104203 Relatório de resultados Workshop “Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina” Foz do Iguaçu 11-12 de março de 2015 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 1 Este relatório foi preparado pela equipe do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird)/ Banco Mundial com o apoio das equipes de projetos e instituições que participaram Workshop “Povos indígenas e projetos produ- tivos rurais na América Latina”. As considerações, interpretações e conclusões expressas neste volume não refletem necessariamente a opinião dos Diretores Executivos do Banco Mundial ou dos governos que eles representam. O Banco Mundial não garante a exatidão das informações incluídas neste relatório e não aceita responsabilidade alguma por qualquer consequência de seu uso. O Banco Mundial incentiva a divulgação do seu trabalho e geralmente concede pronta permissão para reprodução de toda ou em parte para propósitos não comercial, considerando que seja reconhecida sua propriedade. Coordenação: Alberto Coelho Costa e Diego Arias Carballo Edição: Alberto Coelho Costa, Diego Arias Carballo e Wanessa Matos Fotos: Mariana Ceratti Revisão: Juliana Machado e Wanessa Matos Diagramação: Carlos Eduardo Peliceli da Silva Banco Mundial SCN Quadra 2 Lote A Ed. Corporate Financial Center, 7º andar 70712-900, Brasília/DF Telefone: (61) 3329-1000 http://www.worldbank.org/pt/country/brazil Relatório de resultados Workshop “Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina” Foz do Iguaçu 11-12 de março de 2015 Sumário CARTA DE APRESENTAÇÃO 4 I. Introdução 6 II. Justificativa 8 III. Principais resultados do encontro 10 1. Acesso dos povos indígenas aos mercados 10 2. Ações de planejamento e assistência técnica 19 2.1. Promover a qualificação profissional de assistência técnica 19 2.2. Promover a formação de equipes multidisciplinares 20 2.3. Adaptar metodologias e instrumentos de planejamento às circunstâncias locais 22 2.4. Fortalecer os instrumentos de monitoramento, avaliação e feedback 23 3. Lições aprendidas e boas práticas 24 IV. Encaminhamento propostos 26 Quadros Quadro 1. Programa de Desenvolvimento Empresarial Indígena – PRODEI – Panamá 11 Quadro 2. Melhora de infraestrutura produtiva em atividade de gado leiteiro na Terra Indígena Xapecó – SC Rural – Brasil 14 Quadro 3. A importância da visão de mercado e das redes sociotécnicas para inclusão produtiva de populações indígenas 17 Carta de Apresentação O Banco Mundial apoia os Governos da América Latina e Caribe com financiamento e assistência técnica de projetos para o aumento da renda e da produtividade dos agricultores familiares, incluindo comu- nidades indígenas. As políticas e programas de apoio à produção agropecuária têm avan- çado na última década, com o objetivo de atender a demanda de pro- dutores por um maior acesso a importantes mercados. Essa questão, seus desafios e oportunidades têm se tornado cada vez mais eviden- tes nas comunidades indígenas. Nesse contexto, foi desenvolvido o Workshop regional “Povos indí- genas e projetos produtivos rurais na América Latina”, realizado pelo Banco Mundial em Foz do Iguaçu, em março de 2015. Atualmente, os programas apoiados pelo Banco Mundial e outros par- ceiros financiam planos de de desenvolvimento local e acesso a mer- cados preparados e apresentados por grupos de produtores. No caso das comunidades indígenas, estes planos precisam receber assistên- cia técnica especializada e desenvolver um trabalho prévio de alinha- mento aos objetivos e valores culturais das próprias comunidades indígenas, a fim de conquistar sua adesão e apoio, garantindo assim a sustentabilidade das iniciativas. Este relatório aborda os desafios e oportunidades vivenciados pelas comunidades indígenas para aumentar a valorização dos seus produ- tos e serviços, obter acesso aos mercados de forma mais adequada e ampliar sua participação. Seu objetivo é compartilhar os resultados do Workshop e estabelecer uma agenda de trabalho para o alcance dessa tarefa tão importante para a nossa região. 4 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina O relatório foi preparado pela equipe do Banco Mundial (Alberto Costa, Diego Arias, Fátima Amazonas, Marilin Renfelth e Wanessa Matos) com o apoio dos representantes dos Projetos do Banco Mundial, Instituições e Comunidades Indígenas: Microbacias II/São Paulo; Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas-CAA/NM, Projeto RN Sustentável, Projeto São José III/ Ceará, Programa Santa Catarina Rural, Projeto PRORURAL/ Pernambuco, Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional – CAR, Projeto Bahia Produtiva, e Universidade Federal da Integração Latino-Americana/UNILA - pelo Brasil; Programa de Desenvolvimento Empresarial Indígena/PRODEI e Governo do Panamá - pelo Panamá; Associação das Comunidades Indígenas de San Pedro/ ACISPE, Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável /PRODERS, Comunidade Indígena Palomita e Comunidade Indígena Santa Isabel - pelo Paraguai. Laurent Msellati Gregor Wolf Markus Kostner Gerente de Programa Líder de Programa Gerente de Programa Agricultura Desenvolvimento Sustentável Desenvolvimento Social Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 5 I. Introdução O Banco Mundial, a Universidade (c) Diversificação produtiva e Federal da Integração Latino- a sustentabilidade dos recursos Americana (UNILA) e parceiros econômicos comunitários e fami- do Banco Mundial em alguns paí- liares; ses da América Latina – Brasil, Paraguai e Panamá – reuniram- (d) Valor agregado aos bens e se em março de 2015, na cidade serviços das comunidades ou gru- de Foz do Iguaçu, com os objeti- pos familiares; vos de colaborar para o fortale- (e) Formas e estratégias de co- cimento de programas e projetos mercialização atuais e programa- produtivos rurais com povos in- das, e canais de comercialização; dígenas, trocar experiências e lições aprendidas e propor reco- (f) Relevância cultural e de gê- mendações para futuras opera- nero; e ções. (g) Estratégias de abordagem Propôs-se também sistematizar metodológica adotadas por cada algumas experiências produtivas projeto, dificuldades e desafios com povos indígenas, por meio encontrados na implementação, de estudos de casos apresenta- soluções encontradas e lições dos por Brasil e Paraguai, focan- aprendidas. do nos seguintes aspectos: (a) A viabilidade econômica, so- cial e ambiental dos projetos pro- dutivos; (b) A geração de renda e empre- gos em grupos participativos de interesse comum, atuantes em co- munidades onde o projeto é imple- mentado; 6 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina © Mariana Ceratti / Banco Mundial Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 7 II. Justificativa A América Latina tem uma rica de vida – como, por exemplo, o experiência na criação de pro- direito a uma dieta saudável e a gramas de produção econômica meios de produção que lhes per- e desenvolvimento integral, com mitam manter um estilo de vida a participação de povos e comu- adequado à sua cultura e suas nidades indígenas, em que eles se aspirações. tornam protagonistas na busca do bem-estar dos membros da Países como Brasil, Paraguai e comunidade. Essa experiência, Panamá têm rica experiência no no entanto, é pouco conhecida e campo dos programas produ- ainda menos compartilhada entre tivos com povos indígenas. No países. entanto, cada uma dessas expe- riências precisa ser fortalecida. O Banco Mundial, juntamente Inegavelmente, a troca de ex- com seus parceiros na região, periências, o conhecimento e a tem acompanhado esse pro- disseminação das lições apren- cesso, impulsionando diferentes didas, tanto as bem-sucedidas modelos de gestão em que os como aquelas que precisam ser membros das comunidades indí- melhoradas ou que não devem genas deixam de ser receptores ser repetidas, são algumas das passivos de infraestruturas que, melhores maneiras de se promo- muitas vezes, não são sequer ver esse fortalecimento. utilizadas, para participar ativa- mente de todas as fases do seu A sistematização desse en- desenvolvimento econômico, da contro, por meio de estudos de produção de alimentos para a co- caso de cada um dos projetos e mercialização e a autossuficiên- programas, foi escolhida como cia e da busca de novos nichos ferramenta para divulgar expe- de mercado para seus produtos. riências bem-sucedidas de paí- É baseado na premissa de que o ses que são parte do processo de exercício da cidadania decorre produção econômica participa- de reconhecimento dessas po- tivo de grupos sociais desfavo- pulações como sujeito de direito, recidos, como as comunidades que exige melhores condições indígenas. 8 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina © Mariana Ceratti / Banco Mundial Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 9 III. Principais resultados do encontro Os grupos de trabalho e os de- 1. Acesso dos bates realizados durante o workshop identificaram três di- povos indígenas mensões como áreas de traba- lho de prioridade no futuro, para aos mercados diferentes projetos e iniciativas de apoio às comunidades no de- As condições primordiais para o senvolvimento produtivo e no planejamento e a implementa- acesso a novos mercados: ção adequados dos projetos in- cluem: 1. O conhecimento das condi- ções de acesso ao mercado; a. Analisar o ambiente. Levar em consideração que nem todas 2. O marco regulatório legal e as comunidades buscam ou de- político; e sejam o acesso ao mercado. Ao mesmo tempo, refletir sobre a necessidade de se romper com O planejamento de ações, a 3. o estereótipo dos povos indíge- qualificação e a prestação de nas como grupos isolados, já que, assistência técnica. com algumas exceções, sempre estiveram entrelaçados em redes As principais recomendações de troca e relações de poder que em cada uma dessas três áreas não excluem as formas de acesso são descritas a seguir. a mercados de trabalho e de terra. É preciso compreender a história da inter-relação dos povos indíge- nas com o mercado para melhor compreender os desafios espe- cíficos que cada comunidade en- frenta nas suas relações com ele. Nem todas as comunidades têm as mesmas condições de acesso ao 10 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina mercado e é necessário estudar, b. Respeitar as visões dos em conjunto com as comunidades, povos indígenas. Conhecer sua quais são suas experiências passa- visão sobre acesso ao mercado das, suas formas de inclusão, ocu- e entender suas expectativas pações, atividades e produtos em e suas reais possibilidades em que se concentraram, as relações relação ao tema, de forma be- de poder em que foram inseridas néfica para os povos indígenas. até hoje e os fatores que levaram Estudar, em conjunto com as a essas condições, bem como as comunidades, qual é seu verda- consequências para a organização deiro potencial e quais são suas econômica, política, social e cultu- aspirações. Juntamente com ral do grupo. elas, saber sobre o funciona- Quadro 1. Programa de Desenvolvimento Empresarial Indígena – PRODEI – Panamá No Panamá, as comunidades indígenas contam com territórios delimitados há vários anos. Dentro desses territórios, empre- sas são selecionadas de acordo com diagnósticos preparados, com planos de desenvolvimento para cada uma das empresas. Com o apoio do BID, do FIDA e da GIZ, realizou-se um diag- nóstico da situação econômica dos territórios indígenas e das possibilidades dos mercados local, nacional e internacional. A partir desse diagnóstico econômico, detectaram-se diver- sas possibilidades empresariais, diversos nichos de mercado e suas possibilidades, tais como o café para os mercados local e internacional, o comércio justo, o mercado lojista, o mercado para o café orgânico etc. O diagnóstico também descobriu as possibilidades do cacau e do artesanato como “molas” mun- dialmente conhecidas. Criou-se uma rede de empreendedores nas comunidades, adequou-se a produção às demandas do mercado, aprimorou-se a qualidade do cultivo de café e cacau, a produção artesanal de acordo com a demanda etc. Cada ter- ritório indígena estabeleceu um plano estratégico que inclui, além da assistência técnica e de consultorias especializadas em acesso ao mercado, um kit administrativo. Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 11 © Mariana Ceratti / Banco Mundial mento do mercado, seus limites, a qualidade nutricional e a saúde nas suas vantagens e desvantagens comunidades indígenas. As preocu- para se tornar capazes de inte- pações dos povos indígenas em re- ragir favoravelmente com ele. lação a sua segurança e soberania alimentares, dada a necessidade de c. Considerar as preocupações dos entrar no mercado, requerem que se povos indígenas com a segurança leve em conta o apoio à produção e soberania alimentar. Notar que, de cultivos tradicionais, ao invés de antes de almejar o acesso ao mer- produtos que se imponham do exte- cado, a maioria dos povos indígenas rior, por meio de assistência técnica. busca a segurança alimentar de suas Deve-se também levar em considera- comunidades. Portanto, é necessário ção a necessidade de conciliarem-se procurar compatibilizar a produção estilos de vida, formas de produção, para o mercado com a produção de conhecimentos tradicionais e for- alimentos tradicionais e de sementes mas tradicionais de organização dos “crioulas”, contribuindo com a segu- povos indígenas com a produção rança e a soberania alimentar, para para o mercado. 12 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina d. Promover a diversificação da dos). Analisar e compreender as produção. Não obstante os argu- potencialidades abertas para as mentos acima, considerar a diver- comunidades indígenas por cada sificação da produção como fator tipo de mercado. crítico para a inclusão produtiva dos povos indígenas. Dessa forma, f. Promover a qualidade dos contribui-se para a diminuição da produtos. Estudos mostram que, vulnerabilidade às flutuações do em geral, a qualidade dos pro- mercado, para reduzir ou evitar a dutos das comunidades indíge- sobre-exploração dos recursos na- nas é comparativamente melhor. turais – uma das principais ameaças Por outro lado, o mercado tam- enfrentadas pelos povos indígenas bém exige que as comunidades que precisam obter renda por meio se adaptem a normas e exigên- do mercado para sua subsistência cias, tais como cronograma de –, levando a uma melhor adaptação entrega, código de barras, con- climática. dições de higiene, embalagem etc. Deve ser discutido se a co- e. Conhecer o mercado e en- munidade pode atender a esses tender as diferentes alterna- requisitos e que tecnologias e tivas disponíveis, de forma novas práticas podem ser adota- diferente, em cada contexto. das. Recomenda-se promover a Saber mais sobre a diversidade adoção de sistemas de produção dos mercados que estão dispo- de baixo custo e reduzida de- níveis em cada contexto: merca- pendência em relação a recursos do justo; mercado institucional externos. Muitas vezes, faltam de compras governamentais1; infraestrutura básica, galpões nichos de mercado nacional ou para armazenamento, embala- internacional; bem como mer- gem adequada etc. cados de produtos orgânicos e agroecológicos; mercado con- g. Analisar a viabilidade de pro- vencional local (como feiras); jetos, considerando os resultados e mercado regional e nacional econômicos. É importante realizar (como redes de supermerca- uma análise de viabilidade – eco- nômica e financeira – das propos- 1 Deve-se levar em consideração a importância das compras governamentais, já que essa forma de comercialização tem tas dos povos indígenas para a sua ajudado as comunidades a se organizarem para o mercado, com notas legais, planejamento de entregas, padrões de produção etc. inclusão no mercado. Essa análise Portanto, durante a preparação de projetos de inclusão produtiva com os povos indígenas, é necessário sempre verificar o potencial de compras do governo (ex. merenda escolar e outros regimes). deve ter: (i) características específi- Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 13 Quadro 2. Melhora de infraestrutura produtiva em atividade de gado leiteiro na Terra Indígena Xapecó – SC Rural – Brasil O Programa de Competitividade da Agricultura Familiar de Santa Catarina (SC Rural) apoia a elaboração de planos de desenvolvi- mento das terras indígenas que estabelecem, de forma participa- tiva, prioridades sociais, ambientais e econômicas e as organizam em projetos coletivos. No trabalho realizado na Terra Indígena Xapecó – onde a etnia Kaingang predomina entre as 1.350 famílias indígenas –, uma das prioridades elencadas refere-se ao apoio à atividade de bovino- cultura de leite. Essa atividade vem crescendo no interior da terra indígena desde 2008. Aportaram-se recursos da ordem de R$ 300 mil (trezentos mil reais) em dois projetos para o apoio à explora- ção da atividade por 79 famílias associadas à AIKA – Associação Indígena Kanhru e a uma cooperativa regional (COAFER), que é responsável pela comercialização da produção. O apoio à bovinocultura de leite entre os Kaingang baseou-se na premissa de que o sistema de produção a ser adotado seria de baixo custo e reduzida dependência em relação a recursos ex- ternos e incluiu: (i) atividades de implantação e manejo das pas- tagens perenes de verão no sistema de piquetes definitivos, com fornecimento de água aos animais e (ii) aquisição de equipamen- tos de ordenha e de higienização para alcançar os padrões de qualidade do leite. Essas atividades contribuíam adicionalmente para a proteção das nascentes de água por meio do isolamento das Áreas de Proteção Permanente. Entre os resultados alcançados, destacam-se a consolidação da bovinocultura de leite como atividade econômica, a motivação dos técnicos e dos produtores envolvidos e o melhor envolvimen- to com o mercado consumidor local e regional, tendo-se vencido restrições anteriores aos produtos de origem indígena. 14 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina © Mariana Ceratti / Banco Mundial Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 15 cas de estilos de vida de cada povo articulam-se em redes que podem indígena; (ii) necessidades de orga- ser espontâneas ou induzidas, (ii) nização, avaliação e investimento essas redes são mantidas juntas e em infraestrutura e máquinas para tomam decisões e (iii) o extencionis- alcançar um padrão de qualidade ta deve se tornar capaz de discernir e produção adequado e prever o os tempos em que deve intervir, lide- planejamento de entregas para di- rar ou cooperar com as decisões dos ferentes mercados, permitindo que outros. projetos alcancem bons resultados econômicos; e (iii) aspectos sociais e i. Produzir resultados con- intangíveis, que podem afetar o grau cretos, visíveis e a curto prazo de aceitação dos produtos indígenas para a comunidade. O trabalho pelo mercado. com povos indígenas baseia-se nas relações de confiança entre a h. Criar redes de parceiros para comunidade e seus líderes, entre apoiar projetos e expandir o ca- comunidades e especialistas de pital social. O principal fundamen- agências governamentais e não to de um dos mais bem-sucedidos governamentais e entre indíge- projetos apresentados durante o nas e participantes do mercado. workshop foi o de formação de uma Além disso, novos conhecimen- rede de apoio por diferentes institui- tos, tecnologias e práticas só são ções, de diversos setores, em torno adotados na medida em que se da execução do projeto que levou verifica, por seus resultados, que ao acesso aos mercados. Chamadas eles não aumentam os riscos de de redes sociotécnicas, elas incor- quem está investindo seus par- poram instituições com diferentes cos recursos para produzir, tanto capacidades e experiência em diver- para a segurança alimentar como sas áreas de intervenção. Ajudam, para o mercado, na expectativa portanto, os povos indígenas a su- de melhorias em suas condições perar os diferentes desafios em seu de vida. Por isso, é essencial ter caminho para o acesso ao merca- em conta duas questões-chave: do. Os participantes do workshop “Quem fica com o prejuízos?” e assinalaram o valor da aglutinação “Se um projeto não funciona, o de diversos apoios institucionais e a que a comunidade indígena, que compreensão de (i) como diferentes o implementou, perde?”. organizações e os povos indígenas 16 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina Quadro 3. A importância da visão de mercado e das redes sociotécnicas para inclusão produtiva de populações indígenas Em São Paulo (Brasil), o Projeto Microbacias II – Desenvolvimento Rural Sustentável e Acesso ao Mercado –, implementado pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral do Governo do Estado de São Paulo (CATI), também se baseia na metodologia da preparação de planos de etno- desenvolvimento para identificar ações prioritárias de inves- timento e na provisão de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e de cursos de capacitação para pro- moverem-se inovações tecnológicas, organizacionais e ge- renciais em áreas indígenas, de modo a viabilizar seu acesso ao mercado. Duas das principais ferramentas introduzidas na atuação da CATI com a ATER Indígena são: (i) um diagnóstico profundo das relações entre as comunidades apoiadas e o mercado, e das oportunidades abertas a seu acesso ao mercado e (ii) o apoio à formação de redes sociotécnicas – redes de coopera- ção entre múltiplas instituições públicas e privadas, investin- do em projetos comunitários de acordo com suas vantagens comparativas (qualificações técnicas, áreas prioritárias de intervenção, conhecimentos). A importância da formação dessas ferramentas está exem- plificada pelo Projeto de Etnodesenvolvimento da Terra Indígena Araribá (município de Avaí), onde o Microbacias II investiu em capacitação gerencial, análise de mercado e construção de um galpão e onde outras instituições (FUNAI, Prefeitura Municipal, Instituto Agronômico – IAC e Secretaria de Estado de Justiça) e parceiros privados agregaram outras atividades e contribuíram com outros equipamentos impres- cindíveis à produção. O projeto incorpora visões de curto, Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 17 médio e longo prazos e estimula os plantios de mandioca, babosa e seringais. Iniciado em 2012, atingiu em 2014 uma área plantada com mandioca de 100 hectares e o plantio de 24 mil pés de seringueiras. Em relação à cultura da mandioca, entre 2012 e 2014, a área cultivada com mandioca cresceu 300% (de 24 para 100 hec- tares), a produção cresceu 440% (de 240 para 1.300 tonela- das, decorrente tanto da expansão da área plantada, quanto da introdução de novos cultivares), o número de empregos diretos gerados saltou de 5 para 50 e o faturamento anual cresceu 1.150% (elevando-se de R$ 72 para R$ 900 mil). © Mariana Ceratti / Banco Mundial 18 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 2. Ações de planejamento e assistência técnica 2.1. Promover a qualificação c. Requer-se, também, que os profissional de assistência técnicos estejam preparados para (i) analisar as oportunida- técnica des de renda dos povos indígenas para o mercado, as condições a. Deve-se fazer uma distinção em que receberam tais rendi- entre extensão rural e assistên- mentos e as consequências de cia técnica – mais integral e ho- tais rendimentos para a susten- lística –, havendo a necessidade tabilidade dos povos indígenas, de qualificar e formar os exten- sua organização social e polí- sionistas rurais para que utilizem tica, sua cultura e (ii) transmitir técnicas adequadas no trabalho adequadamente aos povos in- com os povos indígenas. São ne- dígenas o conhecimento sobre cessários técnicos preparados o mercado e suas vantagens e para trabalhar com os povos in- desvantagens, para que as co- dígenas, com sensibilidade para munidades façam suas escolhas lidar com a diversidade cultural com conhecimento das expec- – como, por exemplo, um acom- tativas e dos resultados que se panhamento antropológico de podem esperar. atividades ou uma capacitação em antropologia para a equipe d. A conclusão geral é a de que técnica. os técnicos oriundos de univer- sidades e instituições de ensino b. Uma característica especí- carecem desse conhecimento. fica que devem ter os técnicos Portanto, é necessário oferecer que trabalham com os povos in- programas de treinamento para dígenas é o desenvolvimento de a extensão, envolvendo noções uma visão crítica sobre a relação de antropologia, da cultura dos entre a sociedade circundante e povos indígenas, de metodolo- esses povos. gias e técnicas participativas, de princípios de comunicação ade- Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 19 quada e do respeito à importân- b. Deve-se valorizar a oralida- cia da oralidade para os povos de a fim de (i) reforçar as re- indígenas. Nesse sentido, é fun- lações de confiança que são damental (i) buscar parcerias essenciais para o trabalho com com universidades para realizar os povos indígenas e (ii) com- tais programas de treinamento preender estratégias indíge- específicos para profissionais nas para se relacionar “fora responsáveis pela assistência do grupo” e, portanto, com as técnica para os povos indígenas agências de governo. ou (ii) desenvolver ferramentas e plataformas para o ensino à c. Devem-se adaptar as tecno- distância. logias aos costumes indígenas por meio da adoção de sistemas 2.2. Promover a formação de de produção de baixo custo que combinem atividades econômi- equipes multidisciplinares cas com atividades de proteção dos recursos naturais e de valor a. Considera-se importante a cultural. formação de equipes multidisci- plinares que incluam técnicos e 2.3. Adaptar metodologias e lideranças indígenas, bem como a necessidade de valorizar os instrumentos de planejamen- profissionais das próprias co- to às circunstâncias locais munidades. Deve-se, também, incrementar a formação e o trei- namento dos técnicos das co- a. Devem-se planejar os pro- munidades indígenas, preparar jetos de acordo com as expec- seus recursos humanos para dar tativas dos povos indígenas e continuidade às atividades ini- entender que a lógica da imple- ciadas pelos projetos nas aldeias mentação do projeto é diferente e comunidades, e criar equipes para cada povo. No planejamen- de ATER próprios dos povos indí- to, é crucial levar em consi- genas, em que a técnica e o co- deração os limites territoriais nhecimento ancestral se unam tradicionais e fortalecer as ter- ao conhecimento ocidental. ras indígenas como unidades in- tegrais de intervenção, em lugar de seguir limites administrativos 20 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina © Mariana Ceratti / Banco Mundial Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 21 © Mariana Ceratti / Banco Mundial ou estatais. Também é crucial metodológica útil para o plane- o planejamento das interven- jamento de intervenções com ções de forma mais ampla, sem os povos indígenas e igualmente restringir-se apenas ao caráter como uma forma de orientar a produtivo e aos aspectos rela- relação dos povos indígenas com cionados à inclusão no mercado. atores externos (governamen- Da mesma forma, considera-se tais ou não governamentais), que o planejamento para a in- para que eles não se tornem re- serção de planos de negócios no féns de projetos que vêm de fora mercado talvez não seja o ins- e não respondem às suas neces- trumento mais adequado para sidades e realidades. se lidar com a entrada dos povos indígenas no mercado. c. No planejamento, devem-se levar em conta a oralidade e a b. Os planos de gestão territo- concepção diferente do tempo rial são vistos como ferramenta que é partilhada pelos povos in- 22 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina dígenas. É imprescindível apren- se outras dimensões devem ser der a escutá-los, valorizar seus consideradas; e se o que se quer saberes e estratégias tradicio- é apenas aumentar a produtivi- nais de produção e gestão de re- dade e a produção ou se seria cursos naturais. igualmente relevante aumentar a participação, a confiança, a capacidade de defenderem suas 2.4. Fortalecer os instrumen- próprias causas. tos de monitoramento, ava- liação e feedback b. Em outras palavras, é preciso aprofundar o entendimento de qual deve ser a teoria de mudan- a. Uma questão-chave para tra- ça por trás destes projetos; que balhar com os povos indígenas fatores ou características de es- é o reforço dos mecanismos de tilo de vida dos povos indígenas acompanhamento e avaliação, se devem proteger; e o que se bem como dos instrumentos de quer e o que não se quer mudar. feedback. Os participantes do workshop propuseram a neces- sidade de se desenvolverem c. Para aprofundar esse enten- análises e de que se aprofun- dimento, é necessário conduzir dem discussões sobre como se reuniões e seminários com lide- deve medir o sucesso dos pro- ranças indígenas e técnicos, para jetos produtivos rurais realiza- definir e acertar a base de uma dos com os povos indígenas; se política adequada aos programas são os mesmos parâmetros da e projetos com indígenas. agricultura familiar em geral ou Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 23 3. Lições aprendidas e boas práticas Foram apresentadas as seguin- um requisito importante para o tes premissas para trabalhar com sucesso de qualquer projeto. os povos indígenas, extraídas do conjunto de lições aprendidas e d. A necessidade de procurar a de experiências anteriores. simplificação da burocracia, con- siderando-se a quem se presta e a. Primeiro, a necessidade de a quem se deve prestar contas. consulta prévia, livre e informa- Simplificar os procedimentos bu- da às comunidades, como ponto rocráticos dos projetos. Adaptá- de partida para qualquer projeto los ao uso e à visão diferentes de a ser realizado com os povos in- tempo que existem em comuni- dígenas. Aprender a ouvir e levar dades indígenas, também tendo em conta a oralidade – uma vez em conta que o tempo de matu- que povos indígenas dão grande ridade dos projetos para acesso importância ao valor da palavra de povos indígenas ao mercado – são premissas-chaves. pode ser mais longo. Em algu- mas comunidades, o acesso ao b. A necessidade de adaptar o mercado levou, pelo menos, seis calendário das intervenções ao anos de trabalho. calendário ritual e social. e. A necessidade de abordar a c. A importância do acesso e problemática da juventude nas da segurança jurídica das ter- comunidades indígenas, uma ras indígenas como condição vez que já existe uma mudança para a realização de projetos cultural entre os jovens, que têm de inclusão produtiva. Qualquer outras expectativas e projetos de projeto deve iniciar-se a partir vida. Os projetos devem abordar da premissa de que o acesso e essa nova situação e procurar a legalização das terras indíge- alternativas para o futuro dos jo- nas devem ser assegurados para vens dentro de sua comunidade. que se possa planejar um futuro É, portanto, indispensável incluir como comunidade, já que a se- os jovens e suas expectativas gurança da posse das terras é dentro dos processos de elabo- ração dos planos comunitários. 24 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina f. A necessidade de se con- h. A confiança mútua e o diá- siderarem e se respeitarem os logo permanente são essenciais modelos culturais predominan- para uma boa relação entre téc- tes nas relações de gênero. nicos e comunidades. g. A necessidade de apoiar a promulgação de políticas de assistência técnica e extensão rural que incluam o trabalho com pessoas nativas. © Mariana Ceratti / Banco Mundial Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina 25 IV. Encaminhamento propostos a. Promover um treinamento d. Estabelecer uma rede de em extensão rural para povos in- profissionais de assistência téc- dígenas, destinado aos técnicos nica e extensão rural indígena dos diferentes projetos apoiados para troca de experiências, en- pelo Banco Mundial. volvendo, também, participantes indígenas. b. Organizar um seminário para discutirem-se os mecanis- e. Fortalecer os instrumentos mos de prestação de contas e de monitoramento dos projetos desembolso entre os projetos e de inclusão produtiva imple- o Banco. mentados por povos indígenas e das plataformas para o inter- c. Conduzir uma revisão de po- câmbio de experiências e lições líticas e programas do estado/ aprendidas. país, para definir como proje- tos podem melhorar seu apoio às comunidades indígenas por meio de um fórum para o diálo- go de alto nível, com a participa- ção de agências como a FUNAI, INDI, Ministério da Agricultura e governos federal e estadual. 26 Povos Indígenas e Projetos Produtivos Rurais na América Latina