e os estereótipos relacionados a gênero, ligando os homens à vida pública e a todas as suas dimen- sões de trabalho, de lazer, de política, de riqueza e poder, e ligando as mulheres à esfera privada do lar (NEGRÃO & AMADO, 1989). Al- guns estudos mostram também que os estereótipos de gênero são en- trelaçados com os raciais (TELLES, 1987; PINTO, 1989). Esta ques- tão foi incorporada por algumas instituições nacionais e municipais, e recentemente pela CNDM. Estas entidades clamam pela eliminação das expressões sexistas nos livros que são comprados e distribuídos pelo Ministério da Educação. 46. DIFERENÇAS DE GÊNERO NAS CARREIRAS ACADÊMICAS. Ape- sar dos aumentos na escolaridade das mulheres, elas continuam a tri- lhar carreiras acadêmicas diferentes dos homens. As mulheres ten- dem a cursar ciências humanas, o que as leva para profissões de bai- xos salários tipicamente consideradas como "femininas", tais como o magistério. Por outro lado, os homens raramente são encontrados nas profissões relacionadas às ciências humanas. Do mesmo modo, os testes na escola indicam que, da quarta série em diante, os meninos saem-se melhor em matemática e as meninas são melhores em portu- guês, segundo um relatório de 1995 do Sistema Nacional de Avalia- ção da Educação Básica (Saeb). Entretanto, é necessário mais pesqui- sa sobre o tópico, dado que a vantagem em português das meninas parece desaparecer no ensino médio (SAEB, 1995). 47. Ao contrário, os cursos técnicos noturnos distantes dos lares reforçam a tendência entre as mulheres de não acumularem habilidades técnicas (BARROSO & MELLO, 1975). A participação baixa de mulheres nos cursos técnicos não se alterou muito com o tempo. Um estudo da área metropolitana de São Paulo mostra que, em 1991, as mulheres repre- sentavam pouco mais de 10 por cento dos alunos matriculados em cur- sos técnicos, tendo sido de 8 por cento em 1980. Quando as mulheres fazem cursos de treinamento mais específico, elas tendem a se concen- 70 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL trar nos setores tradicionalmente femininos tais como confecções, cal- çados e na indústria de alimentos (MATESCO & LAVINAS, 1994). Tabela 11. Razões para o abandono da escola entre as mulheres com idade entre 15-24 anos, de acordo com o local de residência (%) Brasil, 1996 Razões Rural Urbano Total Freqüentando a escola 34,6 50,4 47,7 Não freqüentando a escola ­ ­ ­ Engravidou 3,5 5,3 4,9 Casou 7,4 5,7 6,0 Cuidando do próprio filho 1,7 2,4 2,2 Precisavam ajudar a família 4,8 2,1 2,5 Não podiam pagar a matrícula 1,0 3,2 2,8 Precisavam trabalhar 9,1 10,1 9,9 Formadas, escolaridade 2,0 3,1 2,9 Notas ruins 0,5 0,9 0,8 Não gosta da escola 9,6 7,8 8,1 Acesso difícil à escola 21,6 3,3 6,6 Razões médicas 1,2 1,1 1,1 Outras 2,8 3,9 3,7 Não sabia / sem resposta 0,2 0,6 0,6 Total (%) 100,0 100,0 100,0 Número 765 3.517 4.282 Fonte: Bemfam (1996:31) 48. ATENÇÃO À PRIMEIRA INFÂNCIA E EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR (ECCE). Uma questão muito importante no Brasil, tanto em termos de educação como da participação feminina no mercado de trabalho, é a extensão e a qualidade da atenção à primeira infância e pré-escola, ambas dentro da rubrica de creches e educação. A Constituição de 1988 introduziu o conceito de responsabilidade compartilhada entre a sociedade e os pais quanto ao cuidado e educação das crianças na pré-escola (idade de 0-6 anos). Uma lei recentemente promulgada, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, operacionalizou este A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 71 princípio constitucional e incorporou o ECCE no sistema educacio- nal convencional. Este evento foi o resultado da mobilização intensa da sociedade civil iniciada na década de 1970 e que incluiu setores governamentais preocupados com a qualidade e a falta de regulamen- tação dos serviços para as crianças pobres. 49. O aumento recente da participação feminina na força de trabalho foi o resultado da expansão dos centros ECCE, mas a qualidade perma- neceu baixa. Em termos práticos, qualquer pessoa pode estabelecer um centro ECCE sem o controle governamental. Com o foco voltado para o nível do ensino fundamental, os governos federal e estadual retiraram recursos para os centros ECCE. Como resultado, existe ten- são entre a necessidade de se melhorar a qualidade e a regulamenta- ção do sistema, por um lado, e a escassez dos recursos alocados, por outro. A qualidade é ruim especialmente nas áreas pobres dado o po- der de barganha limitado dos pais e já que as famílias com renda mais alta utilizam-se dos serviços privados e/ou de babás. 50. A expansão da atenção de baixo custo à primeira infância baseou-se nas habilidades "naturais" das mulheres de expandir os papéis do cui- dado de suas famílias. Contudo, estas mulheres não têm qualificações apropriadas, são mal pagas e, assim, minam a eficácia da atenção. O sistema fracassa com as crianças antes mesmo de elas entrarem no ensino fundamental, afetando as crianças pobres e negras, em especi- al. Por exemplo, a Pnad de 1995 indica que os centros de ensino na pré-escola com freqüência têm alunos matriculados que estão no gru- po etário de 7-11 anos de idade. Trabalho 51. TENDÊNCIAS GERAIS. Durante as duas últimas décadas, a socie- dade brasileira testemunhou mudanças profundas nos papéis sociais e no trabalho das mulheres como resultado de transformações demográficas, socioeconômicas, políticas e culturais. Este processo tem as suas raízes na década de 1950. Uma queda importante na fe- cundidade reduziu a taxa nacional de 6,3 nos anos de 1950 para 2,4 72 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL em 1999 (PNAD, 1999). Embora tenha ocorrido especialmente nos centros urbanos e nas regiões mais desenvolvidas, a queda na fecun- didade reduziu a quantidade de trabalho associado com as tarefas reprodutivas e domésticas, facilitando, assim, a incorporação das mulheres na força de trabalho assalariada. 52. O acesso maior das mulheres a todos os níveis de educação contri- buiu também para a transformação dos papéis relacionados a gênero e a divisão de gênero no trabalho, o qual por sua vez alterou a partici- pação das mulheres na força de trabalho e o seu progresso na carreira. Como mostra a Tabela 12, durante o período de 1990-99, enquanto que a taxa de participação dos homens permaneceu razoavelmente constante, ela aumentou para as mulheres de uma média nacional de 39 por cento, em 1990, para 47 por cento em 1993 e 49 por cento em 1999 (variações de acordo com a idade).14 Além do nível de escolari- dade e das alterações demográficas, as taxas altas de crescimento e o aumento do nível de industrialização e urbanização geraram demanda por mão-de-obra que absorveu novos trabalhadores na força de traba- lho e, em especial, as mulheres. Ao mesmo tempo, a mudança no padrão de consumo e a disponibilidade crescente de novos produtos no mercado geraram uma demanda por renda familiar complementar. As mudanças na metodologia da pesquisa de domicílios resultaram também em uma descrição da taxa de participação estatisticamente mais exata, especialmente na agricultura. Por fim, o movimento das mulheres e as mudanças de pontos de vista sobre o lugar das mulheres na sociedade intensificaram estas tendências. 53. Enquanto o número de mulheres economicamente ativas aumentou, a proporção geral das mulheres na força de trabalho comparada à dos homens permanece inferior em todas as regiões, mesmo para as mu- lheres acima de 18 anos de idade, como mostra a Tabela 13. Em 1996, 14O número correspondente para 1981 foi de 33 por cento. As estimativas da Cepal das taxas de participação na força de trabalho na América Latina, baseadas em pesquisas de domicílio em cada país, apontam para o Brasil uma taxa de 51 por cento de mulheres em 1994 (ARRIAGADA, 1998). A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 73 a proporção era de 40 por cento de mulheres e 60 por cento de ho- mens. Para as mulheres, isto representou um aumento, passando de 33 por cento em 1981 para 39 por cento em 1989. A taxa de desem- prego também é consistentemente maior para as mulheres do que para os homens. Como indicado na Tabela 14, em todas as regiões do Bra- sil, mais mulheres estão desempregadas do que homens, especialmente nas áreas urbanas das regiões Norte e Centro-Oeste, onde a diferença é substancial (Pnad, 1996). Tabela 12: Taxas de participação na força de trabalho, por sexo e idade, 1985-99 Idade 1990 1993 1995 1999 Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres 10 ­ 14 24,3 10,6 28,1 14,9 26,4 14,4 21,7 11,4 15 ­ 19 71,8 41,4 72,2 45,4 68,8 44,1 62,8 42,0 20 ­ 24 92,1 52,9 91,1 59,6 90,5 60,9 89,3 63,3 25 ­ 29 26,2 52,7 95,8 61,0 95,2 62,7 94,7 65,7 30 ­ 39 96,9 54,7 96,5 63,7 96,3 55,4 95,9 68,4 40 ­ 49 94,5 49,5 94,7 61,0 94,5 63,5 94,6 64,8 50 ­ 59 82,3 34,5 82,3 46,0 83,6 48,0 81,7 49,7 60 e acima 46,0 11,5 50,5 21,4 49,4 20,4 48,0 19,7 Total 75,3 39,2 76,0 47,0 75,3 48,1 73,8 49,0 Fonte: Pnad de 1990, 1993, 1995, 1999. Tabela 13: Indivíduos no mercado de trabalho, por sexo e idade, como percentual da força de trabalho, Brasil e Regiões*, 1996 Sexo e Idade Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Homens 10-14 2,3 2,1 3,7 1,4 1,9 2,1 Homens 15-17 3,7 3,5 4,4 3,3 3,5 3,6 Homens 18+ 55,5 56,4 53,6 57,0 54,3 57,4 Mulheres 10-14 1,0 1,0 1,5 0,7 1,2 0,9 Mulheres 15-17 2,0 2,1 2,0 1,9 2,1 2,1 Mulheres 18+ 35,4 34,8 34,7 35,7 37,0 33,7 Total 137.560 9.290 41.124 47.073 25.562 14.511 Fonte: Pnad, 1996. * Excluindo a zona rural da região Norte. 74 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL Tabela 14. Taxa de desemprego, por gênero, população com idades entre 15-65 anos, 1996 Homem Mulher Brasil 5,7 8,8 Norte Urbano 6,0 10,2 Nordeste 5,2 7,8 Sudeste 6,2 9,8 Sul 4,5 6,6 Centro-Oeste 6,2 1,5 Fonte: Pnad, 1996. 54. IMPACTO DA EDUCAÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO NA FORÇA DE TRABALHO. Como em outros países, no Brasil existe uma asso- ciação entre a escolaridade e a participação na força de trabalho. Em 1995, enquanto que 16 por cento dos homens na força de trabalho tinham menos de um ano de estudo, 17 por cento tinham mais de 11 anos (ver Tabela 15). A mesma tendência é válida para as mulheres. Das mulheres na força de trabalho, 13 por cento tinham menos de um ano de estudo e 25 por cento tinham mais de 11 anos de escolaridade. A Pnad de 1996 mostra também que a maioria dos trabalhadores, homens e mulheres, tem de 4 a 7 anos de escolaridade. No geral, como mostra a Tabela 15, as mulheres no mercado de trabalho têm uma escolaridade superior à dos homens, e a associação entre os anos de escolaridade e a participação na força de trabalho é mais forte para as mulheres do que para os homens. 55. SEGREGAÇÃO OCUPACIONAL. Apesar das mudanças nos anos re- centes, a socialização de gênero em casa e em todo o sistema educativo tende ainda a canalizar homens e mulheres para locais de trabalho rela- cionados a gênero e à segregação ocupacional. Como indica a Tabela 16, os trabalhadores estão concentrados na agricultura e na indústria, enquanto que a proporção maior das trabalhadoras está no setor de ser- viços, seguido da agricultura. Mas a segregação ocupacional não seria, em si mesma, uma questão se os salários médios dos homens e das mulheres fossem equivalentes quando o respectivo montante médio de A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 75 capital humano (educação e experiência) fosse levado em considera- ção. Da mesma forma, a predominância masculina ou feminina em uma ou outra ocupação pode não ser, por si mesma, importante, desde que ela esteja distribuída entre as ocupações como um todo. Maiores análi- ses são, portanto, necessárias antes de se chegar a tirar conclusões subs- tantivas sobre a questão da segregação ocupacional. Tabela 15. Taxas de participação na força de trabalho, por gênero e anos de escolaridade, 1995 Escolaridade Taxas de Participação % Distribuição por anos de escolaridade Homem Mulher Homem Mulher Menos de 1 73,5 40,2 16,3 13,2 1-3 65,6 39,0 19,0 16,5 4-7 73,9 44,0 34,1 31,9 8-10 82,5 52,8 13,1 13,6 11-14 88,6 69,0 12,2 18,1 15 ou mais 90,6 82,3 4,8 6,5 Total % 75,3 48,1 100,0 100,0 (Milhões) ­ ­ [44,2] [30] Fonte: Bruschini, 1998. Tabela 16. Emprego, por sexo e setor (%), Brasil 1985-99 Setor 1985 1990 1995 1999 Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Agricultura 33,6 18,4 28,1 14,0 28,4 22,5 26,8 20,5 Indústria 27,0 12,4 29,1 13,7 26,4 9,3 25,8 9,5 Comércio 11,2 10,4 12,3 12,2 13,3 12,8 13,4 13,5 Serviços 8,9 32,1 10,4 30,9 12,0 29,8 12,5 29,4 Outros serviços 2,9 2,3 3,3 3,0 3,5 2,9 4,3 3,3 Transporte e comunicações 5,0 0,8 5,2 1,0 5,6 0,8 5,9 0,1 Atividades sociais 3,2 17,1 3,3 18,6 3,6 16,3 4,1 17,4 Administração 5,0 3,3 5,1 4,0 5,1 3,9 5,1 3,9 Outros 3,4 3,1 3,0 2,7 2,1 1,7 2,0 1,7 Total 100,0 100,0 100,0 10,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Pnad de 1985, 1990, 1995, 1999. 76 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 56. DIFERENÇAS SALARIAIS. O Brasil tem uma das diferenças salariais entre homens e mulheres mais altas da América Latina. Em 1990, os salários das trabalhadoras urbanas eram, em média, 66 por cento dos salários dos homens (FLACSO, 1995). Em 1990, somente a Bolívia, o Paraguai e o Uruguai registraram diferenças salariais maiores do que a do Brasil (ibid.). Embora tenham uma das diferenças salariais mais amplas na região, durante o período de 1987 a 1997 as mulheres aumentaram mais seus salários em relação aos homens, como indicado na Tabela 17. Em 1987, o salário mensal das mulheres era equivalente a 53 por cento dos salários dos homens; em 1997, o salário das mulheres tinha aumenta- do para o equivalente a 58 por cento do dos homens. A Tabela 18 mostra que, mesmo após o controle da escolaridade, permanece uma diferença significativa no salário-hora médio recebido, o que de fato aumenta para quase 50 por cento com 11 ou mais anos de escolaridade. Embora a ten- dência tenha sido uma diminuição nas diferenças por gênero, isto foi acompanhado por uma tendência para maior desigualdade intragênero. A desagregação dos ganhos das mulheres de acordo com os níveis educa- cionais mostra que a convergência salarial de homens/mulheres é devida aos salários mais altos para as mulheres com educação superior (LAVINAS, 1996). Mas a distribuição de renda é até mesmo maior entre os homens do que entre as mulheres. Por exemplo, o coeficiente Gini para os homens é de 0,58 comparado a 0,56 para as mulheres. Tabela 17. Salário médio mensal, indivíduos com 10 anos de idade ou mais, por sexo (em # de salários mínimos) Homem Ano Mulher 4,0 1987 2,1 3,9 1988 2,1 4,7 1989 2,5 3,7 1990 2,2 3,1 1992 1,6 3,4 1993 1,7 4,4 1995 2,4 4,5 1996 2,7 4,5 1997 2,6 Fonte: Pnad, 1987-1997. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 77 57. TRABALHO E OS PAPÉIS RELACIONADOS A GÊNERO. As insti- tuições que reforçam os papéis de gênero podem contribuir para os salários mais baixos das mulheres. Por exemplo, a legislação traba- lhista que prevê para as mulheres quatro meses de licença-materni- dade paga e permite a sua aposentadoria cinco anos mais cedo, fa- zem com que as trabalhadoras sejam mais caras para os empregado- res potenciais do que os homens. Por seu lado, o movimento dos trabalhadores no Brasil reforçou o papel dos homens como os pro- vedores primordiais e trabalhou para proteger o papel maternal das mulheres, contribuindo assim para a predominância dos homens no mercado de trabalho. Tabela 18. Ganhos médios por hora, por sexo e escolaridade em Reais Anos de estudo Homens Mulheres < 1 0,93 0,96 1 ­ 3 1,54 1,02 4 ­ 7 2,82 1,79 8 ­ 10 3,38 2,51 11 6,21 3,78 12 ou mais 18,34 9,64 Fonte: IBGE, 1999. 58. Homens e mulheres aceitam e reforçam estes papéis estabelecidos socialmente através de suas ações e relações. Através de entrevistas mais completas com trabalhadores pobres, homens e mulheres, em São Paulo, Martins Rodrigues (1991) mostra a importância dos pa- péis de gênero e as pressões exercidas por eles sobre os homens. De acordo com as mulheres entrevistadas, os homens são os responsá- veis primordialmente pela renda e se a família é pobre, o pai e o ma- rido é responsabilizado por não conseguir recursos suficientes para a família. Dado que os homens também consideram que o seu papel principal é o de provedor, eles se culpam por serem pobres da mesma maneira que as mulheres o fazem. 78 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 59. Um estudo da indústria automobilística em São Paulo aponta tam- bém para a natureza importante dos papéis diferenciados por gênero na determinação dos resultados no mercado de trabalho. A pesquisa demonstrou que as percepções dos papéis e das capacidades de traba- lho de homens e de mulheres levam a treinamentos e a oportunidades de progressão diferentes para homens e mulheres, bem como as suas expectativas. Por exemplo, enquanto os supervisores solicitavam que os homens fossem treinados em capacitações técnicas, as mulheres eram incentivadas a terem um treinamento comportamental. A expli- cação dos supervisores pelos salários mais baixos das mulheres suge- re uma situação do tipo `catch 22': as mulheres não ganham os mes- mos salários que os homens porque não têm capacitações técnicas, mas não `exigiam' também as mesmas capacitações requisitadas aos homens. As mulheres também eram consideradas como mais delica- das do que os homens, o que afeta algumas das tarefas, mas não to- das, designadas para elas (POSTHUMA, 1998). 60. PROGRESSÃO NO EMPREGO. As mulheres acham difícil galgar as posições de responsabilidade devido a uma série de fatores, que vão desde as práticas promocionais discriminadoras até a relutância das próprias mulheres em perseguir tais cargos. As restrições para a pro- gressão das mulheres a níveis mais altos resultam de fatores diferen- tes tanto em casa como no local de trabalho. Os papéis reprodutivos que tendem a ser realizados pelas mulheres reduzem a flexibilidade e a habilidade delas em participar na força de trabalho assalariada nas mesmas condições dos homens. Apesar da entrada das mulheres na força de trabalho, uma redistribuição paralela das tarefas domésticas entre mulheres e homens ainda não aconteceu. De acordo com diver- sos autores, a disparidade salarial maior entre as mulheres casadas comparada com as mulheres solteiras pode também ser atribuída a fatores externos ao mercado de trabalho, como tarefas domésticas, criação de filhos e interrupções no trabalho (STELINER, SMITH, BRESLAW & MONETTE, sem data). A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 79 61. O EFEITO DA CRIAÇÃO DOS FILHOS NO EMPREGO DAS MU- LHERES. Nas áreas urbanas, as taxas de atividade das mulheres de- clinam durante o período de procriação (BRUSCHINI, 1994); entre- tanto, a tendência tem sido para a curva de participação se igualar na medida em que mais mulheres com filhos permanecem na força de trabalho. Como ilustra a Figura 1, a forma suave em M da curva de participação por idade em 1985 tinha diminuído em 1995. Apesar da concentração das mulheres no trabalho doméstico, existem diferen- ças importantes entre elas de acordo com o nível socioeconômico. Enquanto que as mulheres de classe média profissionais podem se valer de ajuda doméstica para liberá-las dos afazeres de casa, a classe trabalhadora e as mulheres pobres têm que absorver a dupla carga de trabalho: em casa e no emprego. Em todos os casos, contudo, as esco- lhas das mulheres em relação ao trabalho assalariado são influencia- das pelas tarefas domésticas. 62. TRABALHO SEM REMUNERAÇÃO. No Brasil estão disponíveis in- formações incompletas desagregadas por sexo, sobre as atividades não remuneradas que as mulheres tendem a desempenhar, tais como trabalho doméstico e comunitário. Nas duas últimas décadas e em nível internacional, um esforço importante tem sido feito para con- ceituar e medir esta parte invisível da economia, a qual tende a ser excluída das estatísticas da força de trabalho e da renda nacional Figura 1. Trabalho e idade 80 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL (BENERÍA, 1992). Por exemplo, as estimativas do Pnud no início da década de 1990 para todo o país indicam que dois terços do trabalho das mulheres eram sem remuneração e não estavam incluídos nas es- tatísticas nacionais, tanto nos países em desenvolvimento com nos países de renda alta; para os homens, os números correspondentes foram, respectivamente, de 24 por cento e 34 por cento (UNDP, 1995). Estas medidas permitem uma aproximação importante da contribui- ção de homens e de mulheres para o bem-estar da humanidade, e demonstram a invisibilidade de uma proporção grande do trabalho das mulheres e, em menor parte, dos homens. 63. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. Em 1932, a mão-de-obra feminina foi regulamenta pela primeira vez de forma completa, através do Decreto 21.417. O Brasil foi membro fundador da Organização Internacional do Trabalho (OIT); já em 1932 tinha assinado todas as resoluções so- bre o trabalho feminino e, três anos mais tarde, as tinha retificado. Des- de então, algumas medidas protecionistas foram reforçadas e outras eliminadas, incluindo aquelas consideradas como protetoras dos direi- tos dos homens no mercado de trabalho. Por exemplo, as mulheres continuaram a ter privilégios especiais para a aposentadoria. É exigido das empresas que empregam um determinado número de mães ­ mas não de pais ­ manter instalações para creches. A licença-maternida- de foi expandida na Constituição de 1988 de três para quatro meses, foi criada uma pequena licença paternidade e garantiu-se a estabili- dade no emprego para as mães até cinco meses após o parto. Por fim, foram dados aos empregados domésticos os mesmos direitos dos trabalhadores empregados formalmente, incluindo férias pagas, previdência social e licença-maternidade paga (LINHARES, 1996). 64. COR E RENDA. Como mencionado antes, a escolaridade está positi- vamente associada com a renda. Esta associação varia, ainda assim, enormemente de acordo com o gênero e a etnia. A Tabela 19 mostra a variação na renda de acordo com o último nível escolar obtido por mulheres negras, homens negros, mulheres brancas e homens bran- cos. Embora esta variação possa ser explicada por uma série de fato- A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 81 res, tais como a preferência das mulheres por empregos de meio perío- do, os dados sugerem o seguinte: § No geral, a renda é mais sensível ao gênero do que a etnia. Com a exceção daqueles com pós-graduação, os homens brancos e negros ganham consistentemente salários mais altos do que as mulheres bran- cas e negras em todos os níveis de educação. § Em termos de nível de renda, as mulheres brancas estão melhor si- tuadas do que as mulheres negras, quando o nível de educação é cons- tante. A mesma tendência é válida para os homens brancos em rela- ção aos homens negros. § A renda não é cega nem para o gênero nem para a etnia. Quando a etnia é combinada com gênero, os homens brancos são claramente privilegiados em termos de renda pessoal, e as mulheres inequivoca- mente estão em desvantagem. § Cerca de dois terços das mulheres negras e dois terços das mulheres brancas que tenham completado somente o grau fundamental de ensi- no têm renda mensal inferior a um salário mínimo. Entre os homens negros com o mesmo nível de educação, a proporção dos que rece- bem menos de um salário mínimo é de um terço e entre os homens brancos é de um quarto. § Entre os que completaram o ensino médio, os homens brancos têm os níveis de renda mais altos, com a maioria ganhando entre três a dez salários mínimos mensais. O número correspondente para os homens negros é de um a cinco salários mínimos e entre zero e dois salários mínimos mensais para a maioria das mulheres negras ou brancas. Neste mesmo nível educacional, cerca de seis por cento dos homens bran- cos ganham mais de 20 salários mínimos mensais, o dobro dos ho- mens negros, cinco vezes mais do que a proporção de mulheres bran- cas e seis vezes mais do que a proporção de mulheres negras. § Cerca de dois quintos dos homens brancos com educação superior ganham mais de 20 salários mensais. O número correspondente é de cerca de um quinto para os homens negros, um sexto para as mulhe- res brancas e um décimo para as mulheres negras. 82 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL § Tendo concluído a pós-graduação, a diferença na renda entre homens negros e mulheres brancas tende a desaparecer. Ainda assim, os ho- mens brancos continuam a ter cargos mais privilegiados em termos de renda, com mais de 70 por cento ganhando 20 salários mínimos men- sais. Novamente, as mulheres negras com pós-graduação ficam para atrás, com menos de um quarto delas ganhando mais de 20 salários mínimos. Tabela 19. Renda por gênero, cor e educação, Brasil 1996 (em # de salários mínimos)15 Educação Menos 1 e 2 3 a 5 6 a 10 11 a 20 Mais Total de 1 de 20 Mulher negra Grau fundamental 68,7 26,8 3,0 1,3 0,1 0 16.978 Grau médio 39,5 36,3 13,1 8,4 2,1 0,6 6.140 Faculdade 12,5 13,3 15,2 29,3 19,8 9,8 1.164 Pós-graduação 8,3 2,8 8,3 16,7 38,9 25,0 36 Mulher branca Grau fundamental 64,6 26,9 5,4 2,3 0,6 0,2 15.796 Grau médio 38,5 28,2 15,2 12,2 4,7 1,2 9.392 Faculdade 14,8 8,1 12,4 27,6 22,9 14,1 5.280 Pós-graduação 5,3 3,9 3,4 22,8 26,7 37,8 206 Homem negro Grau fundamental 34,5 44,6 13,2 6,4 1,4 0,3 17.945 Grau médio 14,4 30,3 27,7 21,6 9,5 2,6 4.713 Faculdade 4,4 7,1 10,9 22,8 31,2 23,7 1.051 Pós-graduação 0 2,3 2,3 15,9 40,9 38,6 44 Homem branco Grau fundamental 24,2 39,3 18,7 13,1 3,7 1,1 15.360 Grau médio 11,0 19,2 20,7 27,3 15,7 6,4 7.683 Faculdade 4,0 3,3 5,3 19,5 28,4 39,5 4.652 Pós-graduação 1,3 0,7 2,2 4,3 21,2 70,3 232 Fonte: Pnad, 1996 15Em 1996, o salário mínimo nacional era de 100 dólares americanos; a definição de negro usada na tabela inclui também os "pardos" (mulatos). A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 83 65. O SETOR INFORMAL. O setor informal é predominantemente fe- minino. De acordo com o Pnad de 1990, 50 por cento das trabalha- doras e 15 por cento dos trabalhadores estão neste setor, a maioria deles durante meio período (LAVINAS, 1996). O setor informal in- clui uma proporção alta de atividades não agrícolas, e o trabalho doméstico. Como Lavinas aponta, os dados sugerem que as mulhe- res são cerceadas de trabalhar em áreas que são compatíveis com o trabalho doméstico, especialmente no caso de domicílios pobres que precisam funcionar sem a infra-estrutura básica. A raça também de- termina o emprego no setor informal. Em 1990, os brancos repre- sentavam 59 por cento da força de trabalho como um todo, compa- rado a 41 por cento dos não-brancos, e a proporção correspondente para o setor informal era de 44 e 57 por cento, respectivamente, para brancos e não-brancos (REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRA- SIL, 1994). 66. O SETOR PÚBLICO. Durante a década de 1980, o emprego de mu- lheres no setor público aumentou significativamente. Hoje, as mulhe- res representam mais de 44 por cento do funcionalismo federal, um número bem acima da média nacional. Entre os trabalhadores, nove por cento trabalham em empregos formais no setor público, mas este número sobe para 15 por cento se os militares forem incluídos (PNAD, 1996). A proporção de mulheres varia de acordo com o setor (dados comparáveis para os homens não são disponíveis). Por exemplo, as mulheres formam 15 por cento dos funcionários no Ministério da Jus- tiça, 63 por cento dos funcionários de Ministério da Previdência So- cial e 51 por cento dos funcionários no Ministério do Planejamento, de acordo com um estudo de 1998 realizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Até agora, o setor público é uma das fontes mais importantes de empregos para as mulheres por três ra- zões: (a) o setor público inclui muitas colocações nas profissões de magistério e enfermagem, tradicionalmente atrativas para as mulhe- res; (b) a diminuição dos salários relativos tornaram o setor social do serviço público uma opção de emprego menos atrativa para os ho- 84 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL mens; e (c) o governo tende a seguir as leis trabalhistas e ser menos discriminador (ENAP, 1998). A predominância das mulheres no setor público, contudo, as torna mais vulneráveis quando do enxugamento do quadro de funcionários durante os processos de modernização do mesmo. 67. TRABALHO DOMÉSTICO. O trabalho doméstico continua a ser uma das principais fontes de emprego para as mulheres.16 Quase cinco milhões de mulheres, em 1995, tinham empregos domésticos, compa- rados a 250.000 homens. O trabalho doméstico é caracterizado por salários baixos: 67 por cento dos empregados domésticos, em 1995, ganhavam menos de um salário mínimo mensal. Os homens que tra- balham em empregos domésticos ganham salários mais altos do que as mulheres, mesmo quando as empregadas domésticas tenham ní- veis educacionais mais altos do que a sua contrapartida masculina. Os empregados domésticos também tendem a ser jovens ­ cerca de um quarto das empregadas domésticas está na categoria de 10 a 17 anos de idade. Embora a legislação brasileira obrigue o uso de contra- tos para os empregados domésticos e o pagamento dos benefícios da previdência social, a lei nem sempre é observada.17 68. O emprego doméstico permite que as mulheres pobres entrem para a força de trabalho assalariada, tais como as mulheres migrantes com pouca educação e sem experiência prévia de trabalho. Os empregos domésticos também fornecem um degrau para outros empregos e re- presentam emprego flexível. Da mesma forma, por poderem contra- tar empregados domésticos, as mulheres das classes média e alta pu- deram entrar mais facilmente na força de trabalho. Mas, por outro lado, os empregados domésticos trabalham principalmente isolados e 16A proporção de mulheres nos empregos domésticos está entre 16 e 20 por cento. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que, durante a última década, 19 por cento das mulheres com emprego eram empregadas domésticas (PEREIRA DE MELO, 1998). 17Atualmente, existem alguns esforços para organizar sindicatos entre os empregados domésti- cos e pressionam pela implementação da legislação existente. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 85 sem qualquer elo institucional com os seus pares, sendo, deste modo, menos capazes de terem ganhos de capital humano no emprego. Da mesma forma, a facilidade de se contratar empregados domésticos sig- nifica que as mulheres sentem-se menos pressionadas a terem de com- partilhar as tarefas domésticas com os seus companheiros. Neste senti- do, o serviço doméstico reforça os papéis de gênero tradicionais. 69. A PROFISSÃO DO MAGISTÉRIO. O magistério é outra ocupação tradicional das mulheres. As informações dos sindicatos dos pro- fessores, a Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino, indicam que os homens formam somente três por cento dos profes- sores da pré-escola até a quarta séria, 19 por cento da quinta a oita- va série e 39 por cento dos professores do ensino médio. Dezenove por cento dos diretores eram homens. Os estereótipos de gênero pre- valecem entre as próprias professoras, de acordo com as entrevistas realizadas por Carvalho (1998). Trechos das entrevistas atestam: "Nós vemos os homens como mais radicais, tipo professores aqui, alunos lá. Como professor, eu não posso vê-los desenvolverem uma relação próxima com os alunos." De acordo com outra professora, "As mulheres vivem os problemas na sala de aula. Talvez os ho- mens não possam atingir os alunos. O sexo masculino não tem este lado, digamos, maternal. A figura masculina em si mesma é mais impositiva, mais ligada à disciplina, certo? Como as mulheres são mais maternais, elas são mais flexíveis, dão um apoio maior, ficam mais relaxadas." Uma terceira professora comentou: "Todo mundo é igual no magistério. Entretanto, eu acho que as mulheres são mais pacientes do que os homens, você não acha? Sobretudo porque nós somos mães e se você é mãe, você é mais paciente, entende melhor os alunos." 70. A PARTICIPAÇÃO DA MULHER NA FORÇA DE TRABALHO RU- RAL. A participação das mulheres na força de trabalho nas áreas ru- rais do Brasil tem sido, por tradição, subdimensionada. Uma revisão, em 1991, do conceito de "trabalho" num censo nacional, contudo, constatou um aumento de mulheres no trabalho agrícola de 14 por 86 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL cento em 1990 para 23 por cento em 1995.18 Para os homens, as taxas eram de 28 por cento para os dois anos (BRUSCHINI, 1998). 71. O número de mulheres assalariadas nas áreas rurais aumentou, es- pecialmente na produção agrícola (indústria de alimentos). O empre- go industrial rural para as mulheres também está aumentando em al- gumas áreas, tais como o Nordeste, para onde o capital tem migrado do Sul e novas indústrias (como de calçados e confecções) fincaram raízes. Entretanto, per- manece preocupante a di- BOX 6 ficuldade de as traba- AS CONDIÇÕES DO TRABALHO INFANTIL lhadoras rurais obterem Apesar dos esforços do governo e das ONGs, a presença acesso à capacitação téc- de crianças de rua em Salvador (BA), continua a clamar nica e profissional em por atenção. Diferentemente do esperado, a iluminação pública aumentou em vez de diminuir o número de horas base igual à dos homens. de trabalho das crianças. As crianças agora são vistas Durante as reuniões em tarde da noite lavando carros e vendendo frutas e doces. A. D., um menino de doze anos, passa o dia inteiro na 1997 e 1998 sobre Gêne- rua vendendo café e cigarros. "Eu trabalho para ajudar ro e Agricultura Familiar em casa", diz. Ele também disse que está matriculado na no Banco Mundial, fo- escola, embora seja incapaz de dizer o seu nome ou o endereço. A violência, o uso de drogas e o alcoolismo ram feitas críticas sobre são parte da vida das crianças de rua. a participação marginal Fonte: A Tarde, agosto de 1998 de mulheres em seminá- rios, cursos e encontros técnicos organizados por instituições provedoras de assistência técni- ca agrícola (SILIPANDRI, 1998).19 72. A criação de cooperativas comerciais de mulheres de ofícios femini- nos tradicionais foi uma das abordagens utilizadas para auxiliar as 18A alteração ocorreu com resultado de uma campanha nacional organizada pelas trabalhadoras rurais próximo do "Censo Econômico" de 1991 argumentando que elas eram "produtoras rurais" em vez de "membros da família sem remuneração" (LAVINAS, 1996). 19O Ministério do Trabalho desenvolveu um programa de treinamento flexível (Planfor) executa- do juntamente com os estados, o qual envolveu uma proporção boa de mulheres (30 por cento nas áreas rurais de acordo com os dados de 1997). O objetivo era aumentar o emprego para uma diversidade de trabalhadores. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 87 mulheres pobres das áreas rurais, mas estas experiências tiveram su- cesso limitado. Em termos gerais, os ofícios tradicionais das mulhe- res têm demanda limitada e precisam competir com os produtos dos países de renda mais baixa com salários médios mais baixos. Incenti- var a produção de artefatos pelas mulheres também não é bem visto porque é percebido como uma forma de reforçar as mulheres nas ocu- pações femininas tradicionais. 73. TRABALHO INFANTIL. De acordo com Pnad de 1997, de 17 mi- lhões de crianças com 10 a 14 anos de idade, 2,8 milhões participam da força de trabalho, dos quais 67 por cento eram meninos e 33 por cento eram meninas. No Sul, a proporção de meninas atingiu 40 por cento, mas representou cerca de 30 por cento no Nordeste (onde a matrícula de meninas na escola também é a maior). De acordo com a Pesquisa de Qualidade de Vida, em 1997, cerca de 50 por cento das crianças negras com 14 anos de idade já tinham trabalhado pelo me- nos uma vez na vida, em contraste com um terço dos meninos bran- cos. Para as meninas, a proporção no trabalho infantil, embora menor do que a dos meninos, continua a ser maior entre as crianças negras do que entre as brancas: 23 por cento das meninas brancas e 26 por cento das meninas negras tinham trabalhado pelo menos uma vez an- tes dos 14 anos. O trabalho infantil é tanto resultado como causa da pobreza no sentido em que o trabalho reduz o tempo que as crianças passam na escola e afeta as suas capacidades para adquirir capital humano. 74. O Suplemento sobre a Criança no Pnad de 1985 indicou que, em São Paulo, as crianças de famílias chefiadas por mães sem compa- nheiros tinham um risco 10 por cento maior de trabalhar do que as crianças de domicílios encabeçados conjugalmente. As crianças ne- gras tinham um risco de 8 por cento maior de trabalhar do que as crianças brancas (BARROS & MENDONÇA, 1990). A pobreza tam- bém é transmitida através de gerações: as crianças de pais pobres têm probabilidade muito maior de estarem sujeitas à pobreza do que aquelas de famílias menos pobres (BARROS, 1991). 88 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 75. Em todo o Brasil, os programas Bolsa Escola e o Peti (Programa para Erradicação do Trabalho Infantil) expandem-se rapidamente. São programas desenhados para aumentar a freqüência e o desempenho na escola, bem como para reduzir o trabalho infantil através de trans- ferências financeiras feitas como parte de um pacote de diversas me- didas. As crianças com idade escolar (de 7 a 14 anos) de domicílios pobres são o grupo alvo. Os programas são vistos como bem sucedi- dos, tanto em termos de melhoria dos resultados educacionais como da melhoria do bem-estar das famílias recipientes. Todavia, as avalia- ções sérias destes programas serviriam para incrementar a sua eficá- cia. Uma análise de gênero dos programas Bolsa Escola e Peti seria também útil para se obter uma compreensão maior dos fatores que levam ao abandono da escola por meninos e meninas, e ajudaria até mesmo a desenhar programas melhores para manter os meninos e as meninas na escola. 76. Um outro efeito dos programas Bolsa Escola e Peti foi o recebimen- to das transferências pelas mães. Os programas só repassam o dinhei- ro para as mães dos alunos participantes. Pensou-se que, ao fazê-lo, boa parte iria para a melhoria do bem-estar da família como um todo e, em especial, das crianças. Para muitas destas mulheres, no entanto, esta é a primeira vez que receberam e tiveram este tipo de responsabi- lidade financeira, em muitos casos abrindo uma conta bancária pela primeira vez. Este "reconhecimento oficial" também levou a um re- conhecimento e valorização maior do papel da mulher na família ­ inclusive pelos seus parceiros ­ e em muitos casos aumentou a autoconfiança das mulheres. Nas visitas de campo, homens e mulhe- res mencionaram repetidamente o dinheiro recebido pelas mulheres através dos programas Bolsa Escola e Peti como um modo no qual as relações de gênero e os papéis de homens e mulheres começam pau- latinamente a ser alterados. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 89 Pobreza, ajuste estrutural e proteção social 77. POBREZA. Análise recente de dados do IBGE realizada pelo Banco Mundial para o Nordeste, em especial para os estados do Ceará e Rio Grande do Norte, encontrou diversos fatores relacionados à pobreza, incluindo: (a) etnia (a população branca tem um risco consideravel- mente menor de pobreza do que a população negra ou mestiça); (b) a idade do cabeça da família (quanto mais velho o cabeça da família, menor a incidência de pobreza); (c) nível educacional; e (d) condi- ções de trabalho e setor de ocupação (trabalhadores informais e agrí- colas apresentam uma incidência maior de pobreza) (FIESS & VERNER, 2001). A análise também mostrou que os domicílios enca- beçados por homens e mulheres diferem só marginalmente na medida em que provavelmente sejam pobres, 29 por cento e 41 por cento, respectivamente, no Rio Grande do Norte. Além disso, os domicílios encabeçados por homens têm uma redução de pobreza mais vagarosa se comparada aos domicílios encabeçados por mulheres. Entretanto, quando há controle no nível educacional (as mulheres têm mais esco- laridade do que os homens) e em outras características individuais, os domicílios encabeçados por mulheres têm uma probabilidade maior (46 por cento) de ser pobre do que os domicílios encabeçados pelos homens. No geral, o fator mais importante para a probabilidade de um domicílio ser pobre é o nível de educação obtido pelo chefe da família. 78. Além disso, o estudo concluiu que os domicílios com crianças novas são mais vulneráveis e com maior probabilidade de serem pobres do que os domicílios sem crianças menores de cinco anos de idade. Mais ainda, a probabilidade de vivenciar a pobreza nos domicílios com crianças pequenas parece ter aumentado durante a última década. Os domicílios cujos membros têm entre cinco e 15 anos de idade têm probabilidade alta de serem pobres, embora esta probabilidade seja ligeiramente menor do que aqueles com crianças menores de cinco anos de idade. A predominância numérica de famílias com crianças pequenas localizadas abaixo da linha de pobreza, assim como as con- 90 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL clusões sobre o aumento da vulnerabilidade dos domicílios encabeça- dos por mulheres, assinala que as políticas de intervenção não deve- riam ignorar estes grupos. De fato, visá-los iria contribuir significati- vamente na redução da pobreza e poderia estar no centro de uma es- tratégia de redução da pobreza. 79. Um estudo recente de Ferreira e Leite (2001), simulando os efeitos de uma expansão da educação sobre a distribuição da renda e a po- breza no estado do Ceará acrescenta mais evidência sobre este efei- to. O estudo detectou que a dinâmica do lar tem um papel crucial no impacto da expansão educacional sobre a distribuição da renda e a pobreza. Concluiu também que, como em outros lugares onde os níveis educacionais aumentaram rapidamente, parece haver um "exér- cito de reserva", esperando por condições apropriadas para obter um emprego assalariado ou tornar-se autônomo. À medida que as mulheres adquiram educação e entrem na força de trabalho, as suas taxas de fecundidade caem, reduzindo o número de crianças por família. De fato, a participação na força de trabalho e as alterações demográficas surgidas da expansão educacional são responsáveis por cerca da metade do impacto geral na redução da pobreza. Um grande fluxo de mulheres entrando no mercado de trabalho, contu- do, pode gerar uma pressão nos salários para baixo ou aumentar a concorrência pelo emprego. Os ganhos de uma mão-de-obra mais educada dependem, em grande medida, de como se assegura efeti- vamente "um campo nivelado para as suas mulheres" (FERREIRA & LEITE, 2001). 80. Este estudo enfatiza novamente a importância central das estraté- gias de redução da pobreza que diminuem as barreiras e cuidam das necessidades das mulheres pobres. Estas incluem o acesso a creches e planejamento familiar, melhorias continuadas na educação e redução nas barreiras para a participação das mulheres no mercado de traba- lho. Também inclui objetivos de longo prazo que exigem alteração nos papéis relacionados a gênero e a socialização de homens e mu- lheres de forma diferente, tais como a redução da violência contra as A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 91 mulheres e readequação do desequilíbrio de gênero na divisão do tra- balho doméstico. Quando homens e mulheres compartilham a paterni- dade, a atenção aos filhos e as tarefas domésticas de forma mais igual, as mulheres ficam mais livres para participar da força de trabalho e para progredir no emprego, o que é uma outra précondição para reduzir as desigualdades no trabalho relacionadas a gênero. 81. AJUSTE ESTRUTURAL E PROTEÇÃO SOCIAL. As mulheres e os homens provavelmente são afetados de formas diferentes por choques macroeconômicos. Por exemplo, o enxugamento terá um impacto dife- renciado dado a natureza segregada de gênero do mercado de trabalho. A redução de déficits que levam à perda de empregos no setor público, onde a presença das mulheres está acima da média nacional, é provável que afete de forma desproporcional as mulheres. Mas os cortes, as dis- pensas e fechamento de indústrias pesadas sujeitas ao aumento da con- corrência e da globalização significam desemprego maior entre os ho- mens. Os trabalhadores em São Paulo e no Rio de Janeiro enfrentam os maiores riscos. 82. Enquanto que, provavelmente, algumas mulheres perderão os seus empregos, outras entrarão no mercado de trabalho durante as flutuações econômicas. As mulheres representam uma parte desproporcional da população inativa e à medida que os homens da casa ficam desempre- gados e/ou sejam incapazes de sustentar financeiramente o domicílio, as mulheres serão forçadas a entrar no mercado de trabalho. Entre os pobres, as mulheres, com freqüência, arranjam empregos que oferecem facilidade de entrada e condições flexíveis de trabalho, a despeito dos ganhos menores. Historicamente, as crises econômicas foram um gati- lho importante para as mulheres entrarem na força de trabalho no Bra- sil. Diversos autores sugerem que, enquanto a parte do aumento nas taxas de participação das mulheres na força de trabalho durante a déca- da passada pode ser devido aos níveis educacionais mais altos entre as mulheres, as crises econômicas foram um fator importante na busca por emprego pelas mulheres durante as décadas de 1980 e 1990 (RE- PÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1994). 92 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 83. Sem as alterações na divisão do trabalho doméstico por gênero, um aumento na participação de mulheres no trabalho assalariado implica em novas pressões sobre o seu tempo. Em outros países, as estratégias de sobrevivência resultaram em uma intensificação do afazeres domésticos das mulheres (FLORO, 1994). Um estudo do Banco Mundial sugere, contudo, que enquanto a carga de tra- balho da mulher de fato aumenta, o tempo dedicado aos afazeres domésticos diminui, em geral, durante períodos de flutuações eco- nômicas devido ao aumento na participação das mulheres na força de trabalho assalariada, com o corolário de conseqüências negati- vas no cuidado com a família (CUNNINGHAM, mimeo). Também, no Equador, Moser (1997) concluiu que as pressões sobre os pais para trabalhar resultam em passar menos tempo supervisionando os filhos. Isto, em particular, faz com que os filhos passem mais tempo nas ruas. 84. O desemprego, para os homens de todas as idades, ameaça o seu papel de provedores da família e, com freqüência, cria problemas de auto-estima, depressão e suicídio. Embora no caso do Brasil seja necessário mais informação, observa-se em outros países que o de- semprego pode resultar no alcoolismo e em comportamento mascu- lino violento, tendo como vítimas tantos os homens como as mulhe- res. Entre os homens jovens, freqüentemente resulta em ações des- trutivas e criminosas com custos altos para as suas famílias e comu- nidades, assim como para eles mesmos. Para as famílias, a violência aumenta os custos com saúde, bem como para a sociedade como um todo. Um aumento no trabalho infantil entre os meninos é um outro efeito possível da flutuação econômica que, por sua vez, os faz in- terromper ou abandonar a escola. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 93 Órgãos governamentais/Organizações não governamentais dedicadas ao gênero 85. O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL. Como em muitos outros países latino-americanos, os grupos da sociedade civil tiveram um papel im- portante na colocação de gênero na agenda pública.20 Em 1987, as organizações da socieda- BOX 7 de civil, as ONGs e o O LOBBY DO BATOM CNDM juntaram-se para Em 1987, as organizações da sociedade civil, ONGs e o defender os direitos Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) iguais para gênero, o que juntaram-se para defender direitos civis iguais para gênero que tornou-se conhecido como o "lobby do batom". tornou-se conhecido co- As suas atividades levaram aos seguintes direitos legais, mo o "lobby do batom" os quais foram concedidos: § (ver o Box 7 para a des- O direito de as mulheres tomarem decisões sobre a casa, com os tribunais decidindo em caso de conflito. crição do que foi alcan- A supremacia dos homens nas questões familiares foi çado pelo lobby). O mo- eliminada. § O direito de a mulher casada declarar separadamente vimento de mulheres da o imposto de renda e de ter os filhos como dependentes sociedade civil trabalha para as deduções do imposto de renda. estreitamente com o Con- § A eliminação do direito do homem de impedir que as suas esposas trabalhem em quaisquer circunstâncias. gresso Nacional para me- § Os mesmos direitos para os filhos tidos fora do lhorar o equilíbrio de gê- casamento e aqueles gerados no matrimônio. nero na participação e re- § Os mesmos direitos para os parceiros que aqueles dos casamentos formais. presentação política. Co- § O direito à licença-paternidade paga. mo resultado, o Congres- § A violência sexual como um crime contra os direitos soaprovou,em1997,uma humanos em oposição ao crime moral, implicando assim em penalidades mais duras para os que cometem lei exigindo que todos os crimes sexuais. partidos políticos incluís- § Os direitos trabalhistas e previdenciários foram expandidos para os empregados domésticos. sem pelo menos 25% de candidatas (WEDO, Fonte: Junho Pena, 1991. 1998). A representação 20 As organizações da sociedade civil proliferaram durante as últimas décadas. De acordo com um estudo do Instituto Brasileiro de Estudos Religiosos (Iser)/Johns Hopkins University, as ONGs e as organizações da sociedade civil empregam cerca de 1,1 milhão de pessoas. Outras 330.000 trabalham como voluntárias para as ONGs. Mais da metade dos voluntários estão ligados a organizações religiosas. 94 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL de mulheres, após a aprovação da lei, aumentou de oito para 11 por cento (HTUN, 1998). além de aumentar a participação de mulheres na política, também es- BOX 8 pera-se que tal medida INTEGRANDO O GÊNERO NOS PROGRAMAS incentive as mulheres a INOVADORES DA FUNDAÇÃO ABRINQ exercerem os seus direi- A Fundação Abrinq, de São Paulo, é um exemplo de ONG tos de votar.21 Após mui- brasileira que cuida de questões complexas relacionadas a tos anos de discussões gênero no âmbito do seu trabalho com as crianças, as quais são o seu principal grupo alvo. A Fundação Abrinq, e muitas emendas, em que foi fundada com recursos do setor privado, utiliza uma 2001, o Congresso apro- abordagem única em seu trabalho. Em vez de financiar e vou, já tendo sido garan- executar diretamente os programas, ela investiu no desenvolvimento de um selo que distingue os produtos e tido pela Constituição as empresas que buscam práticas amigáveis para a de 1988 do Brasil, um criança. A fundação também dá prêmios aos municípios pelos programas sociais inovadores e bem sucedidos novo código civil, ga- voltados para as famílias pobres e para as crianças. rantindo direitos iguais Os programas premiados tratam de questões como: para homens e mulhe- § A educação, incluindo creches e educação pré-escolar, educação para os crianças de rua, programas para res. Entre outras medi- reduzir o abandono e repetição escolar, além da re- das, a nova lei aboliu o educação de crianças infratoras; conceito tradicional do § A saúde, incluindo os programas de apoio às mulheres grávidas, provê incentivos para o aleitamento materno, "direito pátrio" que dava educação nos serviços de atenção de saúde da família e aos pais o direito irres- de planejamento familiar, cuida de casos de Aids infantil, de dependência química e em gravidez de risco trito de decidirem em e na prevenção do câncer uterino e de mama; nome das suas famílias. § A violência, incluindo os programas para reduzir a Na nova lei, os maridos violência contra as crianças e para dar assistência às vítimas da violência doméstica e de outras formas de e as esposas comparti- violência; e lharão aquela autoridade § As crianças, incluindo acampamento de férias para as e as mulheres solteiras crianças de renda baixa e os programas que cuidam da erradicação do trabalho infantil e fornecem abrigos serão consideradas como para as crianças de rua. cabeças de domicílios. 21Também de acordo com Htun (1998), os cidadãos brasileiros elegem candidatos individuais em oposição a uma lista partidária, como acontece na vizinha Argentina e em Costa Rica. Assim, as mulheres no Brasil têm que competir por publicidade e apoio dentro dos partidos, o que de acordo com as candidatas potenciais brasileiras inibiu o cumprimento das cotas. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 95 86. As organizações da sociedade civil também foram ativas nos progra- mas de desenvolvimento e serviços com objetivos específicos de gêne- ro (ver Box 8). Alguns exemplos de organizações realizando trabalho de gênero importante incluem: (a) a Cepia, no Rio de Janeiro, que for- nece treinamento em questões de gênero para agentes da polícia, médi- cos e enfermeiras no setor de saúde; (b) o Instituto de Ação Cultural (Idac) que administra um programa de treinamento bem sucedido para líderes feministas, englobando áreas como a política, sindicatos e im- prensa, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); (c) o SOS Corpo, em Recife, com longa tradição em trabalho em saúde reprodutiva e em outras questões de saúde com uma perspec- tiva de gênero; (d) o Ibiss, em Campo Grande (MT), que cuida da questão sensível da violência doméstica e do abuso sexual contra crian- ças dentro de uma perspectiva de gênero; (e) a Ecos, em São Paulo, que trabalha com homens sobre as questões da sexualidade e da reprodu- ção; (f) a Cunhã, um grupo feminista na cidade nordestina de João Pessoa (PB), o qual eleva a conscientização pública sobre gênero atra- vés do teatro de rua, shows musicais e vídeos; (g) a Cemina, no Rio de Janeiro (RJ), que produz um programa semanal de entrevistas no rádio, transmitido para a Amazônia, para debater as questões relacionadas ao gênero e a outras questões sociais como o meio ambiente, a saúde e a violência; e (h) a Redeh, também no Rio de Janeiro, que trabalha com o Ministério da Educação para fornecer educação relacionada a gênero para os professores de alfabetização de adultos. Embora o trabalho re- lacionado a gênero no Brasil, realizado pela sociedade civil, tenha fo- calizado as questões das mulheres, os exemplos acima mostram clara- mente uma mudança na ênfase, integrando as questões masculinas de gênero, especialmente nas áreas da sexualidade e da saúde reprodutiva. 87. A RESPOSTA DO SETOR PÚBLICO. Em1985, o governo federal criou o CNDM como um órgão consultivo para incentivar a igualdade de gênero e eliminar a discriminação contra as mulheres.22 O CNDM 22O CNDM foi criado pela Lei 7.453. 96 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL está alocado no Ministério da Justiça. Embora o Presidente nomeie a presidente do Conselho, grupos da sociedade civil e ONGs dirigem- no. Está legalmente obrigado a coordenar as ações dentro do governo federal em setores tais como a educação, trabalho, justiça e direitos humanos. 88. De acordo com Htun (1998), depois de um declínio no poder e dúvi- das no final da década de 1980, o CNDM viveu um curto período de ressurgimento durante o início da administração do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas sem que tenha recuperado seu status, autoridade, autonomia e recuros.23 Na estrutura federalista do Brasil, os órgãos estaduais têm um papel crucial no tratamento das questões relacionadas a gênero. Por exemplo, o Conselho para a Condição da Mulher do estado de São Paulo foi instrumento para o desenvolvi- mento de medidas políticas no combate à violência e em questões de saúde. São Paulo tem a mais extensa rede de delegacias de mulheres na América Latina. Os hospitais públicos de São Paulo estabeleceram procedimentos inovadores para o tratamento de vítimas de estupro e de violência doméstica. 23A novidade em 2003 é a nomeacão de uma Secretária da Mulher, com status de Ministra. A Secretaria já estava criada, sem ocupante, desde o final do Governo Cardoso. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 97 RESUMO E IMPLICAÇÕES DAS CONCLUSÕES 90. O Brasil progrediu significativamente no trato das questões de gêne- ro e na redução das desigualdades de gênero. Quatro avanços impor- tantes merecem atenção: (a) O acesso a e o uso de anticoncepcionais pelas mulheres aumentou enormemente, o que resultou em queda acentuada da taxa de fecundi- dade e no tamanho das famílias em todas as regiões do país. A esteri- lização feminina tornou-se a forma mais comum de controle de nata- lidade. (b) Desde 1988, os direitos das mulheres expandiram-se dentro do lar, no local de trabalho e em termos do direito à terra e à segurança pessoal. A Constituição de 1988 criou também uma licença-paterni- dade de curta duração. (c) A educação das mulheres aumentou ao ponto de elas terem agora mais escolaridade, na média, do que os homens. (d) Embora os homens ainda predominem no mercado de trabalho, a participação das mulheres cresceu de forma constante durante as duas últimas décadas. A diferença salarial entre homens e mulheres tam- bém diminuiu. 91. Embora o Brasil tenha testemunhado melhorias importantes em re- lação a gênero, uma série de questões afetando o bem-estar de ho- mens e mulheres ainda permanecem. Por exemplo: (a) DEMOGRAFIA. As taxas de fecundidade, de mortalidade infantil e de mortalidade permanecem muito altas entre os grupos indígenas. A gravidez juvenil continua também a ser um problema. Embora a taxa nacional seja de 15 por cento, a gravidez juvenil no Nordeste atinge 24 por cento e está subindo. As taxas de mortalidade ligadas a fatores externos como acidentes de trânsito, homicídios e suicídios apresentam grandes diferenças em gênero. (b) SAÚDE DA MULHER. A atenção pré-natal inadequada persiste e a proporção de gravidezes de risco permanece alta. A mortalidade 98 A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL materna também está em ascensão, o que sugere problemas sérios no sistema público de saúde. As mulheres estão contraindo HIV/Aids em proporção superior aos homens, embora, em termos absolutos, existam mais homens infectados com HIV/Aids do que mulheres. Os programas de prevenção da Aids que, no passado, tenderam a manter o foco sobre os homossexuais masculinos, recentemente ampliaram- no para incluir os grupos femininos de risco. (c) SAÚDE DO HOMEM. Os programas de saúde, incluindo a sexua- lidade e reprodução assim como os outros programas de saúde, têm sido direcionados, na maioria das vezes, para as mulheres. Por exem- plo, os programas de prevenção foram criados para o câncer de mama e cervical, mas não há esforço paralelo para cuidar do câncer da prós- tata entre os homens. Do mesmo modo, os programas de saúde repro- dutiva tendem a excluir os homens. Como resultado, o uso de méto- dos anticoncepcionais pelos homens é mínimo no Brasil. Uma preo- cupação especial é a proporção insignificante de homens que usam camisinhas, colocando, assim, a si e às parceira(o)s em risco de con- taminação pela Aids ou outras DSTs. (d) VIOLÊNCIA. A incidência da violência entre os homens, contra as mulheres e a violência sexual contra crianças de ambos os sexos continua a ser alta. A violência é uma questão de gênero devido ao modo como os homens são socializados, e as expectativas coloca- das sobre os homens pela sociedade contribuem para a violência masculina. (e) EDUCAÇÃO. Na média, os meninos têm agora menos anos de escolaridade do que as meninas. E os meninos tendem a ter uma taxa maior de abandono da escola do que as meninas porque eles são forçados a entrar prematuramente no mercado de trabalho. Para ambos os sexos, a socialização relacionada a gênero resulta no fato de que os meninos e as meninas são tratados de modo diferente no sistema educacional brasileiro. Por exemplo, a rebelião, punida nas meninas, é aceita nos meninos. E a violência entre os meninos é considerada como efeito colateral de serem homens. Acredita-se que A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 99 para as meninas, os estereótipos relacionados a gênero e a socializa- ção atrasam sua educação e suas aspirações por carreiras. (f) ATENÇÃO MATERNAL E CRECHES. Embora permaneça como uma prioridade de governo, a qualidade da atenção maternal e das creches e os programas educacionais continuam fracos. Dada a divi- são do trabalho dentro do domicílio, os serviços de baixa qualidade afetam desproporcionalmente as mulheres no sentido de entrar e pro- gredir na força de trabalho. As mulheres pobres são o grupo mais afetado. (g) TRABALHO. A participação das mulheres na força de trabalho aumentou 49 por cento em 1999. Mas como em outros países, a força de trabalho é altamente segregada por setor. Por exemplo, as mulhe- res continuam concentradas em cargos que requerem habilidades mais baixas como os afazeres domésticos e o magistério. A educação re- força esta tendência, como também o faz nos modelos dos papéis domésticos, levando assim à transferência da segregação ocupacional entre as gerações. Mais importante ainda, o Brasil continua a regis- trar uma das maiores diferenças salariais na América Latina e no Caribe. Apesar de, no geral, a diferença tenha diminuído, a disparidade aumentou entre as mulheres com níveis educacionais mais altos e mais baixos. Entretanto, a diferença salarial relacionada a gênero é menor entre homens e mulheres com níveis de escolaridade mais baixos e é maior entre os homens e mulheres casadas. A raça é tão importante quanto o gênero na determinação de salários. (h) POBREZA. Os dados para o Nordeste mostram que os domicílios encabeçados por homens e mulheres diferenciam-se só marginalmen- te na medida que, provavelmente, são pobres: 39 por cento e 41 por cento, respectivamente. Os domicílios encabeçados por homens vi- vem uma redução menor da pobreza comparado com os domicílios encabeçados pelas mulheres. Contudo, quando há controle de educa- ção (as mulheres têm mais anos de escolaridade do que os homens) e de outras características individuais, os domicílios encabeçados por mulheres têm uma probabilidade maior (46 por cento) de serem po- 100A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL bres do que os domicílios encabeçados por homens. Além disso, os domicílios com crianças pequenas têm mais probabilidade de serem pobres do que os domicílios sem crianças menores de cinco anos de idade. 92. As diferenças relacionadas a gênero tais como as identificadas neste relatório têm conseqüências econômicas e para o desenvolvimento humano. Por exemplo: § uma saúde frágil afeta a produtividade econômica e é um dreno para os recursos do país; deste modo, os legisladores precisam estar conscientes dos riscos de saúde diferentes de homens e de mulheres; § a exclusão dos homens nos programas de saúde reprodutiva afeta o potencial de efetividade destes programas porque os homens também estão envolvidos no controle de natalidade e na reprodução e na saú- de sexual; § um risco crescente de contaminação pelo HIV/Aids e por outras doenças sexualmente transmissíveis está associado à não-utilização de camisinhas entre os homens, mas os programas de saúde reprodu- tiva, em sua grande maioria, continuam a visar as mulheres; § a alta incidência de violência na sociedade brasileira está pesando sobre o sistema de atenção à saúde e afetando a produtividade no trabalho; como relatado pela OMS, a violência contra as mulheres tem um impacto negativo direto sobre diversas questões importantes de saúde, incluindo a prevenção segura das doenças sexualmente trans- missíveis e o HIV/Aids; § Os níveis baixos de escolaridade ­ devido à entrada prematura na força de trabalho, no caso dos meninos, e aos afazeres domésticos e outras questões, no caso das meninas ­ afetam o capital humano e o potencial econômico, mas a falta de atenção às necessidades espe- ciais das meninas e dos meninos afeta a viabilidade das iniciativas educacionais projetadas para manter as crianças na escola, e § Dado os níveis mais altos de educação das mulheres, o seu baixo salário no mercado de trabalho em relação aos homens significa que, para elas, o retorno da educação é menor do que para os homens. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL101 93. As conclusões do relatório apontam para a importância dos papéis relacionados a gênero na confecção de oportunidades, afetando o aces- so aos recursos, influenciando as escolhas e, em última instância, afe- tando o bem-estar. Enquanto que as oportunidades econômicas para as mulheres têm expandido, o papel primordial de muitas mulheres continua a ser aquele de mãe e de cuidar do lar, o que significa que elas provavelmente sejam mais dependentes economicamente. Os papéis dos homens, em contraste, permaneceram bem rígidos, a ex- pectativa é de que os homens sejam primordialmente os principais provedores, responsáveis pelo bem-estar econômico da família. Pa- péis relacionados a gênero estreitamente definidos afetam homens e mulheres durante toda a sua vida. Começando com as crianças em idade escolar, as meninas com freqüência são forçadas a deixar a es- cola ou a combinarem os afazeres domésticos com a sua educação graças aos papéis relacionados a gênero, enquanto que os meninos abandonam ou repetem de ano para participarem de atividades gera- doras de renda. Estas escolhas afetam o capital humano mais tarde na vida. Como adultos, as mulheres ganham menos do que os homens, devido em parte à opção das mulheres por empregos com salários baixos que oferecem maior flexibilidade e que lhes permitem alternar entre as responsabilidades do trabalho assalariado e de casa. 94. As diferenças relacionadas a gênero e os papéis sexuais podem tam- bém levar à discriminação. Por exemplo, embora não tenha sido de- monstrado, as políticas de licença-maternidade podem agir como uma espada de dois gumes para as mulheres ao elevar os custos do seu trabalho. E, embora não haja evidência significativa de diferenças relacionadas a gênero em termos de nível educacional primário e se- cundário, as diferenças relacionadas a gênero nos retornos ao capital humano no mercado de trabalho sugerem formas possíveis de discri- minação ou de desigualdades. O viés relacionado a gênero também pode resultar da falta de informação, de estereótipos relacionados a gênero ou de percepções falsas sobre os atributos relativos dos ho- mens e das mulheres. 102A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 95. A heterogeneidade de homens e mulheres também é notável. Por exemplo, as diferenças relacionadas a gênero nos salários são meno- res entre os trabalhadores com capacitação baixa do que entre os mais educados. E, enquanto que a diferença salarial relacionada a gênero no Brasil esteja em declínio, a diferença entre grupos de mulheres tem aumentado. As diferenças étnicas também precisam ser conside- radas ao se analisar as questões de gênero no Brasil pois afetam signi- ficativamente as oportunidades de educação e trabalho das mulheres brancas e negras no Brasil. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL103 ESTRATÉGIA E RECOMENDAÇÕES Estratégia geral 96. Como em diversos outros países, o trabalho de gênero no Brasil voltou-se para a expansão das oportunidades para as mulheres, para redução da discriminação e a expansão de seus direitos. As leis e as políticas relativas ao planejamento familiar, à saúde da mulher, ao cuidado dos filhos, aos direitos dos empregados domésticos, à parti- cipação política das mulheres, à violência doméstica e à proteção das trabalhadoras têm sido o instrumento principal para a expansão das oportunidades e direitos das mulheres. Os progressos brasileiros na arena legal são de fato impressionantes. Embora os esforços para for- talecer a estrutura legal e os mecanismos de fiscalização devam con- tinuar, a igualdade não será atingida se não mudarem as expectativas da sociedade com relação ao que os homens e as mulheres deveriam ou não fazer, e como deveriam ou não se comportar. No geral, as mulheres têm mais educação do que os homens, ainda assim as dispa- ridades no mercado de trabalho continuam. Em especial, as diferen- ças salariais são grandes se comparadas a outros países na América Latina e no Caribe, e os pesquisadores sugerem que somente parte desta diferença pode ser atribuída à discriminação. As decisões do- mésticas em relação à alocação do trabalho dos homens e das mulhe- res e as escolhas feitas pelas próprias mulheres têm um papel impor- tante na explicação das diferenças relacionadas a gênero nas ocupa- ções, salários e oportunidades de progresso. 97. O FOCO NOS PROCESSOS DE SOCIALIZAÇÃO RELATIVOS A GÊNERO. Deste modo, a atenção deveria voltar-se para a alteração nas expectativas da sociedade e nos processos de socialização de modo que as mulheres, assim como os homens, possam fazer escolhas dife- rentes. Em contraste com as leis aprovadas e o estabelecimento de políticas que podem ter um período relativamente curto e exigir capa- cidades técnicas e recursos limitados, a mudança nos processos de 104A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL socialização levará diversas gerações para ser alcançada e exigirá uma gama ampla de esforços através de canais diferentes. A socialização acontece através da educação, da mídia, da família, dos pares, da comu- nidade e das práticas culturais, de modo que os esforços em cada uma dessas frentes precisam ser realizados para que mudanças de longo alcance possam acontecer. 98. TRATANDO DAS QUESTÕES DE GÊNERO RELACIONADAS AOS HOMENS. Como já detectado pela experiência de vários setores bra- sileiros, para se quebrar as barreiras relacionadas a gênero este con- ceito não pode continuar a ser focado somente sobre as mulheres. Tanto os homens como as mulheres são socializados de acordo com normas e expectativas relativas a gênero e esta socialização gera pro- blemas para ambos os grupos. Enquanto que as questões femininas são bem conhecidas e documentadas, as questões masculinas como a violência e a agressão, o alcoolismo e a dependência química, o com- portamento de risco, os efeitos do desemprego e do envelhecimento e a ausência de pais são ainda pouco pesquisadas As experiências na América Latina e Caribe assim como nos países industrializados, como o Reino Unido e os EUA, sugerem que, para se alcançar uma mudan- ça efetiva, esforços paralelos relativos a gênero precisam ser feitos de forma a atingir os homens. 99. TRABALHANDO EM NÍVEL LOCAL. Como estratégia geral, este relatório recomenda o trabalho através de programas em nível local ou baseados na comunidade para mudar os processos de socializa- ção, bem como tratar de outros assuntos surgidos neste relatório (dependência química, educação maternal, saúde maternal, gravi- dez juvenil, abuso sexual de crianças, serviços de atenção à saúde sexual e reprodutiva, etc.). Trabalhar com a sociedade civil e as organizações locais oferece diversas vantagens, como a poderosa pressão exercida por estes grupos através dos pares e sua influência através de uma cooperação estreita e da interação direta com os gru- pos visados. Estas organizações também têm uma compreensão melhor dos contextos locais e podem adaptar os programas de acor- A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL105 do com as condições e as práticas locais. Ao trabalhar com as orga- nizações locais também usa-se a capacidade existente, aumentando a eficiência e colocando menos pressão sobre orçamentos limitados do setor público. Finalmente, trabalhar através das organizações lo- cais fortalece a sua capacidade e contribui para o processo de democra- tização. Um exemplo interessante de tais programas locais é o Progra- ma Papai, de Pernambuco, uma ONG que realiza pesquisas e executa projetos nas áreas da paternidade juvenil, prevenção da Aids/DST. SAÚDE E MÍDIA. Usar o sistema educacional, campanhas públicas e outras mídias são duas estratégias alternativas para alterar os pro- cessos de socialização. Seguem-se as recomendações setoriais es- pecíficas. Saúde 100. As prioridades de saúde reprodutiva, na medida que se relacionam a gênero, deveriam incluir a redução da taxa de mortalidade materna, relativamente alta no Brasil, a melhoria no acesso ao planejamento familiar para os mais pobres e visar os homens como parceiros nos programas de reprodução e de sexualidade. Com relação à redução da mortalidade materna, é também importante notar que o problema é parte de uma questão institucional maior que afeta todos os serviços de atenção à saúde no Brasil, como regulamentações fracas dos con- vênios entre os setores público e privado. Uma ação imediata, en- tretanto, poderia ser a mobilização de organizações comunitárias e ONGs para fornecer informação e serviços básicos durante diferen- tes fases da gravidez, especialmente durante o primeiro trimestre, quando a ausência destes serviços coloca as mulheres na categoria de gravidez de risco. As atenções pós-natais deveriam incluir o for- necimento de informações sobre nutrição infantil e poderiam ser parte daqueles serviços baseados na comunidade. Um outro serviço básico poderia voltar-se para o aumento na vacinação antitetânica para as mulheres no intuito de se reduzir o risco de infecções duran- te e após a gravidez. Finalmente, a inclusão dos pais em programas 106A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL como nutrição e cuidados serviria para incentivar os seus papéis de maridos/parceiros, pais e provedores de atenção. 101. SAÚDE REPRODUTIVA E SEXUAL. Os esforços para melhorar os serviços de saúde reprodutiva e sexual deveriam continuar. Mas a esterilização como um método de controle da natalidade deveria ser desencorajada, dado que ela pode levar à redução do uso de camisi- nha, não é uma opção para as mulheres mais jovens que planejem ter filhos mais tarde na vida, representando ainda uma despesa alta para o sistema de atenção à saúde. Os programas de saúde reprodutiva e sexual deveriam visar tantos as mulheres como os homens. Em espe- cial, deveriam incentivar formas masculinas de controle de natalida- de, dada a baixa utilização de camisinhas e de esterilização masculi- na.24 Enquanto que os homens brasileiros dizem estar cientes das es- colhas do controle de natalidade, a informação disponível sugere que eles não recebem informações exatas sobre a saúde sexual e reprodu- tiva. Os esforços para se atingir os homens deveriam ir mais além das formas de tratamento da epidemia de HIV/Aids do Brasil. Um bom exemplo de trabalho realizado no país é o Instituto Promundo, no Rio de Janeiro, que desenvolve guias para os provedores sobre as necessi- dade de saúde reprodutiva e sexual dos meninos, organiza encontros regionais para trocar idéias sobre o trabalho e para produzir materiais educacionais de saúde produzidos por adolescentes para os meninos. Os programas de saúde reprodutiva também deveriam ser regional- mente específicos. Por exemplo, em áreas como o Nordeste, as ativi- dades deveriam visar a redução na incidência da gravidez juvenil. 102. A VIOLÊNCIA, A DEPRESSÃO E O COMPORTAMENTO DE RIS- CO. Com o intuito de desenhar melhor programas de controle e pre- venção, os epidemiologistas deveriam estudar a incidência e os fato- res de riscos relacionados a gênero associados com a violência, de- pressão e suicídio, além do comportamento de risco entre os homens. 24As experiências dos EUA sugerem que ambientes confortáveis "pró-homens" são importantes para atrair os homens e incentivar a discussão aberta sobre as questões reprodutivas e saúde sexual. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 107 Pouco foi feito para analisar estas questões sociais como questões de gênero e especificamente analisar como os processos de socialização e os papéis e expectativas relacionados a gênero contribuem para a sua incidência. 103. A SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS. É necessário dar mais aten- ção aos alarmantes problemas de saúde de grupos indígenas que te- nham elos relacionados a gênero, tais como as altas taxas de mortali- dade entre homens e a mortalidade/morbidez materna. Argumenta-se que os custos de oportunidades associados aos programas para povos indígenas são altos em virtude de a sua população ser numericamente pequena. Tanto o retorno é muito alto quanto os investimentos se jus- tificam por razões de redução da pobreza e principalmente pela pre- servação da riqueza cultural que tais grupos legam ao Brasil. Violência 104. Dada a sua incidência e a sua natureza relacionada a gênero, a vio- lência deveria ser uma área prioritária para o trabalho relacionado a gênero no Brasil. Mas tratar da violência a partir de uma perspectiva de gênero deveria ir além de se cuidar dos efeitos da violência doméstica contra a mulher, tema no qual o Brasil já fez alguns progressos impor- tantes. A longo prazo, a atenção deveria voltar-se para a prevenção da violência, isto é, analisar como o gênero afeta a violência masculina e identificar os passos para contrabalançar os efeitos sobre a violência dos papéis relacionados a gênero e dos processos de socialização. 105. O sistema educacional, os programas comunitários e a mídia são todos veículos importantes para a prevenção da violência relacionada a gênero, segundo Morrison e Biehl (1999). O sistema educacional, por exemplo, pode influenciar os valores culturais que incentivam o com- portamento agressivo entre os meninos e a docilidade entre as meninas. As intervenções possíveis incluem o treinamento de professores e a eliminação dos estereótipos relacionados a gênero nos livros didáticos e o desenvolvimento de programas especiais para ensinar às crianças as técnicas de resolução não violenta de conflitos. Os programas em nível 108A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL comunitário podem ser utilizados para fornecer programas de educa- ção informal, ensinar aos cidadãos as sanções legais contra a violência, estabelecer estratégias de prevenção da violência e prover serviços sociais para as vítimas da violência. Além disso, a mídia pode ser usada para transmitir programas educacionais e telenovelas para pro- duzir e divulgar imagens mais positivas das relações interpessoais (homem-mulher e adulto-criança) assim como ilustrar a resolução não violenta de conflitos. E, por último, os programas de grupos pares, tais como o Programa Irmãos e Irmãs Maiores na América do Norte, têm sido bem sucedidos em atingir e reformar a juventude de risco. 106. Em termos de sanções à violência, seria importante continuar a fortalecer os programas que conscientizam homens e mulheres sobre a ilegalidade da violência doméstica, fornecer às mulheres acesso aos serviços jurídicos e melhorar os processos legais. Também, dado que as delegacias de polícia de mulheres no Brasil têm sido usadas como modelo na América Latina e no Caribe no auxílio às vítimas femini- nas da violência, aprender mais sobre a eficácia e a sustentabilidade destas delegacias é uma outra prioridade. Finalmente, são importan- tes os programas que tratam das necessidades dos meninos e meninas de rua em geral e, em particular, aqueles que vivem na prostituição. Um exemplo de um programa bem sucedido trabalhando nesta área é o MNMMR (Movimento Nacional de Meninos e Meninas da Rua), que tem sido um instrumento na colocação da questão das crianças de rua na agenda nacional. Um outro exemplo é a Casa de Passagem, em Recife (PE) que fornece alternativas e apoio a meninas e jovens mu- lheres que vivem nas ruas, muitas das quais prostitutas. Educação 107. EDUCAÇÃO FORMAL. Dado que o Brasil tem progredido signifi- cativamente em termos de aumentar a educação das mulheres, a aten- ção deveria agora se voltar para assegurar que os meninos não fiquem para atrás e para melhorar a qualidade geral da escola ao reduzir os estereótipos relacionados a gênero transmitidos pela educação. Estes A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL109 podem minar as escolhas de carreiras pelas meninas ao incentivar um comportamento dócil entre elas e prejudicar o desempenho dos meni- nos na escola, assim como contribuir para o comportamento agressi- vo entre os meninos. Medidas específicas incluem o desenvolvimen- to de módulos de treinamento para professores sobre os estereótipos relacionados a gênero transmitidos pela educação e a eliminação de estereótipos relacionados a gênero nos livros didáticos e nos outros materiais de sala de aula. 108. As parcerias entre o Ministério da Educação e organizações como a Rideh têm sido uma forma-custo efetiva de tratar dos problemas as- sociados aos estereótipos relacionados a gênero e à socialização; as- sim, estas parcerias deveriam ser fortalecidas. O Brasil poderia tam- bém aprender com as experiências bem sucedidas da vizinha Argenti- na, que, no final da década de 1980 e início da década de 1990, fez progressos importantes para a remoção da linguagem e imagens sexis- tas dos livros escolares. Outras recomendações relacionadas à educa- ção formal incluem: (a) a análise do impacto diferenciado por gênero dos programas Bolsa Escola e Peti na redução do trabalho infantil e a retenção de meninos e meninas na escola; e (b) obter uma compreensão melhor das determinantes da educação por gênero, incluindo o modo como o local de residência, a educação dos pais e a presença das mães ou dos pais afeta o desempenho educacional de meninas e meninos. 109. CRECHE/EDUCAÇÃO MATERNAL. A educação maternal repre- senta um investimento futuro no capital humano do país e deveria ser uma prioridade a longo prazo. Os estudos mostraram que as crianças que freqüentaram a pré-escola têm um desempenho acadêmico me- lhor do que aquelas crianças que não o fizeram. Fornecer creches é também crucial para as mães, especialmente para aquelas que são forçadas a trabalhar. Creches financiadas com recursos públicos po- dem não ser uma opção viável ou necessariamente desejável, dado os problemas potenciais com a qualidade. Assim, as organizações em nível da comunidade podem ser utilizadas como o veículo para forta- lecer e expandir a educação maternal e as creches. No curto prazo, a 110A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL melhoria dos programas já existentes poderia ser uma opção viável dado que os pais pagariam por serviços bons. Por exemplo, fornecer treinamento e regulamentar melhor as mães creches existentes pode- ria ser um primeiro passo. Trabalho 110. O Brasil precisa tratar das diferenças salariais persistentes relacio- nadas a gênero, as quais são maiores do que em muitos dos seus vizi- nhos menos desenvolvidos. Uma prioridade seria assegurar uma ade- são maior às leis contra a discriminação no trabalho através da análise dos mecanismos atuais de fiscalização e o apoio institucional disponí- vel para as trabalhadoras; e disponibilizar informação sobre os direitos trabalhistas para as trabalhadoras e para os empregadores. Uma segun- da prioridade seria pesquisar se a licença-maternidade de quatro meses do Brasil contribui para a discriminação das mulheres e como contra- balançar os efeitos negativos possíveis desta regulamentação. 111. Como já mencionado em todo este relatório, a discriminação so- mente é um fator que contribui para a diferença salarial. Repensar o desequilíbrio na divisão dos afazeres domésticos ­ de modo que os homens e as mulheres possam compartilhar a paternidade, o cuidado dos filhos e das tarefas domésticas, liberando assim as mulheres para participarem da força de trabalho e progredirem no emprego é uma outra precondição para a redução das desigualdades trabalhistas rela- cionadas a gênero. Mas como a alteração dos papéis relacionados a gênero exige a socialização de homens e mulheres de forma diferen- te, este será um processo de longo prazo. 112. A obtenção de maior igualdade entre homens e mulheres no mer- cado de trabalho exigirá também alterar o modo como o trabalho está atualmente organizado, de acordo com uma feminista bem conhecida e ex-dirigente do CNDM, Rosiska Darcy de Oliveira. Ela sugere que, por exemplo, arranjos mais flexíveis tais como compartilhamento do emprego precisam ser disponibilizados para os homens e mulheres. Pesquisa recente realizada nos Estados Unidos apóia a noção de que A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL111 os sistemas de trabalho precisam mudar para que se alcance uma igual- dade maior no lar e no mercado de trabalho.25 113. No curto prazo, os projetos e os programas que trabalham com as famílias poderiam iniciar-se incentivando as mudanças nos papéis relacionados a gênero no lar. Por exemplo, um novo programa de "capacitação familiar" está sendo proposto na Argentina, o qual for- nece aos homens desempregados novas habilidades no cuidado dos filhos e facilitando às parceiras a busca por oportunidades de traba- lho. As recomendações relacionadas a outras questões de gênero e de trabalho são as seguintes. § EQUIPARANDO O EMPREGO. As ONGs e outros grupos da socie- dade civil que sejam bem conhecidos na comunidade poderiam agir como agências centrais de empregos, bem como fornecer treinamento sobre apresentação pessoal e na preparação para um emprego. Em especial, as mulheres poderiam beneficiar-se com estes serviços por- que elas têm dificuldade de deixar as favelas para buscar empregos (devido às restrições da casa), apresentando-se para empregadores potenciais e obtendo acesso a informação sobre empregos. § CRIANÇAS DE RUA /TRABALHO INFANTIL. De acordo com um relatório do Banco Mundial, a redução do número de crianças de rua exige investimentos no capital humano e social, tais como programas integradas de desenvolvimento pré-escolar. Outros concordam que a melhor abordagem é construir capital humano e social nas comunida- des mais pobres que têm o benefício adicional de fornecer os serviços básicos de saneamento, saúde e nutrição (MORAN & MOURA CAS- TRO, 1997).26 Por último, a expansão rápida dos programas Bolsa Escola e Peti merecem uma pesquisa mais sensível a gênero. 25Ver Deutsch, Francine M., 1999. Halving it All. How Equally Shared Parenting Works. Harvard University Press. 26O estudo do BID realizado por Moran e Castro (1997) sugere três abordagens para tratar do problema das crianças de rua. Primeiro, a abordagem de abrigo fornece um ambiente de internato para as crianças pobres, incluindo educação, treinamento, atenção à saúde, alojamento, alimen- tação, atividades esportivas e de lazer. A Fundem, no Rio de Janeiro, utiliza esta abordagem. As 112A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL Pobreza, flutuações econômicas e redes de proteção social 114. A predominância numérica de famílias com crianças pequenas que estão abaixo da linha de pobreza, bem como as conclusões sobre as vulnerabilidades maiores dos domicílios encabeçados por mulheres levam a crer que visar estes grupos propiciaria uma redução da pobre- za, podendo inclusive estar no cerne da estratégia com esta finalida- de. As recomendações específicas incluem: aumento no acesso das mulheres pobres às creches e ao planejamento familiar, melhorias con- tinuadas na educação, a redução de barreiras para a participação das mulheres pobres no mercado de trabalho, a redução da violência con- tra as mulheres pobres e repensar o desequilíbrio relacionado a gêne- ro na divisão dos afazeres domésticos de modo que os homens e as mulheres compartilhem a paternidade, cuidado dos filhos e das tare- fas domésticas. 115. A incidência maior de pobreza e vulnerabilidade está entre as fa- mílias com crianças menores de cinco anos de idade, especialmente aquelas encabeçadas por mulheres. Dado os efeitos demonstrados sobre a redução da pobreza da participação econômica maior pelas mulhe- res, um programa de transferências financeiras (na linha do Bolsa Escola e Peti) visando estas famílias e ligados ao desenvolvimento pré-escolar que inclua o fornecimento de creches poderia ser especial- mente efetiva na redução da pobreza. 116. Finalmente, dado o estado permanente de volatilidade e risco as- sociado com a globalização e a liberação dos mercados, ter uma com- armadilhas têm sido os custos unitários altos, as dificuldades em manter as crianças o tempo necessário para fazer diferença e o sucesso limitado na obtenção de emprego para os jovens que atingem o limite de idade. Segundo, a abordagem "se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai até a montanha" leva comida e serviços para as crianças nas ruas. Os problemas dessa aborda- gem incluem a inabilidade de atrair as crianças e a oposição de pedestres e de lojistas. Uma terceira abordagem "ampla" tenta reunir as crianças às famílias. As restrições a esta estratégia incluem os recursos necessários para fornecer as famílias com um ambiente mais aconchegante para as crianças e a condição freqüente "além do conserto" para a maioria das crianças de rua e das suas famílias. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 113 preensão melhor de como os domicílios são afetados pelas flutuações econômicas poderia ajudar também a desenhar melhor as redes de segurança social. Especificamente, os dados coletados e analisados no Brasil precisam refletir melhor a heterogeneidade dos domicílios. Como em outros países, os domicílios são categorizados tipicamente como encabeçados por homens ou por mulheres; os programas sociais são então direcionados para os domicílios encabeçados por homens ou por mulheres, dependendo das suas condições de pobreza. En- quanto esta classificação representa a forma de análise mais fácil, ela é simplista por não levar em consideração a multiplicidade de arran- jos familiares existentes no Brasil. Mais ainda, pode levar a conclu- sões enganadoras e errôneas. Por exemplo, o conceito assume uma relação hierárquica entre os membros da família que podem ou não estar presentes. Implica também que o cabeça é a pessoa mais impor- tante, que o cabeça está presente no domicílio, que o cabeça tem uma autoridade total nas decisões do domicílio e que o cabeça provê apoio econômico central e consistente. Estas premissas comumente assumi- das foram demonstradas como sendo inexatas na descrição de lares típicos na América Latina. Assim, os dados precisam ser coletados e analisados de forma a capturar melhor a heterogeneidade das estrutu- ras familiares, bem como a descrever a dinâmica familiar, o processo decisório, estratégias de sobrevivência e respostas aos incentivos pela composição familiar e os papéis relacionados a gênero dos membros da família. Os dados coletados no México e a pesquisa do Banco Mundial realizada utilizando aqueles dados fornecem um precedente bom, que o Brasil deveria seguir.27 27Ver Cunningham, 1999. 114A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL REFERÊNCIAS `Aborto: uma prática em queda livre', VEJA, São Paulo, 28 de novembro de 2001. ARRIAGADA, Irma, 1998. "The Urban Female Labor Market in Latin America: The Myth and the Reality." ECLAC: Women and Development Unit Series #21. BARKER, Gary, 1998. Boys in the Hood, Boys in the Bairro: Exploratory Research on Masculinity, Fatherhood and Attitudes Towards Women Among Low Income Young Men in Chicago and Rio de Janeiro Brazil. Paper Prepared for the IUSSP/CENEP Seminar on Men, Family Formation and Reproduction, 13-15 May 1998, Buenos Aires, Argentina. BELTRÃO, K.I. e CAMARANO, A. "Características Sócio-Demográficas da População Brasileira." Revista Estudos Feministas, v.5, n. 1:106-119. BEMFAM, 1996. Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS). Rio de Janeiro: BEMFAM. BENERÍA, L., 1992. "Accounting for Women's Work: The Progress of Two Decades." World Development, v. 20, n. 11:1547-1560. BERQUO, E., 1996. A Saúde Reprodutiva no Contexto Atual. Campinas: UNICAMP/NEPO. BRUSCHINI, C., 1998. "Trabalho Feminino no Brasil: Novas Conquistas ou Persistência da Discriminação?" XXI International Congress, Latin American Studies Association, Chicago: 24-26 de setembro. DEUTSCH, Francine M., 1999. Halving it All. How Equally Shared Parenting Works. Harvard University Press. CARRANZA, M., 1994. "Saúde Reprodutiva da Mulher Brasileira," in Mulher Brasileira é Assim. Edited by H. Saffioti and M. Munoz-Vargas. Brasília e Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, UNICEF/NIPAS 1994:95-150. CARVALHO, M.P., 1998, "Vozes Masculinas numa Profissão Feminina." Estu- dos Feministas, v. 6, n. 2:406-422. COIMBRA Jr. C. e R. SANTOS, 1994. Epidemiologic Profile of Amazonian Ameridians from Brazil. Washington D.C.: The World Bank (manuscrito não publicado). "Comodidade, a falsa armadilha da cesariana", Gazeta Mercantil, São Paulo, 7 de dezembro de 2001. CONDE LOPEZ, V., 1990. "Descripción de los pacientes diagnosticados de `Sín- drome de la Dependencia de Alcohol' y `Abuso del Alcohol', según criterios C.I.E.- 9a de la OMS, en un servicio de hospitalización psiquiátrica." Actas- Luso-Esp-Neurol-Psiquiatr-Cienc-Afines. 1990 May-Jun; 18 (3):193-204. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 115 CORREIA, M.C., 1998. Gender Portfolio Review: Argentina, Chile, Uruguay Program. Washington D.C.: The World Bank (manuscrito não publicado). COSTA, A.M., 1999. Uma Política de Assistência Integral à Saúde da Mulher a Ser Resgatada. SãoPaulo, Comissão de Cidadania e Reprodução. . "Whose Double Shift? Household Allocation of Domestic Labor in Macroeconomic Fluctuations." Washington D.C.: World Bank (mimeo). . 1999. "Breadwinner versus Caregiver: Labor Force Participation and Sectoral Choice over the Mexican Business Cycle." In The Economics of Gender in Mexico. Edited by E. Katz and M. Correia. Washington D.C.: World Bank, 2001:85-132. DE BEAUVOIR, S., 1953. The Second Sex. H.M. Parshley (Tradutor) ENAP, 1998. Diagnóstico da Situação da Mulher na Administração Pública Federal. Relatório de Pesquisa, Brasília, abril. FIESS, Norbert M. e VERNER, Dorte, 2001. The Dynamics of Poverty and its Determinants: The Case of the Northeast of Brazil and its States. Washing- ton D.C.: World Bank (versão preliminar). FERREIRA, Francisco H.G. e LEITE, Philippe G., 2001. The Effects of Expanding Education on the Distribution of Income in Ceará: A Micro-simulation, PUC, Rio de Janeiro. FISCHER, I.R. e L. ALBUQUERQUE, 1997. Women and Agricultural Modernization in Northeast Brazil. Ottawa: International Development Research Center. (fonte: http://www.idrc.ca/socdev/document/Women/ intro.html). FLACSO, 1995. Latin American Women Compared Figures. Santiago de Chile: Flacso. FLORO, M., 1994. "Work Intensity and Women's Time Use" in Color, Class and Country: Experiences of Gender. Edited by G. Young and B. Dickerson. London and New York: Zed Press: 162-181. HTUN, M. N., 1998. Women's Political Participation, Representation and Leadership in Latin America Issue Brief. Washington D.C.: International Center for Research on Women, November 1998. INSTITUTO BRASILEIRO DE INOVAÇÕES EM SAÚDE SOCIAL (Ibiss), 1998. Exploração Sexual Infanto-Juvenil e o Turismo em Mato Grosso do Sul. JORGE, M. H. P. de M., 1998. "Mortalidade por Violência." in Seminário Na- cional sobre Emprego e Violência. Brasília: Comissão Nacional de Popula- ção e Desenvolvimento. LAVINAS, L., 1996. "Aumentando a Competitividade das Mulheres no Merca- do de Trabalho." Estudos Feministas, v. 4, n. 1:171-182. LEAL, Ondina, 1998. "Reproductive Culture and Sexuality:" Estudos Feminis- tas, v. 6, n. 2:425-437. 116A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL LINHARES, L., 1998. "Gênero e Violência" in Seminário Nacional sobre Em- prego e Violência. Brasília: Conselho Nacional de População e Desenvolvi- mento: 103-108. . 1996. "Gênero, Trabalho e Legislação Trabalhista no Brasil". Estu- dos Feministas, v. 4, n. 2:447-463. MORRISON, Andrew R. e MARÍA LORETO Biehl (Eds.), 1999. Too Close to Home. Domestic Violence in the Americas. Washington, D.C.: Banco Inter- Americano de Desenvolvimento. MOSER, C., 1997. Household Responses to Poverty and Vulnerability, Volume 1, Confronting Crisis in Cisne Dos, Guayaquil, Ecuador. Washington D.C.: World Bank Urban Management Program. MORAN, R. e MOURAS CASTRO, 1997. Street-children and Inter-American Development Bank ­ Lessons from Brazil. Washington D.C.: Divisão de Pro- gramas Sociais, Banco Inter-Americano de Desenvolvimento. NUNES, A., Piola, S. F., 1998. "Internações Hospitalares do SUS: Caracteriza- ção por Sexo e Grupos de Idade", in ARILHA, M. e CITELI, M.T. (Eds.) Políticas, Mercado, Ética, São Paulo: Editora 34:111-135. PENA, M.V., 1991. A Situação da Mulher Brasileira na Década de 80. Relató- rio para o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento. . 1981. Presença Feminina na Constituição do Sistema Fabril. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. PEREIRA DE MELO, 1998. O Serviço Doméstico Remunerado No Brasil: De Criadas a Trabalhadoras. Rio de Janeiro: Ipea. POSTHUMA, A.C., 1998. "Mercado de Trabalho e Exclusão Social da Força de Trabalho Feminina", in ABRAMO, L. e A. PAIVA ABREU (Eds.) Gênero e Trabalho na Sociedade Latino-Americana. Associação Latino-americana de Sociologia do Trabalho. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1994. Relatório Geral Sobre a Mu- lher na Sociedade Brasileira. IV Conferência Mundial sobre a Mulher: Ação para Igualdade, Desenvolvimento e Paz, Pequim 1995. Brasília: dezembro. ROSEMBERG, F. A., 1997. Expansão da Educação Infantil no Brasil e Proces- sos de Exclusão. São Paulo: Fapesp (Relatório de Pesquisa). SANT'ANNA, W. e PAIXÃO, M., 1999. "Muito Além da Senzala" (não publi- cado). SILIPANDRI, E., 1998. Profissionalização para a Mulher Rural e a Divisão Sexual do Trabalho. Brasília: Contag, Oficina Nacional de Formação Profis- sional para Mulheres. SPALLIACCI, L., 1997. Estudos de Algumas Variáveis Maternas Relacionadas à Prematuridade. São Paulo: M.A. Dissertação para a Universidade de São Paulo. A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL 117 STELINER, Morton, SMITH, Breslaw e MONETTE "Labor Force Behavior and Earnings of Brazil Women and Men" (não publicado). UNDP, 1995. The Human Development Report. New York: Oxford University Press. WOMEN'S ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT ORGANIZATION (WEDO), 1998. Mapping Progress: Assessing Implementation of the Beijing Platform 1998. New York. WORLD BANK, 1997a. Alcohol Policy as a Means of Controlling Crime and Violence: A Review of the Research. Washington D.C.: The World Bank (ma- nuscrito não publicado). WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1999. Violence Against Women Information Pack: a Priority Health Issue. 118A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL Lista de abreviaturas e siglas AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida AIDS I e II Primeiro e Segundo Projeto de Controle da AIDS e DST BEMFAM Sociedade Civil do Bem-Estar Familiar no Brasil CCR Comissão de Cidadania e Reprodução CEDAW Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CENEPI Centro Nacional de Epidemiologia CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CNDM Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura DST Doenças Sexualmente Transmissíveis ECCE Atenção à Primeira Infância e Educação Pré-escolar ECLAC Comissão Econômica para a América Latina e Caribe ESW Estudo Econômico Setorial ENAP Escola Nacional de Administração Pública FLACSO Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales FUNASA Fundação Nacional de Saúde HIV Vírus da Deficiência Imunológica Humana IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBISS Instituto Brasileiro de Inovação em Saúde Social IDAC Instituto de Ação Cultural IDRC Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Internacional ILO Organização Internacional do Trabalho IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ISER Instituto Brasileiro de Estudos Religiosos MEC Ministério da Educação MNMMR Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua MS Ministério da Saúde OIT Organização Internacional do Trabalho OMS Organização Mundial de Saúde ONG Organização Não Governamental PACS Programa Agente Comunitária de Saúde PSF Programa Saúde da Família PAISM Programa de Saúde Integral da Mulher PETI Programa para Erradicação do Trabalho Infantil PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNDS Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde PROSAD Programa de Saúde do Adolescente SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SEAD Sistema Estadual de Análise de Dados SUS Sistema Único de Saúde UNDP Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância